Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
118370/19.9YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: INJUNÇÃO
CESSÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º DO DECRETO-LEI N.º 269/98, DE 1 DE SETEMBRO.
ARTIGOS 577.º, N.º 1, E 583.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O cessionário de um direito crédito pecuniário pode socorrer-se do procedimento de injunção para obter a condenação do devedor a reconhecer e a satisfazer aquele crédito.
Decisão Texto Integral:




Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

 A autora, A ... , S.A., instaurou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, através de requerimento inicial de injunção, depois distribuído, contra a ré, B... , peticionando a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia global de € 8 624,77.

Alega, nomeadamente, que por contrato de cessão de créditos o Banco D... , S.A, cedeu à sociedade C ... , Limited, o crédito que detinha relativo à ré e que posteriormente esta sociedade, por contrato de titularização de créditos, cedeu o referido crédito à autora; que o então Banco D... , S.A e a ré celebraram um contrato de mútuo, através do qual a ré se obrigou a pagar a quantia de € 4 500,00 , no prazo de 60 meses, em 60 prestações mensais e sucessivas, que lhe foi mutuada e depositada na sua conta; que acordaram que o não pagamento de uma das prestações permitiria ao mutuante resolver imediatamente o contrato e exigir o integral pagamento daquilo que fosse devido; que a ré deixou de liquidar as prestações permanecendo em dívida o valor de € 3 1882,90, desde 07-11-2012 até à presente data; que o Banco D... celebrou com a ré uma contrato de adesão-utilização de cartão de crédito o qual foi emitido e atribuído à ré e que, com ele, adquiriu diversos produtos e efetuou algumas despesas em vários estabelecimentos; que a ré não efetuou o pagamento do referido cartão apresentando-se, em 05-09-2013, com um saldo negativo de € 3 513,91.

Conclui peticionando a condenação da ré no pagamento da dívida de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, e ainda o valor de € 153,00, referente à taxa de justiça paga.

Frustrada citação pessoal da ré, foi a mesma citada editalmente. Face à revelia absoluta, foi o Ministério Publico citado nos termos do art. 21.º do CPC.

Por entender que a requerente, cessionária do crédito que reclama, não podia ter recorrido ao procedimento de injunção, foi proferido despacho a determinar a notificação das partes para se pronunciarem sobre a verificação de erro na forma de processo. As partes nada disseram.

O Juízo Local Cível da Figueira da Foz profere a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória inominada decorrente da utilização indevida do procedimento de injunção e, consequentemente, absolvo a ré da instância.

Fixa-se à causa o valor de 8.471,77 € (art. 306º, nº 2 do CPC).

Custas a cargo da autora (art. 527º do CPC).

Registe e notifique”.

A Autora, A ... , S.A., não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:

(…)

2. Do objecto do recurso

Relembrando a história do presente processo:

A autora, A ... , S.A., instaurou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, através de requerimento inicial de injunção, depois distribuído, contra a ré, B... , peticionando a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia global de € 8 624,77.

Alegou, nomeadamente, que por contrato de cessão de créditos o Banco D... , S.A, cedeu à sociedade C ... , Limited, o crédito que detinha relativo à ré e que posteriormente esta sociedade, por contrato de titularização de créditos, cedeu o referido crédito à autora; que o então Banco D... , S.A e a ré celebraram um contrato de mútuo, através do qual a ré se obrigou a pagar a quantia de € 4 500,00 , no prazo de 60 meses, em 60 prestações mensais e sucessivas, que lhe foi mutuada e depositada na sua conta; que a ré deixou de liquidar as prestações permanecendo em dívida o valor de € 3 1882,90, desde 07-11-2012 até à presente data; que o Banco D... celebrou com a ré uma contrato de adesão-utilização de cartão de crédito o qual foi emitido e atribuído à ré e que, com ele, adquiriu diversos produtos e efetuou algumas despesas em vários estabelecimentos; que a ré não efetuou o pagamento do referido cartão apresentando-se, em 05-09-2013, com um saldo negativo de € 3 513,91. Conclui peticionando a condenação da ré no pagamento da dívida de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, e ainda o valor de € 153,00, referente à taxa de justiça paga.

