Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:
I - A) - 1) – 2«[…] Vieram AA e BB intentar contra “RR..., Lda.” acção declarativa de condenação sob forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos:
A) A substituição integral, a custas da Ré, de todas as telhas e demais elementos do telhado que forneceu, nas quantidades fornecidas, ou noutras que se vierem a mostrar necessárias para a total cobertura da casa em substituição das ali aplicadas, estimando-se o custo de 9.500,00 € para o trabalho de substituição;
B) Condenação em indemnização no valor total de 3.000,00 €, por danos patrimoniais e não patrimoniais.
Alegaram, para tanto e em síntese, que são donos e legítimos proprietários do prédio urbano melhor identificado no artigo 1.º da petição inicial, no qual começaram a edificar uma moradia em Janeiro de 2013.
No decurso dessa obra, especificamente, Setembro e Outubro de 2014, os Autores alegam ter adquirido à Ré o seguinte material, pelo valor total de 10.185,54 €:
a) 3.700 telhas plus ultra;
b) 125 telhões (“cumes luso natural vidrado”);
c) 500 remates (“remate uso cumeeira nat. vidrado”);
d) 34 telhas ventilação (“telha lusa ventilação nat. vidrado + grelhas);
e) 10 cantos (“canto de beirado natural vidrado”);
f) 10 telhões de início (“canto de beirado natural vidrado”);
g) 2 cruzetas (“cruzetas 3 vias luso natural vidrado”);
h) 902 capas e bicas (“beiral capa/bica vermelho natural vidrado”).
O referido material foi aplicado por empreiteiro contratado pelos Autores, em Setembro de 2014.
Posteriormente, em Agosto de 2016, os Autores aperceberam-se que a telha em causa se encontrava debotada nas suas extremidades, apresentando uma cor esbranquiçada.
Consequentemente, alegam ter denunciado o ocorrido à Ré que, após se ter comprometido a solucionar o problema, nunca o chegou a fazer.
Em virtude do ocorrido, os Autores entendem ter direito à substituição total do telhado, a custas da Ré, bem como no pagamento de indemnização no valor de 3.000,00 € - 1.000,00 € referente a material comprado pelos Autores e não utilizado em virtude do ocorrido; e 2.000,00 € por danos morais.
*
A Ré contestou a acção, aceitando que vendeu os materiais referidos pelos Autores e que recebeu a reclamação em Agosto de 2016.
Todavia, a Ré rejeita qualquer responsabilidade quanto ao fenómeno de descoloração denunciado pelos Autores, esclarecendo ainda que não concedeu qualquer garantia, visto que esta era prestada pelo fornecedor, como foi explicado ao Autor na compra.
Defende a Ré que sempre tentou resolver o problema junto da empresa que fabricou as telhas, intercedendo pelos Autores, seus clientes, mas que não assumiu, a título pessoal, qualquer responsabilidade.
Ademais, entende a Ré que a descoloração em causa não é um defeito, mas sim uma reacção natural dos materiais, que não causa qualquer dano aos Autores.
Por outro lado, a Ré invoca a caducidade do direito dos Autores, caso se verifique que a descoloração em causa ocorreu em Setembro de 2014 e os Autores tiveram dela conhecimento nessa altura, e não em Agosto de 2016.
A Ré requereu ainda a intervenção acessória da empresa fornecedora do material em causa, a “MR... - Materiais e Revestimentos Modernos Para Edificações, S.A.” (doravante, apenas “MR... S.A.”).
*
A referida intervenção foi deferida, tendo a interveniente sido citada e apresentado a sua contestação.
Nesse articulado, veio a interveniente alegar a sua ilegitimidade processual, uma vez que deveria constar como interveniente principal e não acessória.
A referida excepção foi julgada procedente, por despacho de 17/10 /2019, tendo a Interveniente sido absolvida da instância. […]».
*
2) – Efectuado o julgamento, na sentença que veio a ser proferida em 17/12/2021, pelo Juízo de Competência Genérica ..., consignou-se na respectiva parte dispositiva:
«[…] Julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
A) Condena-se a Ré “RR..., Lda.” a substituir, integralmente e a suas custas, todas as telhas e demais elementos do telhado que forneceu aos Autores, nas quantidades fornecidas, ou noutras que se vierem a mostrar necessárias para a total cobertura da habitação (melhor identificada no ponto 1) da matéria de facto) em substituição das ali aplicadas;
B) Absolve-se a Ré do restante peticionado;
C) Custas pelas partes na proporção do seu decaimento, que se fixa em 12,07% para os Autores e 87,93% para a Ré.*
B) - A Ré veio interpor recurso da sentença, oferecendo, a terminar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:
«A. Da caducidade do direito dos Aas.
1. Factos dados como provados e não provados em sede da questão da Da caducidade do direito dos Aas.
a)
Nos termos alegado na parte C.1. artºs 7º a 10º destas alegações a DS deu como não provado que
C) A telha foi aplicada em Setembro de 2014. E deu como provado que
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda.”, em data não concretamente apurada, mas antes de Agosto de 2016;
Ora salvo o devido repeito DS merece censura à luz dos artºs 640º e 662º do CPC, já que
Tendo em conta que o AAs. no artº 17º da PI alegaram que A telha foi devidamente assente em ripado na habitação dos AA, nomeadamente nas quatro tábuas do 1º andar e rés-do-chão no início de Setembro de 2014.
A aqui R. aceitou esse facto quando no artº 57º da contestação
A aqui R. nas suas alegações e quando alegou a caducidade do direito dos Aas. mais uma vez aceitou e deu como provado que a telha foi aplicada em Setembro/Outubro de 2014
À luz da lei e de uma adequada aplicação das regras da avaliação da prova nomeadamente artº 607, nº 5 do CPC este facto alegado pelos Aas. e aceite pela aqui R. tinha que ser dado como provado
Assim e nos termos dos artºs.640º e 662º do CPC, elaborando uma adequada análise da prova produzida ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado que:
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda”, tendo a telha sido aplicada em Setembro/Outubro de 2014.
já que constitui um facto essencial para permitir a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS.
o que desde já se requer. b)
Sem prescindir e sem conceder nos termos alegado na parte C.1. artºs 10º e 11º destas alegações a DS deu como não provado que
C) A telha foi aplicada em Setembro de 2014 E deu como provado que
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda.”, em data não concretamente apurada, mas antes de Agosto de 2016;
No entanto elaborando uma avaliação adequada da única prova produzida em julgamento nomeadamente das declarações de parte do AAs. e do depoimento da testemunha CC, comprovam esse facto, não podendo assim o tribunal ignorar toda esta prova produzida em audiência e fundar a sua decisão apenas na circunstância de o empreiteiro que realizou essa aplicação do telhado, seis anos depois, não se lembrar das datas exactas (cfr DS a fls. 9 1º parágrafo), quando toda a outra prova produzida confirma esse facto.
