Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO PROVA DO CONTRÁRIO | ||
Data do Acordão: | 09/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 12.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009 E 350.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I – Basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção da existência de contrato de trabalho estabelecida no art.º 12º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009.
II – Trata-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do Código Civil), cabendo à parte contrária a prova do contrário. III – O ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: |
*** Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra *** RELATÓRIO O Ministério Público instaurou ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com processo especial, contra A..., Lda., pedindo se reconheça e declare a existência de um contrato de trabalho entre AA e a ré, fixando-se a data do seu início em, pelo menos, 01.02.2015. A ré contestou, invocado a incompetência material do Tribunal e impugnou os factos invocados na petição inicial. Por despacho de 16-12-2023 foi julgada improcedente a exceção de incompetência material. Por requerimento de 22-12-2023 veio AA como interveniente principal aderir aos factos apresentados na petição inicial, com pequenas correções que indica. Realizou-se audiência de julgamento e na sequência da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto declaramos a ação totalmente procedente por provada, pelo que condenamos a ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com AA, com início reportado, pelo menos, a 01.02.2015. Custas pela ré Valor da ação: €2.000,00 (art.º 186º-Q do C.P.T.) Registe e notifique Envie cópia da presente decisão à A.C.T e, ainda, aos serviços da Segurança Social competentes com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral.” Inconformada, a ré interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…). O Ministério Público respondeu, formulando as seguintes conclusões: (…). A interveniente apresentou contra-alegações, sustentando em síntese que o recurso deve ser julgado improcedente, com a consequente confirmação da sentença recorrida. O recurso foi admitido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635, nº 4 e 639, nº 1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil). Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes: * FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal de 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma: “Factos Provados: Não se provou que: -fosse AA a organizar o trabalho, decidindo quando lavava ou limpava os vidros e as paredes, ou as casas de banho e os cestos do lixo, sem qualquer intervenção da ré; -AA nunca tivesse ouvido uma ordem ou palavra da gerência da ré sobre o modo como devia desempenhar as suas tarefas; -AA tivesse por hábito deixar pequenos ambientadores, por vezes até folhas de eucalipto, nas casas de banho ou divisões que limpava; -AA faltasse ao serviço porque estava a chover; -os produtos de limpeza, panos, baldes, carrinhos, etc fossem pertença de AA; - AA usasse ferramentas de trabalho da empresa contratada para limar as linhas, nomeadamente o escadote. * Convicção (…). *** FUNDAMENTOS DE DIREITO Sobre esta questão, a sentença recorrida pronunciou-se da seguinte forma: “Salvo o devido respeito, não foi violado o direito de defesa da ré em sede administrativa conforme pela mesma é invocado. Com efeito, se bem entendemos a arguição da ré, a mesma insurge-se quanto ao facto de não terem sido observados prazos que lhe permitiriam ter junto aos autos documentação necessária à sua defesa, após pedido de prorrogação do prazo que inicialmente lhe havia sido concedido. Que a junção de documentos por si efetuada em 03.11.2023 é atempada e não extemporânea, não podendo a ACT proceder á notificação que deu origem aos presentes autos na data de 18.10.2023. Ora, conforme resulta até dos fundamentos invocados pela ilustre mandatária, a ré teve prazo suficiente, cerca de 3 meses, para entregar na autoridade administrativa os documentos cuja junção esta entidade pediu, sendo de todo irrelevante que não tenha sido proferido despacho de prorrogação do prazo requerido dado que a notificação data de 20.07.2023. Mesmo que se verificasse a nulidade arguida, e a ré tivesse podido juntar a documentação pretendida antes da participação ao Tribunal, o certo é que a ré veio juntar os documentos e estes foram analisados em audiência de julgamento. A omissão da autoridade administrativa em nada influenciou o decurso do processo, dado que a ré não juntou qualquer documento que pudesse conduzir ao arquivamento do processo nos termos do art.