Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS GIL | ||
Descritores: | INEPTIDÃO CUMULAÇÃO DE PEDIDOS DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO | ||
Data do Acordão: | 05/25/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CONDEIXA-A-NOVA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 31, 193, 469, 470, 508 CPC | ||
Sumário: | I - A ineptidão da petição inicial fundada em incompatibilidade substancial de pedidos ocorre quando, em cumulação real, são formulados pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem e desde que tal incompatibilidade derive de razões substanciais e não do mero desrespeito das regras processuais da cumulação de pedidos vertidas no artigo 470º, nº 1, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 31º, nº 1, do mesmo diploma legal.
II - Não se verifica incompatibilidade substancial de pedidos determinante de ineptidão da petição inicial quando se cumula o pedido de reconhecimento de direito de propriedade com o da restituição de parte do mesmo prédio alegadamente ocupado por construções efectuadas para além de linhas divisórias que se afirmam estarem definidas, há mais de vinte anos, por marcos.
III - Verificando-se deficiência na alegação dos factos integradores da pretensão da autora, o tribunal tem o poder-dever de proferir despacho a convidar a autora a suprir as deficiências detectadas de modo a poder ser proferida uma decisão segura de procedência ou de improcedência da pretensão ajuizada. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório A 19 de Março de 2009, M (…) instaurou acção declarativa sob forma sumária contra D (…) e N (…)pedindo que os réus sejam condenados a: a) reconhecerem a autora como única dona e legítima possuidora do prédio rústico composto de terra de cultura, denominado “ ...”, com a área de 1000 m2, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte e nascente com (…) e outro, do sul com (…) e do poente com serventia, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .... b) a respeitarem e reconhecerem a linha divisória definida por uma linha recta, numa extensão de 13 metros, que separa o terreno da autora do dos réus, na sua estrema de norte para sul, iniciada a norte no marco que aí existia e que os réus arrancaram aquando da construção que efectuaram, marco que distava 1,45 metros da pereira situada no terreno dos réus; c) a desocupar a faixa de terreno que ocuparam, para além dos referidos marcos, numa largura de 31 centímetros, em toda a extensão da aludida estrema, por fazer parte integrante do prédio da autora; d) a demolirem a parede lateral da sua aludida edificação que confina a poente com o prédio da autora, neste totalmente implantada; e) a retirarem as estacas em madeira com rede, espetadas no terreno da autora, em desrespeito da sua estrema, a norte, de nascente para poente; f) a absterem-se de praticar quaisquer actos perturbadores e lesivos do direito de propriedade da autora, sobre o seu identificado prédio; g) a indemnizarem a autora por todos os danos, quer morais, quer patrimoniais em montante nunca inferior a € 7.500,00. Em síntese, a autora fundamenta as suas pretensões na alegação de que por sucessão hereditária adquiriu o imóvel objecto destes autos, imóvel que também havia adquirido por usucapião e que desde há mais de vinte e até trinta anos se achava delimitado com marcos, tendo os réus, em Outubro de 2007, procedido ao arrancamento de dois marcos situados a nascente do prédio da autora. Alega ainda a autora que os réus procederam à construção de uma parede de uma pocilga que ocupa cerca de trinta e um centímetros em toda a extensão da parede dessa construção na zona confinante com o terreno da autora, tendo aberto várias janelas nessa parede que deitam directamente para o prédio da autora e colocado um tubo de escoamento da pocilga que está direccionado para o prédio da autora e que a norte do prédio da autora, igualmente delimitado por marcos, colocaram estacas em madeira com rede de arame, implantando essas estacas no terreno da autora. Apesar de apenas se ter logrado a citação da ré, ambos os réus contestaram impugnando que tenham procedido ao arrancamento de qualquer marco, que tenham invadido com as construções que levaram a cabo qualquer parcela do terreno da autora, que tenham colocado qualquer tubo de escoamento para o prédio da autora e alegaram que as janelas que abriram no seu estábulo estão providas de grades, as quais distam entre si catorze centímetros, que a vedação foi implantada com a concordância da autora e que o entulho que eventualmente caiu para o prédio da autora foi limpo, concluindo pela total improcedência da acção. A 28 de Julho de 2009, foi proferida decisão que declarou que a petição inicial enfermava de ineptidão, em virtude da autora ter formulado, cumuladamente, pedidos substancialmente incompatíveis, absolvendo-se os réus da instância. A 30 de Setembro de 2009, inconformada com a decisão que decretou a ineptidão da petição inicial, a autora interpôs recurso de apelação contra essa decisão, formulando as seguintes conclusões: “1 – A petição inicial foi indevidamente considerada inepta. 