Assim e nos termos dos artºs.640º e 662º do CPC, elaborando uma adequada análise da prova produzida ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado que:
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda ”, tendo a telha sido aplicada em Setembro/Outubro de 2014. já que constitui um facto essencial para permitir a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS.
O que desde já se requer.
c) Nos termos alegado na parte C.1. artºs 12º e 17º destas alegações, partindo assim do facto dado como provado em b) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda”, tendo a telha sido aplicada em Setembro/Outubro de 2014.
e tendo em conta o depoimento da testemunha DD, indicada pelos autores, que veio declarar que:
Reparou nas manchas do telhado e prontamente, nesse mesmo momento, comunicou esse facto aos Aas. enviando mesmo fotografias do telhado e dessas manchas.
Avaliando correctamente o depoimento da testemunha DD e ao contrário do que conclui a DS, não se pode dar como provado que
8) Em Agosto de 2016, os Autores aperceberam-se que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada, tendo comunicado imediata e verbalmente à Ré a situação; a (penas na parte sublinhada)
já que avaliando correctamente o depoimento da testemunha DD, que realça-se aqui foi apresentada pelos Aas.
nunca se pode concluir como fez a DS que A testemunha localizou tal evento em 2016, (cfr DS a fls. 9)
E muito menos o que coincide com a data em que os Autores apresentaram a sua reclamação junto da Ré.
O que se pode concluir é que a testemunha não consegue identificar o ano em que comunicou as manchas aos Aas.
Mas tem a certeza que foi quando o telhado ainda estava a ser construído como aliás é reconhecido na DS Ademais, a testemunha DD referiu que o telhado estava a ser terminado quando se apercebeu das manchas esbranquiçadas, tendo avisado os Autores, que estavam quase a vir a Portugal para as férias de Verão
Ora como já se alegou e provou e assim deve ser dado como provado a construção do telhado foi executada e concluída pela PR..., Lda em Setembro/Outubro de 2014,
E foi no ano em que veio de França sendo que esse ano foi o de 2014.
E assim pode-se dar como provado que a visualização das manchas nas telhas e sua comunicação aos primos aqui Aas. teve lugar em Setembro/Outubro de 2014
E assim nos termos dos artºs.640º e 662º do CPC, elaborando uma adequada análise da prova produzida
ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. Não deve assim ser dado como provado que: 8) Em Agosto de 2016, os Autores aperceberam-se que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada, tendo comunicado imediata e verbalmente à Ré a situação; ( apenas na parte sublinhada.
E bem pelo contrário deve antes ser dado como provado que:
Desde pelo menos o mês de Outubro de 2014 eram visíveis manchas nas telhas. No mês de Outubro de 2014 os Aas. tiveram conhecimento das referidas manchas nas telhas já que tal facto lhes foi comunicado inclusive pelo envio de fotografias pela sua prima DD
Os Aas. vieram a Portugal nos anos de 2014 e 2015. E ainda que
Os Aas. só comunicaram à aqui R. que as telhas colocadas no telhado apresentavam uma cor esbranquiçada em Agosto de 2016.
já que constituem factos essenciais para permitirem a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS.
o que desde já se requer. 2.
C.II. Do Adequado enquadramento jurídico dos factos a dar como provados e não provados em sede Da caducidade do direito dos Aas.
Nos termos alegados no artº 18º destas alegações, face à nova factualidade apurada artºs 7º a 17º destas alegações e salvo o devido respeito entende a aqui
R. que a DS aqui recorrida padece de erro no enquadramento jurídico dos factos apurados, relevante nos termos dos artºs 639ºss do CPC,
E assim realizando um correta aplicação do direito a esta nova base factual nos termos aqui alegados, e nos termos do artº. 639º do CPC,
A DS aqui recorrida deve ser revogada e ser substituída por Acórdão que partindo desta nova base factual, efetuando o correto enquadramento jurídico dos factos relevantes na presente ação,
Dê como verificada caducidade do direito dos Aas. à luz do regime legal em vigor nomeadamente o artº. 5º, 1 do DL. 67/2003 de 08.04 já que os Aas. tinham dois meses para denunciar a desconformidade do bem adquirido, no presente caso as telhas.
Ora como a DS deu como provado que:
6) Os referidos materiais foram remetidos aos Autores em Outubro de 2014, tendo sido recepcionados sem qualquer reclamação.
E como nos termos aqui alegados dever ser dado como provado que:
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda ”, tendo a telha sido aplicada em Setembro/Outubro de 2014. E que
Desde pelo menos o mês de Outubro de 2014 eram visíveis manchas nas telhas. No mês de Outubro de 2014 os Aas. tiveram conhecimento das referidas manchas nas telhas já que tal facto lhes foi comunicado inclusive pelo envio de fotografias pela sua prima DD
Os Aas. vieram a Portugal nos anos de 2014 e 2015. E ainda que
Os Aas. só comunicaram à aqui R. que as telhas colocadas no telhado apresentavam uma cor esbranquiçada em Agosto de 2016
Sempre se terá que concluir que a denuncia efetuada pelos Aas. junto da aqui R. foi efectuada muito para além do prazo de dois meses fixado na lei e que assim o seu direito perante a aqui R. já tinha caducado.
Nestes termos deve assim a DS aqui recorrida deve ser revogada e ser substituída por Acórdão que partindo desta nova base factual, efetuando o correto enquadramento jurídico dos factos relevantes na presente ação
Dê por verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de acção consagrado na lei por violação do artº 5º do DL. 67/2003 de 08.04, absolvendo assim a aqui R. dos pedidos artºs. 576º, 3 do CPC.
A. Do abuso do Direito.
1. Dos factos a dar como provados.
a) Nos termos alegado na parte D.1. artºs 19º a 10º destas alegações
A DS nesta matéria e com relevância para a boa decisão da causa dá e bem como provados os seguintes factos: 5º, 10º, 11º, 12º, 13º,23º e 24º.
No entanto no sentido apurar todos os factos que são essenciais à boa da decisão da causa e que permitam a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS
A DS deveria ainda ter dado como provado um facto contido no relatório Pericial junto aos autos, sendo que o facto em questão resultou de um pedido de esclarecimento adicional formulado pelos Aas. a que a R. não se opôs, e que não foi contestado pelas partes nomeadamente:
O imóvel tem um valor de € 247.375.00
E assim e tendo em conta o facto dado como provado na DS que
12) Ainda assim, constituem uma alteração à imagem da cobertura e da casa, traduzindo-se na desvalorização do imóvel em 1 %;
Deveria ainda ter sido dado como provado que
A desvalorização real do imóvel resultante dos factos 12 e do anterior cifra-se num valor de €2.473,75.