Depois de marcada a audiência de discussão e julgamento, a requerente junta os seguintes documentos:

Doc 1. CESSÃO DE CRÉDITOS - Contrato D... _ C ...

Doc 2. CESSÃO DE CRÉDITOS - Contrato C ... _ A ...

Doc 3. CESSÃO DE CRÉDITOS - Anexo Lista Créditos - pg 1 de 241

Doc 4. a Doc. 6 Comunicações de Cessão de créditos

Doc 7. Contrato [Crédito ao consumo - Operação/Contrato Ref.: .... (n/ Refª

interna: LOAN ....)]

Doc 8. Extrato bancário [Cartão de Crédito - Operação/Contrato Ref.: ....

(n/ Refª interna: LOAN....)]

Doc 9. a Doc. 11 Carta de interpelação para pagamento.

Na sequência, o Juízo Local Cível da Figueira da Foz atravessa o seguinte despacho:

“Na presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, instaurada através de requerimento inicial de injunção, encontra-se designado, para realização da audiência final, o próximo dia 02-07-2021, pela 11:00 horas – [cfr. ref.ª citius n.º..., de 27-05-20219].

Sucede que, após análise do processado para preparação da audiência constatamos que, a autora, A ... , S.A., instaurou a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, através de requerimento inicial de injunção, depois distribuído, contra a ré, B... , peticionando a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia global de € 8 624,77 e alegou, nomeadamente, que por contrato de cessão de créditos o Banco D... , S.A, cedeu à sociedade C ... , Limited, o crédito que detinha relativo à ré e que posteriormente esta sociedade, por contrato de titularização de créditos, cedeu o referido crédito à autora; que o então Banco D... , S.A e a ré celebraram um contrato de mútuo, através do qual a ré se obrigou a pagar a quantia de € 4 500,00 , no prazo de 60 meses, em 60 prestações mensais e sucessivas, que lhe foi mutuada e depositada na sua conta; que a ré deixou de liquidar as prestações permanecendo em dívida o valor de € 3 1882,90, desde 07-11-2012 até à presente data; que o Banco D... celebrou com a ré uma contrato de adesão-utilização de cartão de crédito o qual foi emitido e atribuído à ré e que, com ele, adquiriu diversos produtos e efetuou algumas despesas em vários estabelecimentos; que a ré não efetuou o pagamento do referido cartão apresentando-se, em 05-09-2013, com um saldo negativo de € 3 513,91. Conclui peticionando a condenação da ré no pagamento da dívida de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, e ainda o valor de € 153,00, referente à taxa de justiça paga.

Frustrada citação pessoal da ré, foi a mesma citada editalmente. Face à revelia absoluta, foi o Ministério Publico citado nos termos do art. 21.º do CPC.

*

A presente ação declarativa especial visa obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, razão pela qual não poderá servir para exigir o cumprimento de obrigações decorrentes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio - cfr. COSTA, Salvador da, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª Ed., Almedina, 2008, p. 48.

Por via da presente instância, e considerando o teor da causa de pedir alegada, a autora pretende que o Tribunal condene a ré no pagamento da quantia global de € 8 624,77 alicerçando os seus pedidos no contrato de cessão de créditos celebrado entre o primitivo credor, o Banco D... S.A com a cessionária C ... Limitede, que por sua vez, por contrato de titularização de créditos cedeu o referido crédito à autora, reportando-se, ainda, em sede de requerimento injuntivo, a um contrato de mútuo e a um contrato de adesão/utilização de cartão de crédito, celebrado entre o Banco D... , S.A e a ré.

A referência a estes dois contratos, um de mútuo e outro de utilização de cartão de crédito, do qual, note-se, a autora não é parte, demonstra que os créditos de que esta se arroga titular não emergem diretamente do contrato por si invocado, celebrado com a cedente.

