Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1253/11.4PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MARGEM DE ERRO
EMA
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 14º Nº 1 DA LEI 18/2007 DE 17/5; PORTARIA Nº 1556/2007 DE 10 DE DEZEMBRO
Sumário: 1.- Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) dos alcoolímetros constituem fatores de correção considerados no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP];
2.- Qualquer alcoolímetro que os respeite torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA.
3.- Depois de aprovado e/ou verificado o alcoolímetro nos termos prescritos na lei, o mesmo, em cada concreta utilização, fornece medições válidas e fiáveis para os fins legais.
Decisão Texto Integral: No processo supra identificado foi proferida sentença que, julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
A..., residente na Rua …. Leiria.
Sendo decidido:
- Condenar o arguido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292, n.º 1 e 69, n.º 1, a), ambos do C. Penal, praticado em 02-12-2011.
a) na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros, o que perfaz a multa global de 270 (duzentos e setenta) euros, liquidando-se a mesma por € 264,00 (duzentos e sessenta e quatro euros) atenta a detenção, nos termos do artigo 80, n.º 2 do Código Penal.
b) na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. no art.º 69, n.º 1, alínea a) do C. Penal, pelo período de 3 (três) meses.
Nos termos do art.º 69, n.º 3 do C. Penal, deverá o arguido entregar, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado, a licença de condução de que é titular, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de ser ordenada a sua apreensão (art.º 500, n.º 2 do CPP), sendo ainda advertido de que se conduzir durante o período da proibição, incorrerá na prática de um crime de violação de proibições ou interdições, p e p pelo art.º 353 do C. Penal, punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
***
Desta sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objeto:
A- Como decorre da motivação do recurso, o Recorrente entende que deveria ter sido tomado em consideração e descontado na respetiva taxa de álcool no sangue (TAS), o erro máximo admissível (EMA). Nessa medida, e porque a sentença recorrida não o fez, pretende que tal seja agora feito e se retirem todas as consequências legais deste Recurso.
B- A relevância do "erros máximos admissíveis" (EMA) nos aparelhos de pesquisa de álcool no sangue tem sido muito discutida.
C- As regras da experiência comum, neste caso, devem ceder perante as regras técnicas e científicas especialmente aplicáveis sobre a fidedignidade dos aparelhos concretamente utilizados e esta dúvida, expressa pela comunidade técnico-científica, com carácter geral ou normativo, sobre a fiabilidade dos aparelhos utilizados (alcoolímetros), atinja em igual medida a dúvida sobre a realidade do facto.
D- Deste modo, não podemos ignorar a Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, a qual revogou expressamente a Portaria n.º 748/94, de 3 de Outubro e aprovou o "Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros".
E- No seu artigo 8 tem o seguinte teor: "Os erros máximos admissíveis - EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado - TAE, são os constantes do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante".
F- Assim deste modo, este preceito diz-nos: que os resultados dos aparelhos apresentam margens de erro em função do teor de álcool no sangue. O quadro anexo (para onde remete) mostra-nos ainda que a margem de erro admitida na primeira verificação é inferior à margem de erro admitida na verificação periódica. Deste modo, a argumentação que apela à inexistência de qualquer norma legal que atribua força vinculativa às referidas margens de erro não é rigorosa. Existem, como vimos, regras regulamentares válidas - a Portaria invoca como lei habilitante o Dec-Lei 291/90, de 20 de Setembro - que devem ser tomadas em consideração pelo juiz.
G- Tais normas regulamentares devem ser tomadas em consideração porque elas permitem avaliar a fiabilidade dos aparelhos de medição. De facto, são regras que têm o mesmo valor que as regras da experiência comum sobre a credibilidade de um testemunho: projetam-se sobre a reconstrução do facto (do crime) em julgamento.
H- Ora, o facto típico e ilícito não é uma categoria dogmática (entidade abstrata do crime), mas um facto da vida real que deve ser reproduzido em audiência de julgamento, fora de toda a dúvida razoável.