Assim e nos termos dos artºs.640º e 662º do CPC, elaborando uma adequada análise da prova produzida
apurando todos os factos que são essenciais à boa da decisão da causa e que permitam a elaboração, em conjunto com outros factos a dar como provados e não provados, uma solução jurídica distinta da propugnada na DS,
ao contrário do decidido na DS aqui recorrida o D. Ac. a proferir por Vª. Exªs. deve assim dar como provado (além dos factos 5º, 10º, 11º, 12º, 13º, 23º e 24º dados como provados na DS), que:
O imóvel tem um valor de € 247.375.00
E assim conjugando este novo facto com o facto 12 dado como provado na DS dar ainda como provado que:
A desvalorização real do imóvel resultante dos factos 12 e do anterior cifra-se num valor de €2.473,75.
B.
2. Da errónea aplicação do Direito, em sede do alegado abuso de direito. a) Nos termos alegados na parte D.2. artºs 23º a 28º destas alegações
Aplicando correctamente o direito aplicável ou seja o regime do artº 4º do DL 67/2003 nos termos expostos,
Aos factos dados como provados e a dar como provados nos termos alegados nos artigos 19º a 22º destas alegações
resulta evidente que à luz de uma interpretação constitucionalmente adequada do regime legal consagrado no artº 4º do DL 67/2003 que aplica de forma adequada e especifica a teoria do abuso de direito nesta sede
o consumidor - os aqui Aas.- não têm direito ao contrário do decidido na DS a que a aqui R. seja condenada a A) Condena-se a Ré “RR..., Lda.” a substituir, integralmente e a suas custas, todas as telhas e demais elementos do telhado que forneceu aos Autores, nas quantidades fornecidas, ou noutras que se vierem a mostrar necessárias para a total cobertura da habitação (melhor identificada no ponto 1) da matéria de facto) em substituição das ali aplicadas;
Já que tal decisão implicando substituição dos materiais, e a reconstrução total do telhado o que de acordo com factos dados como provados na DS equivaleria a um valor de €24.250,00
Sendo que e como foi ainda dado como provado pela DS (facto10) que a coloração das telhas verificadas não colocam em causa a estanquidade e durabilidade das telhas, ou seja, as telhas mantêm a resistência mecânica à flexão, bem como a permeabilidade e durabilidade;
11) As manchas esbranquiçadas existentes apenas são visíveis em determinadas posições do Sol e, numa análise menos atenta, ao passar na rua, passam despercebidas;
E portanto os Aas. não sofreram qualquer dano.
Ou quando muito o dano provocado aos Aas. nos termos aqui alegados e provados se resume a €2.473,75 ou seja Dez vezes menor.
E Assim sendo a decisão tomada pela DS de que aqui se recorre, consubstancia um abuso de direito por parte do consumidor já que o que este exige se traduz numa desvantagem muito maior para o devedor do que a vantagem que o consumidor obtém
Desproporção enorme essa que à luz da melhor jurisprudência e Doutrina nesta matéria da aplicação do regime do artº 4º do DL 67/2003 supra citada, consubstancia um uso abusivo desse direito por parte do consumidor,
uso que não resulta da lei nem foi intensão do legislador lhe atribuir
e seria sempre inconstitucional por desproporcionado em violação do artº 18º da CRP.
Por outro lado e como resulta dos factos dados como provados pela DS nomeadamente dos factos 5º e 13º a aqui R. não foi a produtora das telhas sendo a MR... S.A., sendo que a culpa desta na verificação desse fenómeno é muito diminuta ou mesmo inexistente, e a culpa da aqui R. é mesmo inexistente.
E assim e mais uma vez nunca a DS poderia ter decidido como decidiu condenando a aqui R. a substituir, integralmente e a suas custas, todas as telhas e demais elementos do telhado que forneceu aos Autores, nas quantidades fornecidas, ou noutras que se vierem a mostrar necessárias para a total cobertura da habitação (melhor identificada no ponto 1) da matéria de facto) em substituição das ali aplicadas; Já que essa decisão se consubstancia uma utilização abusiva porque desproporcionada e portanto inconstitucional e ilegal do direito consagrado no artº. 4º. do DL 67/2003,
Assim sendo, considera-se que há abuso de direito por parte do consumidor sempre que o que este exige se traduz numa desvantagem muito maior para o devedor do que a vantagem que o consumidor obtém
Devendo assim e mais vez e sem conceder nos termos dos artºs. 639, 640º e 662º do CPC, a Sentença aqui recorrida ser revogada e ser substituída por Acórdão que efetuando o correto enquadramento jurídico dos factos relevantes na presente ação, absolva a R. totalmente dos pedidos formulados pelos Aas.
b)
Ou sem prescindir e se assim não se entender o que não se concede, e mais vez nos termos dos artºs. 639, 640º e 662º do CPC, deve a Sentença aqui recorrida ser revogada e ser substituída por Acórdão que efetuando o correto enquadramento jurídico dos factos relevantes na presente ação, quando muito condene a aqui R. a indemnizar os aqui Aas. no valor do único dano efectivo que poderão ter sofrido, e que lhes poderia ter sido causado ou seja os identificados
€2.473,75 .
Termos em com o Douto Suprimento de Vossas Excelências deve ser revogada a referida Sentença e a final ser substituída por Acórdão que dê como provado e procedente o presente recurso nos termos aqui alegados […]».
*
Os Apelados, respondendo à alegação de recuso, pugnaram pela improcedência do recurso.
*
II - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho3, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35864).
Assim, as questões a solucionar resumem-se a saber:
- Se é de alterar a matéria de facto em que se alicerçou a decisão da parcial procedência da acção;
- Se em face da matéria que se tiver como assente, está correcta a parcial procedência da acção, nos termos decididos pelo Tribunal “a quo”, ou noutros, menos gravosos para a Ré, ou, se, pelo contrário, a acção deve improceder, v.g., por procedência das excepções da caducidade ou do abuso do direito.
