Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | DESPACHO SANEADOR DECISÃO TABELAR LEGITIMIDADE ASSOCIAÇÃO SINDICAL VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS | ||
Data do Acordão: | 06/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE CALDAS DA RAINHA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 30.º E 595.º, N.ºS 1, AL.ª A), E 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, E 5.º, N.ºS 1 E 2, AL.ª C), DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO | ||
Sumário: | I – A decisão tabelar efetuada no saneador a respeito dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada.
II – As associações sindicais podem exercer o direito de ação no que respeita à violação de direitos individuais, mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Tribunal Judicial da Comarca de Leiria
Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha 2075/21.0T8LRA.C1
Acordam na Secção Social (6ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO O SNBP – SINDICATO NACIONAL DOS BOMBEIROS PROFISSIONAIS, com sede em Lisboa, invocando para o efeito o disposto no artigo 5º, nºs 1 e 2, do CPT, intentou em 31-05-2021, e em representação e defesa dos seus associados AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG, ação declarativa de processo comum, contra ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DE BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DO ..., pedindo a condenação da ré a pagar aos seus representados as seguintes quantias: - AA: € 14.580,42; - BB: € 6.080,44; - CC: € 12.267,62; - DD: € 14.525,79; - EE: € 32.583,38; - FF: € 43.951,15; - GG: € 6.385,98. Juntou declarações de autorização dos seus representados. Alegou para o efeito, e em síntese, que: -Os representados são seus associados e manifestaram através das declarações em anexo, querer serem representados pelo autor. -Os seus representados realizaram trabalho suscetível de ser qualificado de trabalho noturno, de trabalho suplementar e de trabalho realizado em dia de descanso semanal e que a ré não pagou. Por despacho de 1-06-2021, declarou-se a incompetência relativa, em razão do território, do Juízo do Trabalho ..., e competente para conhecer da presente ação o Juízo do Trabalho .... Realizou-se a audiência de partes. A ré contestou, concluindo da seguinte forma: Em 1-07-2022 foi fixado o valor da ação, julgado improcedente a arguida ineptidão da petição inicial e proferido despacho tabelar relativamente às exceções: “O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. As partes têm personalidade, capacidade judiciária e legitimidade processual.” Relegou-se o conhecimento das demais exceções para sentença, por se entender que dependiam do julgamento da matéria de facto. Em 26-10-2022 foi proferido despacho, ao abrigo do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho que determinou a notificação das partes para, querendo, em 10 dias, pronunciarem-se sobre a exceção em apreço, tendo o Tribunal intenção dela conhecer logo que decorrido o período de contraditório. O autor respondeu, dizendo, em síntese que é parte legítima nesta ação, na medida em que atuou em representação dos trabalhadores nele sindicalizados, quanto aos Bombeiros que exercem funções na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do ... – Corpo de Salvação Pública. A ré respondeu, dizendo, em síntese que se verifica a exceção dilatória de ilegitimidade do autor. Em 4-01-2023 foi proferida decisão que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade do autor Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais” e, em consequência, absolveu a ré, Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do ..., da instância. Inconformado com o decidido, o autor interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “a) O presente recurso incide sobre o Despacho proferido a 26 de outubro de 2022, que considerou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade do Recorrente e consequentemente absolveu o Réu da Instância. b) O recurso tem como fundamento o caso julgado formal do Despacho Saneador; a nulidade do Despacho decorrente da Omissão e Excesso de Pronuncia, nos termos do art.º 615 do C.P.C; da nulidade do despacho decorrente da falta de alusão às invocadas inconstitucionalidades; da nulidade do despacho decorrente da falta de alusão à alegada irregularidade de patrocínio. c) A 31 de Maio de 2021 o recorrente interpôs em representação dos seus associados, uma ação a pedir a condenação da Associação Humanitária de Bombeiros do ..., a pagar aos seus representados créditos salariais decorrentes da prestação de trabalho suplementar. d) A 1 de julho de 2022, o Tribunal “a quo” proferiu um Despacho saneador onde em sumula e com relevo para os presentes autos menciona que as partes têm personalidade, capacidade judiciária e legitimidade processual e que inexistem nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao mérito da causa. e) Um dia antes da realização da Audiência de Discussão e julgamento o Tribunal “a quo” profere um Despacho onde menciona que o Despacho Saneador anteriormente proferido se tratava de um Despacho tabelar, não tendo formado caso julgado formal e convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual ilegitimidade do Autor, ora recorrente. f) Ora, o recorrente é desde logo do entendimento que o Despacho Saneador proferido pela Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” ao pronunciar-se sobre as exceções dilatórias e nulidades processuais e não tendo o mesmo despacho sido objeto de recurso, pelas partes, faz caso julgado formal, conforme estatui o artigo 595.