I- É na construção deste juízo sempre falível - porque a história é irreversível - que têm aplicação as regras do Cód. Proc. Penal, designadamente o princípio "ln dubio pro reo". Deste princípio (enquanto corolário da presunção de inocência consagrada no art. 32, 2 da Constituição) resulta que toda a dúvida sobre a prática do facto deve resolver-se a favor do arguido, isto é, todo o facto típico cuja verificação seja duvidosa deve dar-se como não provado - cfr. Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, acórdãos de 1-11-66 e 17-12-80, citados por MAlA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, Coimbra, 2002, pág. 338. Também GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Direito Penal, II, Editorial Verbo, 2002, pág. 110, refere que "o princípio da presunção de inocência é também um princípio de prova, segundo o qual um "non liquet" na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido". Dito de outro modo -acompanhando, agora, FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual penal, I, Coimbra, 1974, pág. 205 - Só no caso de o Tribunal não lograr afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímeis ou prováveis que elas se apresentassem, deve dar o facto como não provado.
J- Foi este o caminho seguido, por exemplo, no acórdão desta Relação, de 19-12-2007, proferido no processo 0746058: "Assim, em caso de dúvida, por aplicação do princípio in dubio pro reo, pode o tribunal fixar uma taxa de alcoolémia inferior à que resulta do exame. Foi o que aconteceu na sentença recorrida. A senhora juíza, face à não infalibilidade do aparelho utilizado na medição da taxa de alcoolémia do arguido, por via da aplicação do princípio in dúbio pro reo fixou uma taxa de alcoolémia relativamente à qual não tinha dúvidas." No mesmo sentido, citando variada doutrina e jurisprudência, ver por todos o acórdão desta Relação, de 6-01-2010, proferido no processo 291/09.1 PAVNF.P1.
L- A reconhecida existência de margens de erro nos aparelhos de medição da taxa de álcool no sangue (TAS) significa assim que, para além de toda a dúvida razoável, só podemos considerar a taxa acusada pelo aparelho, subtraída da respetiva margem de erro.
M- No concreto aparelho usado nos autos, (Drager Alcotest 7110 MK 111 P) até poderia, na mediação efetuada, haver um erro diferente, ou mesmo nenhum (nunca tal se poderá saber). Mas se os serviços competentes entendem que qualquer aparelho daquele género só é fiável dentro de determinados limites, o julgador só poderá afastar a dúvida razoável se tiver elementos que provem os contornos quantitativos do facto por outra via menos falível. Ora esta prova não cabia ao arguido, não sendo por isso relevante o argumento de que o mesmo poderia, se quisesse, requerer uma análise ao sangue. Impor ao arguido tal prova é impor-lhe que desfaça uma dúvida razoável sobre a prova de um facto ilícito e, portanto, inverter completamente a aplicação do princípio in dubio pro reo.
N- A Portaria n.º 748/94 foi revogada pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro (art. 2) que procedeu à aprovação do novo regulamento a que deve obedecer o controlo metrológico dos alcoolímetros, estabelecendo o respetivo n.º 1 que o regulamento aplica-se «a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos.» Por outro lado, o artigo 5 do mesmo Regulamento (quer o primitivo quer o novo) estabelece: «O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação do modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária».
O artigo 8 do referido Regulamento, sob a epígrafe "Erros Máximos Admissíveis", estabelece: «Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE) são os constantes do quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.»
O quadro referido é o seguinte:
TAE - "Teor de álcool no
Aprovão de
Verificação
ar expirado (mg/l)
Modelo/Primeira
Periódica/verificação
verificação
extraordinária
TAE <0,400
±0,020 mg/l
±0,032mg/l
0,400<TAE <2,000
±5%
±8%
TAE> 2,000
±20%
±30%
O- No presente caso, o aparelho registou um valor de 1,21 g/l havendo assim uma margem de erro de mais ou menos 8%, o que significa que apenas podemos ter a certeza (para além de toda a dúvida razoável) de que o condutor circulava, pelo menos, com uma taxa de 1,12 g/l (isto é, 1,21 - 8%).
P- Absolvição do crime previsto no art. 292, 1 do C. Penol, tem a primeira consequência é, desde logo, a da absolvição do arguido do crime de que vinha acusado. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no artigo 292, n.º 1 do C. Penol, só existe quando a quantidade de álcool no sangue é igualou superior a 1,2 g/l. Dado que se provou que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,12 g/l, é evidente que o mesmo deve ser absolvido da prática do crime de que vinha acusado. b) Prática da contraordenação prevista no art. 85, n.º 5, al. b) do C. Estrada. O facto de o arguido ter conduzido o veículo automóvel apresentando uma TAS de 1,12 g/l faz com que o mesmo tenha praticado a contraordenação prevista art. 81, n.º 5, al. b). do Código da Estrada, é punida com uma coima entre € 500 e € 2500. Trata-se de uma contraordenação muito grave e, por isso, o mesmo incorre ainda na sanção acessória de inibição de conduzir, por um período de dois meses a dois anos - arts. 146, al. j) e 147 Código Estrada.