2 – No caso sob Júdice, o Meritíssimo Juiz “a quo” fez um errada interpretação da causa de pedir e pedidos formulados pela Autora na sua petição. 3 – Os pedidos formulados pela Autora contra os Réus, na sua petição, consubstanciam única e exclusivamente a reivindicação de parcelas do seu imóvel, descrito no artigo 1º da sua petição inicial. Pois, 4 – A Autora na sua petição inicial, limita-se a pedir a condenação dos réus no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o seu aludido prédio que identifica com uma determinada área, pedindo a condenação daqueles na entrega da área que abusivamente ocuparam e que estes invocam pertencer-lhe. 5 – Em parte alguma da petição a Autora, põe em dúvida a extensão ou limites do seu prédio. Pelo que, 6 – A petição da Autora não versa sobre qualquer pedido de demarcação do seu prédio, mas sim, sobre o seu reconhecimento da sua propriedade e posse e a sua detenção abusiva por parte dos réus. Pelo que, 7 – Se dúvidas existissem sobre as pretensões ou pedidos formulados pela Autora, pensamos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que como sempre é muitíssimo, que o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter convidado a Autora a suprir alguma insuficiência, ou obscuridade sobre a matéria factual alegada. Porém, 8 – Mesmo que venha a ser mui doutamente entendido que os pedidos formulados pela Autora na sua petição consubstanciam uma acção de reivindicação e uma acção de demarcação, não se verifica qualquer incompatibilidade entre as causas de pedir nos dois referidos tipos de acções. 9 – A título de exemplo, veja-se o Mui Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/02/2009, P. 554/06.8TBAND.C1, in www.dgsi.pt, onde sumariamente é referido: “2. Deduzido pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre um prédio, com uma determinada área, e a condenação dos réus na entrega aos autores da área ocupada e que estes invocam pertencer-lhe, estamos perante uma típica acção de reivindicação, tal como é configurada no artigo 1311º do C. Civil” 3. Nada obsta a que se cumule esse pedido com pretensão com vista à demarcação, o que acontece quando o demandante peticiona ainda a condenação dos réus a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios.” A Mui Douta sentença de que ora se recorre, violou, entre outras, disposições legais, as contidas nos artigos 31º, nº 4, 193, 470º e nº 1 al. b) do Artº 508, todos do C.P. Civil.” A recorrente termina as conclusões das suas alegações de recurso pedindo a revogação da decisão sob censura e a sua substituição por outra que admita a petição inicial ou, caso assim venha a ser entendido, a sua substituição por outra que convide a Autora a suprir alguma deficiência ou obscuridade na matéria factual alegada na petição inicial. Não foram apresentadas contra-alegações. Inexistindo quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do presente recurso, cumpre agora decidir. 2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigo 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da ineptidão da petição inicial por dedução de pedidos substancialmente incompatíveis; 2.2 Da necessidade de aperfeiçoamento da petição inicial e da sindicabilidade da omissão de prolação dessa decisão. 3. Fundamentos de facto resultantes do acordo das partes e dos documentos juntos aos autos de folhas 38 a 39. 3.1 M (…) registou a seu favor a aquisição por óbito de (…) do direito de propriedade do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob o nº ... e inscrito na matriz predial rústica, na Repartição de Finanças de ... sob o artigo ..., prédio denominado ..., sito em ..., com a área de mil metros quadrados, composto de vinha, a confrontar do norte e nascente com (…) e outro, do sul com (…) e do poente com serventia. 3.2 M (…), por si própria e por seus antepossuidores, desde há mais de vinte, trinta e mais anos, que amanha, lavra, cultiva e utiliza o prédio mencionado em 3.1, actos que pratica à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, sem interrupção no tempo e na convicção de ser a titular do respectivo direito de propriedade, ignorando se lesava direitos de outrem. 3.3 D (…) e N (…) edificaram uma construção que serve de pocilga e curral de animais do lado nascente do prédio referido em 3.1. 