º nos seus n.ºs 1 alínea a) e nº 3 do C.P.C. g) Por outro lado entende o Recorrente que o Despacho do Tribunal “a quo” não se pronuncia sobre todas as questões alegadas e pronuncia-se sobre questões que não foram levantadas pelo Recorrente, nem pelas partes. Senão vejamos, p) Termos em que considera que com a aplicação da alínea c) do artigo 5.º do C.P.T. a legitimidade do Recorrente estaria sempre assegurada, tanto mais que existem nos autos declarações dos trabalhadores a autorizar que o SNBP- Sindicato Nacional de Bombeiros Profissionais, ora recorrente atue em sua representação. q) Ora, no caso da alínea c) há uma posição de representação, já não de apenas um trabalhador, mas de um conjunto de trabalhadores cujos direitos individuais de idêntica natureza forma violados, com carácter de generalidade, o que sucede nos presentes autos. r) Por outro lado e não obstante o recorrente, na sua resposta ter alegado algumas inconstitucionalidades que se poderiam vir a verificar caso o Tribunal “a quo” considerasse o Recorrente parte ilegítima, como aconteceu, o Tribunal “a quo” apenas refere que a decisão não fere normas Constitucionais. s) Para tal refere que os trabalhadores poderiam ser sempre representados de forma gratuita e com isenção de custas processuais ou pelo contencioso do Sindicato ou pelo M.P., estando assim assegurado ao Acesso à Justiça. t) Ora, pelo M.P. essa representação só podia verificar-se se os trabalhadores não fossem filiados num Sindicato, vide art.º 8.º do C.P.T. u) Pelo contencioso do Sindicato a que pertencem os trabalhadores só podiam beneficiar dessa isenção de custas processuais, caso o seu rendimento anual fosse inferior a 200 UC. v) O Recorrente juntou aquando da Petição Inicial as declarações de IRS dos seus trabalhadores onde se comprova efetivamente que todos eles detém um rendimento anual inferior a 200 UC e no entanto, o Tribunal “a quo” não só não o referiu, quando se podia ter socorrido do mesmo, para convidar as partes ao aproveitamento do patrocínio, o que também não fez. w) Também e no que respeita à alegada irregularidade de patrocínio não fez o Tribunal “a quo” qualquer alusão. x) E isto porque o recorrente interpôs a ação em representação dos seus associados, o que quer dizer que estes são os autores, mas em representação do recorrente, ora Sindicato. y) A representação pode ser voluntária ou legal, entendendo-se que no caso dos autos se trata de uma representação legal, ao abrigo do artigo 5 nº 1 ou 5 nº 2 alínea c) do C.P.T. z) Agindo assim o Sindicato ao abrigo de Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores, consagrados na Lei Fundamental. aa) Ora é muito diferente estra em causa uma questão de legitimidade, isto é um pressuposto da intervenção do recorrente de estar em causa a possibilidade ou não de representação dos seus Autores pelo Sindicato. bb) O que é tanto mais relevante, quanto a eventual questão de irregularidade de patrocínio nunca levaria à absolvição da Instância, mas antes ao convite para a regularização do mesmo. cc) A questão dos autos subsume-se em determinar se cabe no conceito de interesses coletivos ou não. dd) Entendeu o Tribunal que a questão dos autos não se enquadra em nenhuma das previsões do artigo 5.º do C.P.T. ee) Efetivamente o artigo 5.º distingue a representação do Sindicato de interesses coletivos de outras situações em que o Sindicato intervém em representação e substituição dos trabalhadores que o autorizam a fazê-lo, na defesa dos seus direitos individuais. ff) A expressão interesses coletivos assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, pressupondo numa nova e diferente entidade como titular gg) Entende o recorrente que o caso dos autos subsume-se aos interesses coletivos e isto porque está em causa legislação imperativa quanto ao horário normal de trabalho e pagamento de trabalho suplementar. hh) Mas mesmo que assim não seja, e considerando que o caso dos autos revestia interesses individuais de cada associado, entende-se que a questão da ilegitimidade estaria sempre assegurada em face da alínea c) do artigo 5.º do C.P.T. ii) É que neste normativo prevê-se a possibilidade da atuação dos Sindicatos em representação e substituição dos trabalhadores que o autorizam. jj) Deve, pois, o Despacho Saneador ser substituído por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas pelo Recorrente. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!” A recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: (…).
