Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/21.0T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: LEGADO
LEGÍTIMA
QUOTA DISPONÍVEL
IGUALAÇÃO
APLICAÇÃO ANALÓGICA
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 2018.º E 2156.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Embora a lei não contenha uma norma expressa quanto ao modo de efetuar a imputação relativamente aos legados “por conta da legítima”, a jurisprudência e a doutrina vêm entendendo que, no caso de legado presumido por conta da legítima (por omissão no testamento a tal respeito), se o valor do legado exceder o valor da sua legítima, o excedente é de imputar em toda a quota disponível da herança, ainda que com prejuízo para os restantes herdeiros.

II – No legado por conta da legítima o autor da sucessão procura atingir uma finalidade de igualação, pelo que é analogicamente aplicável o regime do artigo 2018º CC, pelo que, o remanescente da herança, após imputação das liberalidades na legitima e na quota disponível, vai servir para igualar os restantes descendentes.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo nº 326/21.0T8PBL.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Helena Melo

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de inventário para partilha do património hereditário por óbito de AA, no qual surgem como únicos herdeiros os seus filhos, BB, CC e DD, a inventariada mediante testamentos constantes de fls. 13 e 18 efetuou legados a favor de cada um dos seus três filhos.

Proferido despacho de 29-05-2021, a determinar a forma à partilha, houve lugar a Conferência de interessados, na qual foi fixado o seguinte valor para as verbas objeto de legado:

- verba nº38, no valor de 12.170,34 € (objeto de legado à herdeira BB, por testamento de fls. 13);

- verba nº39, no valor de 1.822,60 € (objeto de legado ao CC, por testamento de fls.18);

- verba nº 40, no valor de 19.257,58 € (cuja metade foi objeto de legado à BB, por testamento de fls. 18);

-  verba nº41, no valor de 7.377,30 € (legado à DD, por testamento de fls. 18).

Elaborado o Mapa de Partilha, a 04.06.2022, dele veio reclamar a herdeira/legatária BB, com fundamento em que nele não foi dado cumprimento ao estipulado no ponto 3.c), do despacho determinativo da forma à partilha:

- ultrapassando ainda a legítima e a quota disponível da herdeira BB em 6.862,22 €, deverá este valor ser imputado na quota indisponível da inventariada, no valor de 9.957,94 €;

- sendo que, a quota disponível da inventariada AA, após as operações do ponto 3, é de 3.095,22 €;

- apenas este valor deverá ser dividido por 3, perfazendo um valor de 1.031,90 € para cada herdeiro;

- devendo ser corrigidos os valores das tornas a pagar pela interessada BB: a) ao cabeça de casal o valor de 2.471,39 €; b) à interessada DD o valor de 1.916,17 €.

Pelo juiz a quo foi proferido Despacho a incidir sobre tal reclamação, deferindo-a parcialmente, ainda que por razões distintas, determinando a correção do mapa da partilha, de modo a que: i) apenas a parte proporcional da interessada BB (3.831,18 €) respeitante ao legado da verba nº38 é imputada na quota disponível da inventariada; ii) sendo o remanescente desta dividido unicamente pelos dois restantes interessados.


*

Não se conformando com o decidido, a Reclamante BB, dele interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula:

i. (…).

ii. O presente recurso é interposto como manifestação da insatisfação e não concordância por parte da Recorrente, perante o douto Despacho que conheceu da reclamação contra o mapa de partilha, proferido em 06/07/2022 com a referência ...10, não sendo este passível de recurso autónomo, e do (segundo) mapa de partilha (Ref. ...81, elaborado a posteriori a tal Despacho, bem como da douta Sentença homologatória de partilha que recaiu na ação à margem referenciada.

iii. (…)

v. Conforme Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros (número 2356/2016), junto aos autos, outorgado na Conservatória de Registo Civil ..., em 13/09/2016, a de cujus deixou como herdeiros, seus três filhos, a saber:

- CC, que foi nomeado cabeça-de-casal,

-BB, ora Recorrente,

- DD.

52. Conforme consta igualmente do mencionado procedimento de habilitação de herdeiros, a falecida efetuou dois Testamentos Públicos lavrados, o primeiro, no dia .../.../2005 (…), no qual fez legado a sua filha BB, o prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...29... segundo testamento, foi lavrado em 06/08/2013, (…), em que fez legado de um prédio rústico a cada um dos filhos, expressamente por conta da legítima.

vi. No que concerne aos testamentos, há que realçar que o testamento efetuado em 09.08.2005, pelo qual a autora da sucessão institui como legado deixado à filha BB o imóvel descrito na verba 38 da relação de bens corrigida, aquela nada declarou quanto à imputação da deixa testamentária, pelo que configura legalmente (artigo 2264.º do CC), o denominado pré-legado.

(…).

x. Assim, o Tribunal a quo, determinou claramente que, de facto, e em concordância com o decidido pela Sra Notária em 19/03/2018, o testamento de folhas 13, ou seja, o primeiro legado que a de cujus deixou a favor da Herdeira BB deveria obedecer a regras diferentes do legado constante de folhas. 18.