Pelo contrário, estamos perante obrigações pecuniárias decorrentes, não diretamente do contrato celebrado entre a autora, na qualidade de cessionária, e a C ... Limited na qualidade de cedente, mas da articulação desse contrato com os sobreditos contratos de mútuo e de adesão/utilização de cartão de crédito, havido entre o credor primitivo, Banco D... , S.A e a ré. Ou seja, o direito de crédito invocado pela autora emerge, não dos contratos que originariamente o fez nascer (o contrato de mútuo e o contrato de adesão/utilização de cartão de crédito), mas de um terceiro contrato, subsequente, surgindo agora como devedora uma pessoa que é alheia quer ao contrato de cessão de créditos, operada entre a cedente Banco D... , S.A e a cessionária C ... Limited, quer ao posterior contrato de cessão de créditos operada entre a cedente C ... Limited e a cessionária A ... , Stc, S.A (a ora autora).

*

Ante o exposto importa determinar, antes de mais, a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a ocorrência de um eventual erro na forma do processo, atento o teor da causa de pedir alegada na petição injuntiva, a fim de serem ponderados os ulteriores termos do processo a observar – cfr. artigo 3.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil; artigos 3.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1, ambos do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01.09; entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.12.2015, Relator: Maria Teresa Albuquerque, Processo n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt; ainda, sob as vestes de exceção dilatória inominada, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.01.2019, Relator: Rodrigues Pires, Processo n.º 141613/14.0YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.

Prazo: 10 dias.

*

Em consequência, dá-se sem efeito a audiência de julgamento que se encontra designada nestes autos.

Notifique””.

Esgotado o prazo do contraditório, 1.ª instância profere a sua decisão final:

“A injunção é a “providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular” (obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00), “ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro” – art. 7º do anexo ao DL nº 269/98 de 01.09.

O DL nº 32/2003 de 17.02 foi revogado (com excepção dos arts. 6º e 8º) e substituído pelo DL nº 62/2013 de 10.05, diploma este que transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais. No seu art. 2º, nº 1 define o seu âmbito objectivo de aplicação, dispondo que se aplica a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.

“A lei fala em obrigações pecuniárias, e a jurisprudência vem entendendo que em causa estão as obrigações pecuniárias stricto sensu, ou seja, “aquelas cuja prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro (“pecunia”), que se toma pelo seu valor propriamente monetário” (e que se distinguem das obrigações de valor, porquanto, nestas “o objeto não consiste diretamente numa importância monetária, mas numa prestação diversa, intervindo o dinheiro apenas como meio de determinação do seu quantitativo ou da respetiva liquidação” – Mário Júlio de Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 12ª ed. rev. e atual., págs. 735/736).

Também Paulo Teixeira Duarte, em Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, publicado na “Themis”, VII, nº 13, págs. 184/185, demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção referindo que são “apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária”, concluindo que, “Daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”.

Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 41, também entende que o objeto dos procedimentos especiais previstos pelo DL nº 269/98, de 1.09, são as obrigações que se reportam a uma prestação em dinheiro, e que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, …”. – Ac. RL de 25.05.2021, proc. 113862/19.2YIPRT.L1-7.; cfr. ainda Ac. RL de 08.10.15, proc. 154495-13.0YIPRT.L1-8 e Acórdão da RP de 15.01.19, proc. 141613/14.0YIPRT.P1.

Ora, no caso dos autos, face ao teor do requerimento de injunção verifica-se que a requerente utilizou aquele procedimento, não para exigir uma obrigação pecuniária directamente emergente de um contrato (cujos termos não concretizou), mas sim para exigir um crédito cedido por terceiro, que ficou por regularizar pela requerida por força do seu incumprimento contratual e resolução de dois contratos celebrados entre terceiro cedente e a ré.

Com efeito, a prestação reclamada não consubstancia a contrapartida de qualquer transacção comercial contratada, nem emerge directamente do contrato celebrado entres as partes, mas sim do seu alegado incumprimento e consequente resolução, estando em causa uma obrigação indemnizatória de valor.