O PGA junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser parcialmente procedente. O recorrente respondeu ao parecer do MP, concordando com a mesmo, sustentando a procedência do recurso. A recorrida respondeu ao parecer do MP, discordando do mesmo, sustentando a improcedência do recurso. O recurso foi admitido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
OBJETO DO RECURSO Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
FUNDAMENTOS DE FACTO Dão-se aqui por reproduzidos os factos que constam do relatório que antecede.
FUNDAMENTOS DE DIREITO Sustenta o recorrente a nulidade do despacho recorrido por omissão e excesso de pronúncia. No primeiro caso, refere que o mesmo não fundamentou porque não seria aplicável a alínea c) do artigo 5º do CPT. No segundo caso, esse despacho refere que o recorrente não se pode fazer valer do estatuído nas alíneas a) e b) doa artigo 5º do CPT, porquanto os seus representados não pertencem aos corpos gerentes, não exercem qualquer cargo, nem são representantes eleitos dos trabalhadores. Ora, o recorrente nunca se faz valer das mencionadas alíneas, para fazer valer a sua pretensão. O art.º 615º, 1, d), do CPC sanciona com nulidade as sentenças e acórdãos em que o julgador «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». A omissão de pronúncia enquanto nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do artigo 608º do CPC, nos termos do qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Este ónus processual implica, como corolário do “princípio da disponibilidade objectiva” (traduzido no art.º 5º do CPC/2013), que “o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”[1]. Estatui o art.º 5º, 3, do CPC que «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”). Agora no que respeita ao “excesso de pronúncia”, a lei censura, ainda como efeito do referido princípio da “disponibilidade objectiva”, que “o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, nomeadamente ao utilizar, como fundamento da decisão, causas de pedir não alegadas ou excepções que não sejam de conhecimento oficioso, ou a condenar ou absolver em pedido não formulado ou diverso do pedido ou a condenar em quantidade superior a esse mesmo pedido[2]. Analisando a pretensão do reclamante, facilmente se conclui que não lhe assiste razão para invocar estas nulidades. Com efeito, optando o tribunal a quo por conhecer oficiosamente a ilegitimidade do autor, não tinha de apreciar ponto por ponto todos os argumentos e razões invocadas (‘Argumentos’ não são ‘questões’”), exigindo-se antes que indique e desenvolva a fundamentação atinente à questão objeto de apreciação[3] (cf. citado art.º 5º, nº 3). Mais, tendo conhecido de uma questão de conhecimento oficioso, nunca se poderá suscitar a nulidade por excesso de pronúncia. Por fim, e ainda no que respeita às alegadas nulidades, refere o recorrente que, não obstante, na sua resposta ter alegado algumas inconstitucionalidades que poderiam vir a verificar caso o Tribunal “a quo” considerasse o recorrente parte legítima, como aconteceu, o Tribunal “a quo” apenas refere que a decisão não fere normas constitucionais. Ora, analisando a decisão recorrida, constata-se que a mesma refere que “A interpretação vinda de fazer em nada fere normas constitucionais, nem coloca em causa o recurso dos trabalhadores representados aos Tribunais, por poderem ser representados, sem custos acrescidos, pelo Ministério Público ou pelo contencioso das respectivas associações sindicais, beneficiando de isenção prevista no art.º 4.º do Regulamento das Custas Processuais”. Não há assim qualquer omissão de pronúncia. Na decisão recorrida entendeu-se que ““O despacho saneador tabelar, como o proferido nos autos, que apenas enuncie, sem concretamente apreciar, a legitimidade das partes, não faz caso julgado (nem formal), e não obsta a que esta excepção (que é de conhecimento oficioso) seja, numa fase subsequente, apreciada e decidida – cfr. art.