3.4 D (…) e N (…) colocaram estacas em madeira com rede de arame, do lado norte do prédio referido em 3.1, para delimitarem o seu prédio do prédio referido em 3.1. 4. Fundamentos de direito 4.1 Da ineptidão da petição inicial por dedução de pedidos substancialmente incompatíveis Nos termos do disposto no artigo 193º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a petição é inepta quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. Nesta nova redacção do nº 2, do artigo 193º do Código de Processo Civil aditou-se a referência à contradição de causas de pedir, lacuna que alguma doutrina apontava ao elenco dos fundamentos de ineptidão da petição inicial constantes do nº 2, do artigo 193º do Código de Processo Civil[1]. Na decisão sob censura decidiu-se que a petição inicial enfermava de ineptidão em virtude da autora ter deduzido, cumuladamente, pedidos susceptíveis de consubstanciar, em simultâneo, a demarcação e a reivindicação do imóvel descrito em 3.1 dos fundamentos de facto. A ineptidão da petição inicial fundada em incompatibilidade substancial de pedidos verifica-se quando, em cumulação real, são formulados pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem[2] e desde que tal incompatibilidade derive de razões substanciais e não do mero desrespeito das regras processuais da cumulação de pedidos vertidas no artigo 470º, nº 1, do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 31º, nº 1, do mesmo diploma legal. Assim, existe incompatibilidade substancial de pedidos se simultaneamente se pede a resolução de um negócio com fundamento em incumprimento definitivo da outra parte e se pede que a outra parte seja condenada a entregar a coisa que se havia obrigado a entregar por força do negócio cuja resolução foi também peticionada, Porém, verificando-se essa oposição substancial entre os pedidos, a ineptidão da petição inicial subsiste mesmo que um dos pedidos em oposição fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo (artigo 193º, nº 4, do Código de Processo Civil). A incompatibilidade substancial de pedidos só existe se houver sido deduzida uma cumulação real de pedidos, não havendo qualquer obstáculo à dedução de pedidos subsidiários substancialmente incompatíveis (veja-se a primeira parte do nº 2, do artigo 469º do Código de Processo Civil). A acção de reivindicação é um meio facultado ao proprietário[3] para defender judicialmente o seu direito, podendo por essa via exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (artigo 1311º, nº 1, do Código Civil). Na acção de reivindicação do direito de propriedade, o reivindicante tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade de que se afirma titular, de caracterizar da forma mais precisa possível o objecto a que respeita o seu direito e descrever o ataque que está ou foi perpetrado ao seu direito, delimitando a medida desse ataque ao seu direito, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que afirma pertencer-lhe. Na acção de demarcação visa-se a determinação das estremas de prédios confinantes entre si (artigo 1353º do Código Civil), demarcação que é feita de harmonia com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de acordo com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova (artigo 1354º, nº 1, do Código Civil). Deste modo, na acção de demarcação existe incerteza sobre os limites de prédios confinantes entre si[4]. No caso dos títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, não podendo a questão resolver-se pela posse ou por outro meio de prova, procede-se à divisão salomónica da faixa em litígio em partes iguais (artigo 1354º, nº 2, do Código Civil). Finalmente, se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um (artigo 1354º, nº 3, do Código Civil). Vejamos então se, como se afirma na decisão sob censura, a autora formulou em cumulação real pedidos próprios da reivindicação e da demarcação. O primeiro pedido formulado pela autora é de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel que identificou no artigo 1º da sua petição inicial, pedido típico de acção de reivindicação. O segundo e o terceiro pedidos formulados pela autora são o de condenação dos réus a respeitarem a estrema que a autora entende ser a que separa o seu prédio do prédio dos réus e a condenação dos mesmos réus a desocuparem essa área que a autora afirma ser parte integrante do objecto sobre que incide o seu direito de propriedade. O quarto e o quinto pedidos formulados pela autora contra os réus visam a condenação dos réus a demolirem parte da edificação que a autora afirma invadir o seu prédio e a retirarem estacas em madeira alegadamente implantadas no prédio de que a autora se afirma titular. O