Assim sendo, ou seja, não correspondendo o pedido formulado no requerimento injuntivo ao fim para o qual a lei estabeleceu aquele procedimento, não podia a requerente lançar mão do procedimento de injunção.

Esta situação configura uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância nos termos do art. 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2 e 577º do CPC.

Acresce que, e conforme também já defendido no Ac. RC de 20.05.14, proc. 30092/13.6YIPRT.C1, a situação verificada não consente qualquer adequação processual ou convite ao aperfeiçoamento, sob pena de estar “encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.

Conhecendo.

Como sabemos, através do DL 269/98 de 01/09 foi aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior - actualmente e desde 2007 - a € 15.000,00, publicado em anexo a este mesmo diploma - ver o artigo 1º deste DL.

Como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, o “ procedimento de injunção (cujo modelo foi fixado pela Port. Nº 21/20, de 28/1) é adequado à obtenção de título executivo sempre que, no campo das relações contratuais geradoras de obrigações pecuniárias, o devedor não haja subscrito documento correspondente à previsão das als. b) e c) do nº1 do art. 703º. O seu campo de aplicação é o definido pelo art. 1º do DL nº 269/98, de 1/9, significando que poderá ser utilizado a propósito de relações de índole contratual que tenham por objeto obrigações pecuniárias, quando o valor da dívida não exceda € 15.000,00. (…) o credor de uma quantia em dinheiro, cujo valor não exceda o referido limite, pode optar entre a via declarativa propriamente dita, caso em que deverá instaurar aquela ação especial (cf. o art. 546º, nº2), a qual lhe poderá proporcionar uma sentença condenatória como título executivo, ou o procedimento de injunção com vista a obter o correspondente título executivo” - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 28 e seg.

Mais acrescentam, que   “resulta das disposições conjugadas dos arts. 14º e 16º do respetivo regime que a formação de título executivo, pela aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção (a apresentar nos termos fixados no art. 10º), depende da verificação simultânea de duas condições: efetivação da notificação do requerido e falta de oposição por parte deste. O procedimento de injunção é rodeado de cautelas adequadas a assegurar o contraditório do requerido, o qual fica habilitado a defender-se em termos similares àqueles de que disporia no caso de o credor ter instaurado a ação declarativa especial. Quando não deduza oposição nesse procedimento, para além de poder vir a ser executado, fica sujeito ao efeito cominatório previsto no art. 14º-A, nº1, com a redação introduzida pela Lei nº 117/19, de 13/9 (disso sendo advertido na própria notificação – art. 13º, nº1, als b) e c), pelo que, vindo a ser depois executado, os embargos que pretenda deduzir estarão limitados, em sede de fundamentos, aos termos definidos no art. 857º, nº2 (alterado pela mesma Lei)”.

A injunção serve, claramente, objetivos de celeridade e de simplificação, sem quebra, no entanto, da certeza e da segurança jurídicas. Nela, o requerente expõe sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, sendo que, o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, pelo que não têm a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo de responsabilidade civil contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa, ou de relações de condomínio. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro - obrigações pecuniárias são aquelas em que a prestação debitória tem por objeto dinheiro, visando proporcionar o respetivo valor.

Impende sobre a parte o ónus de alegação e de prova dos factos que sustentam o pedido.  

O que foi vertido no requerimento inicial:

“Contrato de: Utilização de cartão de crédito Contrato nº: até à presente data; Outras quantias: € 0,00 Taxa de Justiça paga: € 153,00 Capital: € 6 696,81 Juros de mora: € 1 774,96 à taxa de: 0,00%, desde € 8 624,77 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada:

Data do contrato: 07-11-2012 Período a que se refere: 07-11-2012 a 27-11-2019

1. Por contrato de cessão de créditos outorgado a 11 de Dezembro de 2015, o Banco D... , S.A., cedeu à sociedade C ... Limited, os créditos que detinha, cessão da qual resultou a transmissão de créditos detidos pelo Banco D... , S.A., relativos ao ora requerido(a). Posteriormente, a 27 de Abril de 2016 e por contrato de titularização de créditos, cedeu a C ... Limited os referidos créditos à A ... , S.A., aqui Requerente.