º 595.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho. A ilegitimidade do A. é uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância – art.º 577.º, al. e) e 278.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho. Advoga o recorrente que o despacho saneador proferido pela Meritíssima Juíza do tribunal “a quo” ao pronunciar-se sobre as exceções dilatórias e nulidades processuais e não tendo o mesmo despacho sido objeto de recurso, pelas partes, faz caso julgado formal, conforme estatui o artigo 595º, nos seus nºs 1, alínea a) e nº 3 do CPC. O art.º 595º, nº 1, al. a), do CPC estatui que o despacho saneador se destina a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente. E o nº 3 desta mesma norma estabelece depois que, neste caso, o despacho saneador constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões nele concretamente apreciadas. “Daqui flui que o caso julgado apenas se forma relativamente a questões ou exceções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das exceções dilatórias, como aquela que consta do despacho saneador aqui em apreciação. Assim, se o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, como sejam a a personalidade, a capacidade e a legitimidade, se verificam, o despacho saneador, nessa parte, não constitui caso julgado formal e, por esse motivo, continua a ser possível a apreciação de uma questão concreta de que resulte que o pressuposto processual genericamente referido afinal não ocorre.[4]” Resulta do referido despacho que a questão da legitimidade processual não foi concretamente apreciada, consubstanciando a afirmação de que “as partes têm legitimidade processual” uma decisão genérica, pelo que nos termos do art.º 595.º, n.ºs 1, a) e 3 do CPC, tal despacho não constitui caso julgado formal. Ou seja, a decisão tabelar efetuada no saneador a respeito dos pressupostos processuais não constitui caso julgado formal, podendo o Juiz voltar a pronunciar-se, concreta e fundadamente, a título oficioso, sobre as exceções que, no saneador, não tenham sido objeto de apreciação fundada[5]. Caducou, pois, a jurisprudência que foi fixada pelo Assento nº 2/63: “É definitiva de declaração em termos genéricos no despacho saneador transitada relativamente à legitimidade, salvo a superveniência de factos que nesta se repercutam.” O regime vigente acabou por consagrar a jurisprudência que foi fixada no Assento de 27-11-91: “O despacho a conhecer de determinada questão relativa à competência em razão da matéria do Tribunal, não sendo objeto de recurso, constitui caso julgado em relação à questão concreta de competência que nele tenha sido decidida”[6]. Conforme refere Paulo Pimenta[7] “a circunstância de o juiz exarar no despacho saneador uma declaração genérica no sentido de que inexistem excepções dilatórias ou nulidades processuais não é impeditiva de, mais adiante, vir a ser reconhecida uma excepção ou nulidade. Uma declaração genérica assim contida no despacho saneador não constituirá caso julgado formal (art.º 620º e 628º). Este só ocorre quanto às excepções ou nulidades que forem objecto de concreta apreciação”. No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[8] “Se, porém, o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, dos constantes do art.º 577 (por exemplo, a competência, a capacidade, a legitimidade ou os requisitos da coligação do art.º 36) ou outros (por exemplo, os que tornam admissível a reconvenção, ou o pedido genérico: respetivamente, arts. 266-2 e 556-1), se verificam, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal (art.º 620), pelo que continua a ser possível a apreciação duma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade”. Improcede o primeiro fundamento do recurso interposto.
