Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
224/02.6TAVNO.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 06/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NULIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 358º E 379º Nº 1 B) CPP
Sumário: 1.- A alteração na sentença da participação do agente constante da acusação, de co­-autor, para cúmplice, traduz alteração não substancial dos factos, havendo que cumprir o preceituado no nº 1 do artº 358º CPP
2.- A não notificação da arguida da referida alteração da qualificação jurídica antes da prolação da sentença consubstancia a nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do artº 379º CPP.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
Nos presentes autos MM... e SS... foram condenadas, a primeira como autor material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217° e 218° n° 2 alínea a), ambos do CP, com referência aos arts. 26° e 202° alínea b) do mesmo diploma legal, na pena de seis anos de prisão e a arguida SS..., como cúmplice de um crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 217° e 218° n° 2 ai. a), ambos do CP, na pena de dois anos de prisão. Foi determinada a suspensão da pena de prisão imposta à arguida SS..., pelo período de dois anos.

Foram, ainda, condenadas ambas as arguidas nas Custas, sendo a Taxa de Justiça no montante equivalente a 4 UCs para cada uma delas, acrescida de 1% a favor do C.G.T., nos termos do art. 13° n°3 do D.L. 423/91 de 30.10, e a Procuradoria, no montante equivalente a 3 Ucs.

O Tribunal julgou o pedido cível formulado, pelo assistente JM... contra as responsáveis civis MM...e SS... parcialmente provado e procedente e, em consequência, condenou estas últimas a pagar ao lesado, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 1.089.586,30, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação para contestarem o pedido cível, até integral pagamento e, a título de compensação por danos não patrimoniais a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da presente decisão, até integral pagamento e também nas custas, na instância cível, por lesado e responsáveis civis, na proporção dos respectivos decaimentos

Não se conformando com a decisão, as arguidas recorreram para este Tribunal.

Nas suas alegações, os recorrentes concluem na sua motivação nos seguintes termos:
Arguida MM…

«1. O acórdão padece de nulidade prevista no artigo l n 2 ai d) do CPP, em virtude de condenar a recorrente por factos diferentes da acusação, sem que lhe tenha sido comunicada a alteração.

2. Mesmo que se entendesse, ou se venha a entender, que no caso concreto está dispensada a comunicação à recorrente da alteração efectuada aos factos, e à qualificação jurídica dos mesmos, entende a recorrente que tal entendimento da norma do artigo 358 do CPP, é materialmente inconstitucional, o que pretende ver reconhecida, designadamente por violação das suas garantias de defesa e mesmo dos princípios in dúbio pró reo e da presunção da inocência, previstos no artigo 3 da CRP e na CEDH.

3. Encontraram-se erradamente julgados os pontos 1 a 16, 26, 27, 28, 35, 36, 59, 86, 87, 88, 89, 91, 92, 93, 94, 95 e 96 da matéria de facto dada como provada, como se defende com a argumentação expendida para cada um deles, em B supra.l. 4. A falta de prova relativamente à recorrente impõe necessariamente que aqueles se dêem como não provados.

5. As concretas provas enunciadas na analise a cada um desses factos, efectuada em B, impõem a decisão contrária em relação aos mesmos.

6. Mostram-se violados os artigos 12 do CP e 32. da CRP, nos precisos termos em que se alegou e concluiu do início desta motivação, designadamente porque o Tribunal fundou a sua convicção apenas nas declarações do queixoso, ignorando injustificadamente as declarações das arguidas que o contradizem, sendo certo que nenhuma outra prova permite concluir pela culpabilidade da recorrente.

7. Mostram-se violados os artigos lZ7. do CP e 32. da CRP, nos precisos termos em que se alegou e concluiu do início desta motivação, designadamente porque o Tribunal fundou a sua convicção apenas nas declarações do queixoso, ignorando injustificadamente as declarações da arguida que o contradizem, explicitando que nada tinha a ver com o sucedido, sendo que nenhuma outra prova permite concluir pela culpabilidade da Recorrente.

8. O acórdão objecto de recurso padece de contradição insanável da fundamentação, entre esta e a decisão, art 4 n 2 aI. b) do CPP, conforme melhor se defendeu em E.

9. O acórdão padece de erro notório na apreciação da prova, vício previsto no art 41 O n 2, c) do CPP, pelas razões que se aduziram supra em C).

10. O acórdão padece igualmente da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, art 41 O n 2, a) do CPP, pelas razões consignadas em D da precedente motivação.

11.0 Tribunal ao condenar a recorrente violou os artigos l 217 n 1 e 218 n 2 aI. a) do CP, pelas razões desenvolvidas e da motivação precedente e designadamente, porque a condenação como cúmplice, por ausência do domínio dos factos, considerado pelo Tribunal, exclui a conduta enganosa e astuciosa, tal qual a falta de conhecimento de factualidade essencial ao engano provocado no assistente (54 a 56 dos provados), bem como da intenção de apropriação, ou de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, excluem o dolo eventual, e sendo certo que não se provou intervenção da recorrente que integrasse dolo directo ou necessário.

12.0 Tribunal violou ainda os artigos 4O 4 4 n 1, 7ØQ e 7 do CP, pois, pelas razões aduzidas em G, impunha-se, a ser procedente a condenação, no que não se concede, que relativamente à recorrente fosse fixada uma pena próxima dos limites mínimos e suspensa a sua execução.

13. No que tange ao pedido de indemnização cível, (H) e até por não se verificarem em relação à recorrente, mormente, os requisitos imprescindíveis à condenação criminal, mas sobretudo por o próprio assistente ter declarado tratar-se de empréstimo, sem convenção de prazo e sem interpelação para devolução, e por ausência de facto voluntário consistente na colaboração da recorrente com a arguida Conceição, para que esta obtivesse para si enriquecimento ilegítimo, ou mesmo para a recorrente, (não está provado em relação a esta), impõe-se a absolvição visto que a condenação viola o artigo 483 do CC, bem como os mencionados preceitos dos artigos 217 e 2 do CP.».

Arguida SS...

1. O acórdão padece de nulidade prevista no artigo 120°, n° 2 ai d) do CPP, em virtude de condenar a recorrente por factos diferentes da acusação, sem que ihe tenha sido comunicada a aiteração, embora esta se reconduza a uma alteração não substanciai, como melhor se explanou em A supra.

2. Mesmo que se entendesse, ou se venha a entender, que no caso concreto está dispensada a comunicação à recorrente da alteração efectuada aos factos, e à qualificação jurídica dos mesmos, entende a recorrente que tal entendimento da norma do artigo 358° do CPP, é materialmente inconstitucional, o que pretende ver reconhecida, designadamente por violação das suas garantias de defesa e mesmo dos princípios in dúbio pró reo e da presunção da inocência, previstos no artigo 32° da CRP e na CEDH.

3. Encontraram-se erradamente julgados os pontos 16, 26, 27, 28, 35, 36, 59, 86, 87, 88, 89, 91, 92, 93, 94, 95 e 96 da matéria de facto dada como provada.

4. A falta de prova relativamente à recorrente impõe necessariamente que aqueles se dêem como não provados, como se defende com a argumentação expendida para cada um deles, em B supra.

5. As concretas provas enunciadas na analise a cada um desses factos, efectuada em B, impõem a decisão contrária — não provados - em relação aos mesmos.

6. Mostram-se violados os artigos 127.° do CP e 32.° da CRP, nos precisos termos em que se alegou e concluiu do início desta motivação, designadamente porque o Tribunal fundou a sua convicção apenas nas declarações do queixoso, ignorando injustificadamente as declarações das arguidas que o contradizem, sendo certo que nenhuma outra prova permite concluir pela culpabilidade da recorrente, designadamente quanto à prática daqueles factos referidos em 3.

7. O acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, vicio previsto na ai. c) do n° 2 do artigo 410 do CPP, pelas razões que se aduziram supra em C).

8. Também, enferma do vicio previsto na ai. a) do mesmo preceito, insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, pelas razões consignadas em D da precedente motivação.

9. Enferma ainda, de contradição insanável da fundamentação entre esta e a decisão, previstas na alínea b) do mesmo artigo 410/2 do CPP, conforme melhor se defendeu em E.

10. O Tribunal ao condenar a recorrente violou os artigos 13°, 217°, n° 1 e 218°, n°2 ai. a) do CP, pelas razões desenvolvidas em F da motivação precedente e designadamente, porque a condenação como cúmplice, por ausência do domínio dos factos, considerado pelo Tribunal, exclui a conduta enganosa e astuciosa, tal qual a falta de conhecimento de factualidade essencial ao engano provocado no assistente (54 a 56 dos provados), bem como da intenção de apropriação, ou de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, excluem o dolo eventual, e sendo certo que não se provou intervenção da recorrente que integrasse dolo directo ou necessário.

11. O Tribunal violou ainda os artigos 40°, 41°, 43°, n° 1 , 70° e 71° do CP, pois, pelas razões aduzidas em G, impunha-se, a ser procedente a condenação, no que não se concede, que relativamente à recorrente não ultrapassasse 3 meses e assim substituída por multa.

12. No que tange ao pedido de indemnização cível (H), e até por não se verificarem em relação à recorrente, mormente, os requisitos imprescindíveis à condenação criminal, mas sobretudo por o próprio assistente ter declarado tratar-se de empréstimo, sem convenção de prazo e sem interpelação para devolução, e por ausência de facto voluntário consistente na colaboração da recorrente com a arguida Conceição, para que esta obtivesse para si enriquecimento ilegítimo, ou mesmo para a recorrente, (não está provado em relação a esta), impõe-se a absolvição visto que a condenação viola o artigo 483° do CC, bem como os mencionados preceitos dos artigos 217° e 218° do CP.

Nas respostas aos recursos o Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento dos mesmos, devendo a decisão proferida ser mantida na integra, sendo tal posição corroborada pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação.

*

II. FUNDAMENTAÇÂO

As questões que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelos recorrentes na sua motivação, incidem em ambos os recursos, embora com fundamentação diferente sobre (i) nulidade da sentença por via alteração de factos na condenação; (ii) erro de julgamento da matéria de facto; (iii) violação do princípio da livre apreciaçã da prova; (iv) contradição insanável da fundamentação; (v) o erro notório na apreciação da prova; (vi) insuficiência da matéria de facto; (vii) falta de elementos do tipo de crime; (viii) medida da pena; (ix) falta de elementos para a condenação do pedido de indemnização cível.

*

Factos provados e fundamentação:

2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA

Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada do início do ano de 2001, o assistente JM... leu um anúncio publicado no Jornal «Correio da Manhã», com o seguinte teor:

«É solteiro/a, divorciado/a ou viúvo/a?