(…).

xii. Em 06/04/2022, foi organizado o Mapa de Partilha, tendo sido o mesmo notificado às partes em 07/04/2022.A ora Recorrente reclamou do mesmo, nos termos do artigo 1120, n.º 5 CPC, em 28/04/2022, por, na sua opinião, o mapa não estar de acordo com Despacho de organização da partilha, proferido em 29/05/2021.

xiii. Em 06.07.2022, na sequência da reclamação apresentada, foi proferido o douto Despacho que, de facto, reconheceu a efetiva necessidade de reformular o mapa de partilha, ainda que não nos termos pretendidos pela Reclamante, ora Recorrente, pelo que se pretende agora recorrer do mesmo.

xiv. Ora, conforme foi proferido no Despacho emanado pela Senhora Notária, titular do processo no seu momento inicial em 19/03/2018, o testamento que contempla unicamente a herdeira BB, ora Recorrente, consiste num pré-legado, ou seja num legado que é atribuído a um herdeiro para além da sua quota, estando previsto no artigo 2264.º do Código Civil.

xv. Deve ter-se ainda em consideração o disposto nos termos do Artigo 2187.º do Código Civil

xvi. Ora, no caso concreto, dúvidas não restam de que a Inventariada pretendeu, de facto, beneficiar a filha, herdeira BB, e apenas anos mais tarde, em 06.08.2013, outorgou um segundo testamento já expressamente por conta da legítima, em que, por sua vez, contempla os seus três filhos, pretendendo assim tomar posição sobre os bens que iriam preencher o quinhão de cada filho, mas já não pretendendo beneficiar qualquer um dele.

xvii. Perante o supra exposto, bem como nos termos das operações definidas sob os pontos 3.a., 3.b, 3.c., 3.d e 4. no douto Despacho datado de 28/05/2021, a quota disponível da inventariada AA apenas será repartida por três após as operações definidas em 3. (mormente em 3.c).

xviii. Com efeito, sendo num primeiro momento a legítima da herdeira BB preenchida pelo legado instituído a fls.18 (conforme operação prevista em 3.b.) e, ultrapassando o legado instituído a fls. 13 a (restante) legítima, bem como a quota disponível da herdeira BB, deverá então ser imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA (operação 3.c.).

xix. Ora, no presente mapa de partilha agora homologado por Sentença, não foi dado cumprimento ao ponto 3.c) do supra referido douto Despacho.

xx. Pois ultrapassando ainda a legítima e a quota disponível da herdeira BB em €6.862,22 deverá o mesmo ser imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA no valor de €9.957,94, sob pena de se verificar uma clara violação dos artigos 2108.º, 2168.º, n.º 1, 2172.º, n. 2 e 2174.º do Código Civil.

xxi. Sendo que a quota disponível da Inventariada AA após as operações do ponto 3, é de €3.095,22, devendo este ser dividido por 3, perfazendo um valor de €1.031,90 para cada herdeiro.

(…).

xxiii. Pelo contrário, deveria ter se verificado, salvo o devido respeito, que o(s) legado(s) não atinge(m) (ou seja, não ofendem) a legítima dos outros herdeiros, pelo que deveria ser respeitada a vontade da testadora de que o legado se transmita para a herdeira contemplada, não sendo necessário reduzir o legado por o mesmo não ofender a legítima dos restantes herdeiros.

xxiv. Devendo assim ser considerado o valor integral do legado e não apenas uma percentagem do mesmo...

xxv. Nestes termos, e salvo o devido respeito, deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo o Despacho proferido em 06.07.2022 ser anulado, mantendo-se os exatos termos do Despacho determinativo da forma à partilha, devendo o mapa de partilha ser novamente elaborado sem percentagens ou reduções.

xxvi. Por sua vez, quanto ao ponto 3. do mencionado Despacho datado de 06.07.2022, uma vez mais e salvo melhor opinião, para além de estar claramente em contradição com o ponto 4 do Despacho que determinou a forma à partilha, violando assim um Despacho transitado em julgado, não respeita o disposto pelos artigos 2108.º, 2168.º, 2172.º e 2174.º todos do Código Civil já que, não tendo sido ofendidas as legítimas pelos legados, não existem inoficiosidades que carecem de redução.

xxvii. Contudo caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por cautela de patrocínio, será de dividir por dois o valor apurado após todas as operações determinadas pelo Despacho determinativo da forma à partilha, que salvo melhor opinião será de €3.094,78.

xxviii. Nestes termos, deverá, salvo melhor opinião, ser corrigido o Despacho proferido em 06.07.2022, e, por conseguinte, do (segundo) mapa de partilha elaborado à posteriori ao referido Despacho.

xxix. Assim, devendo ser o mapa de partilha revisto de acordo com todo o supra explanado, deverá igualmente ser anulada, declarando-se sem efeito a Sentença que homologou a partilha constante do mapa sob a Ref. ...81 e que foi executado de acordo com o referido despacho datado de 06.07.2022.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser mui doutamente revogado o despacho proferido a 06.07.2022, proferindo-se novo mapa de patilha

Deve o presente recurso obter provimento, revogando-se em consequência o Despacho que conheceu da reclamação contra o mapa de partilha, proferido em 06/07/2022 com a referência ...10, o (segundo) mapa de partilha elaborado a posteriori a tal Despacho (Ref ...81), bem como da douta Sentença homologatória de partilha que recaiu na ação à margem referenciada, devendo ser proferida decisão que determine a elaboração de novo mapa de partilha de acordo com o teor do Despacho de organização da partilha, proferido em 29/05/2021, não devendo haver lugar de reduções ou aplicação de percentagens ou não se verificar ofensas à legítima dos herdeiros.