3. Legitimidade do Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, para intervir em representação e substituição dos trabalhadores seus associados Na decisão recorrida julgou-se verificada a exceção de ilegitimidade ativa do autor Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais” e, em consequência, absolveu da instância a ré Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do .... Fundamentou a sua decisão da seguinte forma, que parcialmente se transcreve: “O A. invocou o art.º 5º, nºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho para fundar a sua legitimidade para os presentes autos. (…). No caso dos autos, apesar de o A. fundar a sua legitimidade no nº 1 do art.º 5º, bem se vê que não tem razão uma vez que nos presentes autos não estão em causa interesses colectivos que o A. enquanto sindicato represente. De igual modo, o caso dos autos não se enquadra nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 5.º, também invocado pelo A. uma vez que os representados não pertencem aos corpos gerentes do A., não exercem nele qualquer cargo, nem são representantes eleitos dos trabalhadores. Vejamos se é caso previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 5.º - sendo que, os igualmente, está excluída a possibilidade de enquadramento nos nºs 5 e 6 do preceito legal em equação. Ali se atribui legitimidade às associações sindicais para instaurar acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados. A respeito na interpretação desta norma, explica João Reis, em causa estão os chamados direitos plurais ou plúrimos dos trabalhadores. «É uma categoria que se encontra, digamos, assim, a meio termo entre os interesses colectivos e os interesses individuais. São interesses que afectam ou podem afectar uma generalidade de trabalhadores, mas que não chegam a formar uma síntese nova, diferente da mera agregação de interesses individuais, pelo que não se pode falar ainda de um verdadeiro interesse colectivo.» - ob. cit., pp. 395-396. Tendo presente as considerações doutrinais e jurisprudenciais vindas de fazer, e que subscrevem, e os pedidos formulados pelo A. urge concluir que, nos autos, estamos perante interesses individuais de cada um dos representados em obter o pagamento do trabalho que cada um prestou à R. Trata-se de interesses próprios de cada um dos representados sem qualquer reflexo nos demais associados no A., por não estar em causa a interpretação de qualquer norma jurídica ou de qualquer conduta da R. que possa reflectir-se na relação laboral dos demais associados. Não se trata, pois, de interesses cuja violação ocorra com carácter de generalidade dado que o A. representa apenas sete dos seus associados e peticiona o pagamento de quantias concretas que entende serem devidas a cada um deles pelo trabalho que cada um prestou. Por último, embora não seja argumento decisivo, mas sintomático de que os autores dos presentes autos deverão ser os representados, e não a pessoa colectiva, prende-se com a circunstância de o A. ter pedido a prestação de declarações de parte por quem não é parte nos autos, isto é, os seus representados – pedido que originou fosse suscitada, oficiosamente, a excepção de ilegitimidade que nos encontramos a decidir. Sobre questão idêntica às dos presentes autos, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em sentido que se subscreve, «se o A. pede a condenação da Ré a pagar determinadas quantias aos seus cinco associados que representa, ao invés de peticionar o reconhecimento relativo a todos os trabalhadores seus associados, do direito a auferirem nas férias e subsídio de férias e de natal, as médias pagas a título de prestações complementares, não estamos perante qualquer interesse colectivo, um interesse que assuma uma dimensão qualitativa nova mas antes perante uma mera agregação de interesses individuais que não adquire perante eles um certo grau de abstração e autonomia.» - acórdão T.R.C., 19/1/2018, P. 493/17.7T8LRA.C1, www.dgsi.pt. Em suma, o caso dos autos não se integra no n.º 1, nem no n.º 2 do art.º 5.º do Código de Processo do Trabalho invocados pelo A., nem em nenhuma das demais situações ali previstas, e, por isso, carece o A. de legitimidade para instaurar os presentes autos.” Sustenta o recorrente que com a aplicação da alínea c) do artigo 5º do CPT, a legitimidade do recorrente estaria sempre assegurada, tanto mais que existem nos autos declarações dos trabalhadores a autorizar que o SNBP- Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais, ora recorrente atue em sua representação. O Art.