Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1219/10.1TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUIS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
ORDEM DOS ADVOGADOS
Data do Acordão: 04/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 72/2008 DE 16/4
Sumário: 1. O contrato de seguro disponibilizado pela Ordem dos Advogados aos Advogados que tenham inscrição em vigor na mesma, é um contrato de seguro facultativo (seguro de grupo).
2. Decorrentemente, está ele, assim, sujeito, ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que, no seu art.º 11º, estabelece como “Princípio Geral”, o de que “o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral”.
Decisão Texto Integral:          
   Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

A (…) e M (…), casados, portadores dos Bilhetes de Identidade, respectivamente, nº (....) e (....) emitidos pelos SIC de Coimbra, residentes em Largo (....) , em Coimbra, propuseram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra

1 – M (…), H (…) E J (…) na qualidade de HERDEIROS DE V (…) que foi advogado, com escritório na (....) , Assafarge

2 – A (…), S.A., com sede na Av. (....), Lisboa

3 – A (…), LTD., com sede em (....) , Espanha

Os autores concluem pedindo a condenação dos réus a pagar (restituir) aos Autores a quantia de € 7.152,76 (sete mil cento e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios à taxa legal, desde a data do acórdão proferido pela Ordem dos Advogados Portugueses até à presente data, que nesta data importam no montante de € 806,60 e ainda no pagamento da quantia de € 17.621,90 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelos Autores, acrescida de juros moratórios desde a data acima referida até efectivo e integral pagamento, que nesta data importam no montante de € 1.832,68 e ainda no pagamento da quantia de € 3.500,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, acrescida de juros moratórios desde a data acima referida até efectivo e integral pagamento.

Fundamentando a sua pretensão alegam que:

- O primeiro Réu é advogado de profissão.

- Em Outubro de 2005, o Autor contactou o Réu para lhe solicitar os seus serviços, pois não concordava com o montante que lhe havia sido arbitrado a título de indemnização no processo de expropriação nº 471/04.6TJCBR que correu termos no 3º Juízo Cível de Coimbra.

- O Réu comunicou ao Autor que era necessário proceder ao levantamento na Câmara Municipal de Coimbra da quantia de € 7.152,76 referente à indemnização que lhe fora arbitrada e que lha entregasse – a ele primeiro Réu – para poder avançar com o processo.

- Tendo sido instruído pelo seu advogado, o Autor levantou a referida quantia e entregou-a ao Réu, que a recebeu.

- O Réu não interpôs o aludido recurso, não existindo qualquer processo em tribunal, o Réu limitou-se a fazer seus os supracitados € 7.152,76, fazendo-se valer da confiança que o mandato forense lhe conferia, fez crer ao Autor de que seria necessário o levantamento e a entrega de tal montante para a interposição do recurso.

- Tendo-lhe sido instaurado o processo disciplinar nº 245/06-D, que correu termos no Conselho de Deontologia de Coimbra tendo o Réu sido condenado a uma pena disciplinar, bem como à restituição ao aqui Autor da quantia de € 7.152,76.

- A justa indemnização pela expropriação da parcela propriedade dos autores fixar-se-ia em valor não inferior a € 24.774,66, e não apenas o valor efectivamente arbitrado, pelo que os Autores deixaram de ganhar o montante de € 17.621,90.

- Os Autores sofreram – e continuam a sofrer – tristeza e angústia, sentem-se deprimidos por verem a sua confiança.

- Pelo pagamento das quantias peticionadas na presente petição inicial são também responsáveis as Segunda e Terceira Rés por, à data dos factos, para elas se encontrar transferida a responsabilidade civil profissional por acções/omissões/negligência ocasionados pelo seu segurado primeiro Réu, por contrato de seguro validamente celebrado e titulado pela apólice nº DP/01018/000/10/B, em vigor à data dos factos relatados.

                                                           *

A ré “A (…)” contestou, excepcionando a sua ilegitimidade passiva e impugnando os factos alegados pelos autores na petição inicial.

                                                           *

A ré “A (…)Ltd” contestou alegando que a apólice em causa tem como limite de indemnização o capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por sinistro e agregado anual de sinistros por segurado, descontada a franquia geral no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a cargo do Segurado.

Mais alega que apenas segura o risco decorrente de acção ou omissão, dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão. Sucede que, o 1º R. não tem a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados. Motivo pelo qual já havia declinado a sua responsabilidade, tendo deste facto dado conhecimento, por escrito, aos AA. e ao 1.º R.