*

Quer o cabeça de casal CC, quer a interessada DD, apresentaram contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.

Dispensados foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº4, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.


*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se o mapa de partilha deve ser reformulado, na sequência da resposta às seguintes questões:
1.a.  se, num primeiro momento, a legítima da herdeira BB deve ser preenchida pelo legado instituído a fls.18 (conforme operação prevista em 3.b.) e, ultrapassando o legado instituído a fls. 13 a (restante) legítima, bem como a quota disponível da herdeira BB, deverá, então, ser imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA (operação 3.c.).
1.b. Se o valor remanescente da quota disponível da inventariada, após preenchimento dos legados, deve ser distribuído igualmente por todos os herdeiros legitimários, incluindo a interessada BB.
*
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

No despacho pelo qual foi dada a forma à partilha, proferido a 29-05-2021 (decisão transitada em julgado) determinou-se que a ela se procedesse, segundo as seguintes regras:

“1. Somam-se os valores dos bens e direitos deixados pela Inventariada AA, sem prejuízo do respectivo aumento decorrente de eventuais licitações dos bens não legados;

2. O resultado deve ser repartido em três partes iguais, constituindo uma terça parte a quota disponível e as duas terças partes restantes a quota indisponível;

3. A quota indisponível da inventariada AA deve ser repartida por três, cabendo uma delas ao interessado CC, a segunda à interessada BB e a terceira à interessada DD;

a. Deverão cada uma das legítimas dos interessados CC, BB e DD ser primeiramente preenchidas pelos valores dos respectivos legados tal como constantes dos testamentos de fls. 13 e 18;

b. No caso de os bens legados ultrapassarem as legítimas dos interessados CC, BB e DD, imputam-se os excedentes na quota disponível do correspondente interessado;

c. Se o legado instituído a fls. 13 ultrapassar a legítima e a quota disponível de BB, será então imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA;

d. O excesso dos bens legados [os de fls. 18 quanto à operação definida em 3.b e o de fls. 13 quanto à operação definida em 3.c], se o houver, será considerado para efeitos de redução nos termos do disposto nos artigos 2168.º, 2172.º e 2174.º do Código Civil;

4. A quota disponível da inventariada AA, no que restar após a operação definida em 3.d, deve ser repartida por três, cabendo uma delas ao interessado CC, a segunda à interessada BB e a terceira à interessada DD.”

Na sequência de tal determinação, veio a secção a elaborar o seguinte Mapa da Partilha:

“BENS A PARTILHAR:

Contas bancárias: 13.391,69€

Ouro: 420,00€

Imóveis: 30.999,03€

Total a Partilhar: 44.810,72€

****

Conforme o despacho determinativo da partilha

e tendo em conta o decidido na conferência de interessados,

soma-se o valor dos bens descritos ……………………….. 44.810,72€

divide-se em três partes iguais …………………….....……………. :3

correspondendo 1/3 à quota disponível …………………..14.936,91€

e os outros 2/3 constitui a quota indisponível ….………..... 29.873,81€

*****

A quota indisponível …………………………………........… 29.873,81€

divide-se em três partes iguais ……………………………....…… ----------:3

cabendo a cada um dos interessados CC,                   9.957,94€

BB e EE,

uma dessas partes, por força das disposições testamentárias

****

A quota indisponível da interessada BB ……………… 9.957,94€

é preenchida pelos bens legados (verbas 38 e 40), no total de …. 21.799,13€

ultrapassando a legitima da interessada em ……………………… 11.841,19€

que se imputa na quota disponível da interessada ………………… 4.978,97€

ultrapassando (a legitima e a quota disponível) em ……………. 6.862,22€

que será imputado na remanescente quota disponível

da inventariada (14.936,91€ - 4.9798,97€) ……………………… 9.957,94€

que será divido por três                                                                              : 3

cabendo a cada interessado                                                               3.319,31€

(…)

A Interessada/Legatária BB, apresenta Reclamação ao Mapa da Partilha, com fundamento em que nele não foi dado cumprimento ao estipulado no ponto 3.c), do despacho determinativo da forma à partilha:

- ultrapassando ainda a legítima e a quota disponível da herdeira BB em 6.862,22 €, deverá este valor ser imputado na quota indisponível da inventariada, no valor de 9.957,94 €;

- sendo que, a quota disponível da inventariada AA, após as operações do ponto 3, é de 3.095,22 €;

- apenas este valor deverá ser dividido por 3, perfazendo um valor de 1.031,90 € para cada herdeiro;

- devendo ser corrigidos os valores das tornas a pagar pela interessada BB: a) ao cabeça de casal o valor de 2.471,39 €; b) à interessada DD o valor de 1.916,17 €.