º 56º/1, da CRP dispõe que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem A noção legal de legitimidade processual obtém-se a partir do disposto no art.º 30º do CPC: “1 O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da pro cedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.” Também a lei pode definir a legitimidade. Dispõe o artigo 5º do CPT, sob a epígrafe “Legitimidade de estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e de associações de empregadores”: “1– As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam. 2– As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de ação, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem: a) Nas ações respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo; b) Nas ações respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores; c) Nas ações respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados. 3 – Para efeito do número anterior, presume-se a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de ação em sua representação e substituição, com indicação do respetivo objeto, se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias. 4 – Verificando-se o exercício do direito de ação nos termos do nº 2, o trabalhador só pode intervir no processo como assistente. 5 – Nas ações em que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores ou dos empregadores, as respetivas associações podem intervir como assistentes dos seus associados, desde que exista da parte dos interessados declaração escrita de aceitação da intervenção. 6 – As estruturas de representação coletiva dos trabalhadores são parte legítima como autor nas ações em que estejam em causa a qualificação de informações como confidenciais ou a recusa de prestação de informação ou de realização de consultas por parte do empregador.” “No caso previsto no art.º 5º, nº 1, do CPT, as associações sindicais têm legitimidade própria e autónoma, não carecendo de nenhum ato prévio dos trabalhadores eventualmente afetados. Nas hipóteses consagradas no nº 2, do art.º 5º, do CPT, o direito de ação está dependente da verificação de determinados pressupostos. Em primeiro lugar, exige-se que os trabalhadores em causa pertençam aos corpos gerentes da associação sindical, nela exerçam qualquer cargo [al. a)] ou sejam seus associados [als. b) e c)]. Dado que se trata de factos constitutivos do direito, a alegação e prova dessas qualidades cabem à associação sindical. De notar que os meios de prova, em princípio, devem ser apresentados ou requeridos na petição inicial. Em segundo lugar, a lei exige que o trabalhador manifeste a sua vontade, autorizando a intervenção sindical na ação. A autorização pode ser expressa ou tácita. Impõe-se enfatizar que a sua presunção só opera se a associação sindical comunicar por escrito ao trabalhador a intenção de exercer o direito de ação, indicando o respetivo objeto, e este, no prazo de 15 dias, nada declarar por escrito (art.º 5º, nº 3, do CPT). A associação sindical deve apresentar em tribunal, “naturalmente junto com a petição inicial, a prova de que cumpriu essa obrigação.[9]” Segundo Manuela Fialho[10] da norma do artigo 5º do CPT emergem quatro distintas situações: 1º– No nº 1 contemplam-se as associações sindicais e as associações de empregadores, às quais se confere legitimidade para defesa de interesses coletivos dos associados. Mais propriamente, dos interesses coletivos que representam. 2º– No nº 2 contemplam-se as associações sindicais, às quais se confere legitimidade para intervir em nome de certas categorias de trabalhadores e/ ou para defesa de interesses individuais destes (certa categoria de interesses individuais). Nas circunstâncias ali enunciadas, as associações sindicais, atuarão, então, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem. Trata-se aqui em primeiro lugar, da defesa, por terceiro, estranho à relação material controvertida, de interesses particulares de uma dada categoria de trabalhadores – os que pertençam aos corpos gerentes da associação ou nesta exerçam qualquer cargo e os que sejam representantes eleitos dos trabalhadores. Neste circunstancialismo, estas associações defenderão mesmo os interesses individuais destes trabalhadores. Em segundo lugar, as associações sindicais podem ainda interpor ações em representação de associados seus, desde que respeitantes à violação, com caráter de generalidade, de direitos destes. Trata-se, pois, de uma distinta situação, porquanto se pressupõe que os interesses em presença, embora individuais, afetem uma generalidade de trabalhadores. Será, então, a natureza comum a todos eles que justifica a intervenção sindical. Afastadas