Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
174/12.8TJCBR-C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
ADMINISTRADOR DE DIREITO
ADMINISTRADOR DE FACTO
MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ALBERGARIA-A-VELHA - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 186, 189 CIRE, 64 CSC, 511, 659, 712 CPC
Sumário: 1. Caso a parte recorrente não tenha reclamado, oportunamente, da factualidade assente, está-lhe vedado contestar a mesma em impugnação da matéria de facto.

2. Tal factualidade assente pode no entanto ser objecto de alteração: ou porque o tribunal de 1ª instância na sentença alterou o facto especificado, com base no art. 659º, nº 3, do CPC; ou porque o tribunal de recurso oficiosamente anulou ou ampliou a factualidade a considerar, à sombra dos arts. 712º, nº 1 e 4, do CPC, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ou porque o tribunal de recurso alterou tal factualidade, com base no art. 713º, nº 2, por reporte ao dito art. 659º, nº 3, do CPC;

3. Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;

4. A prova dos factos do nº 3 do art. 186º do CIRE, apenas faz presumir a culpa grave, importando, para a qualificação da insolvência como culposa que se prove ainda o nexo de causalidade entre tal actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência;

5. Estando a gerente de direito envolvida no giro e funcionamento comercial da insolvente, ainda que em menor grau que o gerente de facto, não fica a mesma desvinculada dos deveres de acompanhar e controlar a condução da actividade da sociedade e de se informar sobre a sua situação, sendo por isso responsável pelo quadro circunstancial apurado que preenche as previsões legais estabelecidas no art. 186º, nº 2, a), h), e i), e nº 3, a), do CIRE;

6. Ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art. 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir da qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas estender também tal qualificação aos administradores de facto, isto é, àqueles que praticam actos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

 
1. Por apenso aos autos de insolvência de C (…) Unipessoal, Lda, com sede em Coimbra, foi aberto incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno.
Os credores D (…) e P (…), requerentes da insolvência, apresentaram parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa.
Invocaram para tanto que a sociedade não apresentou as contas do ano de 2010, que faltam documentos na contabilidade justificativos de movimentos bancários na sua conta e que os movimentos da contabilidade apenas demonstram actividade até Abril de 2011. Que não cumpriu as suas obrigações fiscais quanto a IRC e quanto a IVA a partir do segundo trimestre de 2011. Que apesar de a única gerente da sociedade ser (…), era o seu marido, (…), quem administrava de facto a sociedade, assumindo a gestora de direito um papel de mera “ratificadora” dos actos de gestão praticados pelo marido. Que, desde a data em que foram admitidos ao seu serviço, apesar de a insolvente não ter problemas económicos, sempre se viram confrontados com atrasos no pagamento dos seus salários, para além de sempre se terem verificado atrasos sem qualquer explicação no pagamento aos fornecedores. Após a declaração de insolvência a insolvente continuou a exercer a sua actividade, e até contratou novos funcionários. Que nunca tendo faltado à insolvente clientela ou negócio houve utilização abusiva de bens da sociedade por parte dos seus administradores em proveito pessoal, tendo os administradores criado e agravado a débil situação da insolvência, que se considera culposa nos termos do art. 186º, nº 2, a), d), e) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa (CIRE).
No parecer apresentado a Administradora da Insolvência propôs também que a insolvência seja qualificada como culposa.
Alegou nesse sentido que a insolvente continuou a laborar depois da declaração da insolvência, que se desconhece o paradeiro dos bens do imobilizado, que os gerentes da insolvente, quer a gerente de direito quer o gerente de facto, deixaram de organizar a contabilidade da sociedade a partir de Março de 2011, que desde então não são lançados na contabilidade da insolvente quaisquer documentos, que os gerentes nunca prestaram contas da sociedade, nem as submeteram à fiscalização dos sócios, não havendo contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra. A insolvente não cumpriu as suas obrigações declarativas fiscais, não pagou atempadamente os salários dos trabalhadores desde Dezembro de 2010, não paga contribuições à S. Social desde Novembro de 2010 e não paga impostos desde Fevereiro de 2011. Para além disso, enviou duas cartas à gerente da insolvente solicitando-lhe que comparecesse no seu escritório para prestar esclarecimentos, tendo a primeira sido devolvida por não ter sido reclamada e a segunda carta sido recebida sem que, contudo, a gerente tenha comparecido, dado qualquer explicação ou enviado a documentação e documentos de suporte da contabilidade da insolvente. Que a insolvência deve ser declarada culposa porque os gerentes, quer a gerente de direito quer o gerente de facto, incumpriram em termos substanciais o dever de manter a contabilidade organizada a partir de Março de 2011, só existindo movimentos registados na contabilidade até essa altura, para além de que os gerentes não prestaram as contas dos anos de 2010 e 2011 e não cumpriram as obrigações declarativas fiscais. Com isso obstaram a que se apercebessem na real situação económica e financeira da empresa, e impediram a administradora de compreender a situação patrimonial e financeira da sociedade à data do decretamento da insolvência, bem como as razões determinantes da mesma, e ainda de comprovar os montantes das dívidas da empresa a terceiros e das dívidas de terceiros à empresa. Conexionado com o dever de manter contabilidade organizada, incumpriram ainda o dever de submeter as