Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MÁRIO RODRIGUES DA SILVA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO PENSÃO OBRIGATORIAMENTE REMÍVEL PAGAMENTO DO CAPITAL DE REMIÇÃO INCIDENTE DE REVISÃO AGRAVADA | ||
Data do Acordão: | 09/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 70.º, 75.º, 76.º E 77.º, ALÍNEAS A), B) E D), DA LAT | ||
Sumário: | I – A remição da pensão e entrega do correspondente capital extingue o direito à pensão devida para reparar a incapacidade laboral com base na qual foi calculada.
II – No caso em que, tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível e tendo sido pago o capital da remição, seja depois aumentado o valor da pensão no quadro de um incidente de revisão, a pensão devida deve corresponder à diferença entre o valor inicial da pensão remida e o valor da pensão correspondente à incapacidade que resulta da revisão. III – Num incidente de revisão agravada, o que releva para efeitos de remição obrigatória é o valor global da IPP e não o do seu agravamento. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: |
* Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO Em processo emergente de acidente de trabalho, em que assume a qualidade de sinistrado o autor AA e ré a Seguradora, foi-lhe atribuída uma pensão anual e vitalícia de €1.992,70, com início em 26/08/2018, correspondente a IPP de 24,7661%, a qual foi integralmente remida em capital. Posteriormente, porém, já depois de pago o referido capital, veio o sinistrado, alegando agravamento das lesões sofridas, requerer incidente de revisão da incapacidade. Admitida a revisão, foi o sinistrado sujeito a perícia médica singular. Realizada a perícia médica, houve discordância quanto ao seu resultado, pelo que foi realizada perícia por junta médica. Foi proferido despacho final com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 145.º/6 CPT, julgando procedente o presente Incidente de Revisão de Incapacidade para o Trabalho, o Tribunal decide: 1) Declarar que em consequência do acidente de trabalho apreciado nos presentes autos (ocorrido a 10-05-2017) o Sinistrado AA (nascido a ../../1971) se encontra afectado por uma IPP de 41,6181% [(24,7661%+2,9793% = 27,7454%) x 1,5] desde 28-09-2022. 2) Condenar a Seguradora A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar ao Sinistrado o seguinte: 2.1) Capital de Remição, do remanescente da sua Pensão Anual e Vitalícia no montante de 359,58, reportado a 24-03-2022; a calcular de acordo com o art.º 76.º LAT; 2.2) Juros moratórios, à taxa legal civil, desde 28-09-2022 até integral pagamento. 3) Fixar ao incidente o valor de 4.824,13 (art.º 120.º/1 CPT). 4) Condenar Seguradora no pagamento das custas (art.º 527.º/1 CPC). * Registe e notifique. Dê pagamento, se necessário, a adiantar pelos Cofres, aos Peritos médicos que dele não prescindiram (art.º 17.º/7/8 RCP). A reparação do acidente de trabalho traduz-se num Capital de Remição, pelo que se determina que se proceda ao seu cálculo, à luz do art.º 76.º LAT e da Portaria n.º 11/2000, de 13/01, prosseguindo os autos perante o Ministério Público para a sua entrega. Sem custas do incidente [art.º 4.º/2/a) RCP]. Notifique.” Inconformado com o decidido, o sinistrado interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. O sinistrado nasceu em ../../1971; 2. No dia 10/05/2017, o sinistrado teve um acidente de trabalho quando trabalhava sob a autoridade, direção e fiscalização da entidade empregadora “B..., Lda.; 3. A Empregadora tinha a responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho totalmente transferida para a seguradora A... – Companhia de Seguros, SA.”; 4. Em consequência do acidente de trabalho, o Recorrente/sinistrado ficou com sequelas que lhe determinaram uma IPP de 24,7661%, tendo-lhe sido atribuída uma Pensão Anual e Vitalícia de €1.992,70, com início em 26/08/2018, quando o Recorrente/sinistrado tinha 47 anos de idade, a qual foi integralmente remida em capital; 5. Em 28/09/2022, o Recorrente/sinistrado deduziu o incidente de revisão da sua incapacidade para o trabalho, tinha