Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
460/10.1JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PROVA DIRECTA
PROVA INDIRECTA OU INDICIÁRIA
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 127º, C. PROC. PENAL
Sumário: 1. É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária: aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
2. Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais, em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser sempre objectivável e motivável.

3. Para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração exigem-se alguns requisitos: pluralidade de factos-base ou indícios; que tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência; não se admitir que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
1- No Tribunal Judicial de Alcanena, no processo acima referido, foram os arguidos abaiaxo referidos julgados em processo comum colectivo , tendo sido a final proferida a decisão seguinte :
Condenado o arguido A...:
-- como autor material de um crime de homicídio qualificado, p p pelo artº 132 .º nºs 1 e 2 al d), h) e j) do CodPenal, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão;
-- como autor material de um crime de detenção de arma proibida p p p artº 86 nº 1 al c) por referência ao artº 2 nº 1 al az) e artº 3 nº 3 todos da Lei 5/06 de 23.02 a pena de 2 (dois) anos de prisão;
Efectuado o cúmulo jurídico condenado na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

-Condenada a arguida B...:
como autora material de um crime de simulação de crime p p pelo artº 366 nº 1 do CP a pena de 9 (nove) meses de prisão.
Suspensa a pena de 9 meses de prisão pelo período de um ano (12 meses), com a condição de esta entregar 1 000 € (mil euros) aos Bombeiros Voluntários de Alcanena no prazo de 6 meses e documentar tal entrega nos autos.

- julgados parcialmente procedentes por provados os pedidos de indemnização civil deduzido e em consequência condenamos o demandado civil e arguido A... a pagar aos demandantes civis a quantia global de 184 479,00 € assim repartidos: 25 000 € à C..., 74 739,50 € à D... e 84 739,50 € ao E.... No demais se absolvendo o demandado civil.
- declarados perdidos a favor do Estado os bens apreendidos a fls 37 a saber: 8 invólucros percutidos, 1 carregador, 3 munições e uma moca; os bens apreendidos a fls 103 quatro projecteis deflagrados e a balança de precisão apreendida a fls 179.
- Os demais bens apreendidos a fls 37, 103, 178, 179, 195, 283, 727, 734 e 735, serão restituídos a quem de direito, no prazo de 90 dias após notificação e decorrido que seja um ano sem que as mesmas procedam ao seu levantamento, serão aqueles declarados perdidos a favor do Estado.

2- Inconformado, recorreu o arguido A..., tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
0 arguido não tem antecedentes criminais de relevo ( regista uma condenação de 9 meses de prisão, suspensa, por factos praticados em 04/04/2001), goza de bom comportamento, é de humilde condicao sócio-economica, é casado segundo os costumes ciganos, tem 4 filhos e um percurso de vida associado a consumos de estupefacientes.
É referenciado pelos tecnicos dos servicos sociais como uma pessoa calma, educada e de fácil trato.
Conquanto tudo o que se passa e consta dos autos, não apresenta perigosidade de major, sendo o gravame a tal respeito mais de extrapolação do crime em analise. Dir-se-ia mesmo que a severa punição infligida (22 anos de prisão), é mais produto do combate à tipologia do crime que ao subjectivo de rebeldia ou habitualidade perigosa do arguido.
Do texto do acordão ora recorrido resulta claramente que o Tribunal Colectivo se debateu corn enormes dificuldades para responder de forma equilibrada e coerente à matéria constante da acusação.
0 arguido reclama-se inocente e ve-se confrontado corn uma pena de prisão de 22 anos, censura essa que não merece, à qual não deu motivo, antes se viu impossibilitado de combater contra urn estigma pre-estabelecido e que resultou do facto de estar a ser julgado por crime tão grave quanto é o do homicidio.
Uma análise serena e desapaixonada dos factos da acusação, da materia dada como provada e não provada talvez permita explicitar o que, porventura não terá tido ocasião de melhor fazer anteriormente, uma vez que quiçá erradamente optou pelo direito ao silêncio, não tendo, nessa medida, prestado declarações em audiência.
0 Tribunal Colectivo elenca de 1 a 33 os factos que considerou provados e em particular de 1 a 27 os factos relativos ao crime de homicidio na pessoa da vitima Luis Rosario.
A defesa admite que os factos se tenham passado (ou próximo disso) de acordo com a descrição efectuada na matéria provada, excepcionando, porém, que os mesmos tenham sido praticados pelo arguido ora recorrente. 0 mesmo é dizer que se aceita grosso modo que os factos que antecederam e determinaram a morte da vitima estejarn de acordo corn o percurso lógico dedutivo que o Tribunal Colectivo percorreu, não aceitando, contudo, que o arguido ora recorrente seja o sujeito do silogismo descrito.
Percorrida toda a prova, em momento nenhum foi possivel determinar corn o rigor exigivel e de forma inequivoca e sem margem para diividas ter sido o arguido ora recorrente quem praticou o homicidio dos presentes autos.
Da analise da fundamentação da matéria de facto verifica-se que o Tribunal Colectivo firmou a convicção de ter sido o aqui recorrente o autor dos factos em apreco nos testemunhas … ( Inspector da P.J.) e … ( acompanhante da vitima, até que esta testemunha viu um encontro entre a vitima e uma pessoa que se fazia transportar numa carrinha BMW, embora não tenha visto quem nela circulava ).
Lido e relido o acordão -- até porque mais nenhuma testemunha é citada -- se pode concluir ter sido com base no depoimento destas 2 testemunhas que o Tribunal fundou a convicção e alicerçou o convencimento de ter sido o ora recorrente o autor do crime.