Alega ainda que o 1º R. não comunicou num prazo razoável, à ora 3.ª R., nem a nenhuma das entidades a quem o podia fazer, esses mesmos factos e a possibilidade dos mesmos poderem dar origem a uma Reclamação e sua possível responsabilização decorrente do exercício da sua profissão de Advogado, como para tanto estava obrigado pelo contrato de Seguro aqui em questão (cf. Doc. n.º 1 - Art. 8.º das Condições Especiais da Apólice em menção), e que é condição precedente à assumpção, pela Seguradora ora Interveniente, de qualquer obrigação decorrente das Apólices em referência, concluindo pela exclusão da cobertura da Apólice relativamente aos factos articulados na douta PI e potencialmente geradores de responsabilidade civil do 1º R. (responsabilização essa que, não obstante, só se considera por mero dever de patrocínio).

Impugna a globalidade dos factos vertidos pelos autores na petição inicial e conclui pela improcedência da acção.

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Replicando os autores pugnam pela improcedência das excepções aduzidas pelas rés nas respectivas contestações.

                                                           *

Foi proferido o despacho saneador, no qual se cuidou de fixar o valor à acção, e, foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade invocada pela ré A (…) S.A e esta absolvida da instância, prosseguindo-se com a elaboração dos factos assentes e da base instrutória, o que foi alvo de reclamação apresentada pelo A., desatendida.

                                                           *

Na sequência foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo (como se alcança da respectiva acta), com discussão da prova documental e testemunhal apresentada pelas partes.

Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados e não provados, relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que tendo em conta que o Advogado segurado tinha a sua carteira profissional suspensa por determinação disciplinar da Ordem dos Advogados, nos termos do nº3 do art. 1º das Condições Especiais da Apólice do contrato de seguro em causa, daí decorria a perda da qualidade de segurado, não sendo aplicável a Apólice e concluindo-se pela absolvição da Seguradora Ré do pedido; já o mesmo se não fez relativamente aos 1ºs RR., cuja responsabilidade se fixou no valor total de € 8.152,76 acrescido de juros moratórios nos termos que melhor se definiram, o que tudo se concretizou no seguinte “dispositivo”:

«DECISÃO

Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em conformidade, condeno os réus (…), NA QUALIDADE DE HERDEIROS DE V (…) a pagar aos autores A (…) e M (…) a quantia de € 7.152,76 acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento, bem como a quantia de € 1.000,00 acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento, no mais absolvendo os réus do pedido e absolvendo a ré A (…), LTD. da totalidade do pedido.

Custas a cargo dos autores e dos réus (…)na qualidade de herdeiros de V (…) na proporção do respectivo decaimento.

Registe e notifique.»

                                                                  *

            Inconformada com essa sentença, apresentou a A. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

          (…)

            Por sua vez, apresentou a Ré as suas contra-alegações a fls. 266-273, das quais extraiu as seguintes conclusões:

            (…)

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

            - desacerto da decisão de direito, que deveria ter sido no sentido da condenação da Ré Seguradora em regime de solidariedade com os 1ºs RR. (aspectos da vigência e âmbito de cobertura do contrato)

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

A. O primeiro Réu é advogado de profissão, sendo portador da cédula profissional n°  2257C, tendo escritório na Estrada de Eiras, nº 344, 2º esquerdo, Coimbra.