da aplicação deste dispositivo estão as situações em que a violação de direitos se reporta apenas a um trabalhador. Pressupõe-se, pois, uma defesa coletiva de direitos e interesses individuais. Em qualquer caso, porque se trata de interesses particulares, a associação, para intervir judicialmente, carece sempre de autorização daquele que é afetado com a decisão a proferir.” As associações sindicais podem assim exercer o direito de ação no que respeita à violação de direitos individuais, mas com caráter de generalidade, ou seja, que respeitem à maioria dos trabalhadores seus associados[11]- artigo 5º/2-c) do CPT. No caso dos autos, o autor representa sete trabalhadores associados, sendo certo que no artigo 29º do requerimento de 7-11-2022 (em que se pronunciou sobre a exceção de ilegitimidade, por determinação do juiz a quo) o recorrente afirma “Tanto assim é, que nesta ação representa os trabalhadores sindicalizados da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários do ... – Corpo de Salvação Pública”, o que não foi posto em causa pela recorrida no seu requerimento de 7-11-2020 em que afirma que o recorrente apenas representa 7 associados que trabalham sob as ordens e direção da ré, sendo que esta mantém atualmente vinculo laboral com cerca de 40 trabalhadores. Contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, entendemos que o acórdão desta Relação que aí foi citado[12], não se refere a uma situação idêntica à dos presentes autos. Com efeito nesse acórdão considerou-se que não se verificava a situação prevista no artigo 5º, nº 2, al. c) do CPC, porque o autor apenas identificou os cinco trabalhadores seus representados, não tendo alegado o número dos seus associados para se poder concluir se os cinco que ora representa correspondem, ou não, à maioria dos trabalhadores seus associados que se encontram na mesma situação; enquanto no presente caso, o autor representa os trabalhadores sindicalizados na ré. Estão assim reunidos os requisitos da legitimidade de intervenção ao abrigo do n.º 2, alínea c), do mencionado artigo 5º, já que o autor está munido das necessárias autorizações dos trabalhadores seus associados a exercer funções na ré. O autor é, pois, parte ilegítima. Procede, desta forma, esta conclusão do recorrente e, em consequência, fica prejudicado o conhecimento da outra questão suscitada por aquele (irregularidade do patrocínio). E, com a procedência do recurso, impõe-se a revogação da sentença recorrida.
Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC): (…)
DECISÃO: Com fundamento no atrás exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se o autor parte legítima. Custas pela apelada, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC. Coimbra, 30 de junho de 2023 Mário Rodrigues da Silva- relator Felizardo Paiva- adjunto Paula Maria Roberto-adjunta Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original ([1]) Miguel Teixeira de Sousa “As formas de composição da acção”, Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, pp. 219-220. ([2]) Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pp. 222-223 e Francisco Ferreira de Almeida, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 437. ([3]) Cf. Ac. do STJ, de 2-03-2021, proc. 765/16.8T8AVR.P1.S1, relator Ricardo Costa, www.dgsi.pt. ([4]) Ac. do TRP, de 8-06-2022, proc. 3084/19.4T8VLG.P1, relator Rodrigues Pires, www.dgsi.pt. ([5]) Cf. Ac. do STJ, de 19-05-2021, proc. 713/19.3T8BJA.E1.S1, relator Chambel Mourisco, www.dgsi.pt, ([6]) Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Felipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pp. 748. ([7]) Processo Civil Declarativo, 2014, p. 253. ([8]) Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, p. 657. ([9]) Hélder Quintas, Comentários ao Código de Processo do Trabalho, 2023, pp. 76 e 77. ([10]) Legitimidade Processual Laboral-apontamento- Prontuário de Direito do Trabalho, 2016, II, pp. 197, 198, 199. ([11]) Cf. Ac. do TRP, de 17-04-2023, proc. 2628/22.9T8AVR.P1, relator António Luís Carvalhão, www.dgsi.pt. Cf. ainda Ac. do TRC, de 19-01-2018, proc. 493/17.7T8LRA.C1, relatora Paula Maria Roberto, www.dgsi.pt. “Um sindicato goza da legitimidade prevista na al. c) do nº 2 do art.º 5º do CPT se exerceu o direito de ação perante a violação generalizada de direitos individuais de trabalhadores seus associados e de idêntica natureza, ou seja, que se reporte à generalidade do universo constituído pelos trabalhadores associados que se encontrem na mesma situação”. ([12]) Ac. do TRC, de 19-01-2018, proc. 493/17.7T8LRA.C1, relatora Paula Maria Roberto, www.dgsi.pt. |