Resulta tambem inequivocamente que toda a construção fáctica (utilização do BMW, utilização dos telemóveis em analise nos autos e demais prova tida por complementar mas sem carácter decisivo) poderia ter como protagonista qualquer outro cidadão que não o arguido ora recorrente.
Fica, assim, na sombra e por apurar não tanto como as coisas se passaram, mais quem foi o protagonista da acção de modo a que, sem duvidas e de forma clara se lhe possam imputar os ilicitos por que o arguido vinha acusado e acabou condenado.
Toda a argumentação colectivo deverá cair por terra e ser colocada dúvida séria sobre a imputação ao arguido ora recorrente de crime tão grave e punido tão severamente. A matéria dada como provada, a matéria dada como não provada, as respostas inconclusivas, e a falta de alguma delas, tudo isto conjugado corn outra de menor transparência e de circunstancialismo desconhecido, ou não apurado completamente, deixam muitas ditvidas quanto ao concreto de como os factos se passaram e deixam completamente na sombra, ou por apurar, a realidade dos mesmos.
Na determinação da medida da pena devem ser em tidas em conta para além da culpa do agente as necessidades de prevenção tal como dispoe o artigo 71° do Código Penal.
A prevenção está ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto sendo que só se torna justificável a aplicação de uma pena se esta for realmente necessária, e quando necessária, esta deverá ser sempre aplicada na medida exacta da sua necessidade e sempre subordinada a uma proibição de excesso.
Neste caso, entende o recorrente que o tribunal teve principalmente em conta a função retributiva da pena, olvidando-se da função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.
Assim a pena é excessiva


3- Nesta Relação, a Exma PGA emitiu douto parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência .
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5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1). O arguido A..., também conhecido pela alcunha de “”, em data não concretamente apurada, mas que sucedeu pelo menos um mês antes de 23 de Outubro de 2010, travou conhecimento com F..., residente em … , Santarém, estabelecendo com este contactos e negócios não concretamente apurados.
2). Por razões não concretamente apuradas, mas que estarão relacionadas com os referidos negócios, o arguido A... formou a firme resolução, para que gizou um plano bem urdido, de tirar a vida ao F....
3). Na execução do dito plano, o arguido A..., ao longo da tarde do 23 de Outubro de 2010, contactou telefonicamente através do número … o F... para o número … , a fim de combinar com ele um encontro, o que efectivamente conseguiu.
4). Assim e conforme havia previamente combinado com o arguido, o F..., pelas 20h00 do dia … , deslocou-se numa viatura automóvel marca Volkswagen, modelo Golf, acompanhado do seu filho de três anos e de … id. a fls. 119, até junto do Café/Restaurante “ … “, Torres Novas.
5). Poucos minutos volvidos, chegou ao local a viatura de marca BMW, modelo 320, tipo carrinha, de cor cinzenta com a matrícula … , no interior da qual se encontrava o arguido.
6). Após a chegada da viatura, pelas 20h05, o F..., depois de informar o … que apenas demoraria cerca de 5 minutos, deslocou-se junto da viatura BMW, onde veio a entrar, tendo esta logo de seguida, com o F... no seu interior, sido colocada em funcionamento e se ausentado do local.
7). Em seguida o arguido A... levou o F... na aludida viatura BMW até ao caminho não pavimentado, em terra batida com mistura de gravilha, que liga as localidades de … , na freguesia de … , área desta comarca, sabendo o arguido A... que se tratava de um local isolado e mal iluminado.
8). Ali chegados, o arguido A... utilizando para o efeito uma arma de fogo, pistola de calibre 9 mm, de marca “LLAMA”, cujo paradeiro não se conseguiu apurar, com que previamente se havia munido, ordenou ao F..., que despisse parcialmente as calças com que se encontrava vestido, apontou-lhe a dita arma na direcção dos órgãos genitais e membros inferiores daquele e premindo o gatilho, fez deflagrar pelo menos oito projécteis, de calibre 9 mm, marca CBC.
9). Um desses projécteis penetrou na região do terço superior da coxa esquerda e descrevendo uma trajectória ligeiramente oblíqua, de cima para baixo, da esquerda para a direita, veio a alojar-se na região do terço superior da coxa direita (parte interna).
10). Vindo um desses projécteis deflagrados pelo arguido a atingir o F... no escroto, não ficando no corpo deste.
11). Outros dos projécteis que igualmente foram deflagrados pelo arguido, penetraram na região do terço superior e inferior da coxa esquerda, descrevendo uma trajectória de cima para baixo, da esquerda para a direita, não ficando alojados no corpo do F....
12). Tendo ainda o arguido A..., atingido na cabeça o F... com um pau em forma de moca, com a qual previamente se havia igualmente munido, causando-lhe vários ferimentos e uma fractura cranianas.
13). Apesar de ferido, o malogrado F..., ainda cambaleou e caminhou cerca de 78 metros, onde veio a cair prostrado, tendo nesse momento, o arguido conduzido a viatura BMW, por cima do pé direito do F....