contas a fiscalização e de as depositar na Conservatória competente. Acresce que os gerentes da insolvente incumpriram reiteradamente o dever de colaboração até à data da apresentação do parecer de qualificação da insolvência, não lhe tendo entregue qualquer documento da contabilidade, isto apesar de a gerente ter recebido a sentença declaratória da insolvência e ter sido notificada por carta registada com aviso de recepção pela administradora. Que os gerentes incumpriram o dever de se apresentar à insolvência já que, não pagando impostos desde Fevereiro de 2010, pelo menos desde essa altura deveriam ter proposto aos sócios medidas destinadas a ultrapassar as dificuldades da empresa, inclusive apresentando-a à insolvência. Ao omitirem esta apresentação, permitiram que a sociedade fosse acumulando dívidas acessórias, porque além dos impostos e das contribuições para a segurança social, a insolvente viu a sua situação patrimonial agravar-se com o débito de juros, encargos, coimas e despesas.
Conclui que o comportamento dos gerentes da insolvente integra as previsões do art. 186º, n.º 2, h) e i), e nº 3, a) e b), do CIRE, devendo a insolvência da sociedade ser qualificada como culposa e afectados pela qualificação os gerentes (…) (…).
O Ministério Público emitiu também parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, pelos fundamentos expostos no parecer apresentado pela administradora da insolvência.
Notificada a devedora e citados os requeridos (…) e (…) estes deduziram oposição.
C (…) alegou que nunca exerceu de facto qualquer actividade como gerente da C-(…) tendo constituído a sociedade a solicitação expressa do seu marido, o requerido H (…), porque este não reunia a formação técnica ou académica que lhe permitisse ser nomeado gerente da sociedade, atento o seu objecto social. A sua nomeação como gerente foi assim meramente formal, sendo a empresa na realidade gerida pelo seu marido, pelo que desconhece o giro da empresa e tudo o que com ela se relacione. Que a primeira carta enviada pela administradora não foi remetida para o seu domicílio, tal como sucedeu com a segunda carta, e que na sequência desta última ocorreu uma reunião entre a administradora e o marido da oponente. Como tal, e porque não podia esclarecer o que fosse ou entregar quaisquer documentos, que não detinha, entende que não houve qualquer violação do seu dever de cooperação.
Concluiu que não se verificam os pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa, devendo a mesma ser qualificada como fortuita.
O requerido H (…) deduziu igualmente oposição, na qual aceitou ter sido o único gerente de facto da C-(…) desde a sua constituição, mais invocando que a requerida C (...) nenhuma intervenção teve na sua gestão, tal como por esta defendido. Que a insolvente, apesar de ter sido constituída em Março de 2010, na prática apenas iniciou a sua actividade em Outubro desse ano, que desde logo teve um litígio com o TOC relativo aos seus honorários e que, devido ao impasse criado, o TOC não procedeu ao fecho das contas do ano de 2010 e não elaborou o dossier fiscal da empresa. Esse foi o motivo pelo qual a insolvente começou a incumprir com as suas obrigações perante o Fisco e a Segurança Social logo no final de 2010, tendo a empresa ficado numa total anomia fiscal e contributiva, sem capacidade para processar a sua documentação contabilística relevante. O oponente tentou desbloquear a situação recorrendo a outra TOC, mas esta não assumiu a contabilidade da insolvente porque o anterior TOC lhe comunicou que a insolvente tinha uma dívida para consigo, o que inviabilizou o fecho, a aprovação e o depósito das contas. Que a insolvente sempre teve uma carteira de clientes restrita, com progressiva escassez de projectos e trabalho e crescentes dificuldades de cobrança e recebimento, que determinaram a incapacidade da insolvente cumprir com os seus compromissos. Indicou ainda que não apresentou a sociedade à insolvência porque esperava o recebimento de vários créditos, cuja cobrança se afigurava viável, e impugnou a factualidade alegada pelos requerentes da insolvência quanto à prossecução da actividade da empresa após a insolvência e à alienação do património, bem como a factualidade alegada pela administradora relativamente à violação do dever de cooperação, e concluiu que a insolvência deve ser qualificada como fortuita.
Os credores D (…) e P (…) responderam à oposição apresentada pela requerida C (...) impugnando os factos nela alegados e esclarecendo que o gerente de uma sociedade com o objecto da insolvente não é legalmente obrigada a ter formação técnica ou académica específica, e ainda que esta gerente, ao contrário do que esta alega, tinha participação na vida da sociedade, além de que a mera gerência formal não a isenta de responsabilidade. Concluíram novamente pela qualificação da insolvência como culposa.
Apresentaram ainda resposta à oposição deduzida por H (…), na qual, para além de impugnarem os factos por este invocados, reiteraram os argumentos esgrimidos no parecer que haviam apresentado e no parecer da administradora da insolvência. Defenderem novamente a qualificação da insolvência como culposa, estendendo-se os efeitos da qualificação a ambos os requeridos.
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Foi, a final, proferida sentença que decidiu qualificar como culposa a insolvência de C-(…) Lda, e julgar afectados pela qualificação a gerente de direito C (…) e o gerente de facto H (…); mais declarou C (…) inibida para o exercício do comércio pelo período de 3 anos e H (…) inibido para o exercício do comércio por um período de 4 anos, bem como declarar ambos os requeridos inibidos, por igual período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, nesse mesmo período
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2. C (…) interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
3. Só o Mº Pº contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

