Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MANUEL CAPELO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO SUSPENSÃO PRESTAÇÃO CAUÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/05/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO DE EXECUÇÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 728º E 733º, Nº 1, ALS. A), B) E C) DO NCPC. | ||
Sumário: | I – Deixando o art. 733º, nº1, al.c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva. II - A existência de garantia real não impõe automaticamente a suspensão da execução mas também não é irrelevante para determinar se deve ou não ser prestada caução. Pelo que, existindo garantia real, uma nova caução para suspender a execução só será necessária em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia e se este nada cobre para além do crédito exequendo. III - Esta ponderação da suficiência ou não da garantia do crédito de forma a dispensar a caução é um juízo que deve ser feito pelo tribunal de primeira instância. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório No Tribunal da Comarca de Coimbra – Instância Central de Coimbra - Secção de Execução, no processo de embargos em que os aí embargantes G…, Lda.; A… e M… peticionaram a suspensão da execução que contra eles havia sido instaurada por B…Bank, o Tribunal a quo indeferiu essa pretensão de suspensão considerando que “Dispõe o art. 733, nº1, al.c) que “ o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução (…) c) se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação da caução”. Ora tendo em conta a prova documental bastante apresentada pela embargada no seu anterior articulado de defesa, que alias vai ao encontro do peticionado no requerimento executivo, a titulo de impostor de selo, relativamente a cada uma das livranças, afigura-se-nos que “ a mera invocação” de que uma parte da dívida é ilíquida não pode ser tida como sustentáculo legal para suspender a execução, ainda que sem prestação de caução. Isto porque a mera contestação do valor liquidado e respeitante ao imposto de selo relativo ás duas letras não se pode, nem deve, confundir com o fundamento previsto na al.e) do art. 729 do citado Código a invocação da liquidez do crédito. Os embargantes/executados apenas impugnam valor líquido peticionado no requerimento executivo porquanto alegam que não foi junta prova documental – documentos esses que foram juntos pela embargada na sua peça processual precedente” Inconformados com esta decisão dela interpuseram os embargantes o presente recurso concluindo que: … A recorrida apresentou contra alegações nas quais defende a confirmação da decisão Apelada. Cumpre decidir. Fundamentação Os factos que servem a decisão deste recurso são os que constam do relatório, nomeadamente o teor da decisão e do requerimento inicial da exequente e de oposição dos embargantes bem como o teor dos documentos por eles apresentados, razão pela qual se considera desnecessário reproduzi-los, sem embargo de, e na medida em que a exposição decisória o vier a tornar útil, virmos fazer referência expressa e citação desses elementos. Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC). Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do presente recurso incide sobre determinar se, na previsão do art. 733 nº1 do CPC, com a propositura dos embargos de executado, deveriam ter sido sustados os termos da execução, sem prestação de caução. Conhecendo do mérito do recurso, começamos por lembrar que o fim da acção executiva é o de conseguir para o credor a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor e, como este não pode ser compelido por aquele a realizar os actos necessários à satisfação do vínculo obrigacional, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efectiva, pelo valor que representa no seu património. Para concretizar este objectivo procede-se à penhora de bens que se tornem necessários, para que o credor veja realizado o seu direito, ou pela adjudicação dos referidos bens ou pelo preço resultante da venda a que ficam sujeitos. A penhora como peça fundamental do processo executivo, apresenta-se, assim, como uma apreensão de bens, um desapossamento de bens do devedor, um acto que retira da disponibilidade material do devedor e subtrai relativamente à sua disponibilidade jurídica, bens do seu património[1]. É evidente que o executado se pode opor à pretensão executiva do exequente nos termos do art. 728 do CPC, através de embargos; porém, de acordo com o disposto no art. 733 nº1 desse diplomado “o recebimento dos embargos do executados só suspende o prosseguimento da execução se: a)O embargante prestar caução; b)Tratando-se de execução fundada em documento particular o embargante tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução. c)Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão da prestação de caução”. Extrai-se do normativo citado que a regra é a de que os embargos de