Q- Alguma jurisprudência tem entendido que "o respeito pelo direito ao recurso impõe que, quando o Tribunal da Relação revoga decisão absolutória proferia em 1.ª instância, deva esta proceder à determinação da sanção e a avaliar da necessidade de reabrir para esse efeito a audiência ou de ordenar quaisquer diligências" - Ac. R. E. de 2009/0ut./15, CJ IV /266; Ac. R.P. de 2008/Mar/05 e de 2007/Nov./28.
R- Entendimento contrário foi sustentado, entre outros exemplos aí citados, no acórdão desta Relação, de 14-04-2010, proferido no processo 659/09.3GBAMT.Pl, onde foi feita uma análise exaustiva da questão.
S- Não obstante a complexidade da questão e o facto, a melhor leitura do Art. 77, 1 do RGCO (Dec. Lei 433/82, de 27 de Outubro) é a de que compete ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (e não à Administração) a aplicação da coima, nos casos em que tenha havido acusação pela prática de um crime, mas cabe ao Tribunal entender, que se não verificou o crime, mas apenas uma contraordenação.
T- Com efeito, não vislumbram maneira de afastar o disposto no artigo 77, n.º 1 do Dec. Lei 433/82, de 27/10, segundo o qual "o Tribunal poderá apreciar como contraordenação uma infração que foi acusada como crime". Por outro lado, não se vê qualquer razão válida poro que o processo seja remetido à Administração para que aí seja aplicada a coima, quando a lei clara e expressamente atribui ao Tribunal.
U- Todavia, constatou-se nestes autos, que não foi deduzida a taxa de erro máximo admissível, aplicável aos aparelhos de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, alcoolímetros, por força da recomendação da organização internacional de meteorologia, na sequência da Portaria 748/94, de 13.6 ponto 6 al. a) e c) da citada Portaria.
V- Tal taxa de erro situa-se entre os 7,5%, quando o alcoolímetro apresenta uma TAS entre 0,92 g/l e 2,30g/l, cifra norma NFX 20 - 701.
X- Ora deduzida tal percentagem à taxa de 1,21 g/l, apresentada pelo arguido no alcoolímetro, in casu, temos uma taxa reduzida e real que se fixa em 1,12 g/l, no qual o Tribunal "a quo" deveria ter dado como provado.
Z- Deste modo e de facto, a verdadeira taxa de álcool no sangue é de 1,12 g/l, e é neste sentido que o Tribunal "a quo", deveria, ao abrigo do disposto no n.º 1 do Artigo 77 do RGCO, ter condenado o arguido pela prática da contraordenação muito grave por ele cometido.
AA- Por isso, a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", deverá ser substituída, por outra de carácter contraordenacional, aplicada ao arguido.
BB- Os factos dados como provados integram, como já referimos, a contraordenação prevista no art. 81, 5, al. b) do C. Estrada, punível com uma coima entre € 500 a €2.500 e, ainda, com a sanção acessória de inibição de conduzir, por um período de dois meses a dois anos, por se tratar de uma contraordenação muito grave - arts. 146, al. j) e 147 Código Estrada.
CC- Nos termos do art. 139, 1 do C. Estrada: "A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contraordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infrator relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos."
Deve o Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
a)Considerados como não provados os factos vertidos e condenar o Recorrente na contraordenação prevista no art. 81, 5, al. b) do C. Estrada, punível com uma coima entre € 500 a €2.500 e, ainda, com a sanção acessória de inibição de conduzir, por um período de dois meses a dois anos, por se tratar de uma contraordenação muito grave - arts. 146, al. j) e 147 Código Estrada.
Foi apresentada resposta, pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:
1-O recurso da matéria de facto perante o tribunal superior visa apenas a realização de uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados.
2-Na nossa ótica, não existe qualquer fundamento suficientemente consistente para perfilhar a tese do arguido (de que poderá ter ocorrido na medição da taxa de alcoolemia pelo alcoolímetro utilizado um eventual "erro máximo admissível") em detrimento da convicção formada pelo Tribunal a quo que é compatível com os dados objetivos recolhidos nos autos.
3-O Tribunal a quo formou a sua convicção, além do mais, com base nos dados de um alcoolímetro que se encontrava nas condições prescritas na lei aplicável e na confissão integral e sem reserva por parte do arguido quanto aos factos que lhe foram imputados, nos quais se inclui a taxa de alcoolemia de 1,21 g/litro que ele agora pretende impugnar.