º 15º-A nº 2 da Lei nº 107/2009, de 14.09. A ter existido omissão em nada influenciou o exame das provas ou a decisão administrativa proferida. Todos os documentos foram, aliás, ponderados em sede de audiência final, pelo que, tendo-se a ré servido da prerrogativa de os apresentar como sua defesa nesta fase, entendemos que, a existir nulidade, a mesma ter-se-ia sanado, em nada tendo sido atingido o direito de defesa da ré. Pelo que improcede a questão prévia de nulidade do auto invocada pela ré.” A apelante, alega em síntese que, contrariamente ao referido pelo Tribunal a quo, o direito de defesa da Recorrente não foi assegurado, porque, ao elaborar o auto nos termos do 15.º A, a recorrente viu precludido o seu direito de defesa no âmbito do procedimento de averiguações em curso; razão pela qual a ACT tinha de finalizar o processo de averiguações inicial e, só posteriormente, caso entendesse após análise dos documentos juntos, fazer derivar a presunção de existência de uma relação laboral e elaborar o auto nos termos do artigo 15ª. O auto lavrado em 18/10/2023 pela ACT ao abrigo do art.º 15-A, da L 107/2009, de 14/09 é assim nulo e como tal deve ser declarado por esse Tribunal, e como tal é nulo todo o procedimento posterior, incluído, como é obvio a parte judicial, ou seja, a Douta sentença aqui em crise. O Ministério Público respondeu, defendendo em síntese que o direito de defesa da recorrente não foi coartado, dado que a ACT permitiu a junção dos documentos até ao dia 6.11.2023 e a participação que deu origem aos presentes autos foi elaborada a 10.11.2023, ou seja, depois do decurso do prazo de prorrogação. “A ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho (prevista nos art.ºs 186º-K ss do Código de Processo do Trabalho) tem subjacente um procedimento prévio (previsto no artigo 15.º-A do RPCOLSS), no qual, tendo sido verificada a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas às de um contrato de trabalho, e na falta de regularização da situação pela entidade empregadora, a ACT remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Ou seja, esta ação tem na sua base uma verificação prévia por parte da ACT, a quem foram atribuídas competências para o efeito, de existência de indícios de uma situação de qualificação fraudulenta (e legalmente proibida) de um determinado contrato como tendo uma natureza diferente de um contrato de trabalho, com o objetivo da subtração da relação em causa ao regime laboral, causando-se com isso prejuízo ao trabalhador e ao Estado.”[1] Dispõe o artigo 15º-A ao RPCOLSS, com a epígrafe «Procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho»: “1- Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no nº 1 do artigo 12º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente. 2- O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral. 3- Findo o prazo referido no nº 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. 4- A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.” Com interesse para a decisão desta questão importa considerar os seguintes factos que se dão como provados, atendendo à prova documental junta: Improcede assim o recurso nesta parte. * De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. “Quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos e depoimentos complementados ou não pelas regras de experiência. A Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.”[2] “As circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores da imediação e da oralidade.”[3] «As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos» (cfr. art.º 341º do CC). O princípio fundamental da apreciação da prova consta do art.