executado não suspendem a execução e que, para tal poder ocorrer, o embargante terá de prestar caução, que enquanto garantia especial das obrigações tem desde logo como finalidade um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor. À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte. E por sua vez, à prestação de caução como condição para a suspensão da execução, como efeito dos embargos de executado à mesma deduzida, a jurisprudência tem-lhe atribuído finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo da suspensão[2]. Reconhece-se assim que, quando visa o objectivo específico de possibilitar a suspensão da execução por parte do opoente/executado, a exigência de prestação de caução é ditada por razões eminentemente processuais, tendo em vista viabilizar a suspensão do procedimento executivo. Este preceito restritivo, de por regra só se poder fazer suspender a execução mediante a prestação de caução, entende-se igualmente porque o exequente tem a seu favor um título executivo que incorpora o direito de crédito e, enquanto tal título não for destruído, subsiste a presunção de que o exequente é portador do direito que se atribui[3], e só a procedência dos embargos faz cessar essa presunção e não o seu recebimento[4]. Assim, se o executado puser à disposição do exequente, por meio de caução, bens que lhe assegurem a realização efectiva do seu crédito, o seguimento da execução deixa de justificar-se porque o credor poderá pagar-se por força da caução se os embargos improcederem. No domínio específico da previsão do art. 733 nº1 al.c) do CPC, que remete para a impugnação da exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, dispõe o art. art. 713 do mesmo diploma, a propósito dos requisitos da obrigação exequenda, que ela deve ser certa, exigível e líquida, em face do título. A liquidez é identificada como a especificação concreta do montante da prestação que se reclama, traduzido num pedido; a certeza da obrigação relaciona-se somente com a própria prestação ou com o seu objecto (e não com o seu quantitativo por este se reportar à liquidez) dizendo-se certa a obrigação cujo objecto se encontra determinado; e a exigibilidade é o reconhecimento de que a obrigação se encontra vencida. Ora uma primeira e liminar advertência é a de que no presente recurso, em que se cuida de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução. Sendo que para emitir este juízo, perfunctório, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução. Os argumentos dos Apelantes para defenderem a suspensão da execução distribuem-se por três grupos de razões: - Num primeiro sustentam que não impugnaram a exigibilidade e a liquidação da prestação executiva apenas no que se referia ao imposto de selo mas que o fizeram relativamente a toda a obrigação, isto é, que esta não é exigível nem líquida por a exequente não haver invocado o vencimento da obrigação, não exigindo o pagamento total da dívida mas apenas o das prestações em dívida e por terem sido descontados montantes de prestações depois do alegado vencimento do contrato, descontos esses que fazem com que os contratos de mútuos se devam considerar válidos e eficazes e inexigível e ilíquida a obrigação; - Num segundo argumentam os recorrentes que a prestação executiva não é exigível nem líquida por haverem alegado o preenchimento abusivo, e isto porque a mesma titula não só a quantia mutuada mas também quantia de que os embargantes não eram devedores por não ser quantia que lhes foi entregue sim que foi afecta directamente a prémios de seguros. - Por último, argumentam que a suspensão deveria ser decretada por a quantia exequenda estar garantida por hipoteca e a existência de tal garantia real determinar a desnecessidade de prestação de caução. Na decisão recorrida refere-se que apenas quanto ao montante pedido a título de imposto de selo, relativamente a cada uma das livranças, os exequentes não haviam realizado a sua liquidação mas que, por o haverem feito posteriormente, a obrigação se apresenta certa, líquida e exigível. Como fizemos notar, é perante o título executivo apresentado e sua interpretação que se deve apreciar se a obrigação obedece às exigências do art. 713, ou seja, se ela é certa, líquida e exigível, sendo por referência a esses títulos que a impugnação da certeza, liquidez e exigibilidade deve ser dirigida. No caso dos autos, os títulos executivos são duas livranças que se encontram, para lá de assinadas, preenchidas nos seus montantes, e datas de vencimentos, apresentando-se assim a obrigação que delas exteriormente decorre, na aparência, como certa, por ser e estar o seu objecto determinado; líquida, porque identificado e concretizado o montante da prestação peticionada; exigível, por se encontrar vencida, o que decorre da própria leitura dos títulos de créditos e dos seus dizeres (vd. docs. de fls. 18 e 35). Na observação do requerimento de embargos à execução, concluímos