Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83315/23.2YIPRT-B. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPENSAÇÃO
EXCEPÇÃO
RECONVENÇÃO
AECOP
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 847.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 44.º, 1, DA LEI 62/2013, DE 26/8
ARTIGOS 1.º; 2.º, 1; 3.º, B) E 10.º, 1 A 4, DO DL 62/2013, DE 10/5
ARTIGO 7.º DO ANEXO AO DL 269/98, DE 1/9
ARTIGOS 1.º, 1, 3 E 4; 3.º; 4.º; 10.º; 16.º E 17.º, DO DL 269/98, DE 1/9
ARTIGOS 266.º, 2, C); 546.º, 2, 1.ª PARTE; 549.º, 1; 571.º, 1 E 583.º, DO CPC
Sumário: 1. O artigo 266º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.

2. Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao Réu deverá ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa e da necessidade de interposição de ação autónoma posterior, com o risco de futuro não recebimento.

Decisão Texto Integral: Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Vítor Amaral
Carlos Moreira

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

          I. Na ação especial de cumprimento de obrigações pecuniárias movida por A..., S. A., contra B..., Lda., por despacho de 06.12.2023, foram indeferidas as exceções de incompetência territorial e da ineptidão do requerimento de injunção (nulidade de todo o processo), declarando-se, ainda, que “tendo a compensação de créditos de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis (quando o contracrédito não esteja já reconhecido), não é possível invocar essa forma de extinção das obrigações por via de exceção no âmbito da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias[1], de valor não superior à alçada da Relação (não estando, porém, impedida de fazer valer o seu crédito através da propositura de uma ´ação autónoma` (...))”.

           Inconformada com o decidido (naquele último segmento), a Ré/requerida apelou formulando as seguintes conclusões:

           1ª - Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo que decidiu julgar improcedente a exceção perentória de compensação de créditos.

           2ª -  A Recorrente é titular de um direito de crédito sobre a Recorrida que, pelo seu valor (igual ao peticionado no Requerimento Injuntivo), implicaria sempre a improcedência do procedimento injuntivo.         

           3ª - Ainda que nos procedimentos injuntivos possa ser considerada [a] não admissibilidade de uma verdadeira reconvenção, é hoje entendimento pacífico que é admissível a formulação de um pedido de compensação sob pena de vedar às partes o princípio da igualdade processual.

           4ª - Não fará, assim, qualquer sentido retirar a possibilidade de invocar a figura da compensação de créditos nos termos do 847º e ss. do Código Civil (CC), na medida em que essa mesma compensação poderá vir a ser invocada como fundamento de oposição à execução, atento ao previsto no art.º 729º, al. h), do Código de Processo Civil (CPC) - obstando-se assim o Tribunal a quo de se pronunciar quanto a matéria que podia e devia conhecer.

           5ª - A figura da compensação assume ainda uma importância processual relevante, na medida em que, ao não ser admitida, sempre ficaria a Recorrente vedada de, em caso de insolvência da Recorrida, reclamar o presente crédito, estando excluída por força das regras do 90º e ss. do CIRE, o que se traduziria também numa enorme afetação dos seus direitos de defesa.

           6ª - A posição defendida pela Recorrente tem obtido aceitação jurisprudencial ampla, atrevendo-nos a afirmar que esta temática apenas é controversa na medida em que não existe Acórdão uniformizador, sendo consensual na maioria dos tribunais, incluído o Tribunal ad quem, conforme se afere do Acórdão de 10/12/2019-processo 78428/17.2YIPRT-A.C1.

           7ª - Com igual entendimento invocam-se ainda os acórdãos da RP proferidos nos processos 4456/20.7YIPRT.P2 e 628/22.8T8VFR-A.P1, da RG/processo 9426/20.2YIPRT-A.G1 e da RL/processo 72269/19.0YIPRT.L1-7.

           8ª - Deve revogar-se o despacho saneador recorrido, decretando-se a procedência da invocada COMPENSAÇÃO COMO EXCEÇÃO PERENTÓRIA, conhecendo assim o Tribunal a quo, da matéria nela invocada, de facto e de direito, bem como das provas juntas que a suportam, seguindo os autos os seus normais termos legais.

            9ª - O despacho recorrido viola e faz uma incorreta aplicação do disposto nos art.ºs 3º, n.º 4, 266º, n.º 2, al.ª c) e 583º do CPC e 847º e seguintes do CC.