Apreciando tal reclamação ao Mapa de Partilha, o juiz a quo profere Despacho a determinar a alteração do mapa da partilha, com fundamentos distintos dos que estiveram na base da reclamação, decisão de que agora se recorre:

- as operações definidas em 3.b e 3.c, não assumem uma ordem ou preferência cronológica. Pois que o ponto 3d. manda aplicar o disposto nos arts. 2168º, 2172º e 2174º do CC a ambas as operações na eventualidade de ocorrer excesso dos bens legados; não se pode imputar primeiramente o legado de fls. 18 na legítima e na quota disponível a atribuir à BB e só depois o legado de fls. 13 na legítima e quota disponível a atribuir à BB e na remanescente quota disponível da inventariara, sob pena de estarmos a dar preferência ao legado de fls. 13, quando em cotejo com o de fls. 18 [e em manifesto regime de favor para a interessada BB] pois que, face ao despacho de forma à partilha, apenas aquele primeiro pode ser imputado na restante quota disponível da inventariada AA.

- ambos os legados carecem de ser reduzidos, nos termos dos arts. 2168º, 2172º e 2174º, do CC;

- o valor global dos legados é de € 21.799,13, sendo a legítima de BB de € 9.628,79, traduzindo-se a quota disponível de AA em € 14.936,91, ascendendo, por seu turno, o quinhão titulado pela BB na sobredita quota disponível a € 4.978,97;

- em face da qualificação concretizada dos legados no despacho de forma à partilha e dos termos definidos para a correspondente imputação, temos que o legado de fls. 18 não pode ser imputado no remanescente da quota disponível da inventariada AA pois que a sua proporção naquele diferencial do legado de fls. 13, será de € 3.831,18 [€ 6.862,22 - € 3.031,04].

- por reporte ao Mapa de Partilha, a Secção apenas poderá imputar esta mesma grandeza de € 3.381,18 no remanescente da quota disponível da inventariada AA.

- acresce que esse remanescente da quota disponível não será a dividir pelos três interessados, pois a interessada BB já teve a sua porção da quota disponível preenchida pela imputação dos seus legados.

A interessada BB insurge-se contra o decidido, alegando que a quota disponível da inventariada só poderá ser dividida por três, após as operações definidas em 3., nomeadamente em 3.c.:

- sendo, num primeiro momento, a legítima da herdeira BB preenchida pelo legado de fls. 18, e ultrapassando o legado de fls. 13 a restante legítima, bem como a quota disponível da herdeira BB, deverá então ser imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA;

- ultrapassando ainda a legítima e a quota disponível da herdeira BB em €6.862,22 deverá o mesmo ser imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA no valor de €9.957,94, sob pena de se verificar uma clara violação dos artigos 2108.º, 2168.º, n.º 1, 2172.º, n. 2 e 2174.º do Código Civil.

- sendo a quota disponível da Inventariada AA após as operações do ponto 3, de €3.095,22, devendo este ser dividido por 3, perfazendo um valor de €1.031,90 para cada herdeiro.

 Antes de passar ao conhecimento das questões objeto de recurso, cumpre salientar que, proferido despacho sobre a forma da partilha e transitado este em julgado, o que incumbe determinar, relativamente às duas questões aqui colocadas – i) se o legado efetuado a favor da BB, na parte em que excede a sua legítima, é de imputar na totalidade na quota disponível da inventariada ou se apenas na parte que a ela lhe caberia no âmbito da sucessão legítima; ii) se a parte remanescente da quota disponível da inventariada (na parte não preenchida por aquele legado) é de dividir por todos os herdeiros legítimos, ou dela é de excluir a BB – é se o mapa de partilha se encontra em conformidade com as regras estabelecidas pelo tribunal no despacho determinativo da forma à partilha.

E, em tal despacho, foi decidido definitivamente[1] – não podendo ser aqui objeto de nova apreciação – que:

- enquanto os legados efetuados através do testamento de fls. 18 foram feitos expressamente por conta da legítima (regime convencional de colação absoluta), o legado efetuado por testamento de fls. 18, não se fazendo nele qualquer menção ao regime a que fica sujeito, terá de se considerar feito por “conta da legítima”, sujeito às regras supletivas legais da colação constantes do artigo 2108º do CC;

-  e o juiz a quo explicita ainda as diferenças de regime a que se encontram sujeitos os dois tipos de legados: “Efectivamente, o artigo 2108.º do Código Civil, enquanto regime supletivo, obriga a imputar o legado sucessivamente, a haver excesso, i) na legítima subjectiva do herdeiro, ii) na quota disponível do herdeiro e iii) no remanescente da quota disponível do inventariado. E apenas na eventualidade de ultrapassar a quota disponível do de cujus haverá lugar à redução por inoficiosidade [artigo 2108.º, n.º 2 do Código Civil]. Já quando o legado é expressamente feito por conta da legítima, deveremos considerar, com LOPES CARDOSO5, que “o doador não atribui ao donatário qualquer prevalência quantitativa em relação aos demais descendentes seus; apenas lhe antecipa a quota hereditária no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens doados; assim o donatário haverá de conferir todo o objecto da doação”. Justificando-se, pois, uma igualação total, completa e absoluta ao ponto de se imputar o legado sucessivamente, a haver excesso, i) na legítima subjectiva do herdeiro e ii) na quota disponível do herdeiro. A ultrapassar esta quota disponível, impõe-se a redução do correspondente valor independentemente do problema da redução por inoficiosidade.”