*
III - A) - Na sentença da 1.ª Instância consignou-se a seguinte decisão quanto à matéria de facto:
«Com relevância para a discussão da causa, o Tribunal deu como provados os seguintes factos:
1) Encontra-se registada a aquisição a favor dos Autores do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar de norte com ... e caminho, de sul com AA, de Nascente com estrada nacional e de Poente com EE, descrito como terreno para construção, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...93 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... com a apresentação ...11;
2) Em Janeiro de 2013, o Autor AA acordou com a “PR..., Lda.” que esta última iria executar a estrutura da vivenda dos Autores, com telhado rematado, incluindo pisos radiantes nos dois andares, tubagem para aquecimento na garagem, tubagem para electricidade, gás, águas e esgotos, conforme caderno de encargos, ficando os Autores obrigados a pagar o total de 102.500,00 € por tais trabalhos;
3) No mês de Agosto de 2014, os Autores acordam com a Ré que esta última lhes iria fornecer os seguintes materiais, em troca do pagamento do valor de 10.185,54 €:
a. 3700 telhas plus ultra;
b. 125 telhões (“cumes luso natural vidrado”);
c. 500 remates (“remate uso cumeeira nat. vidrado”);
d. 34 telhas ventilação (“telha lusa ventilação nat. vidrado + grelhas);
e. 10 cantos (“canto de beirado natural vidrado”);
f. 10 telhões de início (“canto de beirado natural vidrado”);
g. 2 cruzetas (“cruzetas 3 vias luso natural vidrado”);
h. 902 capas e bicas (“beiral capa/bica vermelho natural vidrado”).
4) Os Autores escolheram este tipo de telha pelo seu efeito estético;
5) A Ré transmitiu aos Autores que o produtor da telha, a “MR... S.A.”, prestava uma garantia de 40 anos;
6) Os referidos materiais foram remetidos aos Autores em Outubro de 2014, tendo sido recepcionados sem qualquer reclamação;
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda.”, em data não concretamente apurada, mas antes de Agosto de 2016;
8) Em Agosto de 2016, os Autores aperceberam-se que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada, tendo comunicado imediata e verbalmente à Ré a situação;
9) As manchas esbranquiçadas encontram-se em cerca de metade do telhado, estando, neste momento, estáveis;
10) As manchas verificadas não colocam em causa a estanquidade e durabilidade das telhas, ou seja, as telhas mantêm a resistência mecânica à flexão, bem como a permeabilidade e durabilidade;
11) As manchas esbranquiçadas existentes apenas são visíveis em determinadas posições do Sol e, numa análise menos atenta, ao passar na rua, passam despercebidas;
12) Ainda assim, constituem uma alteração à imagem da cobertura e da casa, traduzindo-se na desvalorização do imóvel em 1 %;
13) As referidas mancham resultam do processo produtivo de vitrificação da telha, uma vez que, no processo de arrefecimento do vidrado, podem surgir zonas leitosas em vidrados transparentes, durante a absorção e evaporação da humidade do material cerâmico;
14) A 09/08/2016, para avaliar a questão, um trabalhador da “MR... S.A.” deslocou-se à moradia dos Autores, tendo observado as telhas e referido ao Autor que as mesmas tinham de ser substituídas;
15) A 08/03/2017 foi realizada outra visita à moradia dos Autores, na qual participou, além do Autor, o legal representante da Ré e outro trabalhador da “MR... S.A.”, FF;
16) A 27/03/2017, a “MR... S.A.” elaborou relatório no qual se encontram plasmadas, entre outras, as seguintes conclusões:
a. “Verificou-se a estabilização do material cerâmico, não sendo aparentes nas telhas ou acessórios quaisquer variações de tonalidade”
b. “Não nos parece justificável qualquer intervenção de substituição. No entanto, apesar do aparecimento do problema na obra supracitada não se dever a defeito de fabrico e, como tal, não ser da nossa responsabilidade, tendo em vista a satisfação do cliente, propomos a cedência de 40 telhas e de 40 remates de cumeeira para substituição do material que eventualmente possa estar mais afectado”
17) Na mesma data, a Ré enviou e-mail à “MR... S.A.” com o seguinte teor: “Boa tarde
É de lamentar inicialmente terem dito ao cliente que iriam dar a telha, posteriormente afirmaram que estava a fazer a telha para substituir e agora dizem que não tem defeito a telha e que não têm que dar, sinceramente é de lamentar a v/forma de trabalhar e a falta de palavra que há.
Como podemos vender uma marca onde não temos confiança nem palavras, é impensável.
Sempre pensamos que uma palavra valia mais do que um papel escrito”
18) Os Autores não aceitaram a substituição de 40 telhas, tendo, por carta datada de 12/05/2017, exigido à Ré o fornecimento de novas telhas e respectivos acessórios cerâmicos, para a substituição de todo o telhado, no prazo de quinze dias;
19) A Ré não procedeu a essa substituição, tendo transmitido tal intenção aos Autores por carta datada de 27/05/2017;
20) A 31/05/2017 a Ré enviou ao Autor um e-mail, no qual propõe que se faça pressão financeira sobre a “MR... S.A.” para resolução da questão;
21) Os Autores acordaram com a “MRO..., S.A.” o fornecimento de quantidade não apurada de PLAST GRAN, da marca ..., pelo qual pagaram cerca de 1.000,00 €;
22) O referido produto apenas pode ser utilizado 12 meses a partir da data de fabrico, desde que esteja em embalagem original fechada e ao abrigo do gelo e do sol;
23) Em Outubro de 2020, os materiais descritos no ponto 3) tinham um custo de 12.500,00 €;
24) Em Outubro de 2020, a remoção do actual telhado e colocação de um novo, em termos de mão-de-obra, tinha um custo de 11.750,00 €;
25) A fábrica da “MR... S.A.” encontra-se fechada, não produzindo, actualmente, a telha e outros materiais referidos no ponto 3).
*
Com relevância para a discussão da causa, o Tribunal considerou como não provados os seguintes factos:
A) Os Autores escolheram a telha referida no ponto 3) por recomendação da Ré;
B) Os Autores escolheram aquele tipo de telha pela sua qualidade, resistência e durabilidade, características garantidas pela Ré;
C) A telha foi aplicada em Setembro de 2014;
D) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no ponto 8), os Autores aperceberam-se que toda a telha e respectivos acessórios se encontravam com manchas brancas e que, ademais, a telha estava debotada nas extremidades;
E) A mudança de coloração cria a sensação de se tratar de um telhado antigo;
F) A Ré reconheceu que as manchas em causa se deviam a defeito da telha, comprometendo-se à substituição total do telhado;
G) Os custos de mão-de-obra de remoção do telhado existente e colocação de um novo telhado devidamente rematado são de 9.500,00 €;
H) Os Autores ficaram impedidos de concluir a sua habitação, o que os impossibilitou de se mudarem definitivamente para Portugal, como é sua intenção, quando a moradia estiver concluída, atrasando os seus projectos e sonhos;
I) A não conclusão do telhado obsta a que os Autores apliquem o reboco projectado nos beirais e as caleiras no telhado;
J) A impossibilidade de colocar as caleiras está a levar à deterioração do reboco já colocado na construção;
K) A 18/08/2016, os Autores acordaram com a “MRO..., S.A.” o fornecimento por esta de 15 unidades de 25 kg de PLAST GRAN, da marca ... (cor ref.ª 451) e a sua aplicação em troca do pagamento de 2.950,00 €, tendo os Autores já liquidado o valor de 1.200,00 €;
L) Os Autores sentem-se revoltados e frustrados por verem as suas economias empatadas num imóvel do qual não podem usufruir, com um telhado novo com aparência de velho, sentimento agravado por saberem agora que nunca foi intenção da Ré reparar o telhado, tendo sofrido um grande abalo moral;
M) As manchas referidas no ponto 9) são naturais e vão desaparecer com o tempo. […]».*
B) – Impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto:
a) – A alteração requerida, com base no acordo das partes (parte final do nº 5 do artº 607 do NCPC).