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2. Como pretendia arranjar uma namorada, o assistente ligou para os números de telefone insertos no referido anúncio de jornal;

3. Tendo, então, conversado com a arguida MM…;

4. Nessa conversa telefónica, ambos combinaram um encontro para daí a alguns dias, na cidade do Porto;

5. Encontro este, que veio a realizar-se, num restaurante, naquela cidade, à hora de almoço;

6. No decurso do almoço, o assistente e a arguida MM... falaram acerca do propósito do assistente em vir a estabelecer uma relação amorosa com uma mulher e de se vir a casar;

7. Depois do almoço e já em casa da arguida MM..., para onde todos foram, a convite da mesma, a arguida prometeu ao assistente que lhe iria arranjar uma namorada;

8. Que a arguida MM... disse chamar-se CD... e ter 34 anos de idade;

9. E que a mesma arguida descreveu, como sendo muito rica, filha de um embaixador, que residia nos Estados Unidos da América, vivia de rendimentos do seu património e que tinha prédios na América, em França, na Suíça e em Portugal;

10. Perante o que o assistente JM... lhe disse que queria começar essa relação de namoro com a tal CD…;

11. Tendo ficado combinado entre a arguida MM... e o assistente JM... que voltariam a falar, por telefone, daí a alguns dias;

12. Assim, nos dias seguintes, a arguida MM... e o assistente, estabeleceram várias conversas telefónicas;

13. Sempre em torno da CD... e da relação de namoro entre esta e o assistente;

14. Até que passaram a encontrar-se, a arguida MM... e o assistente, no Porto;

15. O que aconteceu várias vezes, em diferentes ocasiões, durante o ano de 2001;

16. Tendo também as arguidas MM... e SS... vindo a Fátima visitar o assistente;

17. Onde ficaram dois dias;

18. Neste encontro, em Fátima, a arguida MM... começou a dizer que a CD...se encontrava muito doente;

19. Os encontros entre o assistente JM... e a arguida MM... continuaram a suceder-se, na cidade do Porto;

20. Nos quais, a pedido da arguida MM..., o assistente lhe entregou fotografias suas, para, segundo o que a mesma arguida lhe dizia, serem enviadas a CD...;

21. Mais tarde, a arguida MM... também entregou ao assistente fotografias de uma mulher jovem que disse ao assistente serem da sua noiva CD…;

22. Numa dessas visitas ao Porto, a arguida MM... começou, então, a pedir dinheiro emprestado ao assistente;

23. Dizendo que o dinheiro era necessário para tratar a doença de que a CD...padecia;

24. Que depois lhe pagaria e que não tivesse receio, porque depois de casar com a CD…, o assistente iria ficar muito bem;

25. Das primeiras três ou quatro vezes, que estes pedidos de empréstimo de dinheiro lhe foram dirigidos pela arguida MM..., o assistente recusou;

26. Entretanto, os encontros no Porto e os telefonemas entre o assistente e as arguidas MM... e SS... continuaram;

27. E as conversas também, sempre em torno da beleza, da juventude, da bondade, da educação e da riqueza da CD......, que, tanto a arguida MM..., como a arguida SS... apregoavam;

28. E do quão bem na vida, o assistente iria ficar, depois de casar com ela, logo que ela se curasse;

29. Até que, pelo menos, a partir de 16 de Junho de 2001, inclusive, o assistente começou a receber telefonemas de uma mulher com sotaque brasileiro, que se identificava como CD…;

30. E também a fazer telefonemas para a mesma mulher;

31. Julgando o assistente que estava a conversar com a sua noiva CD...;

32. Mantendo vários contactos telefónicos, por dia, entre si;

33. E versando as conversas entre o assistente e a tal «noiva», sobre o futuro casamento de ambos e assuntos íntimos, próprios de dois namorados;

34. A arguida MM... foi, ainda, alimentando, no espírito do assistente, a ideia de relação amorosa e futuro casamento com CD..., através de cartas;

35. Parte das quais foram sendo entregues ao assistente pela arguida SS...;

36. Que as entregava ao assistente, como se tivessem sido escritas e remetidas pela referida noiva CD...;

37. Cartas essas, assinadas com o nome de CD...; ou Helena; ou E.H.B ou CD...r;

38. Contendo promessas de amor eterno, de casamento para toda a vida com o assistente, manifestando o propósito de ter filhos com ele, fazendo alusão a carícias trocadas entre ambos, via telefone, às saudades que sentia do assistente, à ansiedade em estar junto dele;

39. Nalgumas dessas cartas eram usadas expressões, como “(…) tento guardar intacto o imaginário das promessas que te devo e fiz.”; “(…) quero um casamento católico que dure 100 anos, quero que sejas o meu homem o meu marido à face de Deus e dos homens.”; “A minha preocupação prioritária és tu cherry, é o respeito, e o que te devo.”; “cheguei à conclusão que não sou nada sem ti (…)”; “Amor, vamos juntar o nosso Amor, as nossas decisões profissionais (… )”; “distrai-me com a saúde e o Amor e os papéis acumularam-se na Secretária (…) Amo-te porque felizmente poupaste-me a morte, deste a vida com amor, carinho, respeito e dinheiro (…)”;

40. O assistente recebia e lia estas cartas, pensando que eram escritas e lhe eram dirigidas pela sua noiva CD...;

41. Em data não concretamente apurada, mas no Verão de 2001, a arguida MM... chegou a convencer JM... de que era necessário deslocarem-se a França para irem a um consultório de um bruxo, que iria curar a CD...;

42. Ao que o assistente acedeu, por ter acreditado que a tal CD...se encontrava doente;

43. Tendo sido ele quem pagou todas as despesas relacionadas com a viagem e a consulta ao bruxo;

44. Em resultado dos factos referidos em 26. a 43., o assistente convenceu-se de que, efectivamente, mantinha uma relação de namoro com a tal CD... e que se iria casar com ela;

45. Bem como de que a mesma estava realmente doente e necessitada de dinheiro para os tratamentos médicos;

46. Tendo-se, ainda, convencido de que a arguida MM... era, ela própria, uma pessoa séria e que, tal como prometera, lhe restituiria o dinheiro que lhe pedia emprestado;

47. Sendo que a arguida MM... aparentava ser pessoa muito rica, de grande desenvoltura, com muitos conhecimentos e negócios, fazendo muitos telefonemas e conhecendo muitas línguas e países;

48. O assistente tinha-se separado da sua mulher, em 1992 e, desde 1998, que se encontrava divorciado;

49. E, na ocasião, não tinha boas relações com os seus filhos;

50. Sentindo-se só;

51. Pelo que ficou feliz e entusiasmado com a perspectiva de vir a casar com uma mulher jovem, bonita e rica;

52. E fascinado pela envolvência criada pela arguida MM..., em torno da relação amorosa entre si e a tal noiva CD...;

53. O assistente passou, então, a viver numa constante obsessão e ansiedade por causa da “noiva” prometida pela mesma arguida;

54. Em 2001, o assistente padecia de síndrome demencial fronto-temporal;

55. Que, por não estar medicada, se manifestava em alterações de personalidade e de comportamento social de JM..., como hiperactividade, ausência de visão crítica dos seus actos, humor eufórico, expansivo, hipersexualidade, mania de grandeza, descontrolo emocional;

56. Tendo-se, por isso, tornado sugestionável a influências de terceiros e a manipulação, a ponto de tomar decisões contra os seus próprios interesses;

57. Foi em virtude dos factos descritos em 1. a 56., que continuando a arguida MM... a pedir ao assistente que lhe emprestasse dinheiro para os tratamentos de saúde da sua noiva CD..., este passou a aceder em emprestar-lhe várias quantias monetárias, à medida que a arguida MM... lhas ia pedindo;

58. Assim, entre Julho de 2001 e Janeiro de 2002, neste contexto criado pela arguida MM... e a pedido desta, o assistente JM... efectuou os seguintes movimentos bancários:

A) Cheques visados, passados em nome de MM..., passados sobre conta nº … do BPN e nº … do BPN Cayman de que o assistente JM... é titular:

1) cheque visado nº …, datado de 30 de Julho de 2001, no valor de 13.500.000$00 (€ 67.337,72);

Este cheque foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 31 de Julho de 2001;

2) cheque visado nº …, datado de 10 de Agosto de 2001, no valor de 22.000.000$00 (109.735,54 €);

O qual foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 10 de Agosto de 2001;

3) cheque visado nº …, datado de 19 de Agosto de 2001, no valor de 15.000.000$00 (74.819,68 €);

Que foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 20 de Agosto de 2001;

4) cheque visado nº …, datado de 21 de Agosto de 2001, no valor de 4.700.000$00 (23.443,50 €);

Que foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 22 de Agosto de 2001;

5) cheque visado nº …, datado de 3 de Setembro de 2001, no valor de 20.000.000$00 (99.759,58 €);

Este cheque foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 3 de Setembro de 2001;

6) cheque visado nº …, de 11 de Setembro de 2001, no valor de esc. 35.500.000$00 (174.579,26 €);

Este cheque foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 12 de Setembro de 2001;

7) cheque visado nº …, datado de 18 de Setembro de 2001, no valor de 18.000.000$00 ( 88.783,62 €);

Este cheque foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 18 de Setembro de 2001;

8) cheque visado nº …, de 27/09/01, no valor de 22.448.5000$00 (111.972,65 €);

Este cheque foi depositado na conta do Banco Santander, nº … de que a arguida MM... é titular, no dia 18 de Setembro de 2001.

B) Transferências bancárias, efectuadas da conta nº 06515730101 do BPN e nº … do BPN Cayman de que o assistente JM... é titular:

1) Em 9 de Novembro de 2001, no valor de € 35.000,00, para a conta nº …, de que o assistente supunha ser beneficiária CD...;

Por isso que, indicou o nome da mesma como destinatária do referido valor monetário;

Que veio a ser depositado, em 12 de Novembro de 2001, na referida conta nº …;

Mas cuja titular é a arguida MM...;

2) Em 16 de Novembro de 2001, no valor de esc. 4.257.000$00 (€ 21.283,83) a favor de MM..., para a mesma conta de que a mesma é titular, com o nº ….

C) Depósitos em numerário, saído da conta nº 06515730101 do BPN e nº … do BPN Cayman de que o assistente JM... é titular, na conta nº … do Banco Santander, titulada por MM...:

1) em 17 de Agosto de 2001, no valor de esc. 15.000.000$00 (74.819,68 €);

2) em 5 de Setembro de 2001, no valor de esc. 1.500.000$00 (7.481,97 €);

3) em 6 de Setembro de 2001, no valor de esc. 5.000.000$00 (24.939,89 €);

4) em 27 de Setembro de 2001, no valor de esc. 551.500$00 (2.750,87 €).

D) Depósitos em numerário efectuados pelo assistente JM... no Banco Montepio Geral:

a) nominado a favor de MM..., na conta nº …, em 10 de Setembro de 2001, no valor de esc. 1.500.000$00 (7.481,97 €) – fls. 96;

b) nominados a favor de PB......:

em 12 de Julho de 2001, no valor de 500.000$00 (2.493,99 €);

em 17 de Julho de 2001, no valor de 250.000$00 (1.246,99 €);

em 19 de Julho de 2001, no valor de 500.000$00 (2.493,99 €);

em 23 de Julho de 2001, no valor de 8.000.000$00 (39.903,83 €);

em 24 de Julho de 2001, no valor de 2.000.000$00 (9.975,96 €);

em 26 de Julho de 2001, no valor de 2.000.000$00 (9.975,96 €);

em 3 de Agosto de 2001, no valor de 500.000$00 ( 2.493,99 €).

Estes depósitos nominados a favor de PB......foram efectuados na conta nº 10.003223-0 Banco Montepio Geral;

Da qual era também titular a arguida MM...;

Conta bancária essa, cujo dinheiro era gerido, em exclusivo, pela arguida MM...;

E) cheque nº 5450122521, com data de 29 de Novembro de 2001, no valor de esc. 4.537.000$00 (22.630,46 €), a favor de MM...;

F) entre 7 de Novembro de 2001 e 15 de Janeiro de 2001, o assistente pagou ainda às arguidas as quantias de esc. 999.000$00 (4.982,99 €); esc. 950.000$00 (4.738,58 €); esc. 800.000$00 (3990,38 €); de € 3.600,00 e de € 2.000,00, através de operações com cartão multibanco;

59. No contexto criado pelas arguidas MM... e SS..., descrito em 1. a 56., ainda conseguiram que o JM... lhes pagasse algumas das suas despesas de promoção no “Correio da Manhã”, no montante global de 309.863$00 (€ 1.545,59).