14). Em consequência da conduta do arguido, ao F... sofreu as seguintes lesões, de acordo com o relatório da autópsia constante de fls.1 287 e ss., que se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente:
- na cabeça: múltiplas feridas inciso-contusas, medindo a maior localizada na região parietal direita, dois centímetros e meio e a menor localizada na região biparietal, com dois centímetros de comprimento; múltiplas escoriações apergaminhadas na região frontal, medindo a maior um centímetro de comprimento por cinco milímetros de largura, e a menor medindo um centímetro de comprimento por três milímetros de largura; uma escoriação apergaminhada na face mucosa do lábio inferior medindo cinco milímetros de diâmetro; escoriação da face interna da mucosa interna do lábio inferior, medindo um centímetro e meio de comprimento, por um centímetro de largura;
- nos genitais: orifício no testículo esquerdo, medindo dois centímetros de diâmetro, e orifício no testículo direito medindo um centímetro de diâmetro, com trajecto de projéctil da direita para a esquerda;
- no membro inferior direito: duas feridas contuso-perfurantes, por projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face interna da coxa direita, medindo um centímetro de comprimento por cinco milímetros de largura, distando cerca e dois centímetros e meio, uma da outra;
- no membro inferior esquerdo: ferida contuso-perfurante por projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face interna da coxa esquerda com um centímetro de diâmetro, ferida contuso-perfurante, por projéctil de arma de fogo, no terço superior da face antero interna, com um centímetro de diâmetro, ferida contuso-perfurante, por projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face antero interna da perna esquerda com um centímetro de diâmetro; ferida contuso-perfurante, por projéctil de arma de fogo, no terço superior da face posterior da coxa esquerda, com um centímetro de diâmetro; duas feridas contuso-perfurantes por projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face posterior da coxa esquerda, com um centímetro de diâmetro, distando dos centímetros uma da outra; ferida contuso-perfurante por projéctil de arma de fogo, na face anterior do joelho esquerdo, com um centímetro de diâmetro; ferida contuso-perfurante por projéctil de arma de fogo, no terço médio da face superior da perna esquerda, com um centímetro de diâmetro; duas feridas contuso-perfurantes por projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face posterior da pena esquerda, com um centímetro de diâmetro, distando cerca de dois centímetros uma da outra;
Exame do hábito interno, revelou na cabeça:
- nas partes moles: infiltração sanguínea das regiões frontal e parietais coincidente com as lesões descritas no hábito externo acima referidas;
- nos ossos do crânio, abóbada: traço de fractura em V invertido localizado no parietal direito e frontal à direita de linha média, confluente do bico do V, no parietal esquerdo;
- nas meninges: fina lâmina de hemorragia subdural em toda a extensão de dura mater visível;
- no encéfalo: Edema cerebral, congestão e amolecimento do parênquina;
As lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e nos membros inferiores que o F... sofreu, provocaram edema cerebral, fractura parietal com hemorragia subdural em lâmina e hemorragia aguda no mesmo, e foram a causa directa e necessária da sua morte, ainda naquele local ermo, para onde o arguido o tinha levado.
15). O arguido agiu com o propósito concretizado de tirar a vida a F..., utilizando meios, nomeadamente a arma de fogo e o pau em forma de moca que deliberadamente escolheu e sabia serem particularmente idóneos à produção do fim visado, atingindo o F... em zonas que sabia serem zonas vitais como a cabeça, e nos membros inferiores, bem como nos órgãos genitais de modo a aumentar-lhe o sofrimento.
16). Actuando o arguido nesta conduta de forma determinada, fria, com crueldade e de modo a aumentar o sofrimento do F..., manifestando total desprezo pela vida humana.
17). Sabia também que atacando o F... da forma descrita (num local ermo, de noite, e com uma arma de fogo) tornava impossível a defesa por parte deste.
18). O arguido era portador da referida arma de fogo arma de fogo, pistola de calibre 9 mm, de marca “LLAMA”, cujo paradeiro não se conseguiu apurar, respectivo carregador metálico de secção rectangular, com 12 cm de altura, de base metálica, com as inscrições no seu lado esquerdo, junto à base: “LLAMA” a cerca de 3 cm desta a letra “-A-“ da mesma marca e respectivas munições 9 mm acima mencionadas, nomeadamente 7 munições intactas, da marca CBC, de calibre 9 mm Luger, oito invólucros de munições que deflagrou, da marca CBC de calibre 9 mm, e sem que a dita arma de fogo se encontrasse manifestada e registada sem que possuísse licença de uso e porte de arma ou detenção.
19). O arguido tinha conhecimento das características daquela arma e sabia que a mesma, depois de municiada, podia ser utilizada, com a possibilidade de ferir ou matar alguém, aliás, como utilizou na sua conduta acima descrita.
20). O arguido deteve a arma de fogo, carregador e respectivas munições mencionadas com plena consciência de que o fazia em infracção à lei, pois que para além de saber que aquela se não encontrava manifestada e registada, não estava habilitado com a necessária licença de uso e porte de arma ou de detenção, condições que sabia indispensáveis, como toda a gente sabe, para que pudesse guardá-la, transportá-la, tê-la consigo ou usá-la.
21). Após o arguido A..., retirou-se do local, conduzindo a viatura BMW, indo para a zona de … , onde, utilizando o seu número de telemóvel acima referido, entrou em contacto telefónico com o número … de sua mãe, a arguida B..., pelas 20h42m37s, 21h02m27s, 21 h06m37, dando-lhe conta da situação.
22). No dia seguinte, em … pelas 10h00, a arguida B... dirigiu-se à Esquadra da PSP de Tomar e apresentou aí uma denúncia, contra desconhecidos, dando notícia de que o veículo automóvel BMW 320, de matrícula … , acima referido, tinha sido subtraído frente ao …, Santarém, entre as 16 horas de dia 23-10-2010 e as 09 horas de 24-10-2010.
23). Após a arguida B..., veio pelas 19 horas do mesmo dia, dar conta do aparecimento da viatura em Rio de Moinhos – Abrantes, afirmando que o mesmo apresentava um vidro partido na porta do condutor.
24). No momento em que foi apresentar a aludida denúncia, tinha a arguida conhecimento de que o veículo não tinha sido subtraído, mas sim que tinha sido utilizado pelo seu filho, o arguido A..., na factualidade acima descrita.