Pretende a Ré, em primeira linha, que, por acordo das partes, deveria ter sido dado como provado:
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda ”, tendo a telha sido aplicada em Setembro/Outubro de 2014. E, consequentemente, não se deveria ter dado como provado que:
“7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda.”, em data não concretamente apurada, mas antes de Agosto de 2016;”
Funda essa pretensão no alegado pelos AA, designadamente, na p.i., e na aceitação da alegação em causa por ela, ora Ré, v.g., na sua contestação.
Vejamos.
É certo que os AA no artº 17º da p.i., alegaram: “A telha foi devidamente assente em ripado na habitação dos AA, nomeadamente nas quatro águas do 1.º andar e rés-do-chão, no início de Setembro de 2014.”
É certo, também que a Ré, no artº 57º da contestação, alegou:
“Quanto aos alegados danos decorrentes da impossibilidade de conclusão da casa, mais uma vez o alegado é falso já que a ser verdade o alegado na PI, os AAs. Tiveram dois anos para concluir essas obras e mobiliar a casa desde Setembro/Outubro de 2014 data em que foi construído o telhado, cfr artº 18º da PI e Agosto de 2016, data em que foram denunciados as supostas descoloração de algumas telhas, durante esses dois anos não existiram quaisquer problemas no telhado e os AAs. puderam concluir a casa, aplicar o reboco, colocar as caleiras, os beirais, mobílar a casa, fazer festas, etc. e tudo o resto que falsamente alegam nos artºs 51º a 66º da PI.”
A expressão “a ser verdade o alegado na PI”, está a subordinar a afirmação do mais que se diz no artigo, designadamente, a construção do telhado em Setembro/Outubro de 2014.
Portanto, o alegado nesse artº 57º, não comprova o ora invocado acordo, mas antes confirma o desacordo das partes quanto à matéria em causa, desacordo esse que é logo patenteado no artº 16º da p.i., onde a Ré afirma: “Desconhece-se sem obrigação legal de conhecer os factos descritos nos artºs 1º a 10º, 17º, 34º, 54º a 58º pelo que nos termos do artº 574º/3 do CPC se impugnam.”.
Portanto, a matéria em causa não se pode ter como provada por acordo, sendo que, a alegação e prova da factualidade atinente à excepção da caducidade é ónus que cabe à Ré.
b) – A alteração requerida com base na errada valoração da prova. Estabelece o artº 662º, nº 1, do NCPC, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Pretende a Apelante, com base nos elementos de prova que indica (v.g., declarações de AA, declarações de BB, depoimento da testemunha GG, depoimento da testemunha CC, sócio-gerente da “PR..., Lda.”, depoimento de DD e, resultado do relatório pericial):
- Que se dê como não provado, que:
7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda.”, em data não concretamente apurada, mas antes de Agosto de 2016;
8) Em Agosto de 2016, os Autores aperceberam-se que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada, tendo comunicado imediata e verbalmente à Ré a situação; (apenas na parte sublinhada).
- Que se dê como provado, que:
- “7) A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda”, tendo a telha sido aplicada em Setembro/Outubro de 2014.” (com a consequente eliminação, do elenco dos factos não provados, da factualidade da alínea C): “A telha foi aplicada em Setembro de 2014”);
- “Desde pelo menos o mês de Outubro de 2014 eram visíveis manchas nas telhas.”
- “No mês de Outubro de 2014 os Aas. tiveram conhecimento das referidas manchas nas telhas já que tal facto lhes foi comunicado inclusive pelo envio de fotografias pela sua prima DD.”.
- “Os Aas. vieram a Portugal nos anos de 2014 e 2015.”
- “Os Aas. só comunicaram à aqui R. que as telhas colocadas no telhado apresentavam uma cor esbranquiçada em Agosto de 2016.”
- “O imóvel tem um valor de € 247.375.00.”
- “A desvalorização real do imóvel resultante dos factos 12 e do anterior cifra-se num valor de €2.473,75.”.
Vejamos.
Começa-se por salientar o que foi entendido - à semelhança daquilo que se escreveu noutros Acórdãos desta Relação - no Acórdão da Relação de Coimbra, de 04/04/2017 (Apelação nº 516/12.6TBPCV.C1)5, relatado pelo Exmo. Desembargador, ora Conselheiro do STJ, Jorge Arcanjo e subscrito, enquanto 2ª Adjunto, pelo agora relator: «[…] o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento (cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 (proc. nº 241/05), de 1/7/2014 (proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação. Por outro lado, a prova deve ser valorada de forma holística, ou seja, no seu conjunto, reclamando uma ponderação global, segundo o standard da “probabilidade lógica prevalecente”, em que havendo versões contraditórias sobre determinado facto, o julgador deve escolher das diferentes probabilidades a que, perante o conjunto dos elementos probatórios, se evidencie como a mais provável (cf Michele Taruffo, La Prueba de Los Hechos, 2002, pág. 292 e segs.). […]».
O recorrente que impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto tem, para que se imponha à Relação proceder à alteração por ele pretendia, o ónus de convencer o Tribunal de que o julgamento de facto efectuado pela 1ª Instância enfermou de erro de avaliação do(s) elemento(s) de prova que aponte, para o que lhe é mister fazer a respectiva demonstração.
Tendo em conta o teor de uma tal alegação, cumpre então ao Tribunal de Recurso verificar se, em face da convicção que formar com base na apreciação desse(s) elemento(s) de prova e dos restantes elementos que examinar, se esse apontado erro - que pode até ser decorrente de uma errada aplicação das regras da experiência comum - se verifica e é hábil a determinar a alteração factual pretendida pelo Recorrente.