60. No mês de Janeiro de 2002 o assistente entregou à arguida MM..., mas como se fosse para CD..., uma viagem de avião para duas pessoas, no valor de 2.405 €;

61. Os fundos existentes na conta nº 06515730101 de que o assistente é titular, na agência do BPN da Loureira, com que os pagamentos descritos em 58. a 60., haviam sido retirados da conta nº 101760470, depósito à ordem da agência da Nova Rede do BCP de Fátima;

62. A qual era titulada por JM..., por uma irmã sua e por alguns dos filhos daquele;

63. Para além disso, a arguida MM... convenceu o assistente a deslocar-se à Suíça, para irem buscar o Jaguar matrícula 26671/01/12, modelo XJ Executive 4.0 L, com matrícula atribuída em 17 de Fevereiro de 1998;

64. Com o argumento de que se tratava de um veículo que uma tia falecida de CD... havia deixado a esta última, de herança;

65. E que seria o futuro veículo de família, para ser utilizado pelo assistente e pela CD..., depois do casamento de ambos;

66. Viagem que o assistente fez, em Setembro de 2001;

67. E cujas despesas custeou;

68. Por estar convencido de que os factos descritos em 64. e 65. correspondiam à verdade;

69. Em data não concretamente apurada, mas durante o período compreendido entre Junho de 2001 e Janeiro de 2002, a arguida MM..., referindo que a CD... viria a Portugal, marcou dia e hora, para que o assistente comparecesse no Aeroporto da Portela, a fim de ir buscar a sua «noiva»;

70. Tal encontro, porém, não aconteceu;

71. Em duas diferentes ocasiões, não concretamente apuradas, mas durante o período compreendido entre Junho de 2001 e Janeiro de 2002, a arguida MM..., convenceu o assistente a viajar à Suíça;

72. Com o argumento de que, se a CD...estivesse melhor de saúde, iria encontrar-se com eles, naquele país;

73. Ao que o assistente acedeu, porque queria conhecer a sua noiva;

74. Tendo ele suportado os custos com as viagens e as estadias em hotel;

75. Na primeira dessas viagens, pernoitou três noites numa casa que a arguida MM... dizia pertencer à noiva do assistente CD...;

76. Mas em nenhuma dessas duas viagens, o assistente logrou encontrar a tal noiva CD...;

77. Que o assistente nunca chegou a conhecer pessoalmente;

78. Porque a mesma CD... não correspondia a nenhuma pessoa física;

79. Tratando-se de uma personagem inventada pela arguida MM...;

80. Que, tendo-se apercebido da solidão e carência de afecto sentidas pelo assistente;

81. Bem como da ansiedade que o assistente tinha em encontrar uma mulher com quem casar;

82. E da sua ideação de grandeza, euforia e falta de crítica para os seus comportamentos;

83. Decidiu criar no espírito do assistente a ilusão de que se iria casar com uma mulher jovem, bonita, rica e bondosa;

84. Mas que se encontrava doente e a precisar de dinheiro para se tratar;

85. Estando a arguida MM... ciente de que os factos descritos em 7. a 41.; 46.; 64.; 65.; 69. a 73. e 75. não correspondiam à verdade;

86. Mas que afirmou, fomentando a falsa ideia de relação amorosa, de casamento futuro e de doença da «noiva» do assistente, apenas com o propósito de fazer com que o assistente lhe entregasse as quantias monetárias e pagasse despesas a favor dela e da arguida SS..., nos termos descritos em 57. a 60.; 67. e 74.;

87. Que ascenderam a um montante global de € 1.089.586,30;

88. De que as arguidas MM... e SS... se apoderaram como se fosse coisa sua;

89. Cientes de que tais quantias monetárias não lhes pertenciam;

90. Nem a elas tinham direito;

91. E de que o assistente, se fosse conhecedor de que não existia CD... alguma, nem casamento futuro e de que não iria ser restituído desse dinheiro, não teria efectuado os depósitos, transferências bancárias e despesas descritos em 57. a 60.; 67. e 74.;

92. A arguida SS... quis colaborar com a arguida MM..., nos termos descritos em 26. a 28. e 35. e 36.;

93. Ciente de que tais factos não eram verdadeiros;

94. Apenas com o propósito de ajudar a sua mãe a convencer o assistente a praticar os actos descritos em 57. a 60.; 67. e 74.;

95. Ambas as arguidas agiram de forma livre, deliberada e consciente;

96. Sabendo que as suas condutas são proibidas por Lei;

97. A arguida SS... não tem antecedentes criminais;

98. É engenheira civil de profissão;

99. Auferindo um vencimento mensal de € 800,00;

100. Vive sozinha;

101. Numa casa arrendada, mediante uma renda mensal de € 300,00;

102. É considerada pessoa educada, calma, honesta e generosa;

103. A arguida MM... sofreu as seguintes condenações:

Em 21 de Março de 2002, no processo comum singular nº 14276/00.0TDLSB do 2º Juízo Criminal de Matosinhos, em pena de multa pela prática de um crime de burla;

Em 6 de Novembro de 2002, no processo comum singular nº 667/98.8GAMAI do 2º Juízo Criminal da Maia, em pena de multa, pela prática, em 23 de Julho de 1998, de um crime de ofensa à integridade física simples;

Em 4 de Novembro de 2005, no processo comum singular nº 497/03.7PGPRT do 2º Juízo Criminal do Porto, em pena de multa, pela prática em 14 de Março de 2003, de um crime de emissão de cheque sem provisão;

Em 8 de Fevereiro de 2006, no processo comum singular nº 269/04.1GBBAO do Tribunal Judicial de Baião, em pena de multa, pela prática em 20.06.2004, de um crime de emissão de cheques sem provisão;

Em 27 de Junho de 2006, no processo comum singular nº 353/03.9PRPRT do 2º Juízo Criminal do Porto, em pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos, pela prática, em 2 de Maio de 2001, de quatro crimes de emissão de cheque sem provisão;

Em 18 de Dezembro de 2007, no processo comum singular nº 222/04.5GBTMC do Tribunal Judicial de Mogadouro pela prática, em 10 de Maio de 2005, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração;

104. Em resultado dos factos descritos em 1. a 96., o assistente JM... ficado com contas bancárias a zero ou com saldo negativo;

105. E com uma dívida de € 89.927,87, na Nova Rede, proveniente da subscrição de três livranças;

106. Quantia que o assistente veio a liquidar, com o produto da venda de um terreno que tinha em Leiria;

107. Quando percebeu que já não tinha dinheiro, o assistente ficou triste, decepcionado e revoltado;

108. Só mais tarde, por volta de 2006, tendo perdido a esperança em conhecer a tal noiva CD... e vir casar com ela, de acordo com as promessas que a arguida MM... lhe havia feito em 2001 e 2002.

109. O assistente nasceu em 14 de Dezembro de 1935.

110. A arguida cresceu no agregado familiar de origem, com os seus pais, três irmãs e as tias maternas;

111. Tendo com seu pai uma ligação afectiva especialmente coesa;

112. Na altura da revolução de Abril de 1974, por decisão de seu pai, foi viver para casa de uns amigos, em França;

113. Onde veio a completar o 11º ano de escolaridade;

114. Foi mãe, pela primeira vez, aos dezanove anos, fruto de uma relação de namoro;

115. Tendo a arguida mantido o seu filho aos seus cuidados, até que a criança completou dez anos de idade;

116. Altura em que veio para Portugal, viver com os seus avós paternos;

117. Em 1977, contraiu casamento com AX......;

118. Com quem veio a ter a sua segunda filha e aqui arguida SS...;

119. Dedicava-se à construção civil, em França;

120. Mais tarde, dedicou-se ao negócio de compra e venda de arte, explorando galerias de arte, que mantém até hoje;

121. Nos anos de 1998/1999 envolveu-se emocionalmente com um indivíduo, com o qual manteve uma relação amorosa, durante cinco anos;

122. E à qual atribuí a perda de controlo sobre a sua vida, quer em termos financeiros, quer a nível pessoal;

123. O seu marido soube do facto descrito em 121., tendo optado por não se separar;

124. A arguida mantém boas relações com os pais dos seus filhos.

2.2.MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve por base os seguintes fundamentos:

No que se refere aos descritos nos pontos 1. a 4., o extracto da publicação do anúncio da agência «Tête-a-Tête», cuja cópia está a fls. 20, conjugado com as declarações do assistente;

No que se refere aos descritos em 5. e 6., as declarações do assistente, conjugadas com o depoimento da testemunha EK...;

No que se refere aos nºs 9. a 33., a análise crítica comparada e conjugadas das declarações de ambas as arguidas, com as que foram prestadas pelo assistente, tudo ponderado e conjugado com os depoimentos das testemunhas TR…, VC... e AE...;

Sendo, ainda, no que se refere aos descritos em 29. a 33., o apontamento pessoal do assistente cuja cópia está a fls. 55, conjugada com a facturação detalhada do seu telemóvel, relativa a chamadas recebidas e efectuadas no período compreendido entre 16 de Junho de 2001 e 15 de Dezembro de 2001, que está juntas a fls. 1333 a 1399, tudo conjugado, ainda, com os depoimentos das testemunhas VC...; AE... e LJ...;

No que se refere aos descritos em 34. a 40., a análise comparada das declarações da arguida MM..., quando confrontada com a carta que ela própria escreveu e que se encontra a fls. 1188 a 1192, com as cartas de fls. 1181 a 1187 e de fls. 1193 a 1195, com as declarações do assistente e com os depoimentos das testemunhas GB... e DF...;

Quanto aos descritos em 41. a 44., as declarações do assistente, conjugadas com o depoimento da testemunha HB...;

No que se refere aos descritos em 46. e 47., as declarações do assistente;

No que se refere aos descritos em 48. a 53., a análise conjugada dos depoimentos das testemunhas VC..., TR...; EK...; HB...; RV...; AE... e LJ...;

No que se refere aos descritos em 54. a 56., a análise crítica e conjugada dos relatórios médicos de fls. 13 a 15; 17 a 19 e 1168 a 1170; 485 a 490 e 604 a 606, do relatório clínico de fls. 224, com os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos WB..., médico psiquiatra que desde 2002, observa e medica o assistente, tendo sido ele, quem elaborou aqueles relatórios médicos de fls. 13 a 15; 17 a 19 e 1168 a 1170, quem diagnosticou o síndrome demencial fronto-temporal, diagnóstico este, confirmado pela Sra. Perita ZS..., médica psiquiatra que, a pedido do Tribunal observou o assistente, por duas vezes, em 2006, na sequência do que elaborou o relatório médico-legal de exame às faculdades mentais do assistente de fls. 485 a 490;

Estes meios de prova, ainda, conjugados com o teor do relatório de perícia à personalidade de fls. 192 a 196, o qual, se aqui se dá por transcrito, destacando-se a seguinte passagem que se transcreve:

“Numa perspectiva longitudinal do desenvolvimento de JM..., destaca-se a manifestação dos primeiros sintomas psicopatológicos por volta dos sessenta anos, designadamente perturbação da função mnésica, mas também labilidade de humor e descontrolo emocional, perturbação do pensamento e deterioração em relação ao nível de funcionamento anterior nas áreas do trabalho relações familiares e sociais. Estes sintomas foram posteriormente (…) imputados a Demência do tipo frontal (Doença de Pick).”