            Não houve resposta.

            O recurso foi admitido na decisão da reclamação do apenso A. 

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar se numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada da 1ª instância é possível deduzir a excepção de compensação.


*

            II.1. Para a decisão do recurso, releva (ainda) o seguinte:

           1) Em setembro/2023, a A. instaurou a presente ação (então, sob a forma de requerimento/procedimento injuntivo e nos termos do disposto no DL n.º 62/2013, de 10.5) contra a Ré, alegando que, no exercício da sua atividade comercial e industrial, forneceu-lhe produtos da sua indústria e comércio, nomeadamente, areia fina, a que se reporta a fatura CL n.º 48184, emitida em 11.4.2022 e com vencimento em 10.7.2022, no valor de € 35 734,87, encontrando-se em dívida o valor remanescente de € 13 242,51 e respetivos juros moratórios.

           2) A Ré deduziu oposição, a 28.9.2023, invocando, designadamente, a “compensação como exceção perentória”, dizendo ser titular de um direito de crédito sobre a A. no montante de € 13 242,51 (capital + IVA, conforme faturado), em razão do relacionamento comercial mantido nos anos de 2019 a 2021.

            3) Concretizando a sua posição, afirmou, sobretudo, nos art.ºs 64º e seguintes da oposição: a Requerida não contesta os materiais recebidos, constantes na fatura n.º CL n.º 48184 e o valor que foi cobrado por esses materiais, questionando, apenas, a dívida do remanescente da referida fatura, “uma vez que esse valor corresponde exatamente ao valor da nota de crédito que a Requerente sempre prometeu emitir” - “corresponde exatamente ao diferencial entre as pesagens das cargas correspondentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, conforme registos de pesagem que a Requerente recebeu (...)”.

           Alegou ainda, nomeadamente, que a relação comercial entre Requerente e Requerida cessou em 2021; seria expectável que fosse feito um encontro de contas e finalmente, aquando da liquidação da última fatura, fosse emitida a nota de crédito correspondente aos diferenciais entre pesagens respeitantes aos anos de 2018, 2019 e 2020, tanto que foram realizadas pelo menos duas reuniões presenciais, na sede da Requerida, já após o término da relação comercial (a 12.12.2021 e 17.10.2022), exatamente para esse efeito, tendo em ambas as reuniões os representantes da Requerente reiterado que iriam emitir a nota de crédito devida, contemplando os diferenciais de peso em causa, como sempre tinha sido feito.

           4) A A. respondeu concluindo que deve a dita exceção ser indeferida por não ser legalmente admissível e que o que a suporta não tem qualquer cabimento factual (conforme impugnou nos art.ºs 30º e seguintes desse articulado).

           5) Face à aludida oposição, em 04.10.2023, os autos foram apresentados à distribuição.

           6) Na parte final do despacho de 06.12.2023, o Mm.º Juiz convidou as partes a aperfeiçoar as peças processuais (cf. art.º 17º, n.º 3 do regime anexo ao DL n.º 269/98 de 01.9), determinando a notificação da A. para, em 10 dias, proceder ao aperfeiçoamento do requerimento de injunção, concretizando todos os factos relevantes relativos ao contrato que alega ter sido celebrado, especificando os produtos fornecidos a que se refere a fatura que foi identificada (nomeadamente, a respetiva quantidade), e, a Ré, para, em igual prazo após notificação do articulado de aperfeiçoamento, exercer o contraditório.[2]

7) Para realização da audiência de julgamento designou-se o dia 05.11.2024.

            2. Cumpre apreciar e decidir.

           O DL n.º 62/2013, de 10.5, aplicável à situação dos autos[3], transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.02.2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais (art.º 1º).

            Tal regime aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais (art.º 2º, n.º 1); para efeitos do referido diploma, entende-se por «Transação comercial», uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração (art.º 3º, alínea b)).

           O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida (art.º 10º, n.º 1, sob a epígrafe “procedimentos especiais”). Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum (n.º 2). Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais (n.º 3). As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação (n.º 4).

            3. Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000 e a dos tribunais de 1ª instância é de € 5 000 (art.º 44º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.8).

           4. Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02 - art.º 7º do Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, na redação conferida pelo art.º 8º do DL n.º 32/2003, de 12.02[4].