que nas diversas alíneas em que subdividiram a sua defesa, os executados destacaram numa delas, que epigrafaram “Da liquidação da obrigação”, a circunstância de haverem sido peticionados os montantes de € 749,52 d € 48,73 a título de imposto de selo das livranças sem que tivesse sido feita prova dessa liquidação. Cremos que terá sido por isto mesmo e também por no final de tal requerimento os embargantes associarem o pedido que formulam de suspensão da instância, em exclusivo, à falta de liquidação da quantia exequenda, que a decisão recorrida entendeu que a impugnação da liquidação se referia apenas ao imposto de selo. Aliás, temos por absolutamente razoável este entendimento que tomou para si o tribunal recorrido uma vez que, em bom rigor, apenas nessa parte, e em matéria de liquidação, os executados fazem alusão impugnativa no requerimento de embargos. Efectivamente, sendo exterior e formalmente válida, para efeitos de fundar uma execução, a prestação exequenda contida em cada uma das livranças, julgamos que os termos da impugnação dessa prestação, quer quanto ao seu vencimento, quer quanto ao preenchimento abusivo, não são de forma a trazer elementos relevantes para afastar a regra da exigência de prestação de caução para que possa ser suspensa a execução. Deixando a lei (art. 733 nº1 al.c do CPC) ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, julgamos que em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (a não ser mediante caução), não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução, até porque nos embargos quase e sempre ela é impugnada. Será então de exigir que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte dos executados. Em face das livranças apresentadas como títulos executivos na presente execução e por referência ao teor da impugnação da prestação exequenda constante dos embargos, quer quanto ao vencimento da mesma, quer quanto ao preenchimento abusivo julgamos que não existem quaisquer razões que recomendem que seja dispensada a exigência da prestação de caução para se suspender a execução. Aliás, ainda que sem conhecer do mérito dos embargos, o que como se disse está fora do âmbito desta Apelação, sempre se dirá que o segmento da impugnação referente ao preenchimento abusivo não é de tal modo evidente (antes pelo contrário) que admita um juízo de justificação nos termos do art. 733 nº1 al.c, uma vez que uma interpretação mesmo que superficial das cláusulas do mútuo com hipoteca firmado entre exequente e executados revela que, da quantia mutuada, € 32.996,10 se destinavam “ao pagamento do prémio de seguro de vida empresarial temporário e o remanescente à própria tesouraria”, numa evidência ainda que formal e exterior de que tal montante estava inscrito na dívida global nesse momento contraída e, como tal, esse montante poderia vir a inscrever-se no preenchimento da livrança que, nos termos do mesmo contrato, a exequente estava autorizada a realizar. Em resumo, se a apontada falta de liquidação quanto ao imposto de selo foi sanada (o que de resto é aceite pelos próprios recorrentes que a ela não se referem já nas conclusões de recurso); se as questões referentes à resolução/vencimento da obrigação se traduz numa discussão de mérito que implica produção de prova, revelando os títulos executivos na sua aparência formal e exterior as características de uma obrigação certa, líquida e exigível; e se não há indícios externos ou aparentes de um evidente ou quase evidente preenchimento abusivo dos títulos, concluímos que nada na impugnação realizada pelos embargantes autoriza, com base nestes argumentos, um juízo de justificação para que a suspensão da execução possa ser decretada com dispensa de prestação de caução. No entanto, para lá de nesta parte as conclusões de recurso deverem improceder, importa ainda apreciar aquelas em que os Apelantes defendem que a existência de uma garantia real de hipoteca dispensa a prestação de caução, e que para lá de ser a questão mais relevante das suscitadas, tem sido debatida desde há muito na doutrina e na jurisprudência. Neste incurso, seguiremos de perto e citação o ac. da R.P de 31-10-2013[5] que realiza uma aturada e criteriosa análise de tudo o que releva à decisão deste problema. A questão da idoneidade da caução para suspensão da execução, no caso de ser apresentada oposição/embargos a esta, é controversa e divide, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência. Com efeito, já assim acontecia perante o regime anterior do art. 818º nº 1 do CPC, onde se dispunha que o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargante prestar caução. Discutia-se então se, existindo garantia anterior – constituída antes do processo ou através da própria penhora já efectuada nos autos – ela poderia ser suficiente para suspender a execução. A jurisprudência, sem qualquer excepção, respondia negativamente a tal questão[6], tendo essencialmente por