sexto pedido visa a condenação dos réus a absterem-se da prática de actos lesivos do direito de propriedade de que a autora se afirma titular. O sétimo e último pedido é de condenação dos réus ao pagamento de uma quantia pecuniária por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais advindos das condutas dos réus. Nenhum dos pedidos formulados pela autora visa a demarcação do seu prédio do dos réus pois em nenhum deles se pede que a linha divisória dos prédios da autora e dos réus seja fixada em certo ponto. Embora no segundo pedido a autora peça a condenação dos réus ao respeito de certa linha divisória, esse pedido não é típico de acção de demarcação, porquanto não se pede a definição de uma certa linha divisória, antes se afirma que essa linha divisória estava definida por marcos que foram alegadamente arrancados pelos réus, pedindo-se deste modo o respeito do direito de propriedade da autora de acordo com a extensão definida por essa linha divisória. O pedido da autora de condenação dos réus ao respeito de certa linha divisória tem pressuposta a certeza da definição dessa estrema e daí que seja pedido que os réus, consequentemente, respeitem o limite assim definido e não seja pedida a definição da aludida estrema. Assim, não se lobriga qualquer dedução de pedidos substancialmente incompatíveis por serem formulados, em simultâneo, pedidos próprios de acção de reivindicação e de acção de demarcação. Pelo exposto, é patente que a petição inicial não enferma de ineptidão da petição inicial por dedução de pedidos substancialmente incompatíveis, pelo que a decisão sob censura não se pode manter. 4.2 Da necessidade de aperfeiçoamento da petição inicial e da sindicabilidade da omissão de prolação dessa decisão A autora, quiçá ciente de que o que por si foi alegado na petição inicial padece de insuficiência, pede, a título subsidiário, que revogada a decisão sob censura, seja a mesma substituída por outra que convide a autora a aperfeiçoar a petição inicial. Apreciemos, em primeiro lugar, se a petição inicial enferma de insuficiências que sejam passíveis de comprometer o êxito da acção. Nos artigos 7º e 8º da petição inicial a autora alude ao arrancamento de dois marcos por parte dos réus, marcos situados a nascente do prédio da autora e que definiriam a estrema dos prédios nesse ponto cardeal. A autora afirma que um dos marcos, o situado no topo norte da sua estrema a nascente, distava 1,45 metros de uma pereira que os réus possuem no seu terreno. A autora não indica se essa distância é medida na perpendicular ou de outra forma. Como é sabido, a localização precisa de um certo ponto no espaço, pressupõe que o mesmo seja definido pela intersecção de pelo menos duas linhas e que o comprimento dessas linhas até ao referido ponto se determine relativamente a pontos fixos distintos. Deste modo, não basta a indicação daquela medida com referência a uma árvore, sendo necessária a indicação de outra medida com referência a outro ponto fixo para de forma inequívoca se poder determinar o ponto onde alegadamente estava implantado o marco no topo norte da estrema a nascente do prédio da autora e para definição dessa estrema. Além disso, a identificação precisa da estrema a nascente do prédio da autora impõe que seja indicado o ponto exacto onde se achava implantado o segundo marco que a autora afirma que os réus arrancaram. Ora, a autora omitiu essa alegação, pelo que não é viável a determinação precisa da estrema do prédio da autora, a nascente. Essa definição é imprescindível para que se possa aferir se efectivamente os réus ocuparam a largura de trinta e um centímetros do prédio da autora, em toda a extensão em que os réus edificaram a parede de um curral de animais, sendo certo que a autora também omitiu a alegação do comprimento da parede que afirma invadir o seu prédio. No artigo 21º da petição inicial, a autora alega que a norte do seu prédio, numa estrema definida por marcos implantados no local, em toda a sua extensão, os réus colocaram estacas em madeira com rede de arame para delimitarem o seu prédio, tendo colocado e espetado as ditas estacas no prédio da autora, ultrapassando os marcos aí existentes. No entanto, a autora não indica o local preciso em que se acham os marcos divisórios nessa estrema, localização que, como já antes ficou referido, implica a identificação de pelo menos duas linhas com começo em pontos fixos distintos que se cruzem no ponto em que se situa cada marco e a indicação do comprimento de cada uma dessas linhas de cada ponto fixo até ao referido ponto de intersecção. A remissão para uma fotografia onde se divisa uma rede e um marco nas imediações dessa rede (documento nº 5, junto a folhas 42) é