Na sequência de tal fundamentação legal, o despacho determinativo da forma à partilha dispõe ainda, sob o ponto 3.c., que “Se o legado instituído a fls. 13 ultrapassar a legítima e a quota disponível de BB, será então imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA”.

Ou seja, a nosso ver, tem a Apelante razão quando afirma que, a ser cumprido o determinado no despacho determinativo da forma à partilha, nomeadamente quanto ao ponto 3.c., o legado feito à BB pelo testamento de fls. 13., terá de ser imputado, em primeiro lugar, no que ainda resta da sua legítima (após a imputação nele no legado do testamento de fls. 18), depois, na quota disponível da interessada BB, e, uma vez que esta é insuficiente, terá o remanescente de ser imputado na restante quota disponível da inventariada.

E, não só, é essa a interpretação que fazemos da forma à partilha contida no despacho que a determinou, como a mesma se encontra de acordo com o regime legal em vigor (mesmo que se dê como não discutível, por força do caso julgado, que o legado instituído pelo testamento de fls. 13, sendo omisso, se terá de considerar como o tendo sido “por conta da legítima”).

Com efeito, embora a lei não contenha uma norma expressa quanto ao modo de efetuar a imputação relativamente aos legados “por conta da legítima[2], como o faz para as doações e liberalidades em vida, a jurisprudência[3] e a doutrina[4] vêm entendendo que, no caso de legado presumido por conta da legítima (por omissão no testamento a tal respeito), se o valor do legado exceder o valor da sua legítima, o excedente deve imputar-se em toda a quota disponível da herança, ainda que com prejuízo para os restantes herdeiros.

Inocêncio Galvão Teles explicita a razão de ser de tal solução:  no legado por conta da legítima, “a parte do legado que exceder a legitima gravará naturalmente a quota disponível. Todavia, ainda então deve entender-se que essa parte é imputada no quinhão do herdeiro – no quinhão que lhe compete como mero herdeiro legítimo, nesta medida, há também legado em preenchimento de uma quota, porém de uma quota que já não é a legitima, estando para além dela. Tal entendimento mostra-se mais conforme com o princípio da igualação dos herdeiros necessários. Como é de presumir que o autor da herança queira esta igualação, de presumir será que deseje a solução exposta. (…) O legado apenas fica sujeito a redução por inoficiosidade se for de tal volume que ultrapasse o valor da legitima do interessado e o valor da quota disponível).[5]

Atentar-se-á ser essa a solução expressa do Código para o legado “em substituição da legítima”, quando no artigo 2165º, nº4, se afirma que tal legado “é imputável na conta quota indisponível do autor da sucessão; mas se exceder o valor da legitima do herdeiro, é imputado, pelo excesso, na quota disponível[6]”.

Descendo ao caso em apreço, salientamos os seguintes elementos de facto:

1. temos em conta um património global a partilhar no valor de 44.810,72 €, assumindo a quota disponível o valor de 14.936,91 € (1/3).

2. temos a considerar os seguintes legados:

a) testamento de fls. 13:

- legado à BB da verba nº38, no valor de 12.170,34 €;

b) testamento de fls. 18 (legados efetuados “por conta da legítima”)

- legado a CC da verba nº39, no valor de 1.822,60 €;

- legado à BB, de metade da verba nº 40, verba esta no valor de 19.257,58 €;

-  legado à DD da verba nº41, no valor de 7.377,30 €.

Uma vez que nenhum dos legados instituídos pelo testamento de fls. 18, ultrapassada a legítima do respetivo interessado – a legítima de cada um dos herdeiros é no valor de 9.957,94 € – a questão da imputação do excesso só se coloca relativamente ao legado instituído pelo testamento de fls. 13, a favor da BB.

A tal respeito, o despacho determinativo da forma à partilha dispõe, sob o ponto 3.c., que “Se o legado instituído a fls. 13 ultrapassar a legítima e a quota disponível de BB, será então imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA”.

Da aplicação de tal comando às operações de partilha em apreço, resulta que o legado à BB da verba nº38, no valor de 12.170,34 €, sendo imputado na parte restante à sua legítima (à qual havia já sido imputado o valor do outro legado), o valor sobrante, de 11.841,19 €, é de imputar na sua quota disponível (4.978,97 €) e o restante, no valor de 6.862,22 €, é de imputar “à remanescente quota disponível da inventariada AA”.

Remanescerá, então, um valor de 3.095,72 € na quota disponível da inventariada, relativamente ao qual não houve qualquer manifestação de vontade por parte daquela e que haverá que ser partilhado.

Não se vê que outra leitura possa ser dada ao determinado no ponto 3.c., quando nele é dito expressamente que se o legado atribuído à BB exceder a sua legítima e a sua quota disponível é de imputar “à remanescente quota disponível da inventariada AA”.

Ou seja, a afirmação contida na decisão recorrida, de que o legado de fls. 18 não pode ser imputado no remanescente da quota disponível da inventariada AA pois que a sua proporção naquele diferencial do legado de fls. 13, será de € 3.831,18 [€ 6.862,22 - € 3.031,04].”, contraria frontalmente o teor da alínea 3.b.

Quanto ao disposto no ponto 3.d. – “d. O excesso dos bens legados [os de fls. 18 quanto à operação definida em 3.b e o de fls. 13 quanto à operação definida em 3.c], se o houver, será considerado para efeitos de redução nos termos do disposto nos artigos 2168.º, 2172.º e 2174.º do Código Civil;” – acaba por não ter aplicação às concretas operações de partilha, uma vez que prevê o modo de proceder à redução em caso de excesso de legados, se os houver – e não os há.

Com efeito, relativamente ao testamento de fls. 18 (pelo qual foi atribuído um legado a cada um dos três filhos), quanto à operação definida em 3.b. – imputação de cada um dos legados na legítima de cada um dos três herdeiros (e faz todo o sentido, começar por imputar na legitima de cada um dos interessados, os legados atribuídos nesse testamento, por ter sido essa a vontade expressa da inventariada) e caso exceda a legitima imputar-se-á na quota disponível do interessado – não resulta qualquer excesso, uma vez que todos eles ficam aquém da respetiva legítima.

Quanto ao testamento de fls. 13, pelo qual foi atribuído um único legado à BB, afirmando-se no ponto 3.d. que o excesso deverá ser aferido pela aplicação da operação descrita em 3.c – Se o legado instituído a fls. 13 ultrapassar a legítima e a quota disponível de BB, será então imputado à remanescente quota disponível da inventariada AA –, também não resulta qualquer excesso que imponha uma redução: depois de imputado o legado na legítima e na quota disponível da inventariada, não só, não afeta a legítima de qualquer um dos herdeiros, como deixa ainda um excedente a distribuir.

As liberdades, por vida ou por morte, só são inoficiosas quando ofendam a legítima dos herdeiros legitimários (artigo 2168º), sendo redutíveis, em tanto quanto necessário para que a legítima seja preenchida (artigo 2169º).

A ofensa quantitativa da legítima pode ser analisada de dois pontos de vista: o objetivo, que respeita à quota indisponível, no seu todo, e o subjetivo, que respeita à quota legitimária de cada sucessor, de per si.

Se a liberalidade é feita a um dos herdeiros legitimários, levanta-se um problema de imputação, sendo que, só será inoficiosa se exceder o valor da soma da quota disponível com a legítima subjetiva do beneficiário[7].

No caso em apreço, os legados atribuídos à BB não excedem a soma da sua legítima com o valor da quota disponível da inventariada, mantendo-se intocado o valor global da legítima (quota indisponível), havendo ainda um valor sobrante.

Não haverá, assim, lugar a qualquer redução por aplicação das normas dos artigos 2168º, 2172º e 2174º do CC.

Face às considerações expostas, é de revogar, nesta parte, a decisão recorrida, havendo de dar procedência à primeira reclamação da aqui Apelante, imputando o legado instituído por testamento de fls. 13, na parte em que não couber na sua legítima, na quota disponível da inventariada, deixando ainda uma parcela sobrante de 3.095,72 €.


*

Passamos agora à segunda questão controvertida – determinar se o valor remanescente da quota disponível (de 3.095, 72 €), será de dividir apenas pelos dois restantes herdeiros legitimários (se entendermos aplicáveis, por analogia as regras da igualação da partilha presentes no instituto da colação), ou, igualmente pelos três herdeiros, segundo as regras gerais da sucessão legítima.

Dispôs-se a tal respeito no despacho determinativo da forma à partilha:

“4. A quota disponível da inventariada AA, no que restar após a operação definida em 3.d, deve ser repartida por três, cabendo uma delas ao interessado CC, a segunda à interessada BB e a terceira à interessada DD.”

Afirma-se no ponto 4 de tal despacho que, após o que restar depois da operação definida em 3.d., o que exceder da quota disponível da inventariada é de dividir igualmente por cada um dos três herdeiros.

E, tendo o Mapa de Partilha distribuído o excedente pelos três herdeiros, no despacho que vem proferir sobre a reclamação ao mapa da partilha, de que agora se recorre, o juiz a quo sustenta que deve ser outra a interpretação a dar ao determinado no despacho que deu a forma à partilha, face às discrepâncias que se vieram a manifestar entre o valor total dos legados atribuídos à legatária BB e o valor excedente da quota disponível:

“Acresce que esse mesmo remanescente da quota disponível não será, como é evidente, a dividir por três interessados. Pois que a interessada BB já teve a sua porção da quota disponível preenchida com a imputação dos seus legados. Isso mesmo resulta, aliás e com cristalina evidência, dos precisos arestos que a interessada BB teve o cuidado de introduzir nas suas alegações. Mas resultava já, num raciocínio minimamente hábil, do despacho de forma à partilha. Nem poderia ser de outra forma pois que, caso contrário [ou seja, a repartir a quota disponível remanescente por três], estaríamos a tratar esses mesmos legados como se fossem concretizados por conta da quota disponível. Categorização que lhe foi expressamente rejeitada na forma à partilha e também no despacho sob Ref. ...21.

Não se nega, para tanto, que nessa decisão se afirma, como seu último ponto, que “a quota disponível da inventariada AA, no que restar após a operação definida em 3.b, deve ser repartida por três, cabendo uma delas ao interessado CC, a segunda à interessada BB e a terceira à interessada DD”. Admite-se que os termos da redacção mobilizada poderiam ter-se afirmado mais inequívocos ou precisos. Mas não deveremos, ainda assim, esquecer que a forma à partilha foi elaborada num momento em que se ignoravam as específicas grandezas com que laborávamos em matéria de legítima e de quota disponível e, como tal, se os legados careceriam de redução. E tal não permite, sobretudo, olvidar que se havia identicamente consignado nos prévios pontos 3.b e 3.c que os legados devem ser imputados na legítima e, seguidamente, na quota disponível de cada interessado. Ora, se a tarefa definida no ponto 4 se destina ao apuramento da quota disponível de cada interessado e se previamente se apurou que a quota a receber pela interessada BB ficou exaurida na sequência da imputação dos legados, então nada lhe cabe receber do remanescente dessa mesma quota disponível da inventariada AA. Que será, como tal, a repartir apenas entre os interessados CC e DD [cujas quotas disponíveis não foram atingidas pelos legados deixados]. No que o ponto 4 carece de ser, naturalmente, lido em conjugação com os pontos 3.b e 3.c…”.

Cumpre, assim, apreciar a questão de saber se o cumprimento do determinado no despacho que deu a forma à partilha, após imputação dos legados, impunha a divisão do excedente da quota disponível por todos os herdeiros, incluindo a BB, ou tão só, pelos restantes herdeiros.

É certo que o disposto no ponto 3.d. manda proceder à divisão do remanescente por três, por reporte à prévia operação do 3.d., que determinava a redução nos termos dos arts. artigos 2168.º, 2172.º e 2174.º do Código Civil, redução esta que não se veio a mostrar necessária.

Contudo, tal divisão do excedente por todos os herdeiros legitimários contraria o enquadramento que, nesse mesmo despacho da forma à partilha, é feito relativamente ao legado instituído pelo testamento de fls. 13, onde se fez constar que: “Cabe salientar que no testamento de fls. 13 não se materializa qualquer menção ao regime a que fica sujeito o legado materializado. No que se deverá considerar que a mesma é feita por conta da legítima […] com sujeição às regras supletivas legais da colação plasmadas no artigo 2108.º do Código Civil.”

Como tal, surge-nos como válida a interpretação corretiva, que, do seu próprio despacho determinativo da forma à partilha, é feita pelo juiz a quo, no despacho de que agora se recorre, sendo que, além do mais, é a solução que corresponde ao regime legal em vigor.

Existindo testamento, as regras da sucessão testamentária têm de ser articuladas com regime legal da sucessão legitimária, no caso de existência dos chamados herdeiros necessários ou forçados (cônjuges, descendentes ou ascendentes (art. 2157º), no sentido em que não podem, em regra, ser afastados.

 Na herança legitimária o inventariado não pode dispor da totalidade do seu património, mas, tão só, uma parte dele, denominada quota disponível (artigo 2156º do Código Civil).

Ou seja, quer as liberalidades que faça em vida, quer as testamentárias têm, em regra, de se conter dentro da quota disponível.

Como afirma Inocêncio Galvão Teles, a sucessão legitimária não é autónoma, absolvendo-se na sucessão legítima porque com ela não se visa mais que um limite à liberdade de testar ou de dispor gratuitamente: “A quota disponível representa esse limite. Se ele é respeitado não há qualquer particularidade e a quota indisponível transmite-se segundo as regras da sucessão legítima, conjunta e unitariamente com a quota disponível na medida em que o de cuius não tenha dado destino a esta[8]”.

É certo a norma contida no nº2 do artigo 2108º do Código Civil, que determina que “Se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são deduzidas as doações, slavo se houver inoficiosidade”, apelando a uma ideia de igualitarização dos herdeiros, se encontra inserida no regime da colação, instituto previsto unicamente para as liberalidades feitas em vida[9].

No, entanto, a jurisprudência e a doutrina vêm defendo a aplicação do artigo 2108º para a conferência de bens doados, por analogia, aos legados “presumidos por conta da legítima”.

“O legado por conta da legítima é uma deixa por conta da quota hereditária legal fictícia. Com ele, o autor da sucessão procura atingir uma finalidade de igualação, pelo que é analogicamente aplicável o regime de funcionamento da colação.[10]

“Se o valor do bem legado ultrapassar a legítima e o quinhão do herdeiro beneficiado com o legado na quota disponível, deve imputar-se a parte restante do legado na parte restante da quota disponível do de cuius, constituindo o sobrante desta o total dos quinhões hereditários dos restantes herdeiros, a dividir apenas entre eles[11]”.

No sentido de que o remanescente da herança, após imputação das liberalidades na legitima e na quota disponível, vai servir para igualar os restantes descendentes (em comentário ao regime supletivo previsto no artigo 2018º), se pronuncia igualmente Cristina Araújo Dias[12].

Rabindranath Capelo de Sousa, explicita pelo seguinte modo o funcionamento do nº2 do artigo 2108: a “haver remanescente da herança mas que não chegue para igualar todos os herdeiros, caso em que o(s) donatários em vida conservarão do mesmo modo os bens doados e em que apenas os descendentes não beneficiados em vida e, sucessivamente, os beneficiados em menor grau, se os houver, são contemplados, após preenchimento das suas quotas legitimárias subjetivas, com os bens do remanescente da herança, por conta quota da quota disponível do de cuius, de forma a prosseguir a menor desigualdade possível[13]”.

No caso em apreço, imputado o legado de fls. 13, primeiro na legítima da legatária BB, e depois na quota indisponível da inventariada, a parcela sobrante no valor de 3.095,72 €. será de distribuir unicamente pelos dois restantes herdeiros, de modo a compensar a desigualdade que os legados à BB acarretaram à distribuição da quota disponível.

A Apelação é de julgar apenas parcialmente improcedente.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a Apelação, revogando parcialmente a decisão recorrida, pelo que, dando provimento parcial à reclamação da legatária Apelante, se determina a retificação do mapa da partilha, imputando-se o legado instituído por testamento de fls. 13,  à BB, na parte em que não couber na sua legítima, na quota disponível da inventariada, sendo a parcela sobrante, no valor de 3.095,72 €, a dividir unicamente pelos restantes herdeiros, CC e DD.

Custas a suportar pela Apelante e Apelados, na proporção do vencimento.       

                                                                   Coimbra, 07 de fevereiro de 2023                                              


 V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
            (…)



[1] Sendo a forma à partilha suscetível de recurso autónomo (artigo 1123º, nº1, al. b), do CPC), não tendo sido o mesmo interposto em devido tempo, as questões nele decidas encontram-se cobertas pela força do caso julgado.
[2] Embora se refira aos legados por conta da legítima, no artigo 2163º, e aos pré-legados no artigo 2264º (legados que valem “por inteiro”).
[3] Neste sentido, entre outros, Acórdão do TRP de 02-010-2006, relatado por Cura Mariano, Acórdão do TRG de 22-03-2011, disponíveis in www.dgi.pt.
[4] Oliveira Ascensão, “O Herdeiro Legitimário”, disponível in https://portal.oa.pt/upl/%7B9010dcad-dac4-472e-81e6-a36e1435dbc5%7D.pdf., Helena Mota, “Código Civil Anotado”, Livro V, Almedina, nota 2 ao artigo 2163º, p. 224, e Jorge Duarte Pinheiro, “O Direito das Sucessões Contemporâneo”, 2020, 4º ed., AAFDL Editora, p. 319.
[5] “Legado por conta da legitima e legado em substituição da legitima”, in “O Direito”, ano 121, 1898 II (Abril-Junho), p,244.
[6] Como afirma Cristina Pimenta Coelho, “Nos casos em que o valor do legado é superior ao valor da legítima, não há dúvida de que o sucessível fica com direito ao excesso, levantando-se tão só a questão de saber se se trata de um pré-legado – “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coord. Ana Prata, Almedina, p. 1059.
[7] Cristina Pimenta Coelho, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 2017, Almedina, nota 7 ao artigo 2168º, pp. 1062-1063.
[8] “Direito das Sucessões, Noções Fundamentais”, 5ª ed., Coimbra Editora, p. 126-127.
[9] “Não estão sujeitas à colação as doações mortis causa nem muito menos as disposições testamentárias a título de legado ou de herança. (…) Isto decorre desde logo de um dos fundamentos da nossa colação, que é o de se presumir que o de cuius com as doações pretendeu apenas antecipar o gozo dos bens doados aos descendentes. Mas há elementos formais que apontam nesse sentido, v.g., desde logo, o dizer-se a propósito da noção de colação que “os descendentes devem restituir à massa da herança… os bens ou valores que lhes foram doados (art. 2104º, nº1), na medida em que os bens que são objeto das doações por morte e das disposições testamentárias ainda fazem parte da herança, não podendo ser restituídos – Rabindranath Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 174, nota 442
[10] Jorge Duarte Pinheiro, “O Direito das Sucessões Contemporâneo”, p. 319.
[11] Acórdãos do TRP de 02-10-2006, relatado por Cura Mariano e de 15-04-2021, relatado por Carlos Portela, disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] “Lições de Direito das Sucessões, 7ª ed., Almedina, p. 222.
[13] “Lições de Direito das Sucessões”, Vol. II, p.200.