           O art.º 1º do referido DL n.º 269/98 (diploma preambular), na redação dada pelo art.º 6º do DL n.º 303/2007, de 24.8, prevê os procedimentos (especiais) destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 0000, cujo regime consta dos art.ºs 1º a 5º do Anexo ao citado DL n.º 269/98.

           5. Atendendo, agora, ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1º do dito DL n.º 269/98.

           Relativamente à ação declarativa (Cap. I/Anexo), importa destacar:

           - A petição (o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respetivos fundamentos) e a contestação não carecem de forma articulada; o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento (art.º 1º, n.ºs 1, 3 e 4, sob a epígrafe “petição e contestação”).

           - No que concerne aos termos posteriores aos articulados, prevê o art.º 3º que, se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa (n.º 1); a audiência de julgamento realiza-se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 155º do Código de Processo Civil às ações de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (n.º 2); as provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da ação não exceder a alçada do tribunal de 1ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos (n.º 4).

           - E no tocante à audiência de julgamento existem ainda especificidades visando principalmente a celeridade e simplificação dos atos (art.º 4º).

           Quanto à injunção (Cap. II/Anexo)[5] e no que aqui interessa, será de atentar no seguinte:

           - Depois da “noção” do art.º 7º - supra referida - preceitua o art.º 10º (a respeito da “forma e conteúdo do requerimento”) que, no requerimento, deve o requerente, nomeadamente, expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão; formular o pedido e indicar, quando for o caso, que se trata de transação comercial abrangida pelo DL n.º 62/2013, de 10.5[6] [n.º 2, alíneas d), e) e g)].

            - À oposição é aplicável o disposto no n.º 3 do art.º 1º (art.º 15º); deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, no caso em que o requerente tenha indicado que pretende que o processo seja apresentado à distribuição, (…), o secretário apresenta os autos à distribuição que imediatamente se seguir (art.º 16º, n.º 1).

           - Por último, dispõe o art.º 17º (sob a epígrafe “termos posteriores à distribuição”) que, após a distribuição (...), segue-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art.º 1º e nos art.ºs 3º e 4º (n.º 1); recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais (n.º 3).

           6. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei (art.º 546º, n.º 2, 1ª parte, do CPC) e regula-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum (art.º 549º, n.º 1, do CPC).

           7. Os presentes autos tiveram origem num requerimento de injunção, sendo aplicável o regime previsto no DL n.º 269/98, de 01.9, mormente, quanto à apresentação do requerimento de injunção e à eventual dedução de oposição.

            Quando foi instaurado, o procedimento especial de injunção era processo próprio para exigir judicialmente o cumprimento das seguintes obrigações: a) obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a € 15 000; b) obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02 e pelo DL n.º 62/2013, de 10.5, independentemente do valor da dívida.[7]

          In casu, o valor em causa no processo é inferior a metade da alçada da Relação (€ 15 000)[8] e respeita a contratos de natureza comercial (transações comerciais) envolvendo as partes; a dedução da oposição determinava, no caso, a apresentação dos autos à distribuição e, em princípio, a tramitação (simples e expedita) prevista nos art.ºs 1º, n.º 4, 3º, 4º e 17º, n.º 1, do DL n.º 269/98, de 01.9.[9] 

           8. Decorre do mencionado regime jurídico que a A. recorreu a meio processual adequado (injunção) destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de transação comercial abrangida pelo DL 62/2013, de 10.5 (outrora DL n.º 32/2003 de 17.02) – cf. art.ºs 1º do DL n.º 269/98, de 01.9 e 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5.[10]

           9. Sobre a questão suscitada no recurso existe, agora, nesta Secção da RC, uma única orientação, expressa, claramente, no aresto que se indica/cita de seguida [com parte do sublinhado ora introduzido].

           «A questão de saber se a compensação tem, ou não, de ser invocada sempre via reconvencional, ao abrigo do anterior art.º 274º, n.º 2, al. b) e atual art.º 266º, n.º 2, al. c) do CPC tem sido abundantemente abordada na doutrina e na jurisprudência, constituindo uma vexata quaestio com dilucidações, essencial ou circunstancialmente, díspares.

            Descortinam-se três orientações.

            A primeira que entende que a compensação, quer exceda ou não o contra crédito, apenas pode ser invocada via reconvenção.

           A segunda que pugna que o art.º 266º, n.º 2, alínea c) apenas rege para os casos em que o réu se proponha ver reconhecida a compensação nos autos e não já para os casos em que ela foi anteriormente reconhecida, quer judicialmente, quer extrajudicialmente por declaração do compensante ao compensário.