2. A referida cessão incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes.

3. O que faz com que, presentemente, a Requerente seja a actual titular dos créditos que ora se exige a aposição da fórmula executória.

4. Com efeito, no exercício da sua actividade bancária o primitivo credor e o(a) ora Requerido(a) celebraram, em 06/09/2010, um contrato de mutuo, pelo qual o(a) Requerido(a) assumiu a obrigação de proceder ao pagamento da quantia de 4.500,00€, pelo prazo de 60 meses, a liquidar em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, que lhe foi mutuada e depositada na sua conta.

5. Por seu turno, acordaram também que o não pagamento de uma das prestações permitiria ao mutuante resolver imediatamente e sem necessidade de qualquer formalidade, o contrato, bem como a de exigir o integral pagamento daquilo que lhe fosse devido.

6. Contudo, o(a) Requerido(a) deixou de liquidar as prestações a que se encontrava obrigado na sequência da celebração do referido contrato, permanecendo em dívida o valor de €3.182,90, desde 07/11/2012, apesar de interpelado para o pagamento.

7. Pelo exposto, é o Requerido responsável pelo pagamento junto do Requerente da quantia de €3.182,90, a título de capital, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4%, desde 07/11/2012 até à presente data, bem como juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento.

Mais,

8. O primitivo credor, celebrou com o Requerido um contrato de adesão-utilização de cartão de crédito n.º 0003.11309672029, o qual foi emitido e atribuído ao requerido.

9. O Requerido adquiriu diversos produtos e efetuou algumas despesas em vários estabelecimentos com o cartão de crédito melhor identificado em 8.

10. Sucede que o requerido não procedeu ao pagamento de referido cartão, tendo em 05/09/2013 um saldo negativo de 3.513,91€.

11. Pelo exposto, é o Requerido responsável pelo pagamento junto do Requerente da quantia de 3.513,91€, a título de capital, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4%, desde 05/09/2013 até à presente data, bem como juros de mora vincendos até integral e efectivo pagamento.

Cartão de Crédito no valor de 3 513,91 € + juros entre 05/09/2013 e 27/11/2019 (876,07 € (2275 dias a 4,00%)); Contrato de Crédito à Distância no valor de 3 182,90 € + juros entre 07/11/2012 e 27/11/2019 (898,89 € (2577 dias a 4,00%))

Capital Inicial: 6 696,81 €

Total de Juro: 1 774,96 €

Capital Acumulado: 8 471,77 €”.

A causa de pedir está ancorada na celebração, em 06/09/2010, de um contrato de mutuo, pelo qual a Requerida assumiu a obrigação de proceder ao pagamento da quantia de 4.500,00€, pelo prazo de 60 meses, a liquidar em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas de capital e juros, que lhe foi mutuada e depositada na sua conta e um outro contrato de mútuo e um outro de adesão-utilização de cartão de crédito n.º 0003.11309672029 -, o qual foi emitido e atribuído ao requerido.

Mais se alega, que a Requerida adquiriu diversos produtos e efetuou algumas despesas em vários estabelecimentos com o referido cartão de crédito e que não procedeu ao pagamento de referido cartão, tendo em 05/09/2013 um saldo negativo de 3.513,91€.

Pede-se, por isso, a condenação da ré no pagamento da dívida de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, e ainda o valor de € 153,00, referente à taxa de justiça paga.

Ou seja, mantendo-se na liça o credor originário, pensamos que não estaríamos, agora, a discutir a aplicação dos procedimentos especiais previstos pelo DL nº 269/98, de 1.09.

Sucede que, tanto quanto resulta do alegado no Requerimento de Injunção, a Requerente não celebrou qualquer contrato com a Requerida, advindo-lhe a legitimidade para a ação de “contrato de cessão de créditos”.