pressuposto estarmos em presença de figuras distintas e com fins diversos: “A garantia hipotecária de que goza a quantia exequenda tem uma finalidade própria dirigida directamente ao contrato feito entre o credor e o devedor e, portanto, funciona somente em relação ao crédito”; “a caução a prestar para a suspensão da execução tem outro objectivo: destina-se a garantir o exequente contra o retardamento da execução derivado da suspensão, pondo-o a coberto dos riscos da demora no seguimento da acção executiva”[7]. Apresentando-se também conformes a este entendimento Lopes Cardoso e Rodrigues Bastos[8]. A restante doutrina, por seu turno, seguia predominantemente caminho diverso[9], partindo do entendimento de que é “função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no seguimento da acção executiva”. Assim, “não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real constituída anteriormente à instauração da acção executiva, ou se houver já penhora efectuada, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo”[10]. A posição de Teixeira de Sousa diverge das referidas, no sentido de conciliar os dois referidos entendimentos, afirmando que a caução “pode cumprir funções distintas”: não existindo garantia real (penhora ou garantia constituída anteriormente), a caução “visa não só garantir o pagamento do crédito exequendo, mas também assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa satisfação”. Se existir aquela garantia real, “a caução destina-se apenas a assegurar a reparação dos danos causados por aquele atraso ou impossibilidade, pois que o pagamento do crédito exequendo é garantido por aquela penhora ou garantia”. E acrescenta o mesmo Autor que “o montante da caução é distinto em cada uma destas situações, pois que ele deve adequar-se à função concretamente cumprida pela caução. Em regra, a garantia real apenas é suficiente para garantir o pagamento do crédito exequendo, mas, se se verificar que ela também pode cobrir os danos causados pelo atraso na satisfação daquele ou pela impossibilidade da sua satisfação, então a prestação de caução pode ser realizada pela extensão da garantia a essa indemnização”[11]. O citado art. 818º foi entretanto alterado pela Reforma de 2003, passando a dispor: 1. Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução (…). 2. Não havendo lugar à citação prévia, o recebimento da oposição suspende o processo de execução, sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora. (…) Como se dá nota no citado ac. da R.P., “Desta norma do nº 2 decorre claramente que a questão anterior ficou resolvida em relação à penhora: a oposição que venha a ser deduzida depois de ela ser efectuada determina a imediata suspensão da execução, sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora. No que toca à garantia real constituída anteriormente à instauração da execução, a controvérsia mantém-se, com identidade de argumentos de cada posição.”[12] Assim, na jurisprudência tem sido acentuado que: “A caução, quando exigida por lei, deve constituir um «mais» em relação às garantias pré-existentes”. Enquanto condição para a suspensão, são-lhe “associadas finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o executado possa empreender manobras delapidatórias do seu património”. “Apesar de conhecer a divergência de entendimentos existente, o legislador veio alterar o regime legal, mas continuou a impor, como regra, nas situações de citação prévia, a não suspensão da execução por mero efeito da oposição, apenas admitindo, em termos claramente excepcionais, a possibilidade de suspensão, mas condicionada à prestação de caução”[13]. E Rodrigues Bastos aderiu, com razões similares, a este entendimento.[14] Autores há que insistem na tese que anteriormente haviam defendido, blasonando agora de fundado no regime legal aplicável à penhora prévia: “a ideia decorrente do princípio da proporcionalidade ou da adequação a observar na penhora é invocável para as outras garantias, constituídas antes do processo, que não há razão para duplicar, pelo que terão de ser tomadas em conta quando se põe a questão do montante da caução a prestar”. Assim, “a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo”[15]. Ora, o novo regime introduzido pela Lei 41/2013, de 26/6, operou nova alteração nos efeitos do recebimento dos embargos mas, no que aqui interessa, continua a dispor no art. 733º nº 1, que o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: a) o embargante prestar caução. Saliente-se que, mesmo nos casos em que seja dispensada a citação prévia (art. 727º), apenas se prevê a possibilidade de substituir a penhora efectuada por caução (art. 856º nº 5), mas não que os embargos impliquem automaticamente a suspensão da execução (como até aqui, depois da Reforma de 2003). Fazemos notar, por significativa, a circunstância de o legislador, conhecedor desta divergência e dos termos em que a mesma se desenvolvia, ter