           Finalmente a terceira que defende que o citado segmento normativo atribui ao compensante uma mera faculdade de usar a reconvenção para fazer operar a compensação, podendo, assim, invocá-la por via excetiva. – cf. para maiores desenvolvimentos, os arestos citados pelas partes, a saber: os acórdãos da RG de 22.6.2017-processo 69039/16.0YIPRT.G1 e da RC de 18.01.2018-processo 12373/17.1YIPRT-A.C1 e a basta doutrina e jurisprudência neles citadas.[11]

           No seguimento do por nós já defendido no Ac. RC de 22.5.2018-processo 153874/15.3YIPRT (dgsi.pt), aderimos à terceira tese.

           A compensação assume-se, substantiva e adjetivamente, como figura jurídica diferenciada e autónoma sem estar condicionada por outras figuras ou institutos.

           Naquela vertente constitui uma exceção perentória que pode obstar ao direito da contraparte, constituindo um meio de extinção das obrigações - cf. art.º 847º e seguintes do CC.

           Nesta ótica, e por via de tal jaez, ela pode ser invocada em sede de contestação - art.º 571º, n.º 1, do CPC.

           Não se antolha, pois, nos casos em que o valor da compensação não exceda o contra crédito, a necessidade de obrigar sempre o compensante a invocá-la apenas via reconvencional.

           A lei - art.º 266º, n.º 2, al. c) do CPC - não expressa que a compensação pode ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta é admissível quando se pretenda invocar a compensação - cf. Lebre de Freitas in A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª edição, pp.145 e seguintes.

           Nem tal entendimento extremo se alcança como o mais conveniente para operar a justa composição do litígio de modo mais célere e com o menor dispêndio de meios.

          Sendo que, como ressuma das hodiernas alterações adjetivas, devendo constituir este fito a pedra angular de qualquer exegese legal.

           Não contribuindo para tal interpretações de índole e finalidade meramente formal e algo rebuscadas.

           Repete-se: a interpretação da lei não deve constituir (...) um fim em si mesmo, mas antes uma alavanca para se alcançar a justiça material.

           O que passa por uma sensata ponderação das suas consequências, v. g. ao nível da celeridade e dos riscos de uma exegese procrastinatória da apreciação dos interesses esgrimidos, bem como do desequilíbrio dos mesmos em função de uma exagerada e, no mínimo, legalmente duvidosa, oneração processual, de uma das partes.

           Nesta conformidade, urge ter presente que, muito frequentemente, a pretensão compensatória atém-se, no âmbito da mesma relação jurídica da invocada pelo autor ou em relação conexa.

           Logo, meridianamente se alcança ser, de todo e a todos os títulos - v. g. probatórios - conveniente e adequado apreciar e decidir conjuntamente, numa concessão processual de invocação da compensação o mais ampla possível, e a um mesmo tempo, as duas pretensões.

            Depois porque, inexistindo reconvenção em certo tipo de ações, ao réu estaria vedada a invocação da compensação.

           Com todos os inconvenientes decorrentes da necessidade de instaurar ação autónoma para proteção do direito invocado o qual, não fora a interpretação radical do art.º 266º, como defendida na decisão recorrida, poderia ser apreciada na ação.

           E, como é consabido, uma decisão tardia bastas vezes já não consecute a justiça do caso.

            Efetivamente:

           - «A compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor, e, ainda, em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, uma vez que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte» - Ac. do STJ de 18.10.2016-processo 6271/08.7TBBRG.P1.S1 in dgsi.pt (sublinhado nosso).[12]

            (...)

           No caso vertente assim é, valendo nele as considerações supra expostas e, inclusive, ele se assumindo como paradigmático da bondade e necessidade das mesmas.

            Desde logo porque o processo se iniciou como procedimento de injunção.

           Certo é que este, ex vi da oposição/contestação da ré, se transmutou em ação declarativa.

           Porém, tal transmutação ocorreu ainda no âmbito e âmago do disposto no DL 269/98, de 01.9 e respetivo Anexo, pelo que a mesma deve respeitar a natureza e finalidade de tais «procedimentos especiais»: ação declarativa e injunção.