º 607º, nº 5, do CPC. É o princípio da livre apreciação da prova: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» Procedeu-se à análise da prova documental junta e à audição integral da prova gravada; ou seja, não se restringindo às partes indicadas pela recorrente. * A recorrente sustenta que os factos provados n.º 2, 3, 7, 10, 16 e 37 deverão passar a ter uma nova redação; os factos provados n.º 6 e 8 deverão ser eliminados e deverão ser aditados 7 novos factos sob os ns.º 40.º a 46. Segundo a recorrente deve ser alterada a redação, acrescentando-se “recebendo, por vezes mais por isso”. Invoca para o efeito o depoimento da AA. Ouvido na integra o depoimento, constatamos que o pagamento à parte apenas se refere à situação única das floreiras. Assim sendo, nada há a alterar. * 7. AA, prestava a sua atividade para a ré de segunda a sexta-feira, inicialmente das 15.00 horas às 19.00 horas e, posteriormente, há cerca de três anos a esta parte das 10.00horas às 14.00 horas ou das 10.00 horas e 30 minutos às 14.00 horas e 30 minutos, tempo considerado necessário para concretização das limpezas. Segundo a recorrente este facto deve passar a ter a seguinte redação: AA, prestava a sua atividade para a ré de segunda a sexta-feira, inicialmente 3 horas e posteriormente 4 horas diárias, inicialmente concentradas no período da tarde e posteriormente no período da manhã. As 4 horas prestadas no período da manhã. As 4 horas prestadas no período da manhã eram prestadas entre as 10.00horas às 14.00 horas ou das 10.00 horas e 30 minutos às 14.00 horas e 30 minutos, tempo considerado necessário para concretização das limpezas. Invoca para o efeito o depoimento da AA. Do depoimento da interveniente resulta que AA, prestava a sua atividade para a ré de segunda a sexta-feira, inicialmente 3 horas e posteriormente 4 horas diárias, inicialmente concentradas no período da tarde e posteriormente no período da manhã, sendo que neste período eram prestadas entre as 10.00 horas e as 14.00 horas ou das 10.00 horas e 30 minutos às 14.00 horas e 30 minutos, tempo considerado necessário para concretização das limpezas. Em face do exposto, o ponto 7 dos factos provados passa a ter a seguinte redação: No inicio da prestação de trabalho para a ré AA, fazia de segunda a sexta-feira 3 horas concentradas no período da tarde, passando posteriormente e em data indeterminada a fazer 4 horas diárias, entre as 10.00 horas e as 14.00 horas ou das 10.00 horas e 30 minutos às 14.00 horas e 30 minutos, tempo considerado necessário para concretização das limpezas. * 10. Como contrapartida, AA, recebia a quantia de 340,00, com periodicidade mensal, inicialmente em numerário, e de há dois anos a esta parte, através de transferência bancária, nunca lhe tendo sido emitidos recibos de remuneração. Segundo a recorrente este facto deve passar a ter a seguinte redação: Alega a recorrente que a prova produzida em julgamento conjugada com os documentos juntos, em particular os atos isolados – recibos 1 a 4 – e recibos n.º 5 e seguintes permitem, com exatidão, definir a evolução dos pagamentos efetuados pela Ré à interveniente, impondo-se, assim, a correção do facto n.º 10. Invoca ainda o depoimento da interveniente. O depoimento da AA é inequívoco no sentido da redação sugerida. Daí que se decida passar o facto 7 a ter a redação proposta pela impugnante. * 16. Porém, a ré nada fez. Segundo a recorrente este facto deve apresentar a seguinte redação: “16. Porém, a ré não regularizou a situação, tendo apresentado resposta escrita. Dos documentos juntos aos autos consta que o ora impugnante, quando notificada pela ACT apresentou resposta escrita. Pelo que o ponto 16 da matéria de facto passe a ter a redação proposta pela impugnante. * 37. Era a ré que providenciava pela emissão dos recibos verdes em nome de AA. Segundo a recorrente este facto deve passar a ter a seguinte redação: 37. Emissão dos recibos verdes em nome de AA era efetuada pelas B..., Lda., empresa cujo mail geral@B....pt esta indicou expressamente à AT. Trata-se de factualidade que não foi alegada na contestação, pelo que não pode agora ser considerada. * Passemos agora a analisar os factos que a recorrente pretende eliminar. Segundo a recorrente este facto está em contradição com o facto provado 23. Só existe contradição de