B. O Autor participou do Réu junto da Ordem dos Advogados.

C. No âmbito do processo disciplinar n° 245/06-D, que correu termos no Conselho de Deontologia de Coimbra foi proferido o acórdão condenatório junto e que se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos como Doc. 2 da p.i., no qual, foram dados como provados os seguintes factos: “Por não concordar com a indemnização que lhe fora atribuída na sequência de um processo de expropriação por utilidade pública em que era requerido, o Sr. A (…), residente em (...) Coimbra, contactou o arguido para que interpusesse o competente recurso. Ao ser contactado o arguido comunicou logo ao queixoso A (…) que era necessário que procedesse ao levantamento na Câmara Municipal de Coimbra da quantia de € 7.152,76 (sete mil cento e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), referente à indemnização que lhe fora arbitrada, e que lha entregasse para poder avançar com o processo de recurso. O queixoso procedeu ao levantamento daquela quantia e entregou-a ao arguido. Em 8 de Outubro de 2005, o arguido preencheu e assinou no seu papel timbrado uma declaração do seguinte teor. “Para todos os devidos e legais efeitos declaro que recebi do Exmo. Sr. A (…) a quantia de € 7.152,76 (sete mil cento e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos) a que se refere o documento em anexo, por mim assinado, para efeitos de interposição de recurso. Após ter feito a entrega daquela quantia o queixoso A (…) perguntou por diversas vezes ao arguido como é que estava a decorrer o processo, tendo sempre sido por este informado de que se tratava de um processo demorado. Depois de muita insistência por parte do queixoso, o arguido acabou por confessar que tinha ficado com o dinheiro por estar a passar um mau momento. O queixoso soube então que o arguido não tinha requerido qualquer diligência judicial. Tentou por várias vezes a recuperação da quantia que entregara ao arguido, mas nunca o conseguiu. Ao convencer o cliente a entregar-lhe a quantia de € 7.152,76 e que a mesma seria necessária para a interposição do recurso e tendo-a utilizado em proveito próprio, sem interpor o recurso nem restituir aquela quantia, não se mostrou o arguido digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes, prejudicando não só o cliente como os fins e prestígio da advocacia.

D. Tendo o Réu sido condenado a uma pena disciplinar, bem como à restituição ao aqui Autor da quantia de 7.152,76€

E. O autor A (…), enquanto solteiro, maior, foi expropriado de uma parcela com a área de 239 m2, de um prédio localizado em (...) , freguesia de (...) , Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da freguesia referida sob o art. 8505 e descrito na CRP de Coimbra, sob o nº 2887/250292, para a construção da circular externa -3º troço, tendo sido fixada, no auto de arbitragem realizado no âmbito do citado processo, a indemnização à data da DUP (7.03.2002) no valor de 8.446,98€, conforme documentos juntos aos autos a fls. 30 a 40, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.

F. Correu termos no 3º juízo cível de Coimbra a acção de expropriação com o nº  471/04.6TJCBR em que foi expropriante a Câmara Municipal de Coimbra e expropriado o autor A (…), relativamente à parcela referida em E), conforme certidão junta a fls. 30.

G. Foi celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice DP/01018/09/A, tendo como Tomador de Seguro: ORDEM DOS  ADVOGADOS – PORTUGAL; SEGURADOS: Todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal, nos termos definidos nas Condições Especiais da APÓLICE; PERÍODO DE SEGURO: 12 MESES, renováveis automaticamente (um ano e seguintes); Data de Início: 1 de Janeiro de 2009; Data de Vencimento: 31 de Dezembro de 2010; DATA RETROACTIVA: Ilimitada; Limite por SINISTRO e Agregado Anual de SINISTROS por SEGURADO 50 000,00 €; FRANQUIA 1.500,00 €; SEGURADOR: A (...) ) Ltd.; Corretor do Contrato: A (...) PORTUGAL, tudo conforme documento de fls. 72 a 89, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido.

H. Consta da cláusula 3ª das suas condições gerais, que: “Objecto do Seguro”.. “Mediante pagamento do PRÉMIO, e sujeito aos termos e condições da APÓLICE, a presente tem por objectivo / garantir ao SEGURADO as consequências económicas derivadas de qualquer RECLAMAÇÃO de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada pela primeira vez contra o SEGURADO durante o PERÍODO DE SEGURO pelos prejuízos patrimoniais primários, causados a TERCEIROS por um ERRO ou FALTA PROFISSIONAL cometido pelo SEGURADO ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da actividade profissional própria dos Órgãos da ORDEM DOS / ADVOGADOS.