           E dos quais dimana que neles apenas existem dois articulados, requerimento e oposição; deduzida esta, o processo é remetido à distribuição, sendo que, na ação, saneado o processo, a causa segue logo para julgamento – art.ºs 1º do DL e 16º e 17º do Anexo.

           Ou seja, inexiste em todo o processado de tais procedimentos especiais, a possibilidade de dedução de reconvenção.

           O que se justifica e compreende dada a celeridade que se pretende incutir aos mesmos.[13]

           Assim, não sendo admissível a reconvenção, mal se compreenderia - e frustraria os desideratos supra aludidos - que a requerida não pudesse invocar, em sede de oposição, uma simples exceção perentória, como se assume a compensação.

            Depois porque a compensação é invocada no âmbito da mesma relação jurídica: a mesma empreitada-subempreitada, alicerçando-se ela no cumprimento defeituoso da autora.

           Acresce que, alegando a ré a apresentação à autora da fatura dos custos oriundos da execução defeituosa já em momento posterior - 2018 - à apresentação por esta àquela das faturas atinentes aos serviços prestados na subempreitada, e considerando que, bem interpretada a posição contestatória da ré, esta admite tais faturas confessando os seus valores, tal apresentação pode, numa interpretação possível, ser tida como uma anterior e extraprocessual declaração de compensação até ao valor de tais faturas.[14]

           De tudo dimana não só a legalidade - numa interpretação admissível e que temos por mais adequada - como a conveniência da admissão da invocação da compensação para a justa composição do litígio.

            Já - e na reiteração do supra aludido -, porque, a um tempo, o demandado tem o direito de não pagar, na medida em que a sua dívida se compense com uma dívida do autor para com ele; já porque, a outro tempo ou noutra perspetiva, se a ré for obrigada a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito da autora, corre o risco de, mesmo em ação futura, o seu contra crédito não vir a ser satisfeito.

            Tal urge evitar, o que passa por uma solução, imediata e global e abrangente, de toda a situação envolvente clamada e delineada por ambas as partes.

            Porém, o caso encerra algumas especificidades.

            A primeira é que a compensação apenas pode ser invocada, via excetiva, até ao montante do contra crédito da autora – cf. art.º 847º, n.º 2 do CC.

           Pelo que o remanescente tem de ser invocado via reconvencional.

           Como o valor invocado pela ré excede tal contra crédito, o pedido de condenação neste excesso – e porque os autos não admitem reconvenção, ou, mesmo que se entenda que admitem, a ré não a formulou nos exigíveis, cominatórios e preclusivos, legais termos: art.º 583º do CPC – não pode ser atendido.[15]

            (...)

            A segunda particularidade é que, alegando a ré a compensação, está a admitir que o crédito da autora existe. Logo, há que dar o mesmo como assente.

           Não obstante, urge ainda saber se a ré deve, ou não, ser condenada a pagar à autora a quantia peticionada.

           O que apenas pode concluir-se em função da não procedência ou da procedência do pedido de declaração da compensação.» (fim de citação)[16]

           10. A Ré considera dever ser “compensado” montante igual ao reclamado na ação.

           A razão de ser desta posição foi largamente explanada na oposição.

           A A. afirmou que a pretensão deduzida não é legalmente admissível.

            Impugnou a factualidade que a sustenta.

            11. O Tribunal a quo deverá, pois, conhecer da matéria da dita exceção, de facto e de direito.

           Entendendo-se porventura insuficiente o contraditório dito em II. 1. 4), supra, será de lançar mão de procedimento similar ao descrito em II. 1. 6), supra, tendo em conta a previsão dos art.ºs 3º e 6º do CPC.

           12. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

           III. Face ao exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se o despacho recorrido, na parte impugnada, com o consequente conhecimento da matéria invocada a título de compensação, como se indica em II. 11., supra.

            Custas segundo o decaimento a final.


*

08.10.2024


 


[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[2] Veja-se, no entanto, que a Ré aceita os factos, como se indica em II. 1. 3), supra.
[3] E a A. observou o disposto no art.º 10º, n.º 2, alínea g), do regime jurídico anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9 (cf. requerimento de injunção).
[4] DL entretanto revogado (com exceção dos seus art.ºs 6º e 8º) pelo DL n.º 62/2013, de 10.5 – com entrada em vigor em 01.7.2013 – mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste diploma.
   A norma do art.º 7º do anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9, que define o que seja injunção, há de entender-se como remetendo para o art.º 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5.