facto quando a sua verificação simultânea é impossível, sendo a sua coexistência inexoravelmente inconciliável. Nenhuma contradição existe entre estes dois factos. A etiquetagem dos equipamentos e instrumentos de trabalho (vassouras, detergentes, carrinho de limpeza, etc) apenas se destinava a evitar que esses utensílios fossem usados pela empresa que fazia a limpeza das “linhas”, de modo a salvaguardar qualquer confusão nessa sua utilização, e não porque os utensílios fossem pertença ou da propriedade da AA (cf. facto 22, não impugnado). Manifestamente o facto 6 deve manter-se. * 8. Tal horário foi solicitado pelo gerente da ré, BB. A recorrente invoca o depoimento da interveniente. Do depoimento da AA ficámos com a firma convicção de que a fixação do horário resultou do acordo entre a interveniente e a ré, inexistindo uma imposição unilateral desta no que respeita a este aspeto. Assim sendo, elimina-se este facto. * Cumpre por fim, analisar os factos que a recorrente pretende aditar: * As faturas recibos – ato isolado n.ºs : a) 1 emitido em 05/01/2017 no valor de €3.000,00 corresponde a 12 meses do ano de 2016, no valor de €250,00 (€3.000,00/12 = €250,00) As faturas recibos n. º: Trata-se de factualidade irrelevante e que não foi alegada na contestação. Assim, não se adita este facto. * 43. A D AA não prestou serviços no mês de fevereiro, março e agosto de 2023 por ter estado doente pelo que nada lhe foi pago. Trata-se de factualidade irrelevante. Assim, não se adita este facto. * 45. Quanto ao mês de outubro/23, mês de cessação da prestação de serviços foi transferido em 17/11/2023 para D AA o valor correspondente ao serviço prestado, ou seja €260,00. Trata-se de factualidade irrelevante e que não foi alegada na contestação. Assim, não se adita este facto. * 46. AA fazia limpezas em casa da filha do gerente da ré, sita em ... e era paga a mais por isso. Trata-se de factualidade confirmada por AA. Nestes termos, adita-se este ponto à matéria de facto provada. Em face do exposto, decide-se: ** Na sentença recorrida concluiu-se no sentido da existência de um contrato de trabalho, por entender que se verificavam os requisitos das als. a), b), c) e d) do nº 1 do art.º 12º do CT/2009 e que a ré não logrou ilidir a presunção de laboralidade, do que discorda a Recorrente pelas razões que invoca no recurso. Nos termos do artigo 11.º do CT “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito da organização e sob a autoridade destas”. E “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” - artigo 1154.º do C. Civil. “Por definição legal, a prestação de serviços tem por objecto o resultado do trabalho, enquanto que no contrato de trabalho o trabalhador se obriga a prestar o seu trabalho ao empregador, mediante retribuição e sob a autoridade e direcção deste. A subordinação jurídica e a subordinação económica constituem, pois, dois dos elementos do contrato de trabalho. O primeiro traduz-se no facto de o trabalhador se encontrar submetido à autoridade, direcção e fiscalização do empregador, que lhe dá ordens, directivas e instruções. A subordinação económica traduz-se no facto do trabalhador estar economicamente dependente da entidade patronal. A subordinação jurídica é, porém, o elemento relevante para a distinção entre o contrato de trabalho e os outros contratos que mantêm com ele algumas afinidades, como, por exemplo, o contrato de prestação de serviços. Na prática, só existirá contrato de trabalho se o empregador puder, de algum modo, orientar a actividade do trabalho, quanto mais não seja no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.”[4] O artigo 12.º - Presunção de contrato de trabalho - do CT/2009, estatui no seu n.º 1: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”. Tem-se entendido, face à presunção acolhida, no art.º 12º do CT, que basta a demonstração de dois dos elementos integrantes da respetiva base, para que, então, se induza a existência de subordinação jurídica e, por conseguinte, contanto que demonstrados os demais elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho – a prestação de atividade e a respetiva remuneração –, a natureza laboral da relação em causa. Conforme refere Milene Rouxinol[5] “A presunção vincula o julgador – vale por dizer: verificados dois ou mais elementos dos elencados no art.