Mas, porque a Requerente utilizou aquele procedimento, não para exigir uma obrigação pecuniária directamente emergente de contrato, mas outrossim para exigir um crédito cedido por terceiro, que ficou por regularizar pela Requerida, por força do seu incumprimento contratual e resolução de dois contratos celebrados entre terceiro cedente e a Requerida, já não poderá aceder a este procedimento?

Salvo o devido respeito pelo entendimento da 1.ª instância, entendemos que essa cessão de créditos não obsta a que utilize tal procedimento – não podemos olvidar que o objetivo do legislador é o de facilitar a cobrança das obrigações pecuniárias, como instrumento essencial da regulação do sistema económico, principalmente nos chamados contratos de adesão, nascidos na “sociedade de abundância”.

Senão vejamos.

Resulta do disposto nos artºs 577º, nº 1, e 583º, nº 1, ambos do Código Civil, sobre a transmissão de créditos e de dívidas, que admissibilidade da cessão não depende do consentimento do devedor e que a dita produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente. Ou seja, na cessão de créditos, a notificação do devedor não é facto constitutivo do direito do cessionário nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade ativa, sendo mera condição de eficácia, a qual pode ser conseguida através da citação do devedor para a acção declarativa ou executiva, assim cessando a inoponibilidade da transmissão pelo cessionário ao devedor - a finalidade visada pela lei ao impor a notificação da cessão ao devedor (terceiro relativamente ao contrato de cessão) é de proteção da boa-fé deste por forma a que não veja alterada/agravada a sua situação em função da transferência do direito de crédito a fim de “manter-se a coberto dos riscos de um negócio a que foi alheio, marcando, a um tempo, os termos inicial e final de utilização dos meios de defesa oponíveis pelo devedor”.

A cessão de créditos, que consubstancia uma transmissão da posição creditícia a terceiro, constitui um acordo - entre o cedente e o cessionário - através do qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito, determinando, com isso, uma modificação subjetiva da relação obrigacional decorrente da substituição do credor originário, deixando, porém, inalterada a obrigação - os seus efeitos produzem-se imediatamente entre as partes por mero efeito do contrato.

Mais, o artigo 585.º do Código Civil ao referir que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria licito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”, e como se refere no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, pág. 600 e segs. - na nota 3 ao artigo 585º -,  “excluem-se, como é natural, do círculo dos meios de defesa oponíveis pelo devedor, todas as circunstâncias que respeitam à causa da cessão; estas interessam apenas às relações entre cedente e cessionário, e não ao devedor, que é um terceiro em relação ao facto da cessão”.

Deve empregar-se este processo especial quando o pedido formulado na petição inicial corresponde precisamente ao fim para o qual a lei estabeleceu esse mesmo processo - o Dec. Lei nº 269/98, de 1.09, aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, visando estabelecer “vias de desjudicialização consensual” para certo tipo de litígios que estavam a causar efeitos perversos nos tribunais (ver respetivo preâmbulo).

Os autos, agora em recurso, fornecem todos os elementos para que se proceda ao julgamento. A Requerente explicita quais os elementos objetivos do contrato cujo crédito que lhe foi cedido. Alega a obrigação comercial diretamente emergente de contrato que terá estado na origem do crédito que lhe foi transmitido por terceiro.

Que as quantias em dívida – agora sua pertença por via da cessão de créditos - respeitam a atraso no pagamento, na sequência de resolução por incumprimento definitivo, pela entidade financeira originária - o Banco D... , S.A.

Assim, como alega a apelante, (…) o fato do crédito detido pelo Banco D... , S.A. diretamente emergente de uma obrigação pecuniária incumprida ter sido cedido à autora, aqui recorrente, não desvia essa obrigação da sua origem e nem altera a sua natureza ou relação subjacente.  A cessão de créditos apenas torna a autora parte legítima nos presentes autos por ser a legítima titular do aludido crédito, no seguimento dos contratos de cessão entre a credora original e a autora.