[5] A respeito da delimitação do campo de aplicação do procedimento de injunção e dando-nos conta da correspondente evolução legislativa, cf. acórdão da RC de 25.01.2022-processo 8509/20.3YIPRT.C1, publicado no “site” da dgsi.
[6] Cf. “nota 4”, supra.
[7] Veja-se, nomeadamente, o cit. acórdão da RC de 25.01.2022-processo 8509/20.3YIPRT.C1.
[8] Atendendo ao valor da pretensão formulada no requerimento injuntivo.

[9] Ou seja, como ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais prevista no art.º 10º do DL n.º 62/2013, de 10.5 (e no Anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9) - cf., de entre vários, acórdão da RP de 06.5.2024-processo 2327/23.4YIPRT.P1, publicado no “site” da dgsi.

[10] Sobre o conceito de “transação comercial” para efeitos do DL n.º 62/2013 de 10.5 [definido na alínea b) do art.º 3º do referido diploma como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”, sendo que empresa para efeitos do mesmo diploma é “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares” - alínea d) do mesmo art.º] e debruçando-se dobre a questão de saber se determinado contrato que baseia o procedimento injuntivo está, ou não, incluído naquele conceito, cf. acórdãos da RC de 25.01.2022-processo 8509/20.3YIPRT.C1 e da RP de 06.5.2024-processo 2327/23.4YIPRT.P1.
[11] Perspetivas existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a admissibilidade da reconvenção (e/ou da compensação de créditos) no âmbito do regime do DL n.º 269/98, de 1.9:

   A - Com o entendimento de que “não obstante a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) de valor não superior a € 15 000 apenas comportar dois articulados, caso o réu pretenda excecionar a compensação de créditos, deve ser admitida a dedução de pedido reconvencional, cabendo ao Juiz adequar o processado (547º CPC)”, cf., por exemplo, acórdãos da RG de 15.12.2022-processo 117544/21.7YIPRT-B.G1, 28.9.2023-processo 17389/23.6YIPRT.G1 e 12.10.2023-processo 13066/23.6YIPRT-A.G1, RP de 13.6.2018-processo 26380/17.0YIPRT.P1, 10.11.2020-processo 66423/19.1YIPRT-A.P1, 08.11.2021-processo 2408/20.6T8PRD-A.P1, 13.7.2022-processo 40939/21.8YIPRT-A.P1, 14.12.2022-processo 628/22.8T8VFR-A.P1 e 10.7.2024-processo 27994/21.0YIPRT-A.P1 [aresto que indica a evolução da figura da “reconvenção”, desde o CPC de 1876], RL de 09.10.2018-processo 102963/17.1.YIPRT.L1-7, 23.02.2021-processo 72269/19.0YIPRT.L1-7 [com o sumário: «I. No que tange à admissibilidade da invocação da compensação de créditos invocada pelo requerido no âmbito do regime do DL n.º 269/98, de 1.9, perfilam-se três teses: a) A da inadmissibilidade da reconvenção uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual; b) A da admissibilidade da dedução da compensação, mas como exceção perentória sob pena de ser coartado um meio de defesa ao requerido; c) A da invocação da compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional. II. Adere-se à terceira posição porquanto: é a solução que resulta da conjugação do art.º 549º, n.º 1 com o art.º 266º, n.º 2, al. c); permite a apreciação numa única ação das questões que, doutra forma, teriam de ser apreciadas em duas ações (cf. art.º 729º, al. h)); a imediata apreciação da compensação evita que o compensante suporte o risco de insolvência da contraparte; conforma-se melhor com o princípio da igualdade das partes; o legislador quis facilitar a compensação; é a posição que mais se conforma com o espírito do atual processo civil, o qual dá prevalência às decisões de mérito sobre as decisões formais, recorrendo para tal designadamente aos princípios da gestão processual e da adequação formal. III. Ocorrendo um erro na qualificação do meio processual utilizado e na formulação do mesmo na medida em que o requerido deduziu a compensação de créditos como exceção, cabe ao juiz corrigir oficiosamente o erro e proferir o necessário e concomitante despacho de aperfeiçoamento no sentido do apelante/requerido cumprir as normas atinentes à dedução de reconvenção (art.ºs 193º, n.º 3, 590º, n.º 3 e 583º do Código de Processo Civil).»] e 07.7.2022-processo 86718/21.3YIPRT.L1-A-7, publicados no “site” da dgsi.