4-Para o recorrente os conceitos de "erro máximo admissível" dos alcoolímetros e "margem de erro" dos alcoolímetros são equivalentes.
5-Na nossa ótica os indicados conceitos são distintos: quando se fala em "erro máximo admissível" relativamente a um dado resultado admite-se que ele possa estar 100% exato e, na hipótese de não estar, então indica-se a margem até onde é possível que não esteja; quando se fala em "margem de erro" relativamente a um dado resultado sabe-se que esse resultado está errado e indica-se os parâmetros dentro dos quais esse erro ocorre.
6-A diferença de conceitos tem a maior relevância na situação em apreço já que:
A) Para superar uma situação de "margem de erro" de um alcoolímetro, porque é seguro a existência de um erro, o que faz sentido é corrigi-lo de forma a eliminar essa "margem" de "erro conhecida" e só o certificar depois da correção.
B) No caso do "erro máximo admissível" porque não é seguro que exista qualquer erro (o que temos é um resultado de um alcoolímetro de cuja exatidão duvidamos) a confirmação do resultado passa por fazer outros testes ou exames.
7-Todos os alcoolímetros, à semelhança do que sucede com os demais aparelhos (por mais avançados e sofisticados que sejam), têm as limitações de que padecem as criações do engenho humano: não são perfeitos.
8-Cônscio desta realidade a lei obriga o OPC que se depara com uma situação de exercício da condução na via pública com um grau de álcool no sangue superior ao permitido a informar, por escrito, o respetivo condutor alvo da fiscalização do resultado do exame realizado, e da possibilidade de, em tempo útil, requerer contraprova através de novo exame por ar aspirado ou através de análise sanguínea, tudo nos termos do art. 153, nºs 2, 3, 4 e 5, do Código da Estrada.
9-Foi o que sucedeu no caso dos autos, tendo o arguido declarado que não pretendia contraprova (cfr. fls. 9).
10-Não tendo o arguido, em tempo útil, acionado os mecanismos idóneos à sua defesa no que à taxa de alcoolemia diz respeito, conformou-se, implicitamente, com o resultado do único exame que efetuou.
11-Acresce que ao nível do julgamento em 1ª instância o arguido confessou os factos que lhe foram imputados de forma integral e sem reserva pelo que com o presente recurso o arguido acaba por "venire contra factum proprium ".
O recurso deve ser julgado improcedente.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA, em parecer emitido sustenta a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir:
***
O direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso.
Sendo que se realça, como ponto único a analisar:
- Não aplicação da margem de erro;
*
Prova e meios de prova:
O juiz pode convencer-se com a prova que tenha como coerente e convincente.
Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei –art. 125 do CPP.
E, a prova através de aparelho aprovado, de medição de álcool no sangue através do ar expirado, é admissível e válida.
As provas são apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador –art. 127 do CPP.
O julgador apenas podia concluir pela existência da taxa de alcoolemia no quantitativo acusado no aparelho, sendo que essa era a taxa correspondente à taxa de álcool no sangue do arguido (já que nenhuma outra foi provada).
Este é o entendimento maioritário nesta Relação.
A medida da taxa de álcool no sangue é efetuada por aparelho igual ou semelhante ao utilizado no caso em análise, ou através da análise direta do sangue, caso seja requerida a contraprova.
E, a contraprova é efetuada, nomeadamente, a pedido do arguido, quando questione, ou por ele seja “posta em causa” a leitura feita pelo aparelho. Efetuada a contra prova é que terá de se efetuar a correspondência entre a taxa de álcool no sangue resultante da leitura do aparelho e a resultante da análise ao sangue.
Não se percebe outro meio de fazer a correspondência.
Assim, a taxa de álcool no sangue do arguido era a indicada no aparelho utilizado para a medição, o qual estava devidamente homologado e aferido, ou seja, a taxa de álcool no sangue do arguido era de 1,21 g/l (e mesmo na eventualidade de aplicação da margem de erro de 8%, o resultado não era de 1,12).
Como refere o Ac. da Rel. De Guimarães de 26-02-07, “no nosso sistema processual penal –art. 125 – são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”, e não é proibida a prova obtida através da utilização de aparelho de medição quantitativa de álcool no sangue, desde que devidamente aprovado, como estava o que foi utilizado no caso concreto.