I. No artigo preliminar das Condições Especiais consta: “Esta APÓLICE, que tem por base dar satisfação às RECLAMAÇÕES de terceiros, com base em ERRO, OMISSÃO ou NEGLIGÊNCIA cometidos antes da data de efeito da APÓLICE ou durante o PERÍODO DE SEGURO. ”…Definições SEGURADO INACTIVO / Cada membro da Ordem identificado nas Condições Particulares que, sendo titular de Carteira Profissional passada pela Ordem, se afaste do exercício efectivo da actividade em consequência de sua, incapacidade profissional, reforma ou abandono (desde que não seja como consequência de uma sanção disciplinar). …PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO: Perderão a qualidade de SEGURADOS sob esta APÓLICE os membros da Ordem: que tenham tido duas ou mais RECLAMAÇÕES procedentes nos últimos 5 anos (sem prejuízo de em apreciação casuística a SEGURADORA e a Ordem acordarem de modo diverso); que tenham a sua Carteira Profissional “suspensa” por determinação disciplinar da Ordem, com efeito automático à data da respectiva suspensão. …13. RECLAMAÇÃO Significa: Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da APÓLICE; SEGURADO e notificada oficiosamente por este à SEGURADORA, de que possa derivar eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE, ii) determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou iii) fazer funcionar as coberturas da APÓLICE.

J. No artigo 3º e sob a epigrafe “Exclusões” foi consignado: “Ficam expressamente  excluídas da cobertura da presente APÓLICE as RECLAMAÇÕES: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO; …

1. Em Outubro de 2004 o Autor contactou o Réu para lhe solicitar os seus serviços, pois não concordava com o montante que lhe havia sido arbitrado a título de indemnização no processo de expropriação nº 471/04.6 TJCBR que correu termos no 3º Juízo Cível de Coimbra.

2. Exposta a situação de facto, o Réu comunicou ao Autor que era necessário proceder ao levantamento na Câmara Municipal de Coimbra da quantia de 7.152,76€ referente à  indemnização que lhe fora arbitrada e que lha entregasse — a ele primeiro Réu — para poder avançar com o processo.

3. Deste modo, tendo sido instruído pelo seu advogado, o Autor levantou a referida  quantia e entregou-a ao Réu, que a recebeu.

4. O réu redigiu e assinou em 8 de Outubro de 2005 a declaração cuja cópia se mostra junta a fls. 22 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, nos termos da qual o Réu declara ter recebido do Autor a já mencionada quantia de 7.152,76€.

5. O Autor passou a questionar frequentemente o Réu sobre o andamento do processo, tendo este sempre respondido que se tratava de um processo demorado.

6. O Réu não interpôs o aludido recurso.

8. O Réu limitou-se a fazer seus os supracitados 7.152,76€ que utilizou em seu exclusivo proveito.

9. Fazendo-se valer da confiança que o mandato forense lhe conferia, fez crer ao Autor  de que seria necessário o levantamento e a entrega de tal montante para a interposição do recurso.

10. No âmbito do processo de expropriação referido em F) foi atribuída aos autores a quantia de 7.152,76€ da importância de 8.446,98€ fixada na decisão arbitral como indemnização a atribuir aos autores.

11. Os autores não concordaram com o valor da indemnização e por tal facto recorreram aos serviços do réu.

15. A parcela tem acesso directo à rede de água, luz e a um arruamento pavimentado.

16. A parcela insere-se o em perímetro urbano da cidade de Coimbra, na freguesia de   (...) , uma zona nobre da cidade, contrastada com a proximidade a uma mancha florestal que lhe confere qualidade ambiental.

17. Assim como a existência de equipamentos públicos na freguesia, designadamente,  escolas 1° 2° e 3° ciclo, Hospital da Universidade de Coimbra, Hospital Pediátrico, Instituto Português de Oncologia, Escola Superior de Enfermagem e outras instituições do ensino superior, a intensa procura por parte dos agentes imobiliários de terrenos destinados à construção urbana, centros comerciais, grandes superfícies.

18. A parcela tinha aptidão construtiva, pelo menos para uma moradia.

20. Com tudo o sucedido, os Autores sofreram — e continuam a sofrer — tristeza e  angústia.

21. Sentem-se deprimidos, vexados e envergonhados, por verem a sua confiança ser  traída.

22. Os Autores, desde a altura em que começaram a desconfiar que algo de errado se passava, começaram a sentir-se nervosos, inquietos e preocupados com o processo.

23. Dormindo mal e passando os dias num estado de ansiedade constante.

24. Fazendo constantes deslocações ao escritório do Réu para saber do estado do recurso, o que implicava grandes perdas de tempo, bem como um grande desgaste emocional.

25. A participação do “sinistro” foi efectuada pela 1ª vez pelo autor à ré seguradora em 24.11.2009.

26. O 1º réu V (…) não tem a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados.

27. O que já sucedia à data da participação do sinistro.

28. Tal facto deriva de sanção disciplinar.

29. O 1º réu nunca comunicou à ré Seguradora ou à mediadora os factos ocorridos com o autor e a possibilidade de os mesmos darem origem a uma reclamação.

30. Nas datas referidas em 1º a 4º o 1º réu estava devidamente inscrito na Ordem dos  advogados, com a sua inscrição em vigor.

31. No processo de expropriação a que se alude na alínea F), a decisão arbitral foi notificada ao expropriado A (…) em 19/2/2004, tendo terminado o prazo para interposição do recurso em 10/3/2004 (Provado por documento - certidão de fls. 202 a 204).

                                                                       *

E os seguintes os factos que se consideraram não provados no tribunal a quo:

Não se provaram os seguintes factos: quesitos 7º, 12º, 13º, 14º e 19º”.

                                                                       *

            4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão supra enunciada, directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, ter havido desacerto da decisão de direito, que deveria ter sido no sentido da condenação da Ré Seguradora em regime de solidariedade com os 1ºs RR. (aspectos da vigência e âmbito de cobertura do contrato):

Sustenta a A./recorrente que que se encontrava transferida a responsabilidade civil profissional por acções/omissões/negligência ocasionados pelo segurado (1º Réu), por contrato de seguro validamente celebrado e titulado pela Apólice nº DP / 01018 / 000 / 10 / B, em vigor à data dos factos relatados, donde o desacerto da decisão recorrida.

Relativamente a esta afirmação, desde logo se nos oferece contrapor que nem sequer é juridicamente correcto dizer-se que a apólice se encontrava em vigor à data dos factos relatados.

Com efeito, o período de vigência contratado foi antes a anuidade com início em 1 de Janeiro de 2009, embora sucedendo que foi igualmente contratada uma “data retroactiva”, a saber, “ilimitada”, sendo por via disso que cobra justificação reclamar uma indemnização por uma falha/omissão ocorrida no ano de 2004…

Contudo, daqui não decorre que o aqui 1º Réu tivesse a qualidade de “segurado” à data em que a situação foi reclamada/participada!  

 Na verdade, como factor incontornável de apreciação da situação, perfila-se o que em termos de condições especiais vem definido na própria apólice em causa, como quem são os “segurados” na circunstância.

Ora, resulta da factualidade apurada que o 1º Réu ((…)) não tinha a sua inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, o que já sucedia à data da participação do sinistro, sendo que tal facto deriva de sanção disciplinar (cf. factos 26., 27. e 28. supra alinhados).

O que tem como consequência que a Apólice ajuizada não cobre a responsabilidade civil profissional em causa (por acções/omissões/negligência ocasionados pelo dito “segurado” aqui 1º Réu).

E bem se compreende que assim seja, tendo em conta a natureza do contrato de seguro que está aqui em causa: é que se trata de um contrato de seguro facultativo, mais concretamente, este seguro é um seguro de grupo, “disponibilizado pela Ordem dos Advogados”, que se não confunde com o seguro de responsabilidade civil individual previsto no art.º 99º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, este a “celebrar” e ser “mantido” pelo advogado com inscrição em vigor.[2]

Decorrentemente, está ele, assim, sujeito, ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que, no seu art.º 11º, estabelece como “Princípio Geral”, o de que “o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral”.

O que tudo serve para dizer que é perfeitamente lícito e juridicamente de tutelar, a apólice do contrato de seguro em referência ter estabelecido que “perdiam” a qualidade de “segurados” os membros da Ordem de Advogados que tivessem a sua “Carteira Profissional” suspensa por determinação disciplinar dessa mesma Ordem “com efeito automático à data da respectiva suspensão” – como sucedeu com o aqui 1º Réu (V (…)).

Donde nada haver a censurar à decisão recorrida que com base na mesma linha de entendimento concluiu pela absolvição da Seguradora Ré do pedido…

Acresce ainda que, em nosso entender, a essa mesma conclusão se pode e deve chegar face ao que na mesma apólice ficou previsto como situação de “exclusão” da cobertura da apólice: estamos agora a reportar-nos ao facto de nos termos do Art. 3º das Condições Especiais da Apólice em causa, sob a epígrafe “Exclusões” as partes contratantes do Seguro haverem acordado que: “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice as reclamações:

a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidas do segurado à data do início do período de seguro e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação. (…).”

            Sucede que resulta de igual modo inequivocamente dos autos que o processo disciplinar movido ao dito 1º Réu ((…)) foi objecto de ”acórdão” decisório datado de 15 de Fevereiro de 2008, através do qual teve lugar a condenação do dito na pena de “suspensão do exercício da profissão pelo período de um ano” (cf. fls. 29 dos autos, integrante do “Doc. 2 da p.i.”, referido no facto provado sob C., supra alinhado).

            Do que decorre que não podia o dito 1º Réu ((…)) deixar de saber e estar consciente, em 1 de Janeiro de 2009 (início do período de vigência contratado pela Apólice em referência) que já existia esta situação que podia muito “razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO” pelo lesado na mesma, isto é, os aqui AA..

            Dito de outra forma: verificada que está esta situação de “exclusão” contratualmente prevista[3], a situação reclamada encontra-se fora da cobertura da Apólice ajuizada.

            O que também bem se compreende, tendo em conta a lógica de funcionamento de um seguro.[4]

 Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O contrato de seguro disponibilizado pela Ordem dos Advogados aos Advogados que tenham inscrição em vigor na mesma, é um contrato de seguro facultativo (seguro de grupo).  

II – Decorrentemente, está ele, assim, sujeito, ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que, no seu art.º 11º, estabelece como “Princípio Geral”, o de que “o contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral”.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida nos seus precisos termos.

Custas do recurso pela Recorrente/Autora.

Coimbra, 28 de Abril de 2015

Luís Filipe Cravo ( Relator)

António Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Carvalho Martins
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Assim FERNANDO SOUSA MAGALHÃES, in E.O.A. Anotado e Comentado, 2ª Ed., 2006, Almedina, a págs. 135.
[3] A tal não obstando sequer, o que consta dos arts. 100º e 101º do já citado Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril - Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
[4] Correspondendo à essência do contrato de seguro o assumir (remunerado) de um risco (de um risco que apresenta, fundamentalmente. uma expressão pecuniária). por referência à ocorrência de um evento futuro e incerto, percebe-se a natureza estratégica, no processo de construção do contrato, dos elementos dos quais depende, em larga medida, a antecipação probabilística desse risco, enquanto referencial de quantificação da remuneração devida à seguradora (do prémio).
O seguro, tanto numa acepção jurídica como económica, traduz uma forma de “gestão do risco” (risk management), através da minimização das suas consequências. Opera por transferência equitativa desse risco (mais propriamente das consequências patrimoniais desse risco) de uma entidade para outra, sendo que a assunção do risco por esta última (a seguradora) tem como contrapartida o recebimento de um “prémio”, enquanto prestação fixa a cargo do transferente do risco (segurado ou tomador).
O seguro expressa, para o segurado ou tomador, uma racionalidade económica básica: o assumir de uma pequena e previsível perda patrimonial (o pagamento do prémio) como forma de fazer face a uma hipotética grande perda (“guaranteed and known small loss lo preveni a large, possibly devastating loss”, v. as entradas Insurance e Risk managemeni na versão inglesa da “Wikipedia”, respectivamente, nos seguintes endereços: http://en.wikipedia.org/wiki/lnsurance e  
http://en.wikipedia.orgjwiki/Risk management).

Para a seguradora, a racionalidade económica do seguro expressa-se, por um lado, na avaliação do risco, seleccionando o assumir deste em função da probabilidade de ocorrência do evento e fixando o montante do prémio com a mesma base (é o processo que, na terminologia anglo-saxónica, se designa por underwriting, v., de novo na “Wikipedia”, http://en.wikiDedia.org/wiki/Underwriting) e, por outro lado, numa política de investimento dos recursos obtidos através do percebimento dos prémios, como forma de gerar recursos acrescidos, relativamente às satisfações decorrentes da materialização da utilidade do seguro para o segurado (a concretização das chamadas claims).
A forma de avaliação do risco pela seguradora baseia-se na “Ciência Actuarial” (“[a]ctuarial science is lhe discipline 1/ia: applies mathematical and stahstical methods lo assess risk in lhe insurance and finance industries”, v. http://en.wikipedia.org/wiki/Actuarial science), sendo que a avaliação probabilistica a que esta fornece uma base de trabalho assenta, fundamentalmente, no núcleo de informações relevantes para essa operação prestados pelo segurado ou tomador à seguradora, associado à descrição rigorosa dos contornos do evento concretizador do risco assumido.