“Como características da sua personalidade, destacamos a simplicidade e a imaturidade que apresenta em termos do seu funcionamento (que se podem traduzir vem interpretações desajustadas da realidade) e as dificuldades nas relações de maior proximidade afectiva. Estes traços que nos parecem estruturais, poderão ter contribuído de modo predisponente (em conexão com a perturbabilidade associada à doença diagnosticada) para o seu envolvimento nos factos descritos, dificultando a sua capacidade de autodeterminação.”;

Em relação aos descritos em 57. a 60., a análise comparada das declarações da arguida MM..., com as declarações do assistente, por seu turno, conjugadas com toda a documentação bancária, cópias de cheques, extractos de conta-corrente, talões de depósito, facturas, recibos que se elencam:

58.; A), 1) a 8), os documentos de fls. 59 e 60; 61 e 62; 63 e 64; 65 e 66; 67 a 70; 71 e 72; 73 a 77; 78 a 81, respectivamente;

58. B), 1), os documentos de fls. 82 a 86;

58. B), 2), os documentos de fls. 87 e 88;

58. C), 1) a 4), os documentos de fls. 89 a 91; 92; 93 a 95 e 97, respectivamente;

58. D), a), o documento de fls. 96;

58. D) b), os documentos de fls. 98 a 100, sendo quanto a estes, ainda, conjugados com o depoimento da testemunha PB…, que esclareceu em que circunstâncias e para que finalidades foi aberta aquela conta e quem a geria e a ela tinha acesso exclusivo.

58. E), o documento de fls. 101;

58. F), os documentos de fls. 102 e 103;

59., os documentos de fls. 104 a 108;

60., o documento de fls. 123;

No que se refere aos descritos em 61.e 62., os documentos de fls. 1196 e 1197, declarações do assistente e depoimento da testemunha TR... que era contitular com seu pai e sua tia e uma outra irmã, da conta bancária do BNC em apreço;

Em relação aos descritos em 63. a 68., as declarações do assistente e o depoimento da testemunha RV...;

Em relação aos descritos em 69. e 70., os depoimentos das testemunhas AE… e TR...;

Quanto aos descritos em 71. a 77., as declarações do assistente;

No que se refere à inexistência física da CD..., referida em 78., além das declarações da arguida MM..., conjugadas com as do assistente, os resultados das pesquisas junto das bases de dados da DSIC, juntos a fls. 1519 e 1529, na sequência do despacho proferido na acta de fls. 1475 a 1482;

Em relação aos descritos em 79. a 96., a análise crítica e conjugada das declarações de ambas as arguidas, com as declarações do assistente e com os documentos de fls. 59 a 108 e 123;

Em relação ao descrito em 97., o certificado de registo criminal de fls. 1575;

Em relação aos descritos em 98. a 101., as declarações da arguida SS...;

Quanto aos descritos em 102., o depoimento da testemunha PS..., amiga da arguida SS...desde há dez anos, tendo frequentado juntas o curso superior de engenharia civil;

Em relação aos antecedentes criminais da arguida MM..., mencionados em 103., o certificado de registo criminal que antecede;

No que se refere aos descritos em 104. a 106., as declarações do assistente, conjugadas com os documentos de fls. 56 e 57 e com o depoimento da testemunha VC…;

Em relação ao descrito em 107., a análise conjugada dos depoimentos das testemunhas VC...; DF...; GB… e AE... e os esclarecimentos do Sr. Perito WB...;

No que se refere ao descrito em 108., a análise conjugada do relatório de perícia sobre a personalidade do assistente de fls. 192 a 196 e dos esclarecimentos da Sra. Perita ZS..., que constatou tal facto, na observação que efectuou ao assistente em 2006;

Em relação ao descrito em 109., as cópias do bilhete de identidade do assistente de fls. 12 e 51 e 214;

No que se refere aos descritos em 110. a 124., o relatório social de fls. 1151 a 1155.

Análise crítica da prova:

Face ao conteúdo das declarações prestadas pela arguida MM... e à sua postura em audiência de discussão e julgamento, várias observações cumpre fazer:

As primeiras, mais imediatas e evidentes, referem-se à sua auto-vitimização perante os factos objecto do processo e ao facto de que nunca respondeu de forma directa a qualquer das questões que lhe foi colocada, torneando as perguntas que directamente lhe foram feitas sobre os factos descritos na acusação, com uma sucessão de relatos de eventos que apresentou como fazendo parte do seu percurso de vida.

A propósito de perguntas como, quando e em que circunstâncias conheceu o assistente, se teve ou tem alguma ligação à agência de companhia e/ou de encontros «Tête-a-Tête», foi desfiando uma lista quase infindável de profissões e de episódios, a maior parte, refira-se, totalmente inverosímeis e a roçar o absurdo.

Todos, porém, com uma característica comum – a de que a arguida MM... é uma pessoa muito bem sucedida profissionalmente, rica e com grande liquidez monetária, muito bem relacionada até a nível internacional e uma artista (no decurso das suas declarações lançou «desafios» vários: um, ao melhor «Chef» de cozinha, outro, ao melhor pintor, ao melhor decorador de interiores, intitulando-se especialista em todas estas áreas e apta a competir com qualquer artista ou profissional dessas artes ou sectores de actividade, invocando ser capaz de fazer qualquer réplica de qualquer pintura, além, da sua própria, com o seu estilo individual, intitulando-se, também, construtora civil, restauradora de Castelos, no Canal da Mancha; construtora de pontes, por cima da linha do TGV, nos anos noventa do Século XX; negociante de arte e de antiguidades, artista plástica, «cotada internacionalmente», para usar uma expressão proferida pela própria, dona de uma fábrica de móveis, proprietária de restaurantes e de várias galerias de arte, no Porto, em Fafe e em França, de 99 linhas telefónicas de valor acrescentado, referindo, ainda, ter trabalhado na exploração do ouro, na Serra Leoa e, na exploração de pedras preciosas, na Guiné Konakri e, por fim, na sessão do julgamento realizada no dia 8 de Julho de 2010, desenhadora de frascos de perfume da marca francesa «Nina Ricci», a que ainda haverá que somar a referência de que é «arquitecta», contida no atestado médico que juntou a fls. 1533, para justificar a sua falta à audiência de discussão e julgamento realizada no dia 19 de Maio de 2010).

Seguem-se alguns exemplos, entre muitos dos que invocou e ilustrativos da falta de credibilidade de grande parte das suas declarações:

O facto de que não arrenda as suas casas na Suíça, preferindo cedê-las gratuitamente, porque, desse modo, acaba por «ganhar mais», do que receberia dos montantes de renda que cobrasse.

Isto, segundo explicou, porque os libaneses amigos do pai do seu filho Ç..., que, aliás, até é um Emir, durante o Ramadão, só comem cordeiro e couscous e utilizam as banheiras das casas que a arguida lhes cede gratuitamente, para assarem os cordeiros que comem, entregando à arguida veículos automóveis de alta cilindrada como Ferraris, Porsches e Jaguares, para a compensarem dos estragos que lhe causam, nas ditas banheiras.

Anote-se a bizarria deste relato, nem se vislumbrando que pessoas que têm capacidade económica para terem e oferecerem Ferraris e Porsches e Jaguares à arguida precisem de assar cordeiros em banheiras de casas por ela emprestadas, pois muito mais fácil e comodamente se instalariam num qualquer hotel onde, (depois do Pôr do Sol, em época de Ramadão), poderiam ser servidos de cordeiro ou qualquer outro prato à sua escolha, sem terem o trabalho de o confeccionar.

E, por muito luxuoso que tal hotel fosse, sempre lhes ficaria mais barato do que terem de pagar os estragos nas banheiras da arguida, pela forma por ela relatada.

Porém e além deste despropósito, esclareceu, ao mesmo tempo, que as casas da Suíça, em Biarritz, etc., pertencem a uma tal família de multimilionários franceses, proprietários das fábricas que produzem as canetas e isqueiros da marca «BIC», sendo que um dos membros dessa família é o pai da sua filha e co-arguida, nestes autos, SS... (apesar de que, dos dados de identificação desta última, constantes dos autos, resulta que é filha de …) e que, por força dessa ligação paterno-filial, a tal família lhe permite usar e desfrutar das casas, como se fossem dela.

Mais ilustrativo ainda é o episódio de que foi a arguida quem lançou o pintor Marc Chagall, no mundo das artes plásticas.

Relembram-se aqui e a este propósito as palavras que a arguida, depois de anunciar que pintou com este pintor, proferiu: «O Marc Chagall não valia nada. Ninguém queria apostar nele».

Ora, o pintor Marc Chagall é um dos maiores vultos da pintura do Século XX, além de gravurista, ceramista e vitralista.

Quando a arguida nasceu, em 1 de Dezembro de 1957, já Marc Chagall contava 70 anos de idade, pois que nasceu em 7 de Julho de 1887, na cidade de Vitebsk que hoje faz parte da Bielorússia.

Morreu com 97 anos, em 28 de Março de 1985, no Sul de França.

Em 1977, portanto, quando a arguida, tinha 20 anos de idade, Marc Chagall foi agraciado pelo Governo Francês com a grã-cruz da Legião de Honra, justamente, em atenção ao seu enorme talento e ao seu sucesso à escala mundial, sendo certo que já em 1973, havia sido inaugurado em Nice e em sua homenagem, o museu da mensagem bíblica de Marc Chagall, integrando obras deste último dedicadas a temas bíblicos.

São da sua autoria obras como «eu e a aldeia», «auto-retrato com sete dedos», ambas de 1911; «mulher grávida» de 1912-1913; «o soldado bebé» de 1912; «o violinista verde» de 1923-1924; «a mulher e as rosas» de 1929; «os três acrobatas» de 1926; «a crucificação branca» de 1930; «a sirene» de 1945 e muitas e muitas mais.

Em 1927, fez as famosas ilustrações das fábulas de La Fontaine (cem gravuras) que vieram a ser publicadas em 1952, portanto, cinco anos antes de a arguida ter nascido.

A primeira grande retrospectiva da sua obra teve lugar em 1933 (quando Marc Chagall contava 46 anos de idade e vinte e quatro anos antes do nascimento da arguida), no Kunstmuseum de Basileia.

Foi dos poucos artistas e expor as suas obras, ainda em vida, no museu do Louvre.

Em 1947 pintou grandes telas, entre as quais, os cenários para o bailado «Pássaros de Fogo» de Stravinski, bem assim, nos anos 1960, os murais – Triunfo da Música e Fontes da Música – que se encontram no grande hall da Metropolitan Opera House de Nova York.

São da sua autoria, os murais pintados nos tectos da Ópera de Paris, além de outros trabalhos, no Vaticano e no edifício das Nações Unidas, em Nova York (a Janela da Paz).

Quando a arguida tinha apenas um ano de vida (em 1958), Marc Chagall criou os vitrais da catedral Saint Etienne da cidade de Metz, para além de muitos outros, nos anos seguintes, incluindo os célebres doze vitrais da sinagoga da Hadassah Medical School da Universidade Hebraica de Jerusalém, representando as doze tribos de Israel.

Estes dados de informação estão longe de esgotar toda a vida e obra deste grande artista, mas são quanto basta para evidenciar a falta de sentido de medida, para dizer o mínimo, com que a arguida decidiu contar estas estórias ao Tribunal.

Bizarrias e «fait-divers» à parte, quanto àquilo que verdadeiramente releva, para o desfecho da causa, outras observações se impõem quanto ao conteúdo das declarações da arguida, na parte em que têm alguma ligação com o objecto do processo, mas que conduzem à mesmíssima conclusão, ou seja, a de que as mesmas além de ilógicas e incoerentes, não têm, em boa parte, correspondência com a realidade.

A arguida veio preconizar a tese de que quem lhe devia dinheiro era o assistente, em virtude de negócios e projectos de negócios que tinham previsto levar a cabo em parceria e que, nuns casos, não vieram a concretizar-se, em virtude de, entretanto, ter sido detida e, noutros, porque o assistente a enganou.

Concretamente, esses negócios referiam-se, um, à construção de um museu de arte sacra, em Fátima, num prédio de quatro pisos, de que o assistente é proprietário, junto ao Santuário e que estava, então e desde cerca de dezassete anos antes, embargado, estando pendente em Tribunal uma acção judicial com vista à solução do caso e, outro, à construção de edifícios de apartamentos nuns terrenos de que o assistente era também proprietário em Alenquer e no Algarve.

A arguida disse que o assistente, lhe havia dito que já havia efectuado as partilhas dos bens com a sua ex-mulher, que era corrector na Bolsa de Valores de Lisboa e que tinha combinado com ela, arguida, acabarem de construir em parceria o tal prédio embargado em Fátima, para ali instalarem o tal museu de arte sacra, o que a deixou absolutamente fascinada pelo edifício e pelo projecto, em virtude da sua religiosidade e da sua paixão por arte sacra, em que também negoceia.

Usou a expressiva afirmação «eu queria aquele prédio para mim» (sessão do julgamento do dia 8 de Julho de 2010).

Invocou que quem está prejudicada é ela própria, uma vez que, em títulos de dívida pública francesa, dinheiro, obras de arte e jóias, entregou ao assistente mais de esc. 500.000.000$00.

Acrescentou que foi para o reembolso de parte desta quantia que se destinaram as transferências e depósitos bancários descritos na acusação.

Desde logo, perante esta versão, sempre fica por explicar por que é que o assistente efectuou pagamentos de anúncios de promoção no “Correio da Manhã”, no montante global de esc. 309.863$00 (1.545,59 €) que nada têm que ver com os negócios relatados pela arguida, mas que se referem a facturas emitidas em nome da arguida SS....

Também fica por explicar e compreender, com base na versão dos factos apresentada pela arguida MM..., porque é que, em 9 de Novembro de 2001, o assistente efectuou uma transferência de € 35.000,00 para uma conta bancária, na Suíça, indicando como titular dessa conta o nome de CD..., com referência a uma conta bancária que a própria arguida MM... reconheceu ser da sua titularidade, na Suíça e como também resulta demonstrado nos documentos de fls. 82 a 85.

Sem explicação fica também a viagem à Suíça para ir buscar o Jaguar, que a arguida não negou, antes confirmou, adicionando-lhe, contudo, um segundo Jaguar, que teria sido conduzido por ela própria, tendo o assistente trazido o outro, para Portugal pese embora o depoimento da testemunha HB... que acompanhou o assistente, nessa viagem, nunca tenha estado na presença da arguida MM... e pese embora o documento que a mesma arguida juntou a fls. 1624, para sustentar esta sua versão, se refira exactamente ao mesmo Jaguar mencionado na acusação, como se pode verificar do teor de tal documento e da sua comparação com os que se encontram juntos a fls. 47 a 50, especialmente, com o de fls. 48, de que resulta o mesmo modelo, nº de chassis – SAJJJALD4CR831519, data de atribuição da matrícula – 17 de Fevereiro de 1998.

Muito menos se percebe, porque é que, perante um prejuízo tão elevado – de esc. 500.000.000$00 – emergente de factos ocorridos há nove e dez anos, a arguida não tenha instaurado qualquer acção judicial adequada a cobrar do assistente as quantias de que considera ser credora, em relação ao assistente.

Aliás, tendo sido confrontada com esta questão, nem sequer apresentou uma explicação minimamente clara ou plausível para essa sua omissão ou inércia em cobrar do assistente quantias de montante tão avultado, invocando ter tido cinco Advogados e que todos a enganaram, sem que se tenha percebido exactamente como, nem porquê, nem sequer se essa sucessão de azares com a contratação de profissionais forenses teve algo a ver com alguma tentativa sua de reaver do assistente o dinheiro e os valores que diz ter-lhe entregue.

Ao invés, esperou pela audiência de discussão e julgamento, iniciada, nestes autos, em 24 de Fevereiro de 2010, cerca de dez anos depois, para apresentar esta tese e juntar as declarações de fls. 1407 a 1410.

Acerca da construção do museu de arte sacra, no edifício, em Fátima, de que o assistente é proprietário, a arguida MM... revelou saber que o mesmo se encontrava embargado há dezassete anos, às datas dos factos objecto deste processo e que sobre tal questão se encontrava pendente em Tribunal, uma acção.

Ainda assim, tal como disse, num primeiro momento, mandou vir um arquitecto da Suíça, expressamente, para vir ver o edifício, embora, depois, quando confrontada com a circunstância de, naquele contexto, nem sequer ser previsível que a breve trecho ficasse clarificada e decidida a situação jurídica do prédio, tenha acrescentado que a razão da vinda do arquitecto também se prendia com a remodelação de um seu restaurante «Rosmaninho» (deste estabelecimento, ouviu-se, então, falar pela primeira vez e já muito depois da apresentação que havia feito da variada lista de actividades por si desenvolvidas e de património de que é proprietária).

Referiu que tinha entregue ao assistente, só em títulos do tesouro francês, o valor correspondente a 274 mil contos, cujo destino era serem investidos na criação do museu de arte sacra em Fátima.

Todavia, não sabia quanto dinheiro seria necessário para o investimento, na construção do museu, o que, dito por uma pessoa que se dedica aos negócios, para mais, de construção civil, desde os dezassete anos de idade, tendo, actualmente, 52 anos é, no mínimo, incoerente e estranho, pois seria de esperar que tivesse feito um estudo prévio, nessa matéria, para já não falar da necessidade de aguardar pelo desfecho da acção judicial, na qual se encontrava em discussão a questão do embargo da obra, como recomendavam as regras de elementar prudência, quanto a um negócio de tal envergadura.

Também a propósito dos títulos, que a arguida MM... chama de «títulos do tesouro público francês», mas que, a avaliar pela cópia exibida pela testemunha DU..., requisitada para o processo e junta a fls. 1576, bem como pelo depoimento desta testemunha, corroborado, nesta parte, pela versão apresentada pela arguida MM..., mais não são, afinal, do que um produto financeiro comercializado por uma instituição bancária francesa, de rentabilização de capital, em função de determinados períodos de tempo de poupança, foi-lhe colocada a questão sobre qual a urgência e/ou necessidade de os resgatar, se ainda não havia fim à vista para a tal acção judicial que haveria de decidir o destino do prédio onde iria ser construído o museu.

Respondeu que os títulos estavam prestes a vencer, argumento que não é minimamente convincente, porquanto, no que se refere àquele cuja cópia consta de fls. 1576, já se havia vencido em 1996 (considerando que o título tem a data de emissão de 1 de Novembro de 1988 e o período de capitalização de oito anos) e se, como a arguida acrescentou, depois de confrontada com o facto de já estarem vencidos, eram renováveis por iguais períodos, considerando o período total de oito anos, o vencimento seguinte só teria lugar em 2004, ou, mesmo que pudessem ser resgatados antes, eventualmente, no final de cada ano, sempre as regras de prudência e de boa gestão de recursos aconselhariam a manter o dinheiro investido e, uma vez decidida a questão do embargo da obra, resgatar os títulos, no final do período mais próximo, o que providenciaria maior rentabilização, logo, maior liquidez para tal investimento.

Mas a estas dúvidas, a arguida não logrou dar qualquer resposta ou explicação.

Ainda com referência aos «títulos do tesouro público francês».

Na sequência do depoimento da testemunha …, na sua qualidade de funcionário bancário, no BIC, a pedido da arguida MM..., deu início a processo de resgate ou transacção de tais títulos, o que seria possível, em virtude de o BIC ter, como sua associada, uma instituição de crédito francesa, mas que esse processo paralisou e se frustrou, a partir do momento em que tendo sido exigido à arguida MM... que revelasse a proveniência do dinheiro investido em tais títulos, esta, depois de sucessivas vezes solicitada a dar tal informação, recusou sempre fazê-lo.

A arguida MM... confirmou que tal depoimento corresponde à verdade.

Assim, a arguida MM... começou por explicar que nunca disse qual a proveniência dos fundos investidos naqueles títulos, porque o dinheiro pertence à família da sua filha SS...– os tais multimilionários das canetas e dos isqueiros de marca «BIC» e quis proteger a privacidade da filha e da família paterna da sua filha, para evitar que a notícia da origem do dinheiro e do resgate destes títulos fosse parar aos jornais.

Quando confrontada com o facto de o funcionário bancário estar vinculado a sigilo bancário, manteve que pretendia, a todo o custo, preservar a privacidade da filha e da família paterna da mesma, por isso que omitiu tal informação.

Mas na audiência de discussão e julgamento, que foi realizada sem exclusão de publicidade e com várias pessoas na assistência, revelou a origem do dinheiro, com o que, aliás, foi confrontada.

Também referiu que solicitou aos Srs. Drs. JF... e DU...que providenciassem pelo resgate dos títulos, para além de mais três advogados, mas que estes queriam uma elevada percentagem (25% sobre os valores dos títulos) para assumirem essa incumbência e que foi por esse motivo que os entregou ao assistente.

Mas o que fica por explicar é porque é que esses dois Srs. Advogados, sobretudo o Sr. Dr. JF..., ainda assim, tiveram uma intervenção tão directa e decisiva, na elaboração dos documentos que titulam a entrega desses títulos, segundo as declarações da própria arguida e os depoimentos, nesta parte coincidentes, da testemunha DU....

Apesar de ter casas e galerias de arte e outros negócios em França, para além de património e negócios em outros países, não descontou em França, junto da instituição bancária francesa emitente dos títulos, para ninguém saber que o dinheiro era pertença da família BIC.

Foi-lhe, então, feita a referência de que, em França também existe sigilo bancário, perante o que, acrescentou que, afinal o que pretendia era não ter de pagar ao fisco os impostos que fossem devidos pelo resgate destes títulos.

Ainda, neste contexto da tese defendida pela arguida MM..., de que é credora do assistente e de que o dinheiro que foi por ele transferido ou depositado em contas bancárias suas se destinou a restituir-lhe parte dos bens e valores que, em momentos anteriores, a mesma arguida lhe havia entregue e para sustentar esta versão, foram juntas as declarações que integram fls. 1407 a 1410 (cópias) e cujos originais se encontram a fls. 1545 a 1548.

E, para corroborarem o conteúdo desses documentos, arrolou como testemunhas, além de outras, as que vieram a ser inquiridas em audiência de discussão e julgamento: BJ...; BN…; DU....

Essas declarações têm o seguinte teor de fls. 1545, sob o título «Declaração de Dívida»: «Eu JM..., portador do B. I. nº … declaro para os devidos efeitos legais, que recebi de MM..., portadora do B. I. nº …, a quantia de 75.000.000.00 (setenta e cinco milhões de escudos), para aplicação na bolsa no âmbito da minha profissão de corrector, comprometendo-me a entregar a referida quantia acrescida de percentagem de lucro a haver, nesta aplicação, em dinheiro.

«Por ser verdade, assino

«02 de Março de 1999

«JM...»;

A de fls. 1546 sob o título «Declaração de Dívida»: «Eu JM..., portador do B. I. nº …, venho por este meio declarar que recebi a título de empréstimo de MM..., portadora do B. I. nº …, a quantia de 25.000.000.00 (vinte e cinco milhões de escudos), comprometendo-me a liquidar este valor até ao dia 30 de Julho do corrente ano, sem juros

«Por ser verdade, passo a assinar

«09 de Maio de 1999

«JM...»;

A de fls. 1547 sob o título «Declaração»: «Eu JM..., portador do B. I. nº, venho por este meio declarar que recebi a título de empréstimo a quantia de 80.000.000.00 (oitenta milhões de escudos) de MM..., portadora do B. I. …, para aplicação na aquizição de terrenos na zona do Algarve, com o fim de investimento

«Por ser verdade, assino

«05 de Setembro de 2000

«O devedor JM...

«O credor MM...»

A de fls. 1548 sob o título «Declaração»: «Eu JM..., portador do B. I. nº …, declaro para os devidos efeitos legais que recebi de MM..., portadora do B. I. nº …, para guardar em minha casa em Fátima, os valores que passo a discriminar, comprometendo-me a entregá-los até ao dia 01 de Dezembro do corrente ano:

«obras de arte no valor de 15.000.000.00 (quinze milhões de escudos);

«títulos de tesouro público francês, ao portador, no valor de 30.000.000.00 (trinta milhões de escudos);

«jóias, ouro e prata no valor de 55.000.000.00 (cinquenta e cinco milhões de escudos)

«Porto 22 de Outubro de 2001

«O Devedor JM...

«O Credor MM...».

Não deixa de ser curioso que, em todas estas declarações, seja naquelas em que se faz a menção de que quem as irá assinar é o assistente e em que é ele quem, à face do texto ali contido, se confessa devedor, perante a arguida (as de fls. 1545 e de 1546), quer as que contêm locais absolutamente diferenciados para a assinatura de cada uma das partes, com menção identificativa expressa a devedor e a credor (é o caso das de fls. 1547 e 1548), a assinatura da arguida, composta pelo seu nome completo, está sempre e invariavelmente aposta quase por cima da rubrica representativa do nome «JM...», sobrepondo-se parcialmente a esta rubrica.

A consequência objectiva deste facto é, naturalmente, a inviabilidade de recurso à prova pericial, com vista a apurar se a letra da rubrica representativa do nome do assistente é verdadeira ou falsa (atendendo à veemente negação do assistente de que tenha assinado tais declarações, no que foi corroborado pela testemunha VC... de que a rubrica contida nas declarações não é da autoria do seu pai), seja pela curta extensão da mesma, seja, sobretudo, porque se encontra escondida pela assinatura da arguida.

Mas há muitas outras razões para não conferir qualquer valor probatório a tais documentos, que são as seguintes:

As declarações que referem empréstimos de esc. 25.000.000$00 e de esc. 80.000.000$00 de 9 de Maio de 1999 e de 5 de Setembro de 2000 não têm valor jurídico algum, considerando que, em tais datas, por imposição do art. 1143º do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo D.L. 343/98 de 6.11., contratos de mútuo de tais valores só seriam válidos e eficazes, se celebrados por escritura pública;

Quanto à declaração que refere a entrega ao assistente, por parte da arguida MM... de «obras de arte no valor de 15.000.000.00 (quinze milhões de escudos); de «títulos de tesouro público francês, ao portador, no valor de 30.000.000.00 (trinta milhões de escudos); de «jóias, ouro e prata no valor de 55.000.000.00 (cinquenta e cinco milhões de escudos):

Estranhamente, não há qualquer menção descriminada, de que resulte a identificação destas obras de arte, as quais, segundo a arguida MM..., vieram da Suíça, quando veio o Jaguar (aliás, eram dois jaguares – um foi trazido pela arguida, outro, pelo assistente) também veio um camião com obras de arte, parte das quais encontrou num sótão de um dos três castelos que restaurou no Canal da Mancha por volta dos anos de 1982 e dos quais, pelos vistos, se apropriou indevidamente, tendo-as mandado restaurar. Trata-se de arte medieval e religiosa.

Outras são da sua autoria, algumas do tempo em que pintou com o Marc Chagall e uma outra, muito especial, também da sua autoria, por cuja concepção e execução até ganhou um prémio (que não referiu qual tenha sido nem por que instituição ou em que certame artístico lhe foi atribuído), uma tal de «Happy Eva» que seria a mascote das suas galerias de arte, de que é proprietária, em França, no Porto e em Fafe.

A ser assim, do mesmo modo, não há qualquer menção, nem aos títulos das obras, nem aos certificados de autenticidade das mesmas, tendo a arguida MM... esclarecido que, hoje em dia, já ninguém se preocupa em emitir os certificados de autenticidade das obras de arte, acrescentando que tal sucede, mesmo com grandes pintores portugueses como Vítor Bual ou Júlio Pomar e que as peças são transaccionadas sem se fazerem acompanhar de tais certificados.

Ora este relato, nem é sequer próprio de uma «marchant», ou negociante de arte, pois que a ser como a arguida MM... pretende, ficaria aberta a porta ao mercado livre da falsificação das obras de arte.

No tocante às jóias, segundo a narrativa da arguida MM..., seriam peças que trouxe dentro dos Jaguares que ela e o assistente foram buscar à Suíça e que vieram camufladas, dentro da bagageira do veículo, escondidas dentro de peças de vestuário e de chapéus e foram por ela colocadas em casa do assistente. Vá-se lá perceber qual a proveniência das mesmas, considerando que, em outro momento das suas declarações, referiu que tinha muitas jóias que lhe eram dadas pelos pais dos seus filhos – o Emir e o multimilionário «da família dos Bics» e, em outro momento, ainda, que as mesmas lhe tinham sido oferecidas por uma senhora chamada Monique e nelas até estava incluída uma pulseira com uma esmeralda azul e também uma esmeralda cor-de-rosa.

Estas últimas, serão, certamente, inéditas variedades ou cores de esmeraldas que a Natureza criou propositadamente e em exclusivo para a arguida, considerando que não há notícia de que as esmeraldas tenham qualquer outra cor que não seja a verde.

Em todo o caso, tendo-lhe sido dadas por outrem, nem sequer se entende qual a necessidade de esconder as jóias, sendo certo que para tal também não foi dada explicação.

É, além disso, muito estranho e inusitado que, estando em causa, valores como aqueles que vêm mencionados em tais declarações e já que estas são da autoria de Srs. Advogados, segundo o que dizem a arguida e também as testemunhas DU..., as referidas declarações de fls. 1545 a 1548 não tenham validade e eficácia jurídica, no que se refere aos empréstimos de esc. 25.000.000$00 e de esc. 80.000.000$00, nem tenha havido o cuidado de indicar a proveniência e os títulos das obras de arte, nem a identificação minimamente descriminada das jóias, nem dos assim chamados títulos do tesouro público francês, por exemplo, por referência aos respectivos nºs de série, datas de emissão e montantes pecuniários neles titulados, sendo certo que estas eram informações passíveis de fácil e rápida apreensão, através da simples leitura dos mesmos títulos, caso se trate de produtos como o que se mostra titulado no documento cuja cópia está a fls. 1576, segundo o que resultou das declarações da arguida MM... e do depoimento da testemunha DU....

E é, para dizer o mínimo, uma temeridade, que Srs. Advogados nem sequer tenham tido o cuidado de identificar aqueles títulos pela forma referida, nem de mandatar o assistente, através de procuração própria para esse efeito, ou de um contrato de prestação de serviços de outro tipo, dando-lhe os poderes para negociar os títulos, mas fixando-lhe prazo para o fazer, quando estavam em causa títulos ao portador e, ainda por cima, de valores tão elevados, valores esses, acerca dos quais também não existe correspondência entre o que a arguida disse (aludiu a 274 mil contos em títulos) e aquilo que consta da declaração, pois nela se diz que o valor entregue em títulos é de esc. 30.000.000$00.

Estes cuidados corresponderiam ao mínimo essencial, na defesa dos interesses do constituinte e do que está ao alcance do conhecimento básico e de um grau de competência mediana de qualquer profissional forense, o que constitui outro factor de peso a desaconselhar a valoração destas declarações, porque nem sequer é crível que qualquer Sr. Advogado agisse de forma tão grosseiramente negligente.

Depois, porque é até muito duvidoso, que estas declarações tenham sido feitas para qualquer outro efeito ou finalidade, que não tenha sido para serem juntas aos presentes autos, a fim de sustentarem a tese da arguida MM... (tendo sido, por suspeitar disso mesmo, que o Tribunal requisitou a perícia com vista a apurar a data do fabrico do papel e da tinta que integram esses documentos, conforme acta de fls. 1475 a 1482 e ofício de fls. 1544).

Isto, face à incongruência das declarações da arguida MM… e dos depoimentos das testemunhas por si arroladas, bem como às contradições insanáveis que se detectam entre as várias versões apresentadas em torno dos motivos e das circunstâncias de tempo, modo e lugar que estiveram na base da elaboração destes documentos de fls. 1545 a 1548, bem como à autoria do texto neles exarado.

Independentemente de a participação criminal que deu origem aos presentes autos ter dado entrada nos serviços do Mº. Pº. junto deste Tribunal, em 28 de Junho de 2002, portanto, há mais de oito anos (tempo não faltou, pois, para juntar tais documentos), a arguida MM... disse que estas declarações foram redigidas e assinadas, todas no mesmo dia, apesar de terem datas diferentes e até tipos de letras diferentes, como se pode verificar da simples leitura de fls. 1545 a 1548, para o que a arguida não deu qualquer explicação.

A mesma arguida, num relato coincidente com os das testemunhas BN... e DU... asseverou ao Tribunal que estas declarações foram redigidas por uma secretária do Sr. Dr. JF..., , segundo as instruções dadas pelo primeiro e assinadas e entregues no escritório da Sra. Solicitadora BJ..., sito na Rua de… e onde todos estiveram – a arguida MM...; o assistente; o Sr. Dr. JF...; o Sr. Dr. DU...e as testemunhas BN... e BJ... – no dia em que as mesmas foram elaboradas, assinadas e entregues.

Esta última, por seu turno, disse ao Tribunal que não assistiu, nem à elaboração, nem à entrega destas declarações, o que é estranho, pois se foi o seu escritório o local utilizado para o efeito e, segundo o seu depoimento, foi por ideia e insistência sua, que estas declarações vieram a ser feitas, embora, num outro momento do seu depoimento, tenha dito que, estas declarações devem ter sido redigidas por alguma Sra. Solicitadora expressamente contratada pelo assistente, para o efeito e que teria elaborado estas declarações com estes textos, de forma deliberada e propositada, para eximir o assistente de quaisquer responsabilidades futuras.

Outros factores de perturbação consistiram, um, no facto de a referida testemunha BJ..., sendo solicitadora de profissão, como se intitulou, não saber qual a forma legalmente exigida para os contratos de mútuo de valores como aqueles que as declarações de fls. 1546 e 1547 referem, em 1999; 2000 e 2001; outro, mais preocupante, no de que, consultado o portal oficial da Câmara dos Solicitadores, na internet, esta senhora não consta registada, como solicitadora, nem por referência ao nome completo, nem por referência à morada do seu escritório, o que, em todo o caso, pode ter ficado a dever-se a falta de perícia da signatária, na realização da pesquisa.

Mas a verdade é que esta testemunha, que conhece a arguida MM..., desde a infância, sendo ela quem trata dos assuntos burocráticos atinentes aos negócios da arguida, quando lhe foram exibidos, a carta de fls. 1188 a 1191 (é a original da cópia de fls. 113 a 120) e o auto de recolha de autógrafos de fls. 406 a 416 (este, com o timbre dos serviços do Mº. Pº. junto do Tribunal da Comarca de Mogadouro tapado, quando o auto lhe foi mostrado), asseverou que aquela letra não era da autoria da arguida MM..., quando, no primeiro caso, foi a própria arguida que confessou ser sua a letra e a assinatura e, no segundo, não há, obviamente, qualquer dúvida de que aquela é a letra da arguida.

Do mesmo modo, referiu que a arguida MM... tinha e tem o hábito de efectuar todos ou, no mínimo, a esmagadora maioria dos seus pagamentos em dinheiro, tendo estimado a percentagem dessa maioria em 99%, o que não é minimamente compatível com as condenações pelos crimes de emissão de cheque sem provisão que a arguida já sofreu, tal como resulta no ponto 103. da matéria de facto provada.

Quanto à testemunha BN..., nem se percebe qual o motivo da sua ida ao tal escritório sito na Rua …, porque se, como explicou, se deslocou àquele local, por curiosidade, pois queria aprender qual era «engenharia financeira», conforme expressão do próprio, da operação de resgate/transacção dos títulos, não se vê que «engenharia» financeira ou outra qualquer, resulte de um texto como aquele que consta de fls. 1548.

São, além disso, múltiplas as contradições que se podem detectar nas declarações da arguida MM...:

Começou por referir de forma pormenorizada, embora com vários episódios de permeio, relacionados com as suas várias profissões, a sua ascendência familiar, as identidades dos pais dos seus filhos Ç... e SS…, a sua riqueza e méritos artísticos, o seu encontro com o assistente, em 1998, quando marcaram um almoço no seu restaurante , depois de uns telefonemas efectuados por um amigo do assistente para as linhas de valor acrescentado da arguida, a requisitar a companhia de duas mulheres para os acompanharem a Lisboa.

A propósito destas linhas de valor acrescentado, explicou que eram linhas de mera conversação, para dar apoio a pessoas sós e que, havia uma espécie de disco ou apetrecho que fazia cair as ligações quando as conversas se transferiam da «simples sensualidade, para a pornografia».

Porém, segundo o documento de fls. 1627, de 17 de Maio de 2000, que a própria juntou, tais linhas «têm como intuito todos os serviços de natureza erótica e sexual».

Porém, ainda, quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que conheceu o assistente, vários anos antes de 1998, segundo a própria, mesmo depois de a pergunta lhe ter sido feita por diversas vezes, nunca as conseguiu explicar, tendo proferido afirmações vagas como «já nos tínhamos cruzado antes….»; «já o tinha visto antes ...».

Negou ter qualquer tipo de ligação com a agência «Tête-a-Tête», invocando que não conhece Cascais e que nunca falou ao assistente em qualquer noiva, nem em nenhuma mulher de nome CD...que também disse nem sequer conhecer.

Mas, quando falou que tinha ao seu serviço três pintoras (sem que se tenha entendido o porquê desta alusão, pois ainda se estava a falar sobre as linhas de valor acrescentado), identificou uma delas como Helena.

À pergunta se era a CD… , respondeu: «CD… não existe. Com esse nome não existe….».

Referiu conhecer de cor a casa do assistente, por lá ter estado dezenas de vezes, designadamente, para guardar as jóias e as obras de arte que disse ter entregue ao assistente, embora nunca tenha explicado qual era o destino dessas jóias e obras de arte.

Todavia, quando convidada a descrever como era a casa, não o conseguiu fazer.

Nem mesmo depois de ter ouvido a testemunha GB… descrever a casa em questão, na sessão do julgamento realizada no dia 22 de Abril de 2010.

Porque sucessivas vezes lhe foi perguntado, se teve ou pretendeu ter uma relação amorosa com o assistente, ou se estava apaixonada por este, insistiu também várias vezes, que a sua relação com o assistente era de elevada estima e respeito, eram confidentes, que tinha grande admiração por JM..., mas não mais do que isso, acrescentando que poderia ter seduzido o assistente, mas por dinheiro que não precisava de o fazer, pois já tinha os pais dos seus filhos.

Para além desta incompreensível mistura ou confusão entre amor e dinheiro, a verdade é que não conseguiu explicar como é que certas alusões contidas na carta de fls. 1188 e seguintes que ela própria escreveu e dirigiu ao assistente, se ajustam a essa amizade fraterna.

Entre essas alusões, contam-se as que de seguida se transcrevem:

«(…) gostaria de vir a encontrar um homem que não tivesse nada, nada, mas que fosse e tivesse a tua alma (…) não te esqueças das pessoas que te amam, mais do que a própria vida. Que não somos nada sem ti (…) penssamos muito muito em ti e cada dia muito mais (…) aquele chi-coração cheio de amor, e ternura, como tua segunda mulher espiritual (…) Mil Beijos. Beijos Sem Fim».

Por referência às jóias que a arguida MM... preconiza que entregou ao assistente, tal como exarado na declaração de fls. 1548, na sessão da audiência do dia 8 de Julho de 2010, tirou de repente, de dentro do bolso do seu vestido, um anel de ouro branco, brilhantes e com uma pérola, que mostrou ao Tribunal, dizendo «este foi o anel que eu desenhei para a Eva….»

Quando lhe foi perguntado qual Eva e se era a tal CD..., começou por dizer que não tinha falado em qualquer Eva, após o que, perante a insistência do Tribunal de que, efectivamente, se tinha referido a uma Eva, como sendo a destinatária desse anel, explicou que, quando disse Eva, queria dizer «Happy Eva» que é o nome das suas galerias de arte.

Mesmo depois de lhe ter sido perguntado se vendia as jóias nas galerias de arte de que é proprietária e ter respondido que não, acrescentou que aquele anel tinha sido por ela entregue a uma tal ..., que é a senhora que aparece retratada nas fotografias de fls. 1400; 1401 e 1403 a 1406, a qual, por seu turno, numa deslocação a Portugal, para ser inquirida como testemunha, no âmbito deste processo, lho devolveu.

Esta senhora, segundo os relatos da arguida MM..., é uma grande amiga sua, que esteve para ser madrinha da arguida SS…, é uma pintora que, quando conheceu o assistente, vivia em união de facto com «um grande arquitecto suíço» que deixou, porque se apaixonou pelo assistente, com o qual manteve uma relação amorosa.

Em contrapartida, o assistente, tendo sido confrontado com as fotografias de fls. 1400 a 1407, referiu serem duas senhoras brasileiras, que lhe foram apresentadas como sendo mãe e filha e que vieram do Brasil a Portugal, onde permaneceram dez ou quinze dias, tendo as suas viagens sido pagas por ele, assistente, a pedido da arguida MM... e que as fotografias retratam uma visita que o assistente lhes fez ao Porto e uma outra que as referidas senhoras fizeram ao assistente, em Fátima e que esses foram os únicos contactos que estabeleceu com ambas.

Referiu, além do mais que, «de um dia para o outro», o assistente alterou o seu comportamento, pois que tinham entre si uma grande relação de amizade e de cumplicidade, pois que estavam muito unidos por uma «fé viva», expressão que a própria mencionou, para referir que tinham em comum uma profunda fé católica, que o assistente era uma pessoa só e carente, que precisava de afecto e que tinha uma alma pura e, de repente, o assistente deixou de falar com ela e apresentou a participação criminal que deu origem a este processo, porque se encontra manipulado pelos filhos, sobretudo, pelo filho VC....

Mas também disse, a este propósito, que, mesmo depois de o assistente ter sido hospitalizado, continuava a falar com ele, durante «horas e horas ao telefone, depois da meia-noite» e durante vários meses, após a alta hospitalar do assistente, acrescentando que este estava muito angustiado por se sentir preso e impedido pelos filhos de sair de casa e fazer a sua vida.

Desde logo, este tipo de afirmações contradiz a asserção de que o assistente se modificou, «de um dia para outro», na sua relação com ela.

A arguida MM... acrescentou que todo este processo é da iniciativa e da autoria de VC..., porque este nunca teve diálogo, nem boas relações com o pai, o assistente, nestes autos, JM... e que este também foi influenciado pelos seus amigos, um bancário e outro, um construtor civil que, segundo o relato da própria, andou a fazer-lhe a corte, mas cujos nomes não identificou e, ainda, por influência do marido da testemunha PB.......

Desde logo, nunca se percebeu nem quem eram esses tais amigos do assistente, uma vez que a arguida não os identificou, nem invocou qualquer facto concreto adequado a ilustrar o porquê dessa influência, o mesmo acontecendo, no que se refere ao marido da testemunha PB......, nem estando demonstrado sequer que o assistente conheça tal pessoa.

No seu depoimento, a testemunha VC..., não só não escondeu, como assumiu claramente, as dificuldades e desavenças que a sua relação com o seu pai tem sofrido, ao longo dos anos, concretamente, que, entre 1992 e 1998, estiveram sem manter grandes contactos, por causa do negócio da sociedade correctora, de acordo com os pormenores que indicou e que agora não vêm ao caso e, mais remotamente, em virtude da personalidade autoritária e obsessiva pelo trabalho, do seu pai, bem como das restrições, mesmo em termos do conforto material e de actividades de lazer e, bem assim, quanto à possibilidade de ele próprio e os seus irmãos terem prosseguido os estudos, em virtude desse modo de ser do assistente, que lhes impunha que, nos tempos livres, trabalhassem nos negócios do pai, em vez de estudarem e, bem assim, da sua avareza estrema.

Relatou-as, porém, sem manifestar qualquer mágoa, mas de forma perfeitamente resignada, objectiva e descritiva.

E este seu relato foi integralmente confirmado pelas suas irmãs, também inquiridas como testemunhas TR..., DF... e GB..., tanto no conteúdo, como na postura de total ausência de ressentimento contra o pai, anotando-se que algumas destas testemunhas revelaram ter, até, sentido de humor, na descrição de episódios ilustrativos do estremo rigor com que o pai os educou e da avareza com que sempre viveu e impôs à família, designadamente, a testemunha GB…, quando contou que, apesar de viverem numa moradia com doze assoalhadas e de o pai, já na infância da testemunha e de seus irmãos ter um considerável património e disponibilidade económica, apenas comprou o primeiro sofá para a sala de estar da casa de família quando a referida testemunha já tinha dezoito anos de idade.

Voltando ao depoimento da testemunha VC..., há a referir que este explicou de forma clara, sem qualquer tipo de subterfúgio, que foi sua a iniciativa de coligir todos os documentos que se encontram anexos à participação criminal e de apresentar esta última, mesmo contra uma certa reticência manifestada pelo assistente, no início.

Também é certo que, nem a testemunha VC..., nem o próprio assistente conseguiram explicar porque é que este último veio apresentar uma desistência da queixa, em 11 de Janeiro de 2005, conforme requerimento de fls. 213.

Simplesmente, tais circunstâncias não chegam para dar sustentação a essa tese da arguida, por várias ordens de razões:

Desde logo, porque a explicação para tal desistência da queixa poderá, eventualmente, encontrar-se nos esclarecimentos prestados pela Sra. Perita ZS..., autora do relatório de exame às faculdades mentais do assistente, que consta de fls. 485 a 490, de acordo com os quais, na segunda observação que fez a JM... em 2006, este ainda mantinha a esperança de vir a conhecer e a casar com CD..., embora o assistente tenha referido não ter memória de alguma vez ter assinado tal requerimento e que a sua vontade, a partir do momento em que tomou consciência do que lhe tinha acontecido, com referência aos factos objecto deste processo, foi de que o processo prosseguisse.