   Na doutrina e no sentido da admissibilidade da reconvenção, releva a posição de M. Teixeira de Sousa, “AECOPs e Compensação”, Blog IPPC, de 26.4.2017 https://blogippc.blogspot.com.


*

   B - No sentido de que nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias reguladas no anexo do DL n.º 269/98, de 01.9, não é admissível a dedução de pedido reconvencional, nos termos do art.º 266º, n.º 2, do CPC, cf., entre outros, acórdãos do STJ de 24.9.2015-processo 166878/13.1YIPRT.E1.S1 [concluindo-se: «IV - Seguindo o procedimento de injunção, os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos, não é admissível reconvenção.»], da RG de 23.3.2017-processo 37447/15.0YIPRT.G1, 22.6.2017-processo 69039/16.0YIPRT.G1, 17.12.2018-processo 47652/18.1YIPRT-A.G1 e 09.5.2024-processo 66852/23.6YIPRT.G1-A, RC de 30.4.2015-processo 949/13.0TTLRA.C1 e 07.6.2016-processo 139381/13.2YIPRT.C1 [com o sumário: «1. Face à redação do art.º 266º, n.º 2, alínea c), do CPC de 2013 é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a ´compensação de créditos` terá sempre de ser operada por via da ´reconvenção`, independentemente do valor dos créditos compensáveis, ´quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido`. 2. No âmbito do processo especial previsto no DL n.º 269/98, de 01.9, no qual não é admissível reconvenção, não é possível operar a compensação de créditos por via de ´excepção`, exceto se o direito do réu já estiver reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor. (...)»], RP de 12.5.2015-processo 143043/14.5YIPRT.P1, 08.7.2015-processo 19412/14.6YIPRT-A.P1, 24.01.2018-processo 200879/11.8YIPRT.P1, 21.6.2021-processo 83857/20.1YIPRT-A.P1 e 13.3.2023-processo 109593/21.1YIPRT-A.P1, RL de 17.01.2008-processo 10606/2007-8 e RE de 30-05-2019-processo 81643/18.8YIPRT-A.E1, publicados no “site” da dgsi.

   Na doutrina, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 88 e J. Lebre de Freitas, Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, págs. 348 e seguinte.


*
   C - Por último, a posição melhor explicitada no presente acórdão e a que se refere a “nota 16”, infra.

[12] E, como se conclui no acórdão do STJ de 14.12.2021-processo 107694/20.2YIPRT.S1 (publicado no “site” da dgsi), «II. O artigo 266º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.»

[13] Atente-se o seguinte excerto do preâmbulo do DL n.º 269/98, de 01.9 (sublinhado nosso): « (...) É oportuno concretizar esse propósito, mas generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da ação sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de ações, em que é frequente a não oposição do demandado

  Mas, como nos lembra, por exemplo, o acórdão do STJ de 06.6.2017-processo 147667/15.5YIPRT.P1.S2 (publicado no “site” da dgsi), “a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça”.
[14] Ante, designadamente, o que se deixou indicado em II. 1. 1) a 4), supra, dir-se-á que o caso objeto do citado acórdão é similar à situação em análise.
[15] Particularidade que não se verifica no presente caso.

[16] Cf. acórdão da RC de 26.02.2019-processo 2128/18.1YIPRT.C1 [com o sumário: «I - A compensação assume-se, substantivamente, como figura autónoma - exceção perentória - e, como tal, e até ao valor do contra crédito, pode, adjetivamente, ser invocada na contestação – art.ºs 847º do CC e 571º do CPC. II - É que o art.º 266º, n.º 2, al. c) do CPC apenas estatui que a reconvenção é admissível se se quiser invocar a compensação; e não que esta, até ao valor do contra crédito, apenas pode ser invocada via reconvencional.»], publicado no “site” da dgsi.