º 12º, nº 1, ele terá de considerar demonstrada a natureza laboral do contrato –, que apenas deverá afastar-se do resultado presuntivo se o interessado em ilidir a presunção lograr fazê-lo, dissipando não apenas a convicção de que o contrato em análise é um contrato de trabalho como a dúvida sobre se o será. Concordamos, neste sentido, com a afirmação vertida no acórdão- do TRP de 14/12/2017[6]: “A verificação [da] presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.” No mesmo sentido o Ac. do TRL, de 11-02-2015[7] “Basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção da existência de contrato de trabalho estabelecida no art.º 12º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, passando a competir ao empregador a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica” (itálico nosso). No caso em apreço, resultaram provados os seguintes factos: -AA, pelo menos desde 01 de fevereiro de 2015, que presta atividade de limpezas de chão, vidros interiores e exteriores, na receção, gabinetes, refeitório, casas-de-banho, sala de formação e parque exterior, nas instalações da ré, sitas na Rua ..., ..., ..., ... ... (facto provado nº 2). -AA, esporadicamente, a pedido do sócio gerente da ré, também prestava a sua atividade de limpezas nas partes comuns da residência, maioritariamente para estudantes, que a ré é proprietária na Rua ..., em ... (facto provado nº 3). -O local onde presta a sua atividade foi pela ré determinado na altura da sua contratação que se concretizou, pelo menos, na data referida em 1 (facto provado nº 4). -Para as suas funções de limpeza, AA, utilizava equipamentos e instrumentos pertencentes à ré, e que por esta lhe eram disponibilizados, designadamente, baldes, esfregonas, luvas, mopas, vassoura, carrinho da limpeza, detergentes, panos, esponjas, escadote, entre outros (facto provado nº 5). -Para as suas funções de limpeza, AA, utilizava equipamentos e instrumentos pertencentes à ré, e que por esta lhe eram disponibilizados, designadamente, baldes, esfregonas, luvas, mopas, vassoura, carrinho da limpeza, detergentes, panos, esponjas, escadote, entre outros (facto provado nº 6). - No inicio da prestação de trabalho para a ré AA, fazia de segunda a sexta-feira 3 horas concentradas no período da tarde, passando posteriormente e em data indeterminada a fazer 4 horas diárias, entre as 10.00 horas e as 14.00 horas ou das 10.00 horas e 30 minutos às 14.00 horas e 30 minutos, tempo considerado necessário para concretização das limpezas (facto provado nº 7). -Como contrapartida, AA, recebia com periodicidade mensal a quantia de 250,00, entre 01/02/20215 e 31/12/2017, a quantia de €320,00 entre 01/01/20218 e 31/1/2021 e por fim desde 01/02/2021 a final a quantia de €340,00, inicialmente em numerário, e desde 01/02/2021, através de transferência bancária, nunca lhe tendo sido emitidos recibos de remuneração (facto provado nº 10). -A quantia recebida por AA constituía a parte mais substancial dos seus rendimentos mensais, com os quais fazia face à sua subsistência (facto provado nº 14). -Era AA quem escolhia os produtos de limpeza e os ia comprar, sendo que era a ré que lhe entregava o dinheiro para o pagamento dos produtos (facto provado nº 23). Em face da factualidade acima indicada, e após a alteração factual operada por esta Relação verificamos que a mesma preenche a previsão das alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo 12.º do CT, com exceção da circunstância referida na alínea c) do normativo citado. Verifica-se assim a presunção de contrato de trabalho. A questão está agora em saber se a ré logrou ilidir a presunção. A este propósito resultaram provados os seguintes factos: 19. AA não era obrigada a picar o ponto (nunca o picou), o que é obrigatório aos restantes empregados da ré. 21. AA chegou a fazer limpezas em casa de uma senhora, com periodicidade quinzenal e numa oficina também de 15 em 15 dias. 24. AA usava a sua própria bata e não roupa identificativa da ré como os outros trabalhadores. 25. AA não fez qualquer formação como os restantes trabalhadores fazem. 30. AA não era alvo de avaliação de desempenho. 