com o Dec. Lei nº 38/2003 de 8-3, alterado o regime legal vigente, estabelecendo um regime dicotómico, consoante tivesse havido ou não citação prévia do executado. E, se de acordo com as alterações introduzidas pelo referido DL 38/2003 ao art. 818º do CPC resultava que, não tendo havido citação prévia – e consequentemente tendo a execução começado desde logo pela penhora (artº 812º-B, nº1, do CPC) - a regra era a de que a oposição suspendia o processo executivo, sem necessidade de prestação de caução (sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora) – art. 818º, nº 2 do CPC – nas situações em que houvesse lugar à citação prévia o art. 818º, nº1, dispunha claramente como regra a não suspensão da execução por mero efeito da oposição, estabelecendo, em termos claramente excepcionais, como situações em que essa suspensão se verifica, como sendo os casos em que seja prestada caução, e a situação particular das execuções, em que o título executivo é um documento particular assinado pelo executado, quando o oponente tenha impugnado a assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova - art. 818º, nº 1, do CPC. Juntamente com a jurisprudência que citámos “Reconhece-se, por outro lado, que, existindo garantia real, esta será em regra suficiente para garantir a satisfação do crédito exequendo”. Assim, a caução, imposta como condição para a suspensão da execução, visará nesse caso (garantia real anteriormente constituída) cobrir o que acresce ao crédito exequendo em resultado do retardamento na sua satisfação e eventuais danos que sobrevenham desse atraso. Ora, desta conclusão não decorre, parece-nos, que existindo garantia real anterior, possa, por este motivo, ser sempre dispensada a prestação de caução; mas tal conclusão também não impõe que, pelo contrário, seja sempre necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo. Nada parece justificar esta duplicação e sobrecarga para o executado. Uma nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo.”[16] No caso em apreciação observamos que o valor do pedido na execução é de 161.447,77 €, correspondente ao valor de capital de 149.904,89 € e de 9.747,35 €. Por seu turno, foi constituída hipoteca para garantir os contratos de mútuo de onde resulta o crédito feito constar nos títulos executivos, sabendo-se que o valor atribuído a esse prédio foi de 260.000,00 € tendo o mesmo valor patrimonial de 284.920,00 €, dizendo que “sobre esse prédio se encontrava registada uma hipoteca a favor do Banco C…, S.A. pela apresentação catorze, de treze de Junho de 2004 cujo cancelamento se encontrava assegurado. É de registar que em Fevereiro de 2013, quando é realizada a escritura do último contrato de mútuo com hipoteca, faz-se aí constar que, efectivamente, sobre esse identificado prédio apenas se encontrava já registada a hipoteca anteriormente aludida a favor da exequente. Cremos que num exercício de raciocínio lógico, por referência aos valores da quantia exequenda e da hipoteca, e bem assim à circunstância de a exequente ser o titular dos primeiros registos da garantia, se imporia, nos termos sobreditos fazer uma avaliação da idoneidade da dessa garantia /hipoteca, no sentido de decidir se se imporia no contexto própria da execução a prestação de alguma caução em valor que não cobrisse o crédito exequendo e aqueles encargos prováveis resultantes retardamento na sua satisfação. A hipoteca, mesmo que anteriormente constituída, cremos que não será abstractamente inidónea para servir de caução no caso em apreço. Aceitando-se, como acima se admitiu, que a caução deva, neste caso, garantir os acréscimos do crédito que advenham do retardamento da satisfação deste e outros danos que decorram deste atraso, a questão que pode colocar-se é de suficiência da garantia real: se o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir, para além do crédito exequendo, os demais acréscimos e danos que resultem da suspensão do processo executivo. Ora, a decisão recorrida não procedeu a tal ponderação, que pode implicar ate e eventualmente produção de prova, designadamente sobre o valor do bem, tendo-se decidido, tácita e implicitamente com o indeferimento, desde logo, pela inidoneidade da garantia. Em resumo, havendo sido requerido pelos embargantes que fosse a execução suspensa nos seus termos, além de por outras razões também por o crédito exequendo estar garantido por hipoteca, cumprirá em primeira instância apreciar-se esta questão, procedendo nesta medida as conclusões de recurso e devendo os autos prosseguir para se aferir da suficiência da garantia oferecida. Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar a Apelação procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, devendo os autos ser remetidos ao tribunal recorrido para prosseguirem nos termos acima referidos. Custas pela Apelada. Coimbra, 5 de Maio de 2015
Manuel Capelo (Relator) Falcão de Magalhães Sílvia Pires
***
|