Caso a impugnação dos pontos da matéria de facto que o Recorrente pretende ver alterados pela Relação se funde na valoração errada de prova não tarifada, ou seja, daquela que está no âmbito da livre apreciação do julgador, tal alteração só será possível ao Tribunal “ad quem” levar a efeito, caso este, na reapreciação que fizer da prova para formar a sua convicção quanto a tal matéria, detectar patentes deficiências na valoração feita pelo Tribunal “a quo”. Ora, tal como sucede quanto aos documentos - quer no que concerne aos documentos particulares (376º do CC, “a contrario”) quer relativamente àqueles que assumem a natureza de documentos autênticos - estes na parte desprovida de força probatória plena (artº 371º, nº 1, do CC) -, é o princípio da livre convicção do Tribunal, estatuído no art.º 607º, n.º 5, do NCPC, que rege a valoração, da prova pericial (artº 389º, do CC e 489º do NCPC), dos depoimentos prestados pelas testemunhas (artº 396º do CC), bem assim como a dos depoimentos e das declarações prestados pelas partes (naquilo que não consubstanciar confissão - cfr. artºs 452º e ss., 466º, nº 3, do NCPC).
Vejamos.
A alegação factual transmuta-se em factualidade processualmente assente quando a prova daquela for convincente, isto é, for idónea a dotar o Tribunal de elementos que lhe permitam, fundadamente, adquirir o convencimento, seguro, posto que não infalível, de que os factos alegados correspondem à realidade ocorrida, sendo que, como se referiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/11/2017 (Apelação nº 1426/15.0T8BGC-A.G1), citando a Exma. Srª. Cons. Ana Luísa Geraldes (“Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, “in” Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609), “…em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
E também o Sr. Cons. Abrantes Geraldes adverte que as diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «…deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados» (“in” «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, Julho de 2013, pag. 235.).
Começamos por fazer uma observação que se extrai dos princípios da experiência comum e que nos leva a confrontar a plausibilidade das duas
versões em confronto, num dos pontos que se afigura como fulcral para a Ré.
E esse confronto passa pela resposta a dar a esta questão: A partir da ocasião em que o comprador detecta a existência de um defeito da coisa comprada, o que é que na maioria dos casos é costume acontecer? O comprador aguarda cerca de dois anos, para denunciar o defeito ao vendedor, ou, fá-lo no mais curto período de tempo possível, com receio, até, de perder os seus eventuais direitos perante o vendedor?
A resposta, atento o que, com maior probabilidade, em circunstâncias idênticas à ora enunciada, as mais das vezes acontece – “id quod plerumque accidit” - não pode deixar de ser a última.
É, assim, pouco verosímil a versão da Ré, segundo a qual, tendo os AA, em Outubro de 2014, tido conhecimento do provado defeito nas telhas da sua casa, só o tenham comunicado a ela, vendedora, em Agosto de 2016, quase, pois, dois anos depois de terem detectado tal defeito.
Ora, ponderada a globalidade da prova, e, em particular os depoimentos e as declarações indicadas pela Ré, se bem que não se detecte nestes elementos de prova a identificação clara de uma ocasião precisa quanto à colocação das telhas em causa – isto, pese embora, no depoimento da vizinha dos AA, DD, esta haver referido que, quando detectou as manchas nas ditas telhas, em 2016, o telhado ainda não estava concluído -, o que não restam dúvidas é que não há declarações ou depoimentos, em que, com o mínimo de segurança, se afirme, como a Ré pretende que se dê como assente, que a telha foi aplicada em Setembro/Outubro de 2014, ou que “Desde pelo menos o mês de Outubro de 2014 eram visíveis manchas nas telhas.”, ou, ainda, que, os Aas. tiveram conhecimento das referidas manchas nas telhas, por tal facto lhes ter sido comunicado, inclusive pelo envio de fotografias, pela sua prima DD, em Outubro de 2014.
Por outro lado, há depoimentos e declarações credíveis, circunstanciadas,
de onde resulta que os AA detectaram os defeitos nas ditas telhas em Agosto de 2016 (Foram nesse sentido as declarações do Autor, AA e da Autora, BB, o depoimento da testemunha DD – embora esta também refira a hipótese de ela ter reparado no defeito em Julho de 2016 – e o depoimento da testemunha GG).
Por outro lado, o depoimento da testemunha CC, gerente da sociedade “PR..., Lda”, se é certo que não se revela confirmativo do afirmado, no aspecto ora em causa, nas declarações e depoimentos acima referidos, certo é, também, que não os infirma e, que, de modo algum, confirma a versão da Ré.
Portanto, a nosso ver, está conforme com a prova produzida, o ponto 8) dos factos provados, onde de refere que “Em Agosto de 2016, os Autores aperceberam-se que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada, tendo comunicado imediata e verbalmente à Ré a situação;”, sendo razoável e com suficiente suporte probatório, a afirmação que é feita do ponto nº 7) do elenco dos factos provados de que “A aplicação da telha foi executada pela “PR..., Lda.”, em data não concretamente apurada, mas antes de Agosto de 2016;”.
Daqui resulta que a sucumbe a pretensão da Ré em ver dada como não provada a factualidade dos pontos 7) e 8) e de ver provados os factos que indicou respeitantes à aplicação das telhas e ao defeito das mesmas (sua visibilidade e conhecimento por parte dos AA), sendo que é despicienda, em face da factualidade provada e da sua irrelevância para efeitos da alteração da decisão jurídica - v.g., a tomada quanto à questão da caducidade -, a averiguação, em termos probatórios, da matéria, que a Ré também pretendia ver como provada, sobre se “Os Aas. vieram a Portugal nos anos de 2014 e 2015.” (que não alegou, na contestação), e sobre se “Os Aas. só comunicaram à aqui R. que as telhas colocadas no telhado apresentavam uma cor esbranquiçada em Agosto de 2016.”.
Resta, pois, indagar sobre a introdução, no elenco da matéria provada, da factualidade que a Ré refere como atinente ao abuso do direito (artº 334º do CC), sendo que, nem tal excepção (só invocada em alegações finais proferidas perante o Tribunal 1ª Instância), nem tal factualidade, foram alegadas pela Ré na contestação, onde, aliás, defende, “que Só se pode concluir que os materiais vendidos pela aqui RR. não padecem de qualquer defeito de fabrico”, e que “são insusceptiveis de provocar qualquer dano aos AAs.”.(artºs 51 e 53º).
É claro que, sendo o abuso do direito uma excepção de conhecimento oficioso, o Tribunal pode dele conhecer, ainda que só invocado na alegação final na 1ª Instância (como aqui sucedeu) ou, mesmo, na alegação da Apelação. Contudo, para que isso seja possível é necessário que os factos alegados – já provados, ou, que, tendo sido alegados e dados como não provados na 1ª Instância, se vieram a provar mediante uma bem sucedida impugnação da decisão de facto – configurem esse abuso.