II - Factos Provados

1. A insolvente foi constituída em 22.03.2010 e adotou a denominação C-(…) Pessoal, Lda. (alínea A) dos factos assentes).
2. Trata-se de uma sociedade por quotas, de responsabilidade limitada, com o n.º de identificação fiscal e registral (...) (alínea B) dos factos assentes).
3. A sede escolhida foi a Rua y(...), 3.º piso, Loja 302, freguesia de Santo António dos Olivais, concelho e distrito de Coimbra (alínea C) dos factos assentes).
4. O objeto social é a «prestação de serviços de engenharia, certificação e auditoria energética; comércio de equipamentos e software relacionado com a atividade. Formação profissional» (alínea D) dos factos assentes).
5. O capital social é de € 5.000,00 e pertence na totalidade à sócia C (…)l, contribuinte n.º (...), casada no regime da comunhão de adquiridos com H (…) (alínea E) dos factos assentes).
6. A gerência da sociedade foi atribuída desde a data da constituição da sociedade à sócia C (…), que obriga a sociedade com a sua assinatura (alínea F) dos factos assentes).
7. Enquanto gerente, recebia uma remuneração pelo exercício de funções (alínea G) dos factos assentes).
8. No entanto, em virtude de exercer outras funções, não comparecia diariamente na empresa (alínea H) dos factos assentes).
9. Quem geria a empresa no dia a dia era o marido, H (…):
- Contratando trabalhadores; fixando-lhes os horários de trabalho e o salário; dando-lhes ordens e instruções sobre o modo como deviam desempenhar as suas funções;
- Contactando com as diversas entidades em nome e representação da insolvente e negociando com os fornecedores;
- Recebendo clientes e com eles contratando;
- Recebendo dinheiro e depositando-o em contas (alínea I) dos factos assentes).
10. A empresa tem o CAE 71120 – atividades de Engenharia Técnicas Afins e está sujeita a regime de tributação geral para efeitos de IRC (alínea J) dos factos assentes).
11. Em abril de 2011 o gabinete instalado na loja n.º 301, no 3.º andar, do y(...) encerrou e as instalações foram entregues ao senhorio (alínea K) dos factos assentes).
12. Foi aberto um novo escritório no rés do chão da Rua (...), Lote 1, r/c, loja 7, em Coimbra, que à data da insolvência estava encerrado (alínea L) dos factos assentes).
13. Desde março de 2011 que não são lançadas na contabilidade da empresa quaisquer documentos, como faturas, avisos de débito, recibos e avisos de crédito (alínea M) dos factos assentes).
14. Os gerentes nunca prestaram contas à sociedade, nem as submeteram à fiscalização dos sócios (alínea N) dos factos assentes).
15. Não há contas depositadas na Conservatória do Registo Predial de Coimbra (alínea O) dos factos assentes).
16. A insolvente não entregou as declarações modelo 22 de IRC dos anos de 2010 e 2011 (alínea P) dos factos assentes).
17. E as declarações de IVA desde o 1.º trimestre de 2011, o que motivou a instauração de processos de contraordenação e aplicação de coimas à insolvente (alínea Q) dos factos assentes).
18. A insolvente não pagou atempadamente os salários aos trabalhadores desde dezembro de 2010 (alínea R) dos factos assentes).
19. Não paga contribuições à Segurança Social desde novembro de 2010 (alínea S) dos factos assentes).
20. Não paga impostos desde fevereiro de 2011 (alínea T) dos factos assentes).
21. Em 18 de janeiro de 2012 dois trabalhadores da insolvente, com créditos laborais a receber, vieram ao tribunal requerer que fosse declarada a insolvência (alínea U) dos factos assentes).
22. Em 12 de março de 2012 foi proferida sentença declaratória da insolvência (alínea V) dos factos assentes).
23. Em 14 de março de 2012 a administradora enviou uma carta à gerente da insolvente solicitando-lhe que comparecesse no seu escritório a fim de prestar informações e esclarecimentos sobre a empresa e de entregar os elementos de contabilidade para análise (alínea W) dos factos assentes).
24. Esta carta foi remetida para a Avenida x (...), em Coimbra, correspondente ao domicílio fixado à requerida na qualidade de administradora da devedora na sentença declaratória da insolvência (alínea X) dos factos assentes).
25. A carta veio devolvida com a menção «objeto não reclamado» (alínea Y) dos factos assentes).
26. Em 2 de maio de 2012 foi-lhe enviada nova carta com o mesmo pedido de informação, e com a indicação expressa de que «a falta de comparência e de entrega dos elementos solicitados, será por mim entendida como falta de colaboração reiterada dos seus deveres pois esta é a segunda carta que lhe envio para o mesmo fim, tendo a anterior sido devolvida por não ter sido levantada junto dos CTT» (alínea Z) dos factos assentes).
27. Esta carta foi endereçada para a Rua (...), Lote 1, r/c, loja 7, em Coimbra, correspondente à última morada conhecida do gabinete da devedora (alínea AA) dos factos assentes).
28. Esta carta foi recebida (alínea BB) dos factos assentes).
29. Depois da insolvência a insolvente abriu um novo escritório na Avenida (...), 147, loja 2, também em Coimbra (resposta ao quesito 1.º).
30. A insolvente continuou, depois da declaração de insolvência, a exercer a sua atividade em gabinetes instalados numa primeira fase na Rua (...), lote 1, r/c, loja 7, e posteriormente na Avenida (...), 147, loja 2 (resposta ao quesito 2.º).
31. Manteve depois da insolvência trabalhadores ao seu serviço, designadamente dois engenheiros, (…) (resposta ao quesito 3.º).
32. E continuou a prestar serviços de certificação energética, emitindo as respetivas faturas com o seu NIF e recebendo importâncias destinadas ao seu pagamento (resposta ao quesito 4.º).
33. Desconhece-se o paradeiro dos bens do seu imobilizado (resposta ao quesito 5.º).
34. Depois da receção da carta remetida a 2 de maio de 2012, a gerente não compareceu no escritório da administradora, não deu qualquer explicação e não enviou a documentação da sociedade e documentos de suporte da contabilidade da insolvente (resposta ao quesito 6.º).
35. C (…) é licenciada em engenharia química (resposta ao quesito 7.º).
36. Era o requerido quem encetava negociações com fornecedores e credores em geral (resposta ao quesito 11.º).
37. E quem negociava com a banca e com terceiros (resposta ao quesito 12.º).
38. A requerida é funcionária pública, exercendo funções há mais de 10 anos junto do Ministério da Economia (resposta ao quesito 14.º).
39. A requerida reside há mais de três anos na Rua (...), em Coimbra (resposta ao quesito 17.º).
40. Na sequência da carta de 2 de maio de 2012, o requerido H (…) reuniu com a administradora de insolvência no escritório desta (resposta ao quesito 18.º).
41. Logo com a constituição da sociedade, a insolvente recrutou os serviços de assessoria contabilística e fiscal do Sr. Dr. (…), TOC 21481 (resposta ao quesito 19.º).
42. Tendo sido convencionado TOC o pagamento de 150,00€ + IVA, por mês, com o início efetivo da atividade por parte da empresa (resposta ao quesito 20.º).
43. Na prática, a atividade da empresa apenas se iniciou em outubro de 2010 (resposta ao quesito 21.º).
44. Em fevereiro de 2011 o referido TOC apresentou à insolvente uma nota de honorários no montante de 1.660,50€, correspondente ao período que mediou entre a constituição da insolvente e o fecho do exercício, em Dezembro de 2010 (resposta ao quesito 22.º).
45. A insolvente entendia não ser devido esse valor (resposta ao quesito 23.º).
46. Entretanto, o valor reclamado pelo dito TOC foi aumentando, superando a fasquia dos € 2.000,00 (resposta ao quesito 25.º).
47. O requerido tentou desbloquear a situação, contactando outro TOC, a Sr.ª Dr.ª (...) (resposta ao quesito 27.º).
48. O referido TOC comunicou à Dr.ª (…) que a insolvente tinha uma dívida para consigo, de forma a inviabilizar a assunção da contabilidade da sociedade por parte da nova TOC (resposta ao quesito 28.º).
49. A requerida C (…) deslocava-se frequentemente ao gabinete da insolvente instalado na Rua (...) (resposta ao quesito 30.º).
50. Sendo nessas ocasiões questionada pelos trabalhadores sobre os atrasos no pagamento dos seus salários e respetivos motivos (resposta ao quesito 31.º).
51. Chegou a assinar alguns projetos (resposta ao quesito 32.º).
52. E a fazer uma transferência bancária da sua conta pessoal para pagar parte de um salário de um trabalhador da insolvente (resposta ao quesito 33.º).
53. Foi-lhe atribuída, enquanto gerente, uma remuneração líquida mensal de € 1.200,00 (resposta ao quesito 34.º).
54. A requerida tinha conhecimento que, sob a gestão do seu marido, a insolvente continuou a exercer atividade depois da declaração de insolvência (resposta ao quesito 35.º).

III – Do Direito


1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, do CPC).
Nesta conformidade as questões a decidir são as seguintes.
- Alteração da matéria de facto.
- Verificação dos requisitos da insolvência culposa.
 