25). Agiu a arguida B...com o propósito de que fosse instaurado o correspondente procedimento criminal.
26). Mais quis a arguida B…, mediante a participação do furto do veículo automóvel, fazer crer às autoridades policiais e judiciárias que desconhecidos tinham praticado um crime de furto que sabia perfeitamente não ter ocorrido.
27). Agiram os arguidos em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas relatadas condutas eram proibidas por lei e punidas como crimes.
28). O arguido A... já foi condenado no âmbito do pcs nº 803/01.9PCCBR por factos integradores de um crime de coacção e um crime de coacção sobre funcionário factos praticados em 4.4.2001 tendo sido condenado em 5 meses de prisão e 7 meses de prisão e em cúmulo 9 meses de prisão suspensos por 18 meses; no âmbito do pcs nº 443/05.3PBCBR por factos integradores de um crime de resistência e coacção sobre funcionário factos praticados em 2.5.2005 tendo sido condenado na pena de 12 meses de prisão substituídos por 366 dias de multa que pagou.
29). A arguida B... já foi condenada no âmbito do pcc nº 81/04.8JACBR por factos integradores de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida, factos de 6.10.2004 tendo sido condenada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, que cumpriu; no âmbito do pcs nº 157/02.6PACTX por factos integradores de um crime de detenção de arma proibida, factos de 10.5.2002, tendo sido condenada em multa que pagou.
30). O arguido A... é natural de Montemor-o-Velho, é o segundo filho de uma fratria de seis, de um casal de etnia cigana, cuja actividade profissional estava relacionada com a venda ambulante.
O seu crescimento terá decorrido de acordo com os padrões desta etnia, frequentou a escola, concluindo o 4º ano de escolaridade com 12 anos.
Segundo os costumes ciganos, casou com 17 anos com … , passando o casal a integrar o agregado familiar dos progenitores do arguido, que na altura residiam na Figueira da Foz.
Ao arguido não são conhecidos hábitos de trabalho, tendo pontualmente exercido actividade laboral como vendedor ambulante. O casal sempre acompanhou os progenitores do arguido e sempre foram estes a diligenciar pela sua sustentabilidade.
Desta relação nasceram 4 filhos;
O percurso de vida do arguido está associado a consumos estupefacientes o que terá ocorrido a partir do realojamento da família, em 1996 no Bairro … , onde habitualmente passaram a residir, bairro problemático, conotado com situações de marginalidade social, nomeadamente associadas às dependências de estupefacientes. Embora não assumido pelo arguido, também este está conotado no Bairro … com tráfico de estupefacientes.
Por crimes de idêntica natureza a progenitora cumpriu pena de prisão e a companheira está indiciada por dois crimes de tráfico de estupefacientes, com medida de coacção de apresentações diárias na PSP.
O arguido efectuou ao longo do tempo diversos tratamentos/internamentos, aparentemente sem sucesso definitivo.
Em Fevereiro de 2010, o arguido, a companheira e os filhos, foram realojados pela CM de Coimbra na Rua … , onde permaneceram até Julho desse ano. Apesar do atrás descrito, o arguido é referenciado pela companheira e pelos Técnicos dos Serviços Sociais como uma pessoa calma, educada e de fácil trato. A companheira tem-no visitado na prisão e deseja reintegrá-lo quando possível, no agregado.
A companheira do arguido e os filhos, desde o dia 13.9.2011 que estão alojados no Parque Nómada, nos campos do Bolão, local onde residem outras famílias de etnia cigana e onde permanentemente estão técnicos da autarquia.
Foi-lhes atribuído um T3, com condições habitacionais condignas.
Os filhos mais velhos frequentam a escola e os mais novos estão com a mãe.
O arguido perspectiva no futuro dedicar-se à venda ambulante de vestuário.
No EPR de Leiria frequentou um curso EFA escolar mas desistiu, por não aceitar as regras que surgiram após o começo das aulas. Aparenta vontade de retomar.
Apesar de apresentar um discurso de vontade de mudança, não tem correspondido com acções práticas no mesmo sentido. Há um fraco suporte familiar, se bem que alvo da intervenção da acção social.
31). A arguida B...casou aos 16 anos, teve 6 filhos e a dinâmica familiar foi caracterizada pela conflitualidade, motivada pelos problemas de alcoolismo e consumo de estupefacientes do companheiro, sendo identificadas situações de violência doméstica.
O companheiro cumpriu pena de prisão, situação que contribuiu para que a arguida assumisse sozinha, o processo educativo dos seis filhos. No ano de 2003 a arguida ficou viúva o que agravou ainda mais a situação familiar.
Em Abril de 2008, após cumprir pena de prisão, a arguida passou a viver na cidade de Tomar, com dois filhos deficientes e uma neta de 17 anos com debilidade mental moderada, numa barraca, inserida num aglomerado habitacional constituída por famílias ciganas, cujas condições habitacionais são precárias, porquanto não dispõe das infra-estruturas básicas, nomeadamente electricidade (é fornecida por um gerador), água e saneamento.
Perspectiva regressar à cidade de Coimbra.
A arguida é vendedora ambulante e recebe ainda o RSI no valor de 248 €.
A arguida centraliza as suas preocupações nos 4 filhos (dois deficientes e dois toxicodependentes) –. As duas filhas constituíram agregado autónomo, residindo uma em Tomar e outra em Coruche.
A gestão do seu quotidiano é focalizada na prestação dos cuidados a prestar aos dois filhos deficientes, que estão dependentes da arguida para a satisfação das suas necessidades básicas, porquanto possuem incapacidade motora e funcional para todas as actividades.