na data referida 51 anos de idade; 6. Desde a anterior decisão agravaram-se as sequelas do Recorrente/sinistrado, as quais lhe determinam, uma IPP de 41,6181% (24,7661%+2,9793%)=27,7454%x1,5); 7. O Tribunal a quo decidiu que o Recorrente/sinistrado já recebeu o Capital de Remição referente a uma Pensão Anual e Vitalícia de €1.992,70 decorrente da anterior IPP de 24,7661% (a que corresponderia uma Pensão Anual e Vitalícia de €2.989,05 por referência a uma IPP de 37,14915%; caso o sinistrado já anteriormente beneficiasse do fator de bonificação de 1,5), apenas tem direito à diferença, isto é, à Pensão referente somente ao agravamento (4,46895% (41,6181%-37,14915%), o que se traduz numa Pensão Anual e Vitalícia no montante de €359,58 (3.348,63-2.989,05); 8. O Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 23.º b), 47.º1 al. c), 48.º n.º 2 e n.º 3 al. c) todos da LAT; 9. Conforme os autos, o Recorrente/sinistrado aquando da determinação da IPP de 24,7661% em 26/08/2018, tinha 47 anos de idade, não beneficiou da aplicação do fator de bonificação a que aludem as Instruções Gerais, ponto 5 da Tabela Nacional de Incapacidade, quer em razão da idade ou de IPATH (incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual), tendo recebido em capital de remição o valor correspondente a uma pensão de €1.992,70; 10. O incidente de revisão da sua incapacidade/pensão para o trabalho, é interposto em 28/09/2022, tinha o sinistrado 51 anos de idade, facto pelo qual lhe é aplicado o fator de bonificação de 1,5 em razão da idade, sobre a IPP anterior e sobre o agravamento, tendo ficado com uma IPP global de 41,6181% (24,7661%+2,9793%)=27,7454%x1,5); 11. Sobre a IPP anterior de 24,7661% recebeu o Recorrente/sinistrado uma pensão anual e vitalícia €1.992,70, a qual foi remida, mas que o Douto Tribunal considerou que recebeu sobre uma IPP de 37,14915%, referente a uma pensão anual e vitalícia €2.989,05, como se anteriormente tivesse beneficiado do fator de bonificação de 1,5, tendo agora direito apenas a 4,46895% (41,6181%-37,14915%), o que se traduz numa Pensão Anual e Vitalícia no montante de €359,58 (€3.348,63-€2.989,05); 12. Ora a pensão anual e vitalícia a que o apelante tem direito deve ser calculada considerando a sua IPP de 41,6181% e tendo em conta a pensão anteriormente calculada sobre a IPP de 24,7661; 13. Assim, a pensão anual e vitalícia que o apelante tem direito é sobre uma IPP de 16,852% (41,6181% IPP decorrente do agravamento, subtraindo a IPP de 24,7661 que tinha em 2018), ou seja, €1.355,93 (€3.348,63-€1.992,70); 14. Mais, conforme o disposto no artigo 75.º da LAT, a pensão anual e vitalícia devida ao Recorrente/sinistrado é obrigatoriamente remida quando o sinistrado tiver uma incapacidade parcial inferior a 30%; 15. No presente caso, o Recorrente/sinistrado é portador de uma IPP de 41,6181%, pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo, ao decidir que a pensão é obrigatoriamente remida, visto que o agravamento é inferior a 30%, não merece acolhimento por parte do recorrente/sinistrado, uma vez que a pensão anual e vitalícia não deve ser remida, considerando o valor global da sua IPP. Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, no que concerne à pensão a ser paga, devendo ser paga ao Recorrente/sinistrado uma pensão anual e vitalícia não remida, considerando-se a sua IPP de 16,852% (41,6181%IPP atual subtraindo-se a IPP anterior de 24,7661%, que o recorrente já recebeu), devendo ser paga a pensão anual e vitalícia no valor de €1.355,93 (€3.348,63-€1.992,70) desde 28/09/2022, com as necessárias atualizações nos anos de 2023 e 2024 e subsequentes Assim se fazendo JUSTIÇA”. A recorrida apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões: (…). O Exmº PGA junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento. Não houve resposta a este parecer. O recurso foi admitido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * OBJETO DE RECURSO As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Decorre do exposto que as questões que importa resolver, consistem em determinar se o Tribunal a quo aplicou corretamente os cálculos para efeitos de apuramento da pensão a liquidar ao sinistrado e se esta pensão é obrigatoriamente remível. * FUNDAMENTOS DE FACTO No despacho recorrido foram dados como assentes os seguintes factos: “1. O sinistrado AA nasceu no dia ../../1971. 2. No dia 10-05-2017, o Sinistrado sofreu um acidente de trabalho quando trabalhava sob a autoridade, direção e fiscalização da Empregadora B..., Lda. 3. Na data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição anual Ilíquida de €11.494,40. 4. A Empregadora tinha a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho totalmente transferida para a Seguradora A...-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. 5. Em consequência do acidente de trabalho, o Sinistrado ficou com sequelas que lhe determinaram uma IPP de 24,7661% tendo-lhe sido atribuída uma Pensão Anual e Vitalícia de €1.992,70, com início a 26-08-2018, que foi integralmente remida em capital. 6. A 28-09-2022, o Sinistrado deduziu o presente Incidente de Revisão da sua Incapacidade para o Trabalho. 7. Desde a anterior decisão agravaram-se as sequelas do Sinistrado, as quais lhe determinam, actualmente, uma IPP de 41,6181% [(24,7661%+2,9793% = 27,7454%) x 1,5].” * FUNDAMENTOS DE DIREITO No despacho final entendeu-se que “uma vez que o Sinistrado já recebeu o Capital de Remição referente a uma Pensão Anual e Vitalícia de 1.992,70 decorrente da anterior IPP de 24,7661% [a que corresponderia uma Pensão Anual e Vitalícia de 2.989,05 por referência a uma IPP de 37,14915%; caso o Sinistrado já anteriormente beneficiasse do factor de bonificação de 1,5], apenas tem direito à diferença, isto é, à Pensão referente somente ao agravamento [4,46895% (41,6181% - 37,14915%)], o que se traduz numa Pensão Anual e Vitalícia no montante de 359,58 [3.348,63 - 2.989,05]. Sustenta o apelante que “a pensão anual e vitalícia deve ser calculada considerando a sua IPP de 41,6181% e tendo em conta a pensão anterior efetivamente recebida referente à IPP de 24,7661%. Assim, a pensão anual e vitalícia a que o apelante tem direito é sobre uma IPP de 16,852% (41,6181%-24,7661), ou seja, €1.355,93 (€3.348,63-€1.992,70)”. Estamos, como é evidente, perante a alteração de uma pensão pré-existente, e, não, perante uma nova pensão. Neste sentido se pronunciou Alberto Leite Ferreira[2], no seguinte trecho: "A modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recaída ou melhoria da lesão ou doença não dá origem a uma incapacidade nova: opera, apenas, uma alteração da incapacidade preexistente pelo reconhecimento dum novo grau de incapacidade na incapacidade existente. Quer dizer: a incapacidade mantém-se a mesma embora diferente na sua intensidade ou dimensão pela atribuição ou fixação de um novo grau ou índice de desvalorização. Ora se a incapacidade se mantém, a pensão a estabelecer após a revisão não é também uma pensão nova". Pelo que apelação procede, em conformidade. * No que se refere a responsabilidade pelas custas no presente recurso, impende essa sobre a recorrida, atendendo ao seu vencimento. * DECISÃO Com fundamento no atrás exposto, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente a apelação e, em consequência alterar a decisão recorrida no segmento em que condenou a ré seguradora a pagar ao recorrente/sinistrado “2.1) Capital de Remição, do remanescente da sua Pensão Anual e Vitalícia no montante de 359,58, reportado a 24-03-2022; a calcular de acordo com o art.º 76.º LAT; substituindo-se pela condenação da ré seguradora a pagar ao autor uma pensão anual e vitalícia correspondente ao diferencial entre o valor da pensão revista e a parcela já remida, no montante de €1.355,93, devida desde 28-09-2022, sem prejuízo das legais atualizações. No mais, mantém-se a decisão recorrida. Custas deste recurso pela recorrida/seguradora. Coimbra, 13 de setembro de 2024 Mário Rodrigues da Silva- relator Paula Maria Roberto- 1º adjunta Felizardo Paiva- 2º adjunto * Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC): (…).
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