   Igual ou idêntico entendimento foi adotado nos acórdãos da RG de 17.12.2018-processo 107776/18.0YIPRT-C.G1 e 05.03.2020-processo 104469/18.2YIPRT.G1, da RC de 16.01.2018-processo 12373/17.1YIPRT-A.C1 [sumariando-se: «1. A al. c) do n.º 2 do artigo 266º do CPC apenas diz que a ´compensação` é admissível como fundamento de reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio. 2. A compensação opera por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (n.º 1 do artigo 848º CC), tendo a extinção dos créditos eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854º CC). 3. Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa.»], 22.5.2018-processo 153874/15.3YIPRT (mesmo coletivo) e 10.12.2019-processo 78428/17.2YIPRT-A.C1 [tendo-se concluído: «(...) 2 - As normas processuais devem ser interpretadas - se necessário, em termos restritivos -, na busca da coerência e harmonia do sistema jurídico, à luz do seu escopo de realização do direito substantivo, não podendo constituir entrave a tal realização. 3 - Aquela al.ª c) do n.º 2 do art.º 266º da lei adjetiva somente estabelece que a compensação é admissível como fundamento de reconvenção – para reconhecimento judicial do direito de crédito, com valor de caso julgado –, e não que só possa vingar, processualmente, por esse meio. 4 - Em processo onde não era admissível a dedução de reconvenção ao tempo do oferecimento do articulado de oposição, razão pela qual o demandado se limitou a excecionar a compensação extintiva, com posterior transmutação para ação de processo comum, deve essa defesa por exceção ser admitida, obstando-se ao esvaziamento de um importante meio de defesa e aos inconvenientes de interposição de ação autónoma posterior, com o risco para o réu de pagamento e de futuro não recebimento.»], RP 23.02.2015-processo 95961/13.8YIPRT.P1, 09.3.2020, proc. 21557/18.4YIPRT.P1 e 17.5.2022-processo 4456/20.7YIPRT.P2 (sublinhado nosso) [sumariando-se: «I - Enquanto não surge uniformização jurisprudencial, entendemos que na AECOP é admissível a invocação da compensação de créditos pelo réu, por meio de defesa por excepção peremptória, decorrente de uma interpretação (restritiva) do preceituado na al. c) do n.º 2 do art.º 266º do CPC, ou seja, entendendo que este preceito legal, não obstante a sua inserção sistemática, se aplica tão só às formas de processo que admitem reconvenção. II - Consequentemente, e em respeito pelo direito do contraditório, cf. art.º 3º, n.º 4 do CPC, à oposição do réu onde esta venha peticionar a compensação de créditos, por dedução de excepção peremptória, é legitimo ao autor responder à matéria de tal excepção, (como aliás a outra qualquer que seja deduzida) por “articulado impróprio” este, que tem de ser admissível na AECOP. III - Tudo sem olvidar que na realidade, e no caso, o efeito prático-jurídico que o réu pretende é que seja apreciado e decidido o contra-crédito que alega deter sobre o autor e a consequente operação de compensação, sendo-lhe indiferente que tal apreciação ocorra sob a égide da figura processual da excepção ou da reconvenção.»] e da RE de 10.02.2022-processo 37952/20.6YIPRT-A.E1 e 13.10.2022-processo 83572/21.9YIPRT.E1 [aresto no qual, seguindo muito de perto a fundamentação do cit. acórdão da RC de 26.02.2019-processo 2128/18.1YIPRT.C1, se concluiu: «O artigo 266º, n.º 2, alínea c), do CPC não impõe que a invocação da compensação de créditos tenha de ser sempre feita através de reconvenção, apenas referindo que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção, mas não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio.»], publicados no mesmo site.

  Na doutrina, vide Rui Pinto, “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, publicado em 24.5.2017 no blogue IPPC (https://blogippc.blogspot.com), onde se diz que o importante será que «o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por excepção perentória»

  O relator do presente acórdão veio a rever/alterar a posição expressa no acórdão da RC de 07.6.2016-processo 139381/13.2YIPRT.C1, publicado no “site” da dgsi. Referiu na decisão da Reclamação do apenso A (de 11.4.2024): «A interpretação/aplicação do art.º 266º, n.º 2, alínea c), do CPC de 2013 (sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção”), máxime em matéria de compensação de créditos e, em particular, no âmbito da ação especial prevista no DL n.º 269/98, de 01.9 - máxime, relativamente à admissibilidade da invocação da compensação de créditos invocada pelo requerido -, tem suscitado alguma divergência na jurisprudência (inclusive, nesta Relação e Secção). / Assim, atendendo à evolução da jurisprudência nesta matéria (quiçá, no sentido indicado na alegação de recurso) e porque a questão adjetiva colocada não é isenta de dificuldades, importa dar, agora, uma resposta que abra caminho ao conhecimento da apelação - porquanto defensável o enquadramento da situação em análise na previsão da alínea b) do n.º 1 do art.º 644º, do CPC. (...)»