A comunidade onde a arguida está inserida, assume um posicionamento protector e desculpabilizante, sendo considerada uma mãe zelosa e preocupada com os problemas dos filhos.
32). … vivia com a vítima F... em comunhão de mesa, leito e habitação há 7 anos.
Desta união nasceu em 19 de Novembro de 2006 E....
A requerente e seu filho E... nutriam por ele uma grande afeição.
Constituíam um lar harmonioso e feliz.
A morte do F… constitui para a requerente motivo de grande sofrimento.
A vítima é que suportava a maior parte das despesas da família ,
33). C... era casada com o F… à data da morte deste.
Deste casamento nasceu D....
A vítima explorava uma pedreira onde ganhava mensalmente quantia que se não apurou.
A vítima F… nasceu a … de 1970.
A D... frequentava com alguma regularidade a casa que o pai partilhava com a …
A D... tinha uma boa relação de afectividade com o pai.
O pai ajudava monetariamente a D....
+
FUNDAMENTAÇÃO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer da única questão ali suscitada, que se reconduz à alegação de um erro de julgamento, por se entender que a prova produzida em audiência e existente nos autos não permite a conclusão segura de que foi o recorrente que matou a vitima F…
Para firmar a sua convicção o tribunal recorrido considerou os seguintes meios de prova e razões, em resumo e com interesse ( referiremos também as relativas à co-arguida Catarina, por terem interesse para o caso ) :
« (...) ponto 1 que o arguido tinha a alcunha de A...Cigano porque o Sr Inspector da PJ … disse que das investigações que fez concluiu que assim era conhecido, por outro lado no telemóvel da vítima aparece a nome de A...Cigano associado ao número … que é o nº do telemóvel do arguido A...como adiante se explicará melhor; que havia negócios entre ambos pelo que resulta dos inúmeros telefonemas que houve entre a vítima e o arguido conforme está documentado no apenso A; ponto 2 pelo que as regras da experiência permitem concluir dos factos que a seguir se vão provar ; ponto 3 os contactos entre os nºs … , e … , ocorridos na tarde do dia 23 de Outubro pelo que resulta da análise das listagens telefónicas e do exame dos telemóveis de fls 843, onde se pode ver terem ocorrido pelo menos 14 contactos telefónicos entre ambos na tarde daquele dia; nos documentos de fls 844 e 845 e por referência às antenas accionadas pelos referidos telemóveis, é feito o percurso dos dois (vítima e arguido) naquele dia ; que o encontro entre ambos aconteceu pelo percurso feito pelos dois portadores daqueles telemóveis e que pode ser visto pelo doc de fls 847 e pelo que disse a testemunha … que acompanhou a vítima quando esta esperava o arguido, viu a vítima a entrar na carrinha BMW onde o arguido se fazia transportar junto de uma arvore (pinheiro manso e não sobreiro) existente nas proximidades do restaurante “…” ; ponto 4 pelo que disse a testemunha … que estava na companhia da vítima, quando esta se encontrou com o arguido A...junto ao restaurante “ … ” ; ponto 5 pelo que disse a testemunha … , viu uma carrinha BMW na qual entrou a vítima; que a carrinha BMW é a referida na acusação porque nela vieram posteriormente a serem encontrados vestígios hemáticos da vítima, conforme resultado das pesquisas de fls 1 180 e 1 181 ; ponto 6 pelo que disse o … ponto 7 e no que ao local onde ocorreram os factos diz respeito, pelo que resulta do relatório do exame pericial de fls 41 e seguintes, elementos confirmados pelo Sr Inspector … ; ponto 8 pelo que resulta do relatório de patologia forense de fls 1 289 e seguintes, nele se descrevem todas as lesões corporais que a vítima apresentava, no mesmo relatório é feita uma descrição das peças do vestuário usado pela vítima e nas calças usadas pela vítima não foram detectados marcas de balas, o que permite concluir que quando foram disparadas as balas a vítima estava desnudada das suas calças; que a arma utilizada era uma pistola de 9 mm, porque os projécteis intactos encontrados no local e os invólucros deflagrados e também encontrados no local eram próprios de pistola de 9 mm, tudo conforme o auto de exame directo de fls 1 217 e conclusão do exame pericial elaborado no laboratório de polícia científica da PJ de fls 1 382 ; que foi o arguido A...que tirou a vida ao F… pela conjugação dos seguintes factos, o arguido utiliza para comunicar o telemóvel nº … conforme resulta de declarações suas prestadas na Alfandega de Peniche aquando da legalização do BMW matrícula … , onde o arguido declara este número para ser contactado cf fls 277; por outro lado a Vodafone informa a fls 272 que este telemóvel está em nome de … , que é filho do arguido e de … cf fls 1 216; no auto de busca à casa do arguido A...referido a fls 734 foi apreendida uma venda a dinheiro da Vodafone, respeitante a um serviço light referente ao telemóvel … ; acresce ainda que nos contactos entre este número … e o telemóvel usado pela vítima ( … ) o titular daquele é referido pela vítima como o “A…Cigano”, identificação que se coaduna com o arguido ; no dia 23 de Outubro entre as 11h:17m:28s e as 20h:05m:58s existem catorze contactos telefónicos, cf fls 843 ; pelas 19h45m07s o arguido envia uma mensagem para o telemóvel da vítima perguntando “quanto tempo demora”, cfr fls 844, encontro que cerca das 20 horas ocorre entre os dois; este encontro é testemunhado pelo … , que vê a carrinha BMW embora não tenha visto quem nela circulava, sendo que usualmente o seu condutor era o arguido, o contrato de seguro da carrinha está em nome do arguido cf fls 140 verso e 278 (declaração da Alfandega de Peniche) e só faz sentido nela estar o arguido, isto de acordo com a mensagem e os contactos telefónicos que precederam este encontro; após este contacto junto ao restaurante … e depois de a vítima ter dito ao … que se demoraria cerca de 5 minutos, não mais apareceu, porque foi morto; e foi morto pelo arguido porque, depois da vítima sair de junto do … , acompanhado pelo arguido, não mais foi encontrado com vida, antes foi encontrado nesse mesmo dia 23.10.2010, cerca das 21h50 já cadáver, conforme relatório de autópsia de fls 1 287; entre as 20 horas, hora aproximada em que a vítima deixou o … e as 21h50 hora em que foi encontrado cadáver, a vítima, o arguido e a carrinha BMW “fizeram-se” companhia; acresce que feita recolha de vestígios na carrinha BMW conforme auto de fls 311, o relatório pericial apresenta como conclusão ter encontrado na forra da calha da BMW vestígios de sangue da vítima (vestígio 8) cf fls 1 180 e 1 181; depois destes factos o arguido desactivou o seu telemóvel 916665905, conforme referiu o Sr Inspector … ; acresce ainda que conversações telefónicas estabelecidas entre os nºs … propriedade da arguida B...e por ela utilizado cf fls 580 dos autos e o nº … propriedade de … companheira do arguido e por ela utilizado cf fls 283, “a carrinha” que só poderá ser a BMW é tema recorrente de conversa a ponto de uma interlocutora telefónica ter dito que teria sido melhor queimarem a carrinha, ou ter estampado a carrinha como ela sugeriu cf fls 325 e 988;
ora se o acto de queimar a carrinha resolveria o problema, temos de concluir que o problema em que a carrinha estava envolvida era um problema de dimensão e valor superior ao valor da carrinha, um problema de reduzido valor não justificava queimar a carrinha, donde a conclusão que o problema em que a carrinha estava envolvida era a morte do F…; acresce ainda que foi revelada uma vontade muito intensa no sentido de lavar a carrinha, quer em Coruche, (declarações do Sr Inspector da PJ) quer no Stand … , (como resulta das escutas telefónicas) lavagem que se destinava a fazer desaparecer qualquer vestígio que pudesse incriminar o arguido pontos 9 a 12 pelo que consta do relatório da autópsia conjugado com a fotografia nº 63 de fls 74 objecto compatível com as lesões que a vítima apresentava na cabeça; ponto 13 resulta das declarações do Sr Inspector da PJ que observou o local, viu as manchas de sangue no local e pela disposição e quantidade das mesmas conclui que a vítima ainda caminhou cerca de 78 metros após as agressões que lhe foram infringidas; mais disse que observando o cadáver era visível um rodado de carro sobre o pé direito desta, rodado que só podia ser da carrinha BMW, foi ainda elemento de prova o relatório da PJ de fls 31 e ss ; ponto 14 pelo que consta do relatório da autópsia; ponto 15 as regras da experiência aplicadas aos factos provados permitem concluir que o arguido agiu assim porque quis, preparou o encontro e muniu-se da arma para levar por diante a decisão que havia tomado; ponto 16 resulta do que consta do relatório da autópsia conjugado com o que as regras da experiência da vida permitem concluir, ou seja, o arguido, querendo causar a morte ao F… e sendo portador de uma arma de fogo, poderia com único disparo ter obtido esse fim, no entanto preferiu disparar oito tiros, em partes do corpo que não levaram à morte de imediato, (zona genital) antes provocaram um cruel e incalculado sofrimento, contra o qual a vítima nada podia fazer, vindo a morrer a cerca de 78 metros do local onde se deram os disparos ; ponto 17 pelo que as regras da experiência permitem concluir ; ponto 18 pelo que consta do auto de exame directo de fls 1 217 e conclusão feita no exame de balística de fls 1 382; pontos 19 e 20 pelo que as regras da experiência permitem concluir dos factos provados ; ponto 21 pelo que consta das listagens telefónicas feitas ao nº 916 665 905 utilizado pelo arguido a fls 11 e 18 do Apenso A, sendo certo que o arguido não poderia deixar de dizer à sua mãe que tinha a carrinha BMW consigo, o que aliás era habitual, uma vez que regularmente era o arguido que a conduzia ; tendo a arguida B...dado pela falta da carrinha BMW pelas 16 horas do dia 23.10 e tendo estado a falar com o arguido A...nesse mesmo dia pelas 21h02m27s e pelas 21h06m37ss (cf fls 18 do Apenso A) não poderia deixar de perguntar ao filho pela BMW já que desde as 16 horas não sabia dela e o filho (aqui arguido) que a utilizava, não poderia deixar de dizer que a BMW estava com ele, facto que impediria esta de se queixar do furto da mesma, o que esta fez no dia 24.10.2010 pelas 09H48, cf fls 1059, donde a conclusão de que a participação por furto se destinou a encobrir os actos em que a carrinha esteve envolvida (...) ».
O caso em apreço e a fundamentação expostas têm agora um particular interesse porque podem ilustrar a particular relação entre os factos e a fundamentação de um lado e, por outro lado, a relação entre os factos e a fundamentação e os juizos de valor que se podem fazer. Ou para sermos mais precisos, retomemos aqui que é menos verdade, como sugere o recorrente, que a convicção do tribunal se estribou apenas nas declarações de um agente da PJ ( que investigou o caso ) e de uma testemunha ( … ) que presenciou a ida do ofendido para o seu fatal destino. Convém por isso deixar bem claros os meios de prova e razões de convicção que constam dos autos e do acordão recorrido.
Primeiro, não pode oferecer dúvida que o recorrente ( ou alguém com o seu telemóvel ) e o falecido marcaram um encontro para aquele dia, hora e local referidos nos pontos 3 a 5. dos fcatos provados. Sendo também inquestionável e inquestionado que o arguido e o falecido eram os donos dos telemóveis que usaram para estes contactos naquele dia, o arguido ( ou esse alguem ) seguiu um percurso directamente para o local onde o falecido se ecnontrava à sua espera. Pelos elementos documentais de prova dos autos e pelas declarações de uma testemunha não se pode pôr em causa que o arguido --- ou vamos supôr de momento que alguém usando o telemóvel do arguido --- se dirigiu ao encontro do falecido. Pois, como salienta a decisão recorrida, « resulta da análise das listagens telefónicas e do exame dos telemóveis de fls 843, onde se pode ver terem ocorrido pelo menos 14 contactos telefónicos entre ambos na tarde daquele dia; nos documentos de fls 844 e 845 e por referência às antenas accionadas pelos referidos telemóveis, é feito o percurso dos dois (vítima e arguido) naquele dia ; que o encontro entre ambos aconteceu pelo percurso feito pelos dois portadores daqueles telemóveis e que pode ser visto pelo doc de fls 847 e pelo que disse a testemunha … que acompanhou a vítima quando esta esperava o arguido». Depois, o facto de naquele mesmo dia no dia 23 de Outubro 19h45m07s do telemóvel do arguido ter sido enviada uma mensagem para o telemóvel da vítima perguntando “quanto tempo demora” ( cfr doc. de fls 844 ), sendo que pouco depois ( às 20 horas ) aconteceu o encontro com a vitima . Portanto, e ainda neste quadro provisório de supor que poderia ser outra pessoa que não o recorrente, temos como certo e não questionado que o arguido, ou alguém fazendo o uso do seu temóvel, se encontrou com a vitima e a conduziu para fora do local do encontro, vindo a vitima a ser encontrada morta cerca de uma hora e meia depois
Depois, este elemento também perturbador --- e continuamos para já num juizo provisório --- de , sendo o arguido dono de uma carrinha BMW, o falecido ter precisamente ido num veiculo igual para o local onde havia de ser encontrado morto depois daquele encontro atrás referido. Este ponto resulta inequivocamente das declarações prestadas em audiência pela testemunha … , não obstante não saber dizer a matricula de tal veiculo, por quem era conduzido e quem ou quantas pessoas seguiam nele antes do encontro com o falecido.
Mas, e aqui as coisas vão tomando um rumo cada vez mais desvastador para a tese do recorrente, por uma estranha coincidência --- ou não, como veremos ---, no dia seguinte ( dia 24 ), cerca das 10 horas, a mãe do arguido, e co-arguida, apresentou queixa pelo furto, no dia anterior, da viatura carrinha BMW propriedade do arguido, sendo certo que fora contactada pelo recorrente através do telemóvel deste no dia 23 de Outubro cerca das 21 horas.
Mais ainda, aquela estranha conversa que alguém utilizando o telemóvel da mãe do arguido manteve com alguém utilizando o telemóvel da companheira do arguido, em que foi falado que era melhor ter queimado a carrinha em causa ou a terestampado, conforme fls 325 e 988, o que não deixa de fazer presumir que essa conversa aconteceu entre a mãe do arguido e a companheira deste, por um lado, e que a carrinha teria estado envolvida num caso grave, que naturalmente, poderia ser o do homicidio dos presentes autos.
Mas há mais e bem pior : como explicar que dias depois terem sido encontrados vestígios hemáticos da vítima na viatura BMW utilizada pelo arguido, conforme resultado das pesquisas de fls 1 180 e 1 181 ? Que estranha circunstância teria levado a que naquela viatura houvesse vestigios comprovativos de que a vitima estivera na mesma ?
Ora, tudo o que atrás se disse aponta para que foi o arguido quem matou o F… nas circunstâncias de tempo, lugar e modo referidos nos factos provados .
É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar ( cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3.ª ed., II vol., p. 99 ).
Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, como acima se disse, terá que ser sempre objectivável e motivável.
Se a mesma fosse excluída, ficariam na mais completa impunidade um sem fim de actividades criminais – cfr. Francisco Alcoy, Prueba de Indicios, Credibilidad del Acusado y Presuncion de Inocencia, Editora Tirant Blanch, Valencia 2003, p. 25, citando Mittermaier e a jurisprudência constitucional e do STJ do país vizinho. Pois como refere J.M Asencio Melado, ( Presunción de inocência y prueba indiciária , 1992 ,citado por Euclides Dâmaso Simões , in Prova Indiciária , R e v . Julgar , n.º 2 , 2007 , pág. 205 ) , « Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que , evidentemente , é frequente a ausência de provas directas . Exigir a todo o custo , a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou , para evitar tal situação , haveria de forçar-se a confissão o que ,como é sabido , constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente : a tortura ». Por isso, a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação ( cfr. Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp., Lisboa, 1981, pags 288-295; id. Curso de Processo Penal, 2° vol., Lisboa, 1986, pág. 207-208; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/S. Paulo, 1993, vol II, pág. 83; Ac. do STJ de 8/11/95, BMJ 451/86; Ac STJ, de 9-7-2003, www.dgsi.pt ; Acs. da Rel. de Coimbra de 6/03/1996, CJ/ano XXI/tomo II/pág. 44, e de 18-8-2004, proc. 1307/04,www.dgsi.pt ; Ac STJ, de 23-5-2007, proc. n.º 1405/07 ; Ac STJ, de 12-9-2007, proc. 07P4588, www.dgsi.pt ) .