2.1. Diz a recorrente que o facto provado 7. foi incorrectamente julgado, pois tal factualidade, no entender do tribunal, emerge dos docs. juntos pela Segurança Social a fls. 150/151, o que está errado, pois tais documentos não sustentam tal factualidade. Além disso, ainda é contraditório com a resposta dada ao quesito 34º. Razões pelas quais deve ser expurgado do probatório aquele facto 7.
Não tem razão a recorrente.
Efectivamente o facto 7. corresponde à alínea g) dos factos assentes, não estando sustentado nos referidos docs. Estes serviram, apenas, para a julgadora de facto responder ao quesito 34º, onde se perguntava: Auferia da insolvente, enquanto gerente, uma remuneração líquida mensal de € 1.200,00, acrescida de um subsídio de refeição diário no montante de € 6,41 € ?, e que teve a resposta restritiva que faz hoje o facto provado 53., como resulta inequivocamente da fundamentação do despacho de resposta à matéria de facto (vide fls. 270/276) onde aquela julgadora deixou dito que “- Informação prestada pela Segurança Social sobre as remunerações auferidas pela requerida C (...) enquanto gerente da insolvente (folhas 150 e 151)”.
Por outro lado, não se vislumbra nenhuma contradição entre o facto 7. e a resposta ao quesito 34º, hoje facto 53., pois naquele ficou assente que a recorrente recebia uma remuneração enquanto gerente da insolvente e neste concretizou-se qual o valor. É patente que não existe tal contradição. Nem se diga que o uso da expressão “foi-lhe atribuída”, em resposta a tal quesito, e não da palavra “auferia”, constante inicialmente de tal quesito, muda a natureza das coisas e evidencia a dita contradição, pois que a recorrente auferia ou recebia remuneração já se sabia previamente, por emergir do dito facto 7. (ex - g) dos factos assentes).  
Finalmente, dir-se-á que se a recorrente discordava do teor da indicada g) então devia ter, atempadamente, reclamado da selecção da matéria de facto, nos termos do art. 511º, nº 2, do CPC, ex vi dos arts. 188º, nº 8, e 136º, nº 3, do CIRE, o que não fez. Sibi imputet.
Perdeu, por isso, a oportunidade para vir apontar, agora, uma má ou errada selecção da matéria de facto quanto aos factos assentes, como decorre da interpretação conjugada dos arts. 511º, nº 3, 685º-B, nº 1, e 712º, nº 1, 4 e 5.
É certo que, conforme jurisprudência pacífica, se mantém válida a doutrina do Assento nº 14/94, de 25.6.1994, em DR I-A, de 4.10, hoje com o valor de AUJ, segundo o qual “no domínio de vigência dos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1961 (considerado este último antes e depois da reforma nele introduzida pelo Dec.-Lei nº 242/85, de 9.7), a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode ser sempre alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio”. Contudo esta alteração, na hipótese verificada nos autos de não reclamação da selecção da matéria de facto, só pode ocorrer de três maneiras: ou porque o tribunal de 1ª instância na sentença alterou o(s) facto(s) especificado(s), com base no art. 659º, nº 3, do CPC – consideração de factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito -; ou porque o tribunal de recurso oficiosamente anulou ou ampliou a factualidade a considerar, à sombra dos arts. 712º, nº 1 e 4, do CPC, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ou porque o tribunal de recurso alterou tal factualidade, com base no art. 713º, nº 2, por reporte ao dito art. 659º, nº 3, do CPC (vide neste sentido o Ac. do STJ, de 3.3.2004, Proc.03S3782, em www.dgsi.pt)
No nosso caso, nem a 1ª instância alterou a dita factualidade, nem a Relação ora o vai fazer. Pelo que não se aceita que a recorrente afirme que tal ponto 7. da matéria de facto está incorrectamente julgado.
Indefere-se, pois, esta parte do recurso.
2.2. Defende a recorrente que o quesito 33º deve ser dado como não provado, pois a única testemunha, (…), que se pronunciou sobre o facto nele inserto não se referiu a ele nesse sentido e inexiste qualquer suporte documental que para tal aponte.
O quesito 33º rezava assim: E a fazer transferências bancárias da sua conta pessoal para a conta bancária da insolvente ?
Recebeu a resposta de provado.
(…)
Deste modo, o quesito 33º passará a ter a seguinte resposta: E a fazer uma transferência bancária da sua conta pessoal para pagar parte de um salário de um trabalhador da insolvente.
Passando esta redacção a integrar o facto provado 52. que se vai inserir a negrito no lugar correspondente.
3. Na sentença recorrida escreveu-se que:
“A noção de insolvência culposa é dada pelo art. 186.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, que estatuiu que «A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência».
Para a qualificação da insolvência como culposa é, pois, necessário que tenha havido uma conduta do devedor, ou dos seus administradores, de facto e de direito, que (a) tenha criado ou agravado a situação de insolvência, (b) se trate de atuação dolosa ou com culpa grave, e (c) que tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo (cfr. João Labareda e Carvalho Fernandes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, volume II, Quid Juris, 2005, pág. 14).
Depois de o n.º 1 do art. 186.º fornecer a noção geral da insolvência culposa, aplicável tanto às pessoas coletivas como às pessoas singulares, o n.º 2 complementa a descrição abstrata do n.º 1 descrevendo um conjunto taxativo de situações que, em relação às pessoas coletivas, determina que a insolvência seja sempre considerada como culposa. Trata-se de um elenco de presunções iuris et de iure de culpa na insolvência do devedor, determinando as situações nele descritas, inexoravelmente, a atribuição de carácter culposo à insolvência.
Neste sentido, o art. 186.º, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa estabelece que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;

h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º
Por fim, o n.º 3 do art. 186.º prevê os casos em que se presume a existência de culpa grave por parte dos administradores, estatuindo que esta presunção se verifica quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;