Portanto, a cessão de créditos apenas legitima a autora, cessionária e aqui recorrente, a apresentar a competente ação com o fim de exigir o cumprimento da obrigação pecuniária em causa, que mantém a sua natureza de obrigação pecuniária emergente de contrato.

Com o devido respeito, não estamos perante uma obrigação de indemnização. A autora não peticionou qualquer cláusula penal. A autora peticionou apenas quantias pecuniárias em sentido estrito diretamente relacionadas com a obrigação, ou seja, o próprio objeto da prestação incumprida.

O legislador em matéria de injunções foi sensível à circunstância de que a cobrança de dívidas pecuniárias (em sentido estrito) implica para se alcançar a satisfação plena do credor a esse nível, que o mesmo se ressarça dos juros referentes ao atraso no pagamento e das quantias despendidas para a respectiva cobrança. Apesar desses juros e destas despesas constituírem obrigações de indemnização, têm origem directa no ressarcimento das dívidas pecuniárias accionadas, e não levantam “a priori” problemas de quantificação: ali, porque a liquidação dos juros se faz pelo modo abstracto de cálculo a que se refere o art 806º/1 CC; aqui, porque as despesas de cobrança são praticamente padronizadas e pouco significativas.” – cfr. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, Proc.122528/14.9YIPRT.L1-2, datado de 17/12/2015, relator Maria Teresa Albuquerque, disponível em www.dgsi.pt.

Pelo que, a autora, enquanto atual credora e parte legítima, poderá fazer uso do procedimento de Injunção para cumprimento da obrigação pecuniária em causa nestes autos, sendo legítimo peticionar tanto capital quanto juros de mora referentes ao atraso no pagamento e utilizar a forma de processo sub judice.

Não ocorre assim, com o devido respeito por entendimento diverso, erro na forma no processo”.

Como se escreve o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 9.11.2021 – Relator Falcão de Magalhães – (...) a possível maior complexidade das questões suscitadas do seguimento da Oposição à injunção, não leva a que se possa entender verificar-se  erro na forma de processo, ou uma excepção dilatória inominada, que estribem uma absolvição do Réu da Instância.

É, pois, da nossa inteira concordância, “mutatis mutandis”, o entendimento    que, embora    para a injunção com base em requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei  n.º 32/2003, de 17/2, se explanou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/04/2021 (Apelação nº 95316/19.0YIPRT.L1-7. Relator: Des. DIOGO RAVARA), a que pertencem os extractos que se seguem:

«[…] em primeiro lugar não cremos que a matéria invocada pelo réu ou demandado possa influir na determinação da forma processual adequada à tramitação da causa, na medida em que uma tal solução poderia em última análise habilitar o réu ou demandado a “provocar” o erro na forma de processo (ou, no entendimento do aresto mencionado, a exceção dilatória inominada), ainda que alegando factos totalmente falsos.

Por isso, concordamos inteiramente com PAULO DUARTE TEIXEIRA[…], quando afirma que ”…. o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha  a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”. Em segundo lugar, não nos parece que a aferição de uma situação de erro na forma de processo se possa fazer por via do preenchimento de um conceito indeterminado de complexidade da causa”.

Os objetivos de celeridade, simplificação e desburocratização da atividade jurisdicional, assim o exigem!

Concluindo:

A apelante formulou a sua pretensão mediante o processo legalmente previsto, escolheu bem a forma de processo -  os procedimentos regulados pelo DL 269/98.

Procedem, assim, as conclusões da apelante, revogando-se o decidido pelo Juízo Local Cível da Figueira da Foz.
(…)
3.Decisão
Assim, na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível da Figueira da Foz - Juiz 2, declarando inexistir erro na forma do processo, devendo os autos prosseguir os trâmites processuais subsequentes, o que se decide.

Custas pela parte vencida a final e na proporção em que o for (artigo 527º, n.º 1, do Código do Processo Civil).

 

Coimbra, de 15 de Dezembro de 2021

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(António Freitas Neto- 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto)