Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2389/10.4TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: REVELIA
CO-RÉU
CONTESTAÇÃO
APROVEITAMENTO
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 567º DO NCPC; 7º C. REG.PREDIAL.
Sumário: I – Excepcionado do regime decorrente do artigo 567º do NCPC está, entre outras hipóteses contempladas no artigo 568º do mesmo diploma, aquela que na alínea a) do mesmo artigo preceitua: não se aplica o disposto no artigo anterior, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.

II - O Código de Registo Predial, no seu art.º 1.º, proclama que “o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, ou seja, a finalidade do registo predial consiste em dotar a ordem jurídica de um dispositivo organizado que permita a qualquer interessado aferir da existência e titularidade dos direitos reais incidentes sobre prédios.

III - A presunção (de titularidade constante do preceito) diz respeito principalmente à inscrição predial, sem prejuízo da mesma abranger alguns elementos que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam.

Decisão Texto Integral:





Acordam na secção cível (3.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                           1.Relatório

1.1. D... e L..., casados, residentes na ..., e M..., viúva, residente na Rua ..., por si e em representação de seu filho menor P..., com ela residente, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra A..., residente na Rua ..., M..., residente na Rua ..., e E..., por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de F..., pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre dois bens imóveis com a área que têm e sempre tiveram, assim como a condenação dos Réus a reconhecer aquele direito e a restituir a área de 250 m2 ilegitimamente ocupada.

Alegam, em síntese, que pelo menos desde 25 de Setembro de 1981 são donos de um prédio urbano composto por casa, dependência e logradouro, sito na freguesia do ..., assim como de um prédio rústico ali situado, beneficiando da presunção do registo da aquisição de tais imóveis, e que os Réus, no dia 8 de Abril de 2004, outorgaram escritura de justificação notarial relativamente a um prédio urbano e a um prédio rústico, tendo com tal escritura feito subtrair ao prédio rústico de que são donos uma área de 250 m2, a qual se encontra ilegitimamente ocupada.

            O Réu A... apresentou contestação, impugnando a matéria de facto articulada pelos Autores na petição inicial quanto à ocupação do imóvel e alegando que os seus dois bens imóveis se encontram bem delimitados dos prédios dos Autores.

Concluiu, em consequência, pela improcedência da acção e pela absolvição dos pedidos contra ele deduzidos.

1.2. A Ré M... não apresentou contestação.

1.3. Por sentença de 25 de Fevereiro de 2015, proferida no apenso B, foi julgado procedente o incidente de habilitação de herdeiros intentado e, em consequência, foram habilitados o Réu A... e M... para, em substituição do falecido E..., com eles ser prosseguida a presente acção.

1.4. Os Autores apresentaram petição inicial aperfeiçoada, após despacho de convite para o efeito.

1.5. Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a validade e a regularidade da instância.

 1.6. Foram proferidos despachos a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova, os quais não foram objecto de qualquer censura, consistindo aquele em acção de reivindicação sobre os dois bens imóveis descritos na petição inicial.

1.7. Procedeu-se à realização da audiência final, com respeito pelo formalismo legal pertinente, tendo sido proferida sentença onde se decidiu julgar a presente acção improcedente e, em conformidade, absolver os Réus dos pedidos contra eles formulados pelos Autores ...

 1.8. Inconformado com tal decisão dela recorreram os AA. terminando a sua motivação com as seguintes conclusões.

...

Os recorridos não apresentaram contra alegações.

            2.  Fundamentação

            2.1. Factos provados

                ...

                3. Apreciação.

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

As questões a decidir resumem-se em saber:

I –Se a decisão recorrida não cumpre o previsto e estatuído no n.º 1 do art.º 154 e n.º 4 do art.º 607, ambos do C.P.C., mormente porque não esta fundamentada de facto e, especialmente, de direito.

II –Se a falta de contestação da co-Ré seja em sede de contestação seja em sede de habilitação, como herdeira do falecido E..., tendo a mesma sido regularmente citada, se colocou  numa situação de revelia, o que deveria ter determinado  que o Tribunal considerasse confessados os factos articulados pela recorrente (art.º 567, n.º 1, do C.P.C.).

III – Saber se os artigos 352º e 358º do C.C. a respeito da confissão foram violados.

IV – Se o art.º 7º do CRP constitui presunção iuris tantum de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos que o registo o define, sendo que o objecto do registo predial inclui a realidade material do prédio sobre que recaia a inscrição, configurada através da descrição predial.

Tendo presente que são três as questões a analisar por uma questão de método iremos ver cada uma de per si.

Quanto à primeira -  Saber se a decisão recorrida não cumpre o previsto e estatuído no n.º 1 do art.º 154º, e n.º 4 do art.º 607º, ambos do C.P.C., mormente porque não esta fundamentada de facto e, especialmente, de direito.

Segundo a recorrente a decisão recorrida sofre do vício de falta de fundamentação a que aludem o n.º 1 do art.º 154, e n.º 4 do art.º 607, ambos do C.P.C.

Vejamos.

Preceitua o n.º 1 do art.º 154 « As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas» e, refere o n.º 4 do art.º 607 « Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

Segundo os preceitos citados, mormente o n.º 4 do art.º 607 do C.P.C., o juiz examina criticamente as provas, por forma a formar a sua a sua convicção e verifica atentamente se existiram factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório”.

Lebre de Freitas - Código de Processo Civil Anotado, página 643, no domínio do C.P.C. revogado -, pronunciando-se sobre a questão, refere: “Na anterior decisão sobre a matéria de facto - do tribunal colectivo ou do tribunal singular que presidiu à audiência final - foram dados como provados os factos cuja verificação estava sujeita à livre apreciação do julgador - ver o n.º 2 da anotação ao artigo 655. Agora, na sentença o juiz deve considerar, além desses, os factos cuja prova resulte da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante, independentemente de terem sido dados como assentes na fase da condensação. Ao fazê-lo, o juiz examina criticamente as provas mas de modo diferente de como fez o julgador da matéria de facto: não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova mas de verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório".

Significa isto que, como claramente resulta da norma, na fundamentação de facto da sentença o juiz terá de tomar em consideração não só os factos que o julgador da matéria de facto deu como provados em função da sua livre apreciação das provas oferecidas, mas ainda outros que se lhe impõem independentemente desta, mas por força da lei, quais sejam os admitidos por acordo, os provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, e é em relação a estes que o artigo 607, n.º 4, vigente, anterior art.º 659º, n.º 3, do Código de Processo Civil revogado, lhe impõe que faça o exame crítico das respectivas provas já que, em relação às demais, essa tarefa fora já feita pelo julgador da matéria de facto (cfr. Ac. Rel. de Coimbra de 6/11/2012, n.º 983/11.5TBPBL-C1, onde foi relator José Avelino Gonçalves, tirado no domínio do Código de Processo Cível revogado, mas cuja doutrina referida no mesmo têm actualidade).

Procedendo à leitura da sentença recorrida, a mesma fundamentou a decisão de facto e de direito, referindo na fundamentação de facto as razões da sua convicção, e na fundamentação de direito as normas que em seu entender se aplicavam ao caso vertente, pelo que não vemos qualquer falta de fundamentação.

Se bem lemos a motivação de recurso e conclusões, a falta de fundamento aludida prende-se com o entendimento que os recorrentes têm a respeito da falta de contestação de uma co-Ré, da confissão aludida nos art.ºs 352 e 358 do C.C. e da presunção do art.º 7 do C.R.P., questões que se analisam nos pontos II), III e IV) que se seguem.

II –Se a falta de contestação co-Ré seja em sede de contestação seja em sede de habilitação, como herdeira do falecido E..., tendo a mesma sido regularmente citada na sua pessoa, se colocou  numa situação de revelia, o que deveria ter determinado que o Tribunal considerasse confessados os factos articulados pela recorrente (art.º 567, n.º 1, do C.P.C.).

Segundo a recorrente, a co-Ré não tendo contestado, apesar de regularmente citada, colocou-se numa situação de revelia, o que deveria ter determinado que o tribunal considerasse confessados os factos articulados pela recorrente nos termos do n.º 1 do art.º 567º do Código de Processo Civil vigente.

Vejamos.

Preceitua o art.º 567º do Código de Processo Civil vigente, que:

«1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

2 – O processo é facultado para exame pelo prazo de 10 dias, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para alegarem por escrito, e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.

3 – Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.

        Em regra, a citação constitui o réu no ónus de contestar, pelo que a inobservância deste ónus resulta do enumerado preceito que o mesmo se constitui em situação de revelia.

A revelia é absoluta, como resulta do artigo 566º do diploma citado, quando o réu não intervém de modo algum no processo. E será relativa se o réu intervém no processo, nem que seja para constituir mandatário, juntando aos autos a devida procuração.

         Excepcionado do regime decorrente do citado artigo 567º do NCPC está, entre outras hipóteses contempladas no artigo 568º do mesmo diploma, aquela que na alínea a) do mesmo artigo preceitua: não se aplica o disposto no artigo anterior, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar.

       Como bem esclarece JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, tal como igualmente salientava no Código de Processo Civil Anotado, no âmbito do anterior CPC, cuja redacção se mantém inalterável, esta excepção contempla todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário, seja de litisconsórcio voluntário ou coligação (artigos 28º, 29º e 30º).

Com efeito, nenhum sentido faria que numa mesma acção os mesmos factos pudessem ser considerados como não provados em relação a um dos réus, porque os impugnou, e como provados em relação aos restantes, que não ofereceram contestação.

Porém, o benefício concedido aos réus revéis circunscreve-se à matéria efectivamente impugnada pelo réu contestante. Por isso, os factos da petição inicial que não hajam sido impugnados são dados como assentes em relação a todos os réus, pelo que a eficácia da norma excepcionante acaba por se limitar aos factos de interesse para o réu revel e para o réu contestante, dado não ser relevante, fora duma relação formal de representação, a impugnação de factos que, por só respeitarem ao revel, o réu contestante não tem interesse em contradizer (cfr. Ac. Rel. de Lisboa de 30 de Abril de 2015, onde foi relatora Ondina Carmo Alves).

Ora, no caso vertente toda a matéria de facto, excluindo as alegações conclusiva e de direito, foram expressamente impugnadas ou admitidas por acordo, nomeadamente pelo R. A..., pelo que não pode deixar de se entender que essa impugnação se estende ao réu revel.

Pelo que não havia razão para considerar confessados os factos articulados pelos AA. na sua petição inicial em relação à revel.

Aliás, nestes casos nem tão pouco há lugar ao cumprimento do disposto no nº 2 do artigo 567º do citado diploma.

Assim, face ao exposto também esta pretensão dos recorrentes tem de improceder.

III – Saber se os artigos 352 e 358 do C.C. a respeito da confissão foram violados.

Referem as recorrentes que a «confissão, em termos substantivos, como define e resulta do disposto no art.º  352 do C.Civil, e o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto, e não enunciações ou conclusões, que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, situa-se no domínio da prova, designadamente à parte a quem aproveita a confissão que fica dispensada de provar o facto, não tendo influencia direta e imediata na relação processual, - A confissão que está prevista no art.º 358º do C.P.C. prevê e prescreve que a confissão tem força probatória plena contra o confiente quando se trata de confissão judicial -Mesmo que assim não fosse e não se estivesse perante prova vinculada, o reconhecimento de factos desfavoráveis que não possam valer como confissão, e não nos subsumimos a nenhuma das excepções previstas no art.º 568º do C.P.C., devia ter valido como elemento probatório que o tribunal devia apreciar livremente - em termos de prova vinculada, quando da doação e a mesma foi celebrada 23 de Maio de 1981, muito anterior à data em que surgiu a justificação que os recorrentes questiona 28 de Abril de 2004, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., este que corresponde ao artigo matricial ..., freguesia de ..., tem as áreas de 55 m2 de superfície coberta, 30 m2  de dependência e 600 m2 de logradouro e o prédio descrito sob a ficha n.º ..., que corresponde ao art.º matricial ..., Quintais ..., tem a área de 250 m2, com as confrontações que sua implantação no local e no espaço existem, alias conforme os factos dados e assentes como provados com relevância para a decisão da causa, e que estão expressamente elencados nas alíneas g) e i) da fundamentação - Não obstante o assim considerado como provado e que foi o que, alias, levou e determinou os recorrentes a instaurar o presente processo, a final, não foi assim decidido, considerando-se não provado o que antes, em frontal contradição, considerou-se provado, com a consideração de que, para além das confrontações, diversas, dá-se como não provado que o prédio identificado em g) dos factos provados não tem a casa de habitação com 55 m2, dependência com 30 m2 e terreno anexo com 600m2 «al. e) dos factos não provados» e o prédio identificado na al. i) dos factos provados não tem a área de 250 m2 «al. f» dos factos não provados»;

Quanto a esta pretensão das recorrentes temos em primeira linha a questão da confissão aludida nos art.ºs 352 e 358 do C.Civil.

Preceitua o art.º 352 do C.C « Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» e refere o art.º 358 do mesmo diploma « A confissão judicial escrita tem força plena contra o confitente».

As recorrentes teriam razão se o preceituado no art.º 568 do C.P.C. vigente não tivesse aplicação ao caso vertente.

Ora, tendo o mesmo aplicabilidade ao caso em apreço e face às razões invocadas no ponto anterior, não estamos perante uma confissão judicial da co-Ré, porquanto lhe aproveita, nos termos aludidos no ponto anterior – ponto II – a impugnação do co-Réu contestante.

Diga-se, também, que o tribunal apreciou e valorou a prova segundo o princípio da livre apreciação da prova.

Assim e pelo exposto não assiste as recorrentes quanto a esta pretensão.

  IV – Se o art.º 7º do CRP  constitui presunção iuris tantum de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos que o registo o define, sendo que o objecto do registo predial inclui a realidade material do prédio sobre que recaia a inscrição, configurada através da descrição predial.

Segundo as recorrentes «Nos termos do disposto no art.º 7 do CRP o registo definitivo constitui presunção iuris tantum de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos que o registo o define, sendo que o objecto do registo predial inclui a realidade material do prédio sobre que recaia a inscrição, configurada através da descrição predial - os recorridos já não falando da confissão de um deles, não provaram nem alegaram, o que era seu ónus, elidindo a presunção legal derivada do registo, factos demonstrativos que a titularidade da propriedade inscrita não corresponde à verdade, ao pressuposto da sua impugnação (art.º 8, n.º 1, do CRP) --nestas presunções, como juízo logico pelo qual argumentando segundo o vínculo da causalidade que liga uns com outros acontecimentos, podemos induzir a existência ou modo de ser de um determinado facto que nos é desconhecido em consequência de outro facto ou factos que nos são conhecidos, encontra-se e está invertido o ónus da prova, prova que os recorridos não só não fizeram como nem sequer alegaram, invocando apenas uma escritura de justificação, impugnada e sustentada em testemunhos falsos -mesmo que não fosse o caso, uma vez que em face da definitividade da matéria e dos terrenos não se pode colocar e sobrepor sobre o que já existe, por decorrência da prioridade do registo consignada no art.º 6 do CRP, não podia nem pode permitir-se que os recorridos registem sobre o prédio dos recorrentes algum direito sobre os mesmos- Ao contrário do valorado na douta decisão recorrida, na hermenêutica que se faz, o registo definitivo, inclui a realidade material do prédio especialmente no que concerne à verdade material das confrontações constantes da descrição do prédio registado e áreas.

Vejamos.

O Código de Registo  Predial,  no seu art.º 1.º proclama que “o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, ou seja, a finalidade do registo predial consiste em dotar a ordem jurídica de um dispositivo organizado que permita a qualquer interessado aferir da existência e titularidade dos direitos reais incidentes sobre prédios.

Mas, para tal, o que se regista (o objecto do registo), como decorre inequivocamente do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros); ou seja, inscrevem-se factos jurídicos para, desta forma, dar a conhecer aos interessados a situação jurídica dos prédios (cfr. art. 1.º do C. Registo Predial).

E é justamente aqui, tendo por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (art. 79.º/1 do C. Registo Predial) a que se referem os actos do registo – como suporte/instrumento para a inscrição/registo de factos jurídicos – que tem lugar e se mostra necessária a existência duma descrição predial.

A descrição predial procede à individualização, caracterização e diferenciação dum prédio, tendo em vista dar uma pública compreensão do mesmo e, por via disso, tornar inteligível o prédio a que se referem os factos registados, assim publicitando com clareza os factos jurídicos inscritos.

Por tudo isto o que no art. 7.º do C. Registo Predial se dispõe que, “traduzido”, quer dizer que facto jurídico definitivamente registado (“o registo definitivo”) faz presumir que o direito resultante do facto registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado “constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”).

Daí que a presunção (de titularidade constante do preceito) diga respeito principalmente à inscrição predial, sem prejuízo da mesma abranger alguns elementos que constam das descrições prediais e que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam.

Importa ter sempre presente que a função primacial do registo predial é, como se referiu, publicitar as situações jurídicas reais, mas o seu efeito não é, em regra, atributivo de direitos reais; o que quer dizer que em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal é a primeira que prevalece; o que significa que esta (a situação substantiva) não é alterada se a descrição tiver uma área maior (ou menor) que a real, se as confrontações estiverem mal feitas, se se omitiram construções existentes e, ainda, que um proprietário cuja descrição “ganhou” área ao prédio do vizinho por declaração falsa ou inexacta no registo não se torna proprietário da área que não é sua enquanto não ocorrer um facto aquisitivo com eficácia real a seu favor.

Pois como já referimos apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º, n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial).

Porém a presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador (cfr. acórdãos do STJ de 11 de Maio de 1995, 17 de Junho de 1997, 25 de Junho de 1998, 11 de Março de 1999, 10 de Janeiro de 2002 e 28 de Janeiro de 2003, retirados, respectivamente, da CJ/STJ – III-II- 75, V-II- 126, VI-II,134, VII-I- 150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/Janeiro, 2003, Acórdão do STJ 30.09.2004, este pesquisado no site www.dgsi.pt).

Assim, face ao exposto não assiste razão às recorrentes quando entendem que o registo definitivo inclui a realidade material do prédio no que concerne à verdade material das confrontações constantes da descrição do prédio registado e áreas.

Face ao exposto também esta pretensão das recorrentes não pode proceder

4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se em julgar a presente apelação improcedente e, nesta medida, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelas recorrentes.

Coimbra, 6/12/2016

                          Des. Pires Robalo (relator)

Des. Sílvia Pires (adjunta)

                        Des. Jorge Loureiro  (adjunto)