Como resulta do exposto, o n.º 2 do art. 186.º estabelece uma presunção de que a insolvência é culposa, fazendo presumir iniludivelmente a ocorrência de uma conduta ilícita e culposa dos administradores, e ainda que tal conduta foi causadora ou agravadora da insolvência, uma vez que só assim é que a insolvência pode ser qualificada como culposa. Ou seja, não apenas se presume juris et de jure a existência culpa, mas também a causalidade entre a atuação dos administradores, de facto ou de direito, do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência (cfr. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, 2009, pág. 270).
Ao invés, nas situações previstas n.º 3 do art. 186.º apenas se estabelece uma presunção de que os administradores agiram, por omissão, com culpa grave, havendo que demonstrar que a atuação com culpa presumida criou ou agravou a situação de insolvência (nesse sentido, Menezes Leitão, ob. e loc. cit., e Maria do Rosário Epifânio, Direito da Insolvência, Almedina, 2009, pág. 123).
Assim, se a qualificação da insolvência como culposa exige uma relação de causalidade entre a conduta do devedor e o estado declarado de insolvência, nos casos previstos no n.º 3 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, demonstrada a culpa dos administradores, para se concluir que a insolvência é culposa importa ainda demonstrar que aqueles factos ou omissões criaram ou agravaram a situação de insolvência (nesse sentido, os Acs. da RP de 15.03.2007, processo nº 0730992, de 18.06.2007, processo nº 0731779, e de 13.09.2007, processo nº 0731516, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
(…)
No que concerne à conduta que os administradores e gerentes (de direito e de facto) da sociedade devem observar no exercício das suas funções, estabelece o art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais que estes se encontram sujeitos a dois núcleos de deveres fundamentais: a) Deveres de cuidado, relevando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderados os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os trabalhadores, clientes e credores.
O dever de cuidado consiste na obrigação de os administradores cumprirem com diligência as obrigações derivadas do seu ofício-função, de acordo com o máximo interesse da sociedade e com o cuidado que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias similares. Compreende o dever de diligência desde sempre referido à conduta do administrador, e guiado pelo critério do gestor criterioso e ordenado, pressupondo uma atuação informada, profissionalmente competente da qual resulte que o administrador teve em consideração, ao praticar um ato, todas as possibilidades razoáveis, tendo optado por aquela que justificadamente lhe tenha surgido como a mais adequada (Grabriela Figueiredo Dias, Fiscalização de sociedades e responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, pág. 43).
As principais manifestações deste dever genérico de cuidado consistem no dever de controlar ou vigiar a organização e a condução da atividade da sociedade, no dever de se informar e de investigar as informações adquiridas e que possam ser causa de danos, no dever de obter informação razoável no processo de tomada de decisão, e, por fim, no dever de tomar decisões substancialmente razoáveis. Trata-se, assim, de deveres que respeitam, por um lado, à tomada de decisões e, por outro, ao acompanhamento da atividade da sociedade, devendo ser observados com a diligência exigível a um gestor criterioso e ordenado, colocado nas circunstâncias concretas em que atuou (Ricardo Costa/Gabriela Figueiredo Dias, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, págs. 732 e 733).
O dever de lealdade impõe que os administradores, no exercício das suas funções, considerem e intentem em exclusivo o interesse da sociedade, com a correspetiva obrigação de omitirem comportamentos que visem a realização de outros interesses, próprios ou alheios. No cumprimento deste dever gera devem os administradores atender aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderar os interesses de outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, como os seus trabalhadores, credores e clientes.
(…)
Sendo que, no essencial, é a partir estes deveres gerais de conduta que o legislador concretiza as disposições de proteção do n.º 2 e do n.º 3 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, as quais mais não representam do que deveres dos administradores, ou melhor, situações tidas como de violação desses deveres cuja tipificação visa facilitar a prova e dispensar a demonstração das infração das adstrições de conduta que impendem sobre os administradores a partir dos preceitos do Código das Sociedades Comerciais (Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, R.O.A., ano 2006, vol. II, acessível em www.oa.pt, págs. 11 e 12).
(…)
Afigura-se que, efetivamente, se mostra preenchida a previsão da alínea a) do n.º 2 do art. 186.º, na medida em que se desconhece o paradeiro do imobilizado da insolvente, de onde resulta que, se não desapareceu, o património da insolvente foi pelos menos ocultado.
(…)
É, contudo, evidente, que incumpriram em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada.
Nos termos do art. 115.º, n.º 1, do Código do IRC, as «sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável».
O art. 17.º, n.º 3, al. b), do Código do IRC dispõe, por seu turno, que para permitir o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve «refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes».
Ora, no caso, está assente que desde março de 2011 que não são lançadas na contabilidade da empresa quaisquer documentos, como faturas, avisos de débito, recibos e avisos de crédito, que os gerentes nunca prestaram contas à sociedade, nem as submeteram à fiscalização dos sócios, e que não há contas depositadas na Conservatória do Registo Comercial. Para além disso, a insolvente não entregou as declarações modelos 22 do IRC dos anos de 2010 e 2011 e as declarações do IVA desde o 1.º trimestre de 2011.
Salienta-se que a análise da contabilidade da insolvente se revela muito importante para a compreensão das causas da insolvência, motivo pelo qual a declaração de insolvência determina a apreensão dos elementos da contabilidade da insolvente, tendo em vista a sua imediata entrega ao administrador da insolvência (art. 36.º, al. g), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), e pelo qual, prosseguindo o incidente de qualificação com carácter limitado, os documentos da escrituração do insolvente devem ser patenteados pelo próprio, a fim de poderem ser examinados por qualquer interessado (art. 191.º, n.º 1, al b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Incumpriu, assim, a insolvente o dever de manter contabilidade organizada, com o que impediu que fosse cognoscível a sua situação patrimonial em geral, bem como a determinação das posições devedoras e o apuramento dos resultados alcançados, em particular o esclarecimento das causas concretas da respetiva insolvência.
Acresce, por outro, que, a nosso ver, os gerentes da insolvente incumpriram reiteradamente os seus deveres de apresentação e de colaboração.
O devedor insolvente encontra-se, com efeito, obrigado, de acordo com o art. 83.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, (a) a fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador de insolvência, pela assembleia de credores ou pelo tribunal, (b) a apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador de insolvência, e (c) a prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções.
Os administradores da insolvente tiveram conhecimento da sentença que declarou a insolvência, proferida a 12 de março de 2012, na qual se determinou que a insolvente entregasse imediatamente à administradora da insolvência os documentos referidos no n.º 1 do art. 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa. Em 14 de março de 2012 a administradora enviou uma carta à gerente de direito da insolvente, a requerida C (...), solicitando-lhe que comparecesse no seu escritório a fim de prestar informações e esclarecimentos sobre a empresa e de entregar os elementos de contabilidade para análise. Esta carta foi remetida para a Avenida x (...), em Coimbra, correspondente ao domicílio fixado à requerida na qualidade de administradora da devedora na sentença declaratória da insolvência, sendo devolvida com a menção «objeto não reclamado». Em 2 de maio de 2012 foi-lhe enviada nova carta com o mesmo pedido de informação, e com a indicação expressa de que «a falta de comparência e de entrega dos elementos solicitados, será por mim entendida como falta de colaboração reiterada dos seus deveres pois esta é a segunda carta que lhe envio para o mesmo fim, tendo a anterior sido devolvida por não ter sido levantada junto dos CTT», carta esta endereçada para a última morada conhecida do gabinete da devedora e que foi recebida.
Não obstante, a requerida C (…) nunca colaborou com a administradora da insolvência, nem nunca lhe deu qualquer informação, tendo apenas ocorrido uma reunião, na sequência desta última carta, entre a administradora e o requerido H (…). Os gerentes da insolvente não entregaram à administradora qualquer documento da empresa e da contabilidade, tendo os únicos elementos contabilísticos facultados à administradora sido fornecidos pelo técnico oficial de contas de empresa.
Deste modo, integrando as mencionadas condutas as previsões das als. a), g) e i) do n.º 2 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, mesmo desconhecendo-se as causas concretas que conduziram à insolvência da sociedade, forçoso é concluir pela qualificação da insolvência como culposa.
É que, como referido no Ac. da RC de 11.12.2012, proc. n.º 3945/08.6TBLRA-E.C1, o n.º 2 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas tem «um fim claramente preventivo, determinando a inadmissibilidade legal de ilisão da presunção nos casos ali referidos a fim de dissuadir a prática ou omissão de condutas que, segundo a experiência nos diz, são suscetíveis de ocasionar insolvências e estão habitualmente intimamente ligadas com tal desfecho da vida societária. É isso mesmo que justifica, nestes identificados casos, e por razões diversas, a declaração da insolvência como culposa sem necessidade de mostrar a ligação entre a conduta legalmente censurada aos administradores e a concreta insolvência ocorrida, estando legalmente vedada a prova em contrário dos referidos factos, ou seja, sendo a insolvência culposa mesmo quando concomitantemente se verifique a concorrência ou superveniência de elementos fortuitos que concorreram juntamente com a atuação dolosa ou culposa para a insolvência».
(…)
Quanto ao dever de requerer a declaração de insolvência, estipula o art. 18.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, na redação anterior à aprovada pela Lei n.º 16/2012, que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência (ou seja, e conforme art. 3.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, à data em que teve conhecimento de que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas), sendo que o n.º 3 da norma acrescenta que quando o devedor seja titular de uma empresa se presume de forma inilidível a situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de dívidas tributárias ou por contribuições e quotizações para a segurança social.
(…)
Ora, a insolvente não paga atempadamente os salários aos trabalhadores desde dezembro de 2010, não paga contribuições à Segurança Social desde novembro de 2010 e impostos desde fevereiro de 2011, pelo que, nos termos do art. 18.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se presume que se encontrava em situação de insolvência pelo menos desde fevereiro de 2011.
Ao omitirem o cumprimento do dever de se apresentarem à insolvência, os administradores da insolvente contribuíram para o agravamento daquela situação, porque a situação patrimonial da empresa se agravou não apenas com o débito de juros, mas também com a aplicação de coimas. Como tal, também por via do art. 186.º, n.º 3, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deve a insolvência ser qualificada como culposa.
(…)
Defendem contudo …que a requerida C (…), a quem de direito competia a gerência da sociedade, não deverá ser afetada pela qualificação, em virtude de a sua nomeação como gerente ter sido meramente formal e de na realidade, ser alheia à condução dos destinos da empresa.
Salvo o devido respeito, entende-se que a defesa …não colhe, desde logo porque, apesar de estar assente era o requerido H (…) quem no dia a dia geria a sociedade, não ficou demonstrado que a requerida desconhecesse o giro da empresa e que fosse alheia tudo o que com ela se relacionasse – observa-se, a este respeito, que se provou que a requerida se deslocava frequentemente ao gabinete da insolvente instalado na Rua (...), sendo nessas ocasiões questionada pelos trabalhadores sobre os atrasos no pagamento dos seus salários e respetivos motivos, que chegou a assinar alguns projetos e a fazer transferências bancárias da sua conta pessoal para a conta bancária da insolvente.
Acresce que, mesmo que assim não fosse, o facto de não exercer efetivamente as funções de gerente não a desvinculava dos deveres de cuidado a que, nos termos do art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais, se encontrava obrigada, e nomeadamente do dever de acompanhar e controlar a condução da atividade da sociedade, e de se informar sobre a sua situação. E se incumpriu tais deveres, sob o pretexto de que a sua nomeação como gerente era meramente formal, não deixa por isso de ser responsável perante a sociedade nos termos do art. 72.º do Código das Sociedades Comerciais, nem deve deixar de ser afetada pela qualificação da insolvência.
Conforme se referiu no já citado Ac. da RC de 11.12.2012, ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, o legislador não quis excluir os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas antes estender a qualificação a atos praticados por administradores de facto. A qualificação deve abranger assim quer os administradores de facto, ou seja as pessoas que praticam atos de administração sem estarem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem, como os administradores legalmente designados constantes do contrato de sociedade e do registo comercial que não exerçam na realidade tais funções” – fim de transcrição.
Como se vê, da aludida transcrição, a sentença recorrida assentou o seu juízo de insolvência culposa na verificação das situações de facto que integram as previsões legais do art. 186º, nº 2, a), h) e i), e nº 3, a), considerando que naquelas situações do nº 2 a lei estabeleceu uma presunção iuris et de iure, inilidível, e na situação referida do nº 3 estabeleceu uma presunção iuris tantum, que no caso não foi ilidida. 
Neste aspecto nada temos a censurar à decisão recorrida.
Efectivamente, decorre do texto legal (art. 186º, nº 1) que para a qualificação da insolvência como culposa importa que tenha havido uma conduta do devedor, ou dos seus administradores, de facto ou de direito, que: a) tenha criado ou agravado a situação de insolvência; b) essa conduta seja dolosa ou com culpa grave; c) tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo. Bem como resulta do teor do nº 1 da referida norma, que para que a insolvência seja qualificada como culposa mostra-se necessário que tal actuação (ou omissão) tida como dolosa ou com culpa grave do devedor seja causal na criação ou no agravamento da situação de insolvência.
Além disso, o nº 2 do mesmo artigo elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de ser sempre - iuris et de iure - considerada culposa, considerando-se, também, sempre que existe o referido nexo de causalidade, enquanto no nº 3 do mencionado normativo legal se estabelece uma presunção de culpa, presunção esta iuris tantum, podendo, pois, ser elidida por prova em contrário, não dispensando, todavia, o aludido nexo de causalidade.
Esta é a interpretação da lei que temos levado a cabo (foi a que expusemos e seguimos nos acórdãos proferidos no Proc.407/09.8TBCNT, datado de 7.2.2012, Proc.1567/10.0TBVIS, de 5.12.2012, e decisão singular no Proc.2143/10.3T2AVR, de 20.8.2013) e que é largamente seguida pela maioria da jurisprudência e doutrina (além do autor citado na decisão recorrida veja-se Carvalho Fernandes e João Labareda, em CIRE Anotado, 2ª Ed., 2008, nota 5. ao referido artigo, pág. 610), interpretação que, aliás, a recorrente não contesta.
Daí que o devedor para escapar ao funcionamento de tal presunção terá de provar que não praticou o facto que serve de base à dita presunção.
E como tem sido amiúde defendido, e a decisão recorrida segue na mesma corrente, as situações do nº 3 do dito art. 186º acarretam uma presunção iuris tantum de culpa grave, passível, por conseguinte, de ser arredada mediante prova em contrário – cfr. Carvalho Fernandes em Revista Themis, 2005, pág. 94, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., nota 8., pág. 611/612, e Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2ª Edição, pág. 273, e na jurisprudência os Acds. desta Relação de 24.3.2009, Proc.1421/06.0TBAVR, de 21.4.2009, Proc.369/07.6TBCDN, de 26.1.2010, Proc.110/08.6TBAND, de 23.11.2010, Proc.1088/06.6TBPMS, e de 8.2.2011, Proc.1543/06.8TBPMS, em www.dgsi.pt.
Ou seja, verificadas as situações previstas no nº 3 do art. 186º, para que se possa qualificar a insolvência como culposa é necessário, ainda, concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a mera demonstração da sua existência, carecendo, pois, de se estabelecer o respectivo nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência para concluir pela insolvência culposa, nos termos do nº 1 do citado art. 186º - vide os acórdãos acima citados desta Relação, e ainda os Acs. da Relação do Porto de 20.10.2009, Proc.578/06.5TYVNG e de 26.11.2009, Proc.138/09.9TBVCD, e da Rel. de Guimarães, de 12.3.2009, Proc.1621/07.6TBBCL, no indicado sítio -------- em sentido contrario pronunciou-se Catarina Serra, em Caderno de Direito Privado, nº 21, Janeiro/Março, 2008, pág. 60 e segs, a qual, comparando o conteúdo das h) e i) do nº 2 com o das a) e b) do nº 3, defende que “elas pouco se distinguem… sob o ponto de vista da sua aptidão para serem causas da criação ou do agravamento da insolvência” (pág. 66 e 69) pelo que conclui que “estas presunções não são simplesmente de culpa qualificada – no (f)acto praticado – mas são de culpa qualificada na insolvência.”. Existindo para impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os sujeitos que violaram obrigações legais. E onerando-se assim, estes sujeitos com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respectivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade.
Daqui que o devedor pode ter agido com culpa grave, mas em nada ter contribuído para a criação ou agravamento da insolvência. E se assim acontecer, então não pode a insolvência ser qualificada de culposa. Interpretação que a recorrente, também, não contesta.
Vejamos, agora, a aplicação concreta de tais normativos que a sentença recorrida levou a cabo, ou seja a subsunção dos factos apurados às disposições especificamente estabelecidas nos apontados nº 2 e 3 do falado art. 186º.
No que respeita à citada a) do nº 2, face ao facto provado 33. está verificado o apontado pressuposto legal, quanto à referida ocultação. Neste aspecto a recorrente para escapar à aludida presunção iure et de iure teria de provar que não praticou tal facto, o que não fez. Aliás, neste campo nem sequer objecta o que quer seja no seu recurso. Só por aqui já teria de se concordar com a sentença recorrida.
No que se refere à citada h) do nº 2, a recorrente não demonstrou que mantinha uma contabilidade organizada, como devia fazer se queria escapar à referida presunção legal. Pelo contrário os factos 13., 16. e 17. demonstram que desde Março de 2011 não foram lançadas na contabilidade da empresa quaisquer documentos, como facturas, avisos de débito, recibos e avisos de crédito, para além de a insolvente não ter entregue as declarações modelos 22 do IRC dos anos de 2010 e 2011 e as declarações do IVA desde o 1º trimestre de 2011.
Como bem se sublinhou na decisão recorrida, a análise da contabilidade revela-se muito importante para a compreensão das causas da insolvência, motivo pelo qual a declaração de insolvência determina a apreensão dos elementos da contabilidade da insolvente, tendo em vista a sua imediata entrega ao administrador da insolvência (art. 36º, g), do CIRE).
Incumpriu, pois, a insolvente, em termos substanciais, o dever de manter contabilidade organizada, com o que impediu que fosse cognoscível a sua situação patrimonial e financeira em geral, bem como a determinação das posições devedoras e credoras, e o consequente apuramento dos resultados alcançados, em particular o esclarecimento das causas concretas da respectiva insolvência.
A recorrente esgrimiu quanto a esta conclusão com os problemas havidos com o TOC (para o preenchimento desta alínea não interessa que se tivesse provado que a insolvente não elaborou contas anuais e não as sujeitou a fiscalização ou depósito, por ser matéria autónoma relacionada com o nº 3, b), do mesmo art. 186º, que no caso sub judice a decisão recorrida entendeu não ser motivo para qualificar a insolvência como culposa). Esqueceu, decerto, a recorrente que foi levado à base instrutória a alegação de que ela desconhecia a actividade da sociedade insolvente, quem eram os seus credores e devedores e o montante das suas dívidas e créditos (art. 15º), que desconhecia se foram ou não cumpridas as respectivas obrigações tributárias (art. 16º), que o TOC não elaborou o dossiê fiscal da empresa, por não lhe pagarem o valor reclamado (art. 24º) e que foi o valor reclamado pelo TOC de mais de 2.000 € que levou a insolvente a deixar de ter capacidade para processar a sua documentação contabilística relevante, nomeadamente em sede de IVA, e para entregar as declarações de IVa respectivas (art. 26º), e que todos estes quesitos tiveram a resposta de não provado (vide fls. 133/134 e 271). Ou seja, a objecção da recorrente não colhe para se eximir à responsabilidade de manutenção de contabilidade organizada por parte da insolvente.
Relativamente à citada i) do nº 2, a recorrente não demonstrou, mais uma vez, que tivesse cumprido os seus deveres legais de informação, apresentação e colaboração, de acordo com o art. 83º, nº 1, do CIRE, como devia fazer se queria escapar à referida presunção legal. Pelo contrário os factos 22. a 28. e 34 demonstram que a recorrente incumpriu reiteradamente tais deveres.
Na realidade, conhecedora da sentença que declarou a insolvência, na qual se determinou que a insolvente entregasse imediatamente à administradora da insolvência os documentos referidos no nº 1 do art. 24º do CIRE (vide ponto 5. de tal decisão) não o fez. Em 14 de Março de 2012 a administradora enviou-lhe uma carta solicitando-lhe que comparecesse no seu escritório a fim de prestar informações e esclarecimentos sobre a empresa e de entregar os elementos de contabilidade para análise, carta que veio devolvida com a menção de não reclamado, mas que, contudo, foi remetida para a morada correspondente ao domicílio fixado à recorrente na qualidade de administradora da devedora na sentença declaratória da insolvência (vide ponto 3. de tal decisão). Se a apelante a não recebeu a ela se deve imputar tal ocorrência. Depois, em 2 de Maio de 2012 foi-lhe enviada nova carta com o mesmo pedido de informação, e com a indicação expressa de que a falta de comparência e de entrega dos elementos solicitados, será por mim entendida como falta de colaboração reiterada dos seus deveres pois esta é a segunda carta que lhe envio para o mesmo fim, tendo a anterior sido devolvida por não ter sido levantada junto dos CTT, carta esta endereçada para a última morada conhecida do gabinete da devedora e que foi recebida. Apesar disso, a apelante não compareceu, não deu qualquer explicação e não enviou a documentação da sociedade e documentos de suporte contabilístico da insolvente.  
No que respeita à mencionada a), do nº 3, concorda-se com a fundamentação da sentença recorrida. De facto, a insolvente não pagava atempadamente os salários aos trabalhadores desde Dezembro de 2010, não pagava contribuições à Segurança Social desde Novembro de 2010 e impostos desde Fevereiro de 2011, pelo que se encontrava em situação de insolvência pelo menos desde Fevereiro de 2011.
É manifesto que a devedora tinha, ou deveria ter, conhecimento pelo menos desde essa data da situação de insolvência em que se encontrava. É o que resulta dos factos provados 18. a 20., articulado com o art. 3º, nº 1, do CIRE. Tinha, pois, que se apresentar à insolvência no prazo de 60 dias seguintes ao conhecimento de tal situação, de acordo com o art. 18º, nº 1, do CIRE (redacção anterior à Lei 16/12, de 20.4), ou seja até Abril de 2011.
Ademais presume a lei, inilidívelmente, que teve conhecimento de tal situação nos 3 meses seguintes sobre o incumprimento de tais tipos de obrigações, como decorre dos arts. 18º, nº 3, e 20º, nº 1, g), i) a iii). Isto é, face ao referido texto legal deve considerar-se que, o mais tardar, a devedora teve conhecimento da insolvência em Maio de 2011, e consequentemente deveria ter-se apresentado à insolvência, o mais tardar, até Julho de 2010, o que contudo não fez.    
Ora, como já ficou dito supra, a presunção prevista no nº 3 do art. 186º do CIRE, apenas faz presumir a existência de culpa grave em relação à insolvência, mas é, por si só, insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, porquanto, face aos requisitos exigidos pelo nº 1 do mesmo artigo, é ainda necessário demonstrar que o incumprimento que a lei presume gravemente culposo foi causa da criação ou de agravamento da situação de insolvência. Haveria pois que demonstrar, através dos factos provados, que esse incumprimento presumido de gravemente culposo foi causal da situação de insolvência, criando-a ou agravando-a.
Ora, ao omitir o cumprimento do dever de se apresentar à insolvência, a gerente da insolvente, ora recorrente, contribuiu para o agravamento daquela situação, porque a situação patrimonial da empresa se agravou não apenas com o débito de juros, mas também com a aplicação de coimas (facto 17.). Ficou, por isso, provado tal nexo de causalidade entre a não apresentação da devedora à falência e o agravamento de tal situação, pelo que considera como verificado o preenchimento de tal alínea.
Visto o exposto, deve a insolvência ser qualificada como culposa, quer por via do nº 2, a), h) e i), do art. 186º, do CIRE, quer pela verificação do nº 3, a), do mesmo diploma.
Finalmente, obtempera, a apelante que era uma mera gerente nominal, não tendo responsabilidade pelo destino da sociedade. Não podemos acompanhar tal argumentação, pois o acervo factual apurado não a exime da sua responsabilidade.
Repare-se, como acima foi salientado, que não se provou que a apelante desconhecia a actividade da sociedade insolvente, quem eram os seus credores e devedores e o montante das suas dívidas e créditos (quesito 15º), mas se demonstrou, sim, que a mesma se deslocava frequentemente ao gabinete da insolvente instalado na Rua (...), sendo nessas ocasiões questionada pelos trabalhadores sobre os atrasos no pagamento dos seus salários e respectivos motivos, que chegou a assinar alguns projectos e a fazer uma transferência bancária da sua conta pessoal para pagar parte de um salário de um trabalhador da insolvente (factos 49. a 52.). Curiosamente a apelante acha normal ser abordada por trabalhadores e assinar projectos como gerente nominal mas para assumir responsabilidades já essa gerência nominal tem conotação irrelevante (vide conclusões 50., 51. e 53.) ….
Tal factualidade demonstra que a apelante estava envolvida no giro e funcionamento comercial da insolvente, pelo que, não estando desvinculada dos deveres de acompanhar e controlar a condução da actividade da sociedade e de se informar sobre a sua situação, é responsável por todo o quadro circunstancial apurado a propósito das especificadas e mencionadas alíneas do nº 2 e 3 do citado art. 186º.   
Acresce outra razão legal, acertadamente assinalada na decisão recorrida, e já referida no citado Ac. desta Relação de 11.12.2012. Ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art. 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas ao invés estender a qualificação a actos praticados por administradores de facto. Assim, a qualificação abrange quer os administradores de direito, os administradores legalmente designados constantes do contrato de sociedade e do registo comercial, quer os administradores de facto, entendidos estes como as pessoas que praticam actos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem.  
Improcede, por conseguinte o recurso.
4. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):
i) Caso a parte recorrente não tenha reclamado, oportunamente, da factualidade assente, está-lhe vedado contestar a mesma em impugnação da matéria de facto;
ii) Tal factualidade assente pode no entanto ser objecto de alteração: ou porque o tribunal de 1ª instância na sentença alterou o facto especificado, com base no art. 659º, nº 3, do CPC; ou porque o tribunal de recurso oficiosamente anulou ou ampliou a factualidade a considerar, à sombra dos arts. 712º, nº 1 e 4, do CPC, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; ou porque o tribunal de recurso alterou tal factualidade, com base no art. 713º, nº 2, por reporte ao dito art. 659º, nº 3, do CPC;
iii) Para efeito de qualificação da insolvência como culposa o nº 2 do artigo 186º do CIRE elenca diversas situações concretas em que a insolvência há-de sempre ser considerada como culposa, instituindo a lei consequentemente uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência;
iv) A prova dos factos do nº 3 do art. 186º do CIRE, apenas faz presumir a culpa grave, importando, para a qualificação da insolvência como culposa que se prove ainda o nexo de causalidade entre tal actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência;
v) Estando a gerente de direito envolvida no giro e funcionamento comercial da insolvente, ainda que em menor grau que o gerente de facto, não fica a mesma desvinculada dos deveres de acompanhar e controlar a condução da actividade da sociedade e de se informar sobre a sua situação, sendo por isso responsável pelo quadro circunstancial apurado que preenche as previsões legais estabelecidas no art. 186º, nº 2, a), h), e i), e nº 3, a), do CIRE;  
vi) Ao reportar-se tanto aos administradores de direito como aos administradores de facto, no art. 189º, nº 2, a), do CIRE, o legislador não visa excluir da qualificação da insolvência os administradores de direito que não exerçam as suas funções de facto, mas estender também tal qualificação aos administradores de facto, isto é, àqueles que praticam actos de administração sem que se encontrem legalmente nomeados como titulares do cargo que exercem.


IV – Decisão


Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela massa insolvente (art. 304º do CIRE).   

Coimbra, 21.1.2014

Moreira do Carmo ( Relator )
Fonte Ramos
Inês Moura