É o que se retira, aliás, dos sumários dos Acórdãos do STJ6, cujos extractos de passam a transcrever:
- “O abuso do direito pode ser oficiosamente conhecido, mas, para esse efeito, é necessário que o tribunal disponha da factualidade pertinente, alegada pelas partes nos respectivos articulados (art.º 664 do CPC).” – Acórdão do STJ, de 21-02-2002, Revista n.º 3227/01 - 2.ª Secção;
- “(…) A aplicação da figura do abuso do direito depende da alegação e prova dos competentes factos constitutivos. (…)” - Acórdão do STJ, de 04-07-2002, Revista n.º 2056/02 - 6.ª Secção;
- “(…) Não obstante o abuso de direito constituir excepção de direito material de conhecimento oficioso, a sua apreciação oficiosa só se justifica pela positiva quando o tribunal entende que os factos provados são susceptíveis de o integrar, ainda que não invocado pelas partes, pelo que, não sendo o caso, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia. (…)” - Acórdão do STJ, de 01- 06-2017, Incidente n.º 6131/12.7TBMTS-A.P1.S1 - 7.ª Secção.
Ora não tendo a Ré alegado os factos que integram a invocação que no presente recurso faz do abuso do direito, não pode pretender que esta Relação dê como assentes esses factos não alegados no momento próprio e que não podem assim ser agora considerados só porque a Recorrente, para tal, se serve do relatório pericial constante dos autos (relatório este, que, como se sabe, é valorado livremente pelo Tribunal).
Na verdade, a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto não pode servir para que a Relação decida dar como provados factos que a parte não alegou na fase própria, na 1ª Instância, e que só posteriormente pugna para que assim sejam julgados, para construir uma situação que se apresenta “ex novo” e que sustenta integrar abuso de direito.
Assim, nem é de dar como provado, conforme o pretendido pela Ré, que “O imóvel tem um valor de € 247.375.00.” e que “A desvalorização real do imóvel resultante dos factos 12 e do anterior cifra-se num valor de €2.473,75.”, nem é de dar como verificada, com base na decisão de facto proferida pelo Tribunal “a quo”, a existência de uma situação de abuso de direito por parte dos AA, ou seja, uma situação em que estes, exercendo os direitos que lhes são conferidos pela circunstância de a Ré lhes ter vendido telhas que se revelaram defeituosas, excederam, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Efectivamente, ainda que se considere apenas a factualidade julgada provada na 1ª Instância, nem assim se poderá surpreender, no caso, os pressupostos que integram a figura do abuso do direito, como, aliás, se decidiu, acertadamente, na sentença recorrida.
De tudo o que ficou exposto resulta que entendemos não ter existido erro de valoração que inquine a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto, pelo que a factualidade que esta Relação tem como provada e como não provada é aquela que a 1ª Instância assim considerou e que mais acima discriminámos, improcedendo, pois, a pretensão da Ré quanto à alteração da decisão proferida relativamente à matéria de facto.
Apesar de lhe terem comprado telhas que, numa parte substancial, se revelaram desconformes com as características que apresentavam aquando da sua venda pela Ré, “rectius”, no que respeita ao seu aspecto estético e, portanto, quanto à vertente estética que apresenta o telhado da casa dos AA, insiste a Ré, que estes não tiveram qualquer dano.
Este aspecto também é relacionado pela Ré com o abuso do direito, porquanto entende que em nada deveria ser condenada, ou, pelo menos, já que só parte das telhas apresentam defeito, sendo diminuta a desvalorização da casa, que, dando- se provado o dano, deveria apenas ser condenada a indemnizar os Aas. no valor de €2.473,75 e não a substituir, integralmente e a suas custas, todas as telhas e demais elementos do telhado que forneceu aos Autores, o que orçará a
€24.250,00.
Na sentença recorrida, abordaram-se estes aspectos, depois de se afastar a verificação da caducidade invocada pela Ré, consignando, entre o mais, o que se passa a transcrever:
«[…] tratando-se de coisa móvel, a falta de conformidade deve manifestar-se no prazo máximo de dois anos a contar da entrega do bem (cfr. art.º 5.º n.º 1 do Decreto- Lei n.º 67/2003, de 08/04)
Verificada a desconformidade dentro desse prazo, o consumidor tem um prazo de dois meses para a denunciar, contados desde a data em que a tenha detectado (cfr. art.º 5.º-A n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04).
Uma vez efectuada a denúncia dentro do prazo legal estabelecido, os direitos atribuídos no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia.
O referido prazo suspende-se se ocorrer alguma das situações previstas no n.º 4 do art.º 5.º do mesmo Decreto-Lei.
Descendo ao caso concreto, ficou provado que os bens em causa foram remetidos aos Autores em Outubro de 2014.
Em Agosto de 2016 os Autores aperceberam-se que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada, tendo comunicado imediata e verbalmente à Ré a situação.
A acção deu entrada a 29/06/2017.
Consequentemente, foram respeitados todos os prazos legalmente previstos: a alegada desconformidade manifestou-se antes de Outubro de 2016; a denúncia foi feita em Agosto de 2016, mês no qual os Autores tiveram conhecimento da situação; o direito de exigir a reposição sem encargos foi judicialmente exercido antes de Agosto de 2018.
Pelo exposto, não se verifica a caducidade do direito invocado pelos Autores, improcedendo a excepção alegada pela Ré.
(…)
Da matéria de facto provada resulta que, em Agosto de 2016, os Autores se aperceberam que parte da telha apresentava uma cor esbranquiçada.
Tais manchas encontram-se em cerca de metade do telhado, estando, neste momento, estáveis, não colocando em causa a estanquidade e durabilidade das telhas, ou seja, as telhas mantêm a resistência mecânica à flexão, bem como a permeabilidade e durabilidade.
Apesar destas manchas apenas serem visíveis em determinadas posições do Sol e, uma análise menos atenta, ao passar na rua, passarem despercebida, constituem, ainda assim, uma alteração à imagem da cobertura e da casa, traduzindo-se na desvalorização do imóvel em 1 %.
As referidas mancham resultam do processo produtivo de vitrificação da telha, uma vez que, no processo de arrefecimento do vidrado, podem surgir zonas leitosas em vidrados transparentes, durante a absorção e evaporação da humidade do material cerâmico.
Ficou ainda provado que os Autores escolheram esta telha pelo seu efeito estético.
Subsumindo os factos ao direito, concluímos que a situação concreta corresponde à prevista na al. d) do n.º 2 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, ou seja, que as telhas vendidas não apresentam as qualidades e o desempenho habituais para bens do mesmo tipo e que os Autores (consumidores) podiam razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem.
Efectivamente, não é conforme às qualidades e desempenho habituais de uma telha envidraçada que esta apresente manchas esbranquiçadas. Tal conclusão não é afastada pelo facto das restantes vertentes estarem funcionais, já que ficou provado que a estética do telhado ficou afectada, valência que também é importante e que, no caso concreto, era essencial para os Autores.
Ademais, ficou provado que as manchas apareceram em virtude do processo de vitrificação, ou seja, não foram causadas por qualquer fenómeno natural.
O processo de vitrificação é da responsabilidade do produtor, sendo o vendedor responsável perante o consumidor, mesmo que a desconformidade já venha da produção.
Efectivamente, o eventual direito de regresso do vendedor final perante o produtor (nos termos dos arts.º 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04) em nada afecta a responsabilidade do vendedor perante o consumidor6.
Igualmente, esta responsabilidade não é afastada por o aparecimento de manchas ser ou não previsível e/ou ser ou não raro, já que cabe ao produtor
garantir a qualidade do produto que produz e ao vendedor a qualidade do produto que vende.
Por fim, não se verifica qualquer uma das situações previstas nos n.ºs 3 e 4 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04.
Como já se referiu, o consumidor tem o direito a exigir a reposição sem encargos, por meio de reparação ou substituição (cfr. art.º 4.º n.º 1 do Decreto- Lei n.º 67/2003, de 08/04).
Ora, a reparação não é possível, nem a substituição apenas das telhas manchadas, uma vez que a produtora das telhas em causa está encerrada, não produzindo mais a referida telha.
Assim, têm os Autores, compradores/consumidores, direito a exigir da Ré, vendedora profissional, o direito à substituição total do seu telhado, utilizando telha com as mesmas características da anteriormente fornecida, sendo o custo desta substituição totalmente assegurado pela Ré.
(…)
Em sede de alegações finais, veio a Ré defender a existência de abuso de direito por parte dos Autores, uma vez que o custo de substituição de todo o telhado – no total, 24.250,00 € - é manifestamente superior ao prejuízo dos Autores – desvalorização em 1% do seu imóvel. Nos termos do art.º 4.º n.º 5 do Decreto- Lei n.º 67/2003, de 08/04, “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
Não sendo manifestamente impossível a substituição de todo o telhado, conforme peticionado pelos Autores, apenas iremos analisar se se verifica um efectivo abuso de direito.
(…)
analisando o caso concreto, torna-se patente que não assiste razão à Ré quando afirma que o exercício pelos Autores do direito a pedir a substituição total do seu telhado consubstancia um abuso de direito, por desproporcional ao prejuízo verificado.
A necessidade de substituir todas as telhas do telhado da habitação dos Autores apenas surge porque o produtor da referida telha foi declarado insolvente, não produzindo mais o modelo de telha de que os Autores necessitam para substituir as telhas manchadas.
Todavia, essa circunstância apenas se verificou meses após a denúncia por parte dos Autores da desconformidade em causa.
Não nos podemos esquecer que quando os Autores abordaram a Ré, em Agosto de 2016, era possível a substituição das telhas afectadas, pois a “MR... S.A.” ainda se encontrava a laborar.
A necessidade de mudar todas as telhas apenas se verifica após o encerramento da “MR... S.A.”, pelo que se conclui que, na altura da denúncia e durante vários meses, o problema poderia ter sido solucionado.
É verdade que os Autores não aceitaram a substituição proposta pela produtora de 40 telhas e 40 remates, efectuada a 27/03/2017.
Porém, ficou provado que metade das telhas vendidas pela Ré estão manchadas. Tendo sido vendidas 3.700 telhas, apenas a recusa dos Autores em aceitar substituir 1.850 telhas poderia ser encarada como abusiva.
Com uma proposta de substituição de 40 telhas, a recusa dos Autores é legítima e não ofende qualquer vertente do princípio da boa fé, nem os costumes ou o fim social ou económico do direito.
Pelo contrário, sendo o direito dos consumidores um ramo do direito que defende os interesses do consumidor, considerados como a parte mais fraca nos negócios celebrados com os vendedores profissionais, afirmar o abuso de direito
neste caso especifico seria contrariar frontalmente o fim social e económico dos direitos atribuídos pelo art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04.
Assim, não se verifica qualquer abuso de direito no caso concreto, improcedendo a excepção alegada pela Ré. […]».
Ora, concordando nós com o que atrás se transcreveu da sentença recorrida e a apesar do acerto da explicação dada nessa decisão quando a inexistir impossibilidade da substituição do telhado e na negação da verificação de abuso do direito, julga-se que é de dizer algo mais no que concerne à desproporção de que se queixa a Ré .
Sendo certo que só cerca de metade das telhas apresenta defeito (manchas esbranquiçadas), segundo se julga, não se deve, em função da particularidade do caso, ater-se tanto à desvalorização do imóvel em 1%, mas, sobretudo, à reparação do aspecto estético do telhado e, por mor deste, à reposição possível da imagem da casa antes do aparecimento dos defeitos (ponto 12 dos factos provados), e uma tal reparação, porque não há possibilidade de arranjar telhas semelhantes no produtor (cfr. ponto 25) dos factos provados), só será alcançável com a substituição da totalidade das telhas, por outras esteticamente equivalentes.
Condenar a Ré a substituir apenas as telhas com defeito, por outras semelhantes às não defeituosas, é fazer os AA suportar a condição de ficarem com duas metades do telhado esteticamente diferentes uma da outra.
A condenação da Ré numa indemnização aos Autores afigura-se, que, mesmo se viável – o que não parece ser já que não respeita o direito de escolha destes -, teria de satisfazer o mesmo fim, ou seja, proporcionar aos AA um telhado uniforme, esteticamente equivalente àquele que estes teriam se cerca de metade das telhas vendidas pela Ré não viessem a revelar o defeito de que padecem, pelo que, a indemnização teria de rondar um valor que lhes permitisse proceder, afinal, à substituição em que a Ré foi condenada, valor esse abissalmente superior dos € 2.473,75 que a Ré, em última análise, aceita ser condenada.
Não surpreendemos, pois, que o peticionado e concedido aos Autores na sentença recorrida, ao abrigo do direito a exigir a reposição sem encargos, por meio de reparação ou substituição, previsto no art.º 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, consubstancie um uso abusivo do direito por parte dos consumidores, ora AA, nem que aquela disposição legal, ao possibilitá-lo, enferme de inconstitucionalidade, v.g., por violação do artº 18º da CRP.
Em síntese, dir-se-á, que, na sentença recorrida, enunciando-se devidamente as questões a resolver, foram estas solucionadas correctamente e com fundamentação adequada.
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IV - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação improcedente, confirmar a sentença recorrida.*
Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).
12/7/20227
(Luís José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)
1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Transcrição de extracto do relatório da decisão recorrida.
3 Código este que é o aplicável no que concerne ao regime de recurso, dado que foi já na sua vigência que foi proferida a decisão ora impugnada.
4 Consultáveis na Internet, em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
5 Consultável - tal como os restantes acórdãos da Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
6 Consultáveis em “https://www.stj.pt/?page_id=4471”.
7 Processado e revisto pelo Relator.