35. A ré providenciou pelo registo nas Finanças de AA, com a atividade de Outros Prestadores de Serviços 36. Esteve inscrita entre 29.01.2021 e 17.03.2023. 37. Era a ré que providenciava pela emissão dos recibos verdes em nome de AA. 38. Durante dois anos AA descontou para a segurança social. 39. AA nunca recebeu subsídio de férias nem subsídio de natal e nunca os exigiu. 40. AA não só não justificava as faltas quando ia por exemplo ao médico, como compensava essas horas, compensando igualmente as horas em falta quando faltava cerca de 2 semanas, por ano, para estar com as suas filhas. 41. AA fazia limpezas em casa da filha do gerente da ré, sita em ... e era paga a mais por isso. No caso, a circunstância da AA nunca “ter picado o ponto”, não ter feito parte da formação ministrada e não usar a bata identificativa não assumem a nós especial significado no sentido da ilisão da presunção. Com efeito, sendo a ré um Centro de IPO, não parece fazer sentido que a empregada de limpeza tivesse de usar uma bata idêntica à dos inspetores, ou outra, que tivesse de participar nas formações ministradas aos demais trabalhadores de Centro, que tivesse de “picar o ponto” ou que fosse sujeita a avaliações. Por outro lado, nada impede que a AA estivesse a executar serviço de limpezas para outras entidades, sendo que o trabalho subordinado não é incompatível com o pluriemprego, podendo ser prestado a tempo parcial. No que se reporta ao horário de trabalho, não é totalmente incompatível com a existência de um contrato que aquele, ou suas alterações, sejam acordantes entre as partes da relação contratual. Quanto à desnecessidade de justificar as faltas, que compensava com tempo de trabalho, cumpre dizer que também se se apurou que quando necessitava de faltar avisava, previamente, o Chefe, Diretor Técnico CC, ou BB, sócio gerente da ré (facto provado 12, não impugnado). Quanto ao facto de a interveniente se encontrar inscrita nas Finanças com a atividade de “Outros Prestadores de Serviços” (factos provados 35 a 38) não tem relevo significativo, tanto mais que foi a ré que providenciou pelo registo e que emitia recibos verdes em nome de AA, nem, muito menos, é determinante da existência de um contrato de prestação de serviços, pois que, em caso de existência de contrato de trabalho, o mais que se poderá dizer é que consubstancia incumprimento das obrigações legais em matéria de Segurança Social. Aliás, o tipo de ação em causa nos presentes autos, visa precisamente combater tais situações. Por fim, o facto de a AA nunca ter recebido subsidio de férias nem subsidio de natal tem de ser visto com alguma ponderação, porque se em determinadas circunstâncias pode apontar no sentido da inexistência de vínculo laboral, noutros casos, pode consubstanciar incumprimento contratual. Acompanhamos o entendimento de que caberá ao alegado empregador a prova do contrário, não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.” – Ac. do TRP de 26.09.2016, Proc. 40/16.8T8PNF.P1 (in Boletim de Sumários de Jurisprudência da Relação do Porto n.º 51, no sítio da internet do TRP citado no Ac. do TRP, de 14-12-2017[8]). Tudo ponderado, não se pode deixar de considerar que a interveniente estava na dependência e inserida na estrutura organizativa da ré e realizava a sua prestação, sob as instruções, diretivas e fiscalização da ré, mediante retribuição o que nos conduz a conclusão que a relação contratual em apreço se enquadra no paradigma legal do contrato de trabalho subordinado. Ou seja, por outras palavras, a ré não logrou ilidir a presunção de laboralidade, nos termos do art.º 350º, nº 2, do CC, provando que o vínculo contratual em causa era um contrato de prestação de serviços. Improcede, assim, a apelação interposta pela ré, com a consequente confirmação da sentença recorrida. *** DECISÃO Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida. Custas pela apelante- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC. Coimbra, 27 de setembro de 2024 Mário Rodrigues da Silva- relator Paula Maria Roberto Felizardo Paiva * Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC (…). Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original
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