manifestamente insuficiente para que se conclua qual é o local preciso de implantação desse marco. A definição de uma estrema pressupõe a identificação dos vários marcos que permitam a definição da linha divisória que constitui essa estrema. Ora, a autora não alega concretamente onde se localizam os marcos na estrema norte do seu prédio. As insuficiências que se acabam de enunciar são passíveis de comprometer o êxito da acção, não sendo supridas e, em bom rigor, nesse caso devem determinar o conhecimento do mérito na fase do saneador por falta de alegação de factos concretos e precisos que permitam identificar os limites nascente e norte do prédio da autora e a consequente conclusão de que os réus violaram o direito de propriedade da autora nessas estremas. Serão as insuficiências apontadas passíveis de ser supridas pelo que resulta da descrição do prédio da autora na Conservatória do Registo Predial? A nossa resposta é negativa já que a presunção iuris tantum emergente do artigo 7º do Código do Registo Predial, como é jurisprudencialmente referido de modo quase unânime, não abarca a composição e as confrontações da descrição predial, cingindo-se à existência do direito registado e à sua titularidade, bem como à existência de eventuais ónus registados[5]. E bem se compreende o alcance limitado de tal presunção, na medida em que aqueles elementos da descrição, não são percepcionados pelo Sr. Conservador do Registo Predial que procede ao registo, antes derivam de declarações dos interessados, ainda que documentadas, mas sem a garantia de fiabilidade dos documentos que titulam a realização dos negócios com eficácia real. Por isso, o que consta da descrição do registo predial quanto à área, composição e confrontações dos prédios de que os autores se afirmam donos, não está abrangido pela presunção legal vertida no artigo 7º do Código do Registo Predial. Identificadas insuficiências fácticas na petição inicial, importa agora determinar se a terapêutica proposta pela autora é viável. O artigo 508º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil prevê que “findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº 2 do artigo 265º”. Nos termos do disposto no artigo 508º, nº 2, do Código de Processo Civil, “o juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.” Por seu turno, o nº 3 do mesmo artigo refere que “pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.” De acordo com o disposto no artigo 264º, nº 1, do Código de Processo Civil, “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.” Entendem alguns que o poder do julgador de convidar as partes a procederem ao aperfeiçoamento dos seus articulados constitui um poder discricionário, por isso insindicável[6]. Outros, pelo contrário, entre os quais nos contamos, entendem que se trata de um poder-dever, sindicável[7], tendo assim o tribunal o poder-dever de convidar as partes a colmatarem as deficiências nas alegações de facto passíveis de determinar a improcedência da acção ou da excepção em caso de não suprimento[8]. Assim, por tudo quanto precede, conclui-se que o tribunal a quo deveria ter convidado a autora a suprir as apontadas deficiências, sendo sindicável por este tribunal a omissão da prolação desse despacho. Deste modo, conclui-se pela procedência do recurso de apelação, revogando-se a decisão sob censura que deverá ser substituída por outra que convide a autora a apresentar nova petição inicial em que: a) indique outra medida com referência a outro ponto fixo para de forma inequívoca se poder determinar o ponto onde alegadamente estava implantado o marco no topo norte da estrema a nascente do prédio da autora e para definição dessa estrema; b) indique o ponto exacto onde se achava implantado o segundo marco que a autora afirma que os réus arrancaram, com referência a pelo menos dois pontos fixos distintos; c) indique o comprimento da parede edificada pelos réus e que afirma invadir o seu prédio na estrema nascente; d) indique o local preciso em que se acham os marcos divisórios na estrema norte, com referência a pelo menos dois pontos fixos distintos. 5. Dispositivo Pelo exposto, julga-se procedente o recurso de apelação interposto por M (…)e, em consequência, revoga-se a decisão que julgou inepta a petição inicial destes autos e determina-se a sua substituição por outra que convide a autora a, em prazo a fixar, apresentar nova petição inicial em que, querendo, supra as omissões antes enunciadas; custas pela recorrente porquanto obteve vencimento, não há vencido e tirou proveito do decidido, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza (artigo 446º, nº 1, do Código de Processo Civil).
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