Aliás, a associação que a prova indiciária permite entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho — cfr. Mittermaier, Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.
Para que a prova indirecta, circunstancial ou indiciária possa ser tomada em consideração exigem-se alguns requisitos: pluralidade de factos-base ou indícios; precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter directo; que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; racionalidade da inferência; expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência ; não se admitir que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária — cfr. Francisco Alcoy, ob. cit., p. 39, fazendo a síntese da doutrina e jurisprudência no país vizinho, sobre o tema ; Marieta, La Prueba em Processo Penal, p. 59.
Ora in casu há uma quantidade de indícios ou indicadores graves, isto é, sérios, importantes, fortes ou intensos ; precisos, ou seja, certos e distintos ou exactos ; e todos concordantes, quer dizer, coincidentes ou direccionados segundo resultado comum e consequente : o de que os factos se passaram como a acusação, nessa parte, os descrevia e, portanto, se deram como assentes. Eles são os elementos acima discriminados e resultantes dos depoimentos testemunhais e dos outros meios de prova a que fizemos referência
Ou seja, não é de concluir que houve erro manifesto na apreciação da prova e que só por via desse erro notório ( assim cognoscível por qualquer sujeito racional e segundo as regras da experiência ) o Tribunal não concluiu pela dúvida sobre esse facto da morte por acção do arguido, dúvida de que o arguido deveria beneficiar.

Quanto à pretendida redução da pena correspondente ao crime de homicidio, levemente aflorada no recurso, o tribunal colectivo consideoru as seguintes razões para fixar a pena :
« (...) o dolo directo ; (...) o grau de ilicitude dos factos (quanto ao homicídio) é elevadíssimo atentos os valores em causa: a vida humana de uma pessoa ; Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância. Dado que o crime de homicídio doloso atenta directamente contra o valor que a ordem jurídica mais presa entre todos, a vida humana, natural é que o mesmo suscite fortíssimas exigências sociais de reprovação (...) O arguido A...manifestou o maior desprezo pela vida do F…. O arguido escolheu o local e o momento, foi traiçoeiro, forçou um encontro com este e aí, com oito tiros tirou-lhe a vida ; Ao nível da prevenção geral há que dar à sociedade uma resposta de confiança na lei, contribuindo para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, satisfazendo o sentimento de justiça do meio circundante e próximo da vítima. Há que mostrar à sociedade através da pena, o quanto são censuráveis estes comportamentos , Ao nível da prevenção especial a pena deve servir de emenda e correcção aos arguidos, fazer-lhes ver o mal que fizeram e que a pena lhes sirva de alerta para novas situações contrárias às normas legais (...) ».
A mais que isto há que fazer relevar o seguinte :
Deve tomar-se como modelo de determinação da medida da pena que melhor se adapta ao disposto no CPenal aquele que comete à culpa a função (única) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena ; à prevenção geral ( de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens juridicos ---- dentro do que é consentido pela culpa ---- e cujo limite minimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento juridico; e à prevenção especial a função de encontrar o" quantum" exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente (ou, em certos casos, de advertência e/ou de segurança)----- para nos exprimirmos com as palavras de Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3.º, Abril-Dezembro, p.186
Isto é, e como o traduzem os art 70.º e 71.º do C.Penal, a pena concreta é fixada entre um limite minimo ( já adequado à culpa ) e um limite máximo ( ainda adequado à culpa ), determinados em função da culpa, intervindo os demais fins dentro destes limites ( cfr Claus Roxin, Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 94 ss ). Até ao limite máximo consentido pela culpa, a medida da pena deve considerar a exigência da tutela dos bens juridicos, o “quantum “ de pena indispensável para manter a crença da comunidade na validade e eficácia da norma, e, por essa via, o sentimento de segurança e confiança das pessoas nas instituições ; depois, dentro desta « moldura de prevenção », actuarão as funções assinaladas à prevenção especial, a saber, a função de socialização, a advertência individual e a neutralização do agente . ( No mesmo sentido, entre outros : Ac STJ, de 2-3-94, BMJ,435.º - 499 ; Ac STJ, de 16-1-90, BMJ, 393.º - 212 ; Ac STJ, de 15-5-91, BMJ, 407.º - 160 , Ac STJ, de 31-5-1995, BMJ, 447-178 ss ; Ac STJ, de 12-3-2009, proc. 09P0237, www.dgsi.pt )
No caso presente, o arguido cometeu um crime em que concorrem três circunstãncias modificativas ( crueldade e sofrimento da vitima ; uso de um meio perigoso, mais ainda porque era uma pistola de 9 mm e fez vários disparos; frieza de frieza de ânimo e reflexão sobre os meios usados ), o que exprime uma culpa muito forte e uma personalidade perigosa e fria.
Por outro lado, são muito acentuadas as exigências assinaladas à prevenção geral ( negativa ou de intimidação : dissuadir outros de praticar crimes ; prevenção geral positiva ou de integração : manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força das suas normas ) e à prevenção especial ( prevenção especial positiva ou de socialização ; prevenção especial negativa ou de neutralização do agente do crime ), Neste último particular, salienta-se uma vez mais a personalidade manifestada nos actos e que o recorrente, até atento o seu passado criminal ( duas condenações por coacção e resistência sobre funcionários ) e o modo de vida do mesmo reforçam a necessidade de o manter preso pelo tempo necessário.
Tudo pois a justificar que a pena correspondente ao homicidio fosse fixada, como aconteceu, mais próxima no liite máximo de 25 anos de prisão
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso, assim se mantendo a decisão recorrida

II- O arguido pagará 3 Ucs de taxa de justiça
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Paulo Valério (Relator)
Jorge Jacob