Assim que se tenha como válida a prova do quantitativo de álcool no sangue apresentado pelo arguido e detetada pelo aparelho marca Drager, modelo 7110 MKIII P, devidamente aprovado, porque apenas detetados “erros inferiores aos erros máximos admissíveis”.
Um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.
E, daqui logo resulta que a margem de erro admissível se deve observar quando da aprovação do aparelho (ou nas aferições posteriores, ordinárias ou em extraordinária) e não em cada uma das utilizações em concreto.
Na sentença e matéria de facto, deu-se como provada a TAS de 1,21 g/l, a marcada no aparelho alcoolímetro, o que se fez de forma correta.
Como se vem entendendo nesta Relação (pelo menos maioritariamente) e é nosso entendimento em vários acórdãos relatados (nomeadamente, processos nº 125/09.7GTCTB.C1 e 407/07.2GTLRA.C1), os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra – Cfr. Maria do Céu Ferreira e António Cruz, in “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade”.
É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exatos. Esta incerteza de medição é avaliada no ato da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respetivo regulamento –Cfr. www.spmet.pt/cominicacoes_2_encontro/Alcoolimetros_MCFerreira.pdf.
É por isso, que em domínios de medição com vários níveis de exigência metrológica se definem classes de exatidão em que os EMA são diferenciados de classe para classe. No caso dos alcoolímetros não existem classes de exatidão diferenciadas, mas existem dois tipos de alcoolímetros: uns designados de “qualitativos”, outros de “quantitativos”. Apenas este últimos têm características metrológicas suscetíveis de ser utilizados para medir a alcoolémia, para fins legais, dentro dos EMA definidos na lei. Os designados de qualitativos apenas servem para despistar ou confirmar situações de alcoolémia mais ou menos evidente, exigindo depois, se for caso disso, uma medição rigorosa com um alcoolímetro quantitativo legal.
Os EMA constituem simples fatores de correção considerados no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP].
Qualquer alcoolímetro que os respeite é aprovado e torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA.
Por isso é que com periocidade regular os aparelhos de medição do teor de álcool no sangue têm de ser submetidos a controlo, verificação periódica, assim como outros instrumentos de medição têm de ser submetidos a aferição.
Uma vez feito o controlo ou aferição, tais instrumentos estão aptos a serem utilizados como instrumentos de medição, sem que novamente se tenha de aplicar a margem de erro. O aparelho que no controlo faça a medição em obediência às margens de erro, está apto a ser utilizado, e uma vez utilizado são válidos os valores observados.
A definição, através da Portaria nº 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação do Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são corretas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.
Como se vê, os EMA não se destinam a atuar nas medições concretas efetuadas por cada aparelho aprovado e/ou verificado, mas antes a atuar em momentos prévios ou seja, nas operações de aprovação e verificação. Depois de aprovado e/ou verificado o alcoolímetro nos termos prescritos na lei, o mesmo, em cada concreta utilização, fornece medições válidas e fiáveis para os fins legais.
Pode pois ter-se por certo que não só a lei não prevê a possibilidade de realização de um qualquer desconto, fundado nos EMA, aos valores indicados pelos alcoolímetros devidamente aprovados e verificados, como tal desconto carece de fundamento sob o ponto de vista da metrologia. Por isso, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas (RFCIASP), aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, estabelece no seu art. 14, nº 1, que nos testes quantitativos do álcool expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. E no mesmo sentido se dispõe no art. 153, nº 1, do C. da Estrada.
Transpondo tal entendimento para os autos, teremos, então, que na decisão recorrida o M.mº Juiz a quo considerou, e bem, que o arguido conduzia sob a influência de uma TAS de 1,21 g/l, ou seja, a constante do talão inserto a fls. 5 e sem interferência de um qualquer EMA.
A alterar-se a taxa dada pelo aparelho, por nova aplicação do EMA, é que se verificava a existência do vício de erro notório na apreciação da prova e até contradição entre a matéria de facto provada e a motivação da mesma.
Assim que nada houvesse a corrigir nem aplicar o EMA, nem resultando qualquer violação do princípio in dúbio pró reo, ou violação do art. 292 do CP, ou art. 8 da Portaria 1556/2007 de 10-12, nem tão pouco a Constituição.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto do acórdão ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação. Pelo que não se verifica violação do princípio in dúbio pró reo.
*
Face ao exposto, entendemos serem improcedentes todas as conclusões do recurso e, este não merecer provimento.
Decisão:
Atentos ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar improcedente o recurso do arguido A... e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 Ucs.
Coimbra,