Depois, porque, do depoimento da testemunha VC..., a primeira conclusão que se retira é a de que viu as arguidas pela primeira vez, já no âmbito das sessões do julgamento deste processo.

A segunda, a de que o que o moveu para convencer o pai a apresentar a participação criminal é, na sua perspectiva, perceber o que aconteceu por achar que as arguidas se aproveitaram da fragilidade do pai, apropriando-se de quantias a este pertencentes e que integravam as suas economias.

Partindo deste ponto de vista, não se trata de qualquer vingança, mas daquilo que, em geral, move os cidadãos quando participam a prática de crimes, ou seja, o intuito de responsabilização dos respectivos autores e de realização de Justiça.

Sobretudo, na parte atinente ao relato que a referida testemunha VC... fez (e corroborado de forma coerente e consistente, por todas as suas irmãs, bem como pelo Sr. Perito WB…) sobre as circunstâncias em que levou o pai a médicos a Coimbra, na sequência do que este veio a ser hospitalizado, em Abril de 2002, todo o processo de tratamentos hospitalares e assistência médica que a testemunha em apreço e os seus irmãos vieram a providenciar ao assistente, bem assim, quanto à forma como reagiu perante o seu pai, em resultado das abordagens que vários amigos do pai lhe fizeram, alertando-o de que o mesmo andava a gastar todo o dinheiro que tinha, sem qualquer nexo ou critério, com referência aos factos objecto deste processo, o que transpareceu, sem qualquer margem para dúvidas, foi que a testemunha respeitou a auto-determinação e a privacidade do assistente, enquanto não houve sinais de que este estava doente e a precisar da sua ajuda.

Pese embora tenha tentado falar com o pai e alertá-lo para a necessidade de ter cuidado com os gastos, depois dos avisos dados pelos amigos do pai, nos termos acima referidos, como as reacções do assistente foram no sentido de não lhe permitir que invadisse a sua privacidade e de não dar à testemunha VC... qualquer tipo de satisfação, ainda assim, respeitou essa vontade manifestada pelo assistente.

Só interferiu em toda esta situação, com a ajuda e a colaboração dos seus irmãos, quando foi notório que o pai estava precisado de ajuda, quer do ponto de vista médico, quer do ponto de vista emocional e, aliás, quando o pai pediu de forma expressa essa ajuda.

Acresce que, mesmo depois, das desavenças, dos afastamentos e de toda a rigidez, exigência e avareza que marcaram a relação que o assistente manteve com os seus filhos, explicada e descrita pelos próprios, a verdade é que são estes quem cuida do seu pai, até hoje.

Mesmo estando o assistente hospitalizado, em Abril de 2002, ainda assim, segundo o relato efectuado pela testemunha VC..., os telefonemas e as consequentes conversações telefónicas estabelecidas entre o assistente e umas pessoas que a testemunha VC... ouvia o pai chamar de MM…, SS… e Lena, continuaram, ainda durante algum tempo, o que aliás, tem correspondência, com o conteúdo das declarações da arguida, nessa parte.

E tudo isto revela duas coisas: a primeira, a de que contra todas as divergências e desavenças passadas, quando JM... precisou de assistência médica e de apoio a outros níveis, foi-lhe prontamente providenciado, quer pelo filho Armando, quer por todos os seus restantes filhos, sinal inequívoco de que as relações não eram assim tão más, entre pai e filhos ou, no mínimo, que o afecto que sentem pelo assistente se sobrepôs a qualquer tipo de mau relacionamento, até então, existente; a segunda, de que todos eles respeitaram a privacidade e a auto-determinação de JM..., enquanto este foi dizendo que não tinham de se intrometer na sua vida, que era um homem só e divorciado e fazia da sua vida e do seu dinheiro o que bem entendesse, quando, tanto o seu filho VC..., como a sua filha TR... o confrontaram com o excesso de gastos e ausência de motivo aparente que os justificasse, contra tudo aquilo a que se tinham habituado, ao longo de toda a sua vida, ver o seu pai fazer.

É esclarecedor, a tal propósito, o relato da testemunha TR... acerca de uma ida do assistente a Lisboa, ao aeroporto, para ir buscar a sua noiva CD..., que viria do estrangeiro e que ficou incumbida pelo seu pai de ir a uma florista comprar o melhor ramo de flores que houvesse, dando instruções de que gastasse cerca de € 250,00 nesse ramo.

Segundo os esclarecimentos prestados pela testemunha, quando confrontou o assistente com o gasto exagerado de € 250,00 em flores, para mais, quando, durante toda a sua vida, nem uma flor tinha oferecido à sua mulher, JM... ordenou-lhe, que comprasse as flores, tal como lhe tinha dito que o fizesse, sem mais argumentação, o que ela, efectivamente, fez, respeitando a vontade do pai.

Através do que se pode perceber do percurso de vida do assistente e da sua personalidade (refira-se, aliás, que estes foram os grandes temas deste julgamento, por vezes, excessivas mesmo, em detrimento dos factos descritos na acusação), JM... manteve sempre um certo distanciamento afectivo com os filhos (com excepção da filha TR... que, por ser a mais nova, beneficiou de um maior grau de tolerância, por parte do pai, o que ela própria confirmou), assumindo uma postura de rigidez e de autoritarismo, de grande exigência quanto à forma de educar os filhos, bem como em relação ao trabalho e aos negócios, privilegiando a obtenção de rendimentos e a poupança, em detrimento de tudo o resto e sempre tendo vivido de forma austera, apesar da liquidez monetária que tinha disponível, sendo até qualificado como uma pessoa avarenta.

Estas suas características de personalidade foram sendo retratadas, ao longo das sessões dos julgamentos, com episódios vários da sua vida, relatados tanto pelos filhos, VC..., TR..., DF... e GB... como por algumas das testemunhas que conhecem o assistente há vários anos e com ele convivem desde há longa data (foi o caso das testemunhas EK..., RV…s, AE... e LJ...) e corroborado no relatório de perícia à personalidade do assistente de fls. 192 a 196.

O que conjugado com a matéria de facto provada atinente à doença do assistente e respectivos sintomas, a que se referem os pontos 54. a 56. e, ainda, ao que consta dos pontos 80. a 86. e 108. da matéria de facto provada, a conclusão que se impõe retirar é a de que a única pessoa por quem o assistente se deixou manipular foi, afinal, pela própria arguida, considerando a ilusão que tinha de vir a casar com a tal CD..., a noiva jovem, rica e bonita e muito doente que a arguida MM... se ofereceu para lhe arranjar, cuja relação, à distância, através de cartas e telefonemas, foi fomentando, associada à solidão e desejo de voltar a casar que o assistente tinha e à sua doença de índole psiquiátrica que o tornou vulnerável a todo o estratagema que a arguida MM... planeou e que executou, com auxílios pontuais da arguida SS….

Esta conclusão sai corroborada, quer pelo depoimento da testemunha GB… que, relatando factos objectivos da vida passada do pai, diga-se que bastante impressivos e expressivos da sua grande autonomia e independência, antes de ter ficado doente, explicou que se o pai estivesse há dez anos, do ponto de vista da sua saúde mental, como se encontra agora, depois do internamento hospitalar e dos tratamentos médicos e consultas de psiquiatria e medicação a que tem sido submetido, não se tinha desapossado do seu dinheiro em benefício das arguidas, da forma como o fez, quer pelo depoimento da testemunha RV…s, que é amigo do assistente e com ele convive desde há mais de 20 anos, tendo sido ele quem acompanhou o assistente na viagem à Suíça para irem buscar o Jaguar, que referiu que, na altura dos factos objecto deste processo, o assistente andava eufórico e que, agora está «mais calmo e realista», quer, sobretudo, pelos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos ZS... e WB..., sobre as características e sintomas que o síndrome demencial fronto-temporal de que o assistente padece, assumia, no seu comportamento, à data dos factos e a evolução que tem tido, desde que passou a ser acompanhado e medicado.

Nesta matéria, salientam-se, sobretudo, os esclarecimentos do médico psiquiatra que até ao presente e com uma periodicidade de seis meses, observa o assistente, quando referiu, além das melhoras substanciais no seu estado de saúde, desde 2002, até ao presente, que JM... quando relembra os factos objecto deste processo, acha ilógico o seu comportamento.

Depois, a ser verdade que o assistente se encontra manipulado pelos filhos, ou pelo filho Armando, nem se compreenderia como teria sido possível, o assistente ter desistido da queixa, nestes autos, em Janeiro de 2005, cerca de três anos depois de este processo ter tido início.

Do mesmo modo, sempre ficaria por explicar porque é que, contrariamente, ao pretendido pela arguida, o assistente prestou declarações com um conteúdo, no essencial, sempre semelhante e circunstanciado, nos vários momentos em que o fez, o que para além da consistência dos relatos, lhes confere credibilidade, considerando que a primeira vez que foi convocado, ainda como testemunha, a esclarecer os factos, foi em 27 de Fevereiro de 2003 (conforme auto de inquirição de fls. 126, cujo conteúdo foi lido em audiência, tal como se encontra exarado na acta de fls. 1419 a 1430) e sete anos depois, nos dias 24 de Fevereiro de 2010 e 10 de Março de 2010, conforme actas de fls. 1307 a 1311 e de fls. 1419 a 1430.

E o essencial, para o que releva, com referência ao objecto do processo, é que, se despojou das quantias monetárias a que aludem os pontos 57. a 60.; 67. e 74. da matéria de facto provada, a pedido da arguida MM... e com o argumento de que se tratava de dinheiro necessário para curar a sua noiva CD... da doença de que padecia, noiva essa, arranjada pela referida arguida que era, segundo as descrições da mesma MM... e confirmadas pela arguida SS…, uma mulher muito rica, muito bonita, bondosa, com 34 anos de idade, filha de um embaixador, que vivia nos Estados Unidos da América, o que fez, pensando que essas quantias monetárias eram emprestadas, para serem reembolsadas, logo que casasse com a CD..., para além de relatos mais circunstanciais relacionados com as viagens à Suíça e a França, esta para a consulta ao Bruxo que iria curar a CD......, uma outra para ir buscar um Jaguar, bem como as restantes destinadas a conhecer finalmente a noiva, o que nunca aconteceu, jamais a tendo visto.

Depois, porque, pelas razões que passam a expor-se, as declarações prestadas pelo assistente, mais do que plausíveis, por si só, em si mesmas consideradas, são lógicas, coerentes e consistentes, em atenção quer à forma como o assistente se apresentou em audiência e prestou as suas declarações, quer à sua compatibilidade quer, com documentos juntos aos autos, quer com depoimentos de outras testemunhas que corroboram e confirmam a versão do mesmo assistente, relativamente a alguns dos factos.

JM... foi ouvido em dois momentos distintos da audiência, pela primeira vez, durante cerca de dois dias inteiros – nas sessões do julgamento que tiveram lugar nos dias 24 de Fevereiro de 2010 e 10 de Março de 2010, conforme actas de fls. 1307 a 1311 e de fls. 1419 a 1430; a segunda vez, na sessão de 8 de Julho de 2010, quando foi confrontado com as declarações prestadas pela arguida MM... e acareado com a mesma.

Nesses dias, 24 de Fevereiro e 10 de Março de 2010, o assistente relatou os factos de forma perfeitamente desassombrada, firme, sem hesitações, quanto àquilo que a sua memória lhe permitia afirmar com absoluta certeza e tendo o cuidado de não afirmar, nem confirmar (quando certas perguntas que lhe foram dirigidas continham induzidos certos factos), aquilo de que não se recordava e negando outros com que foi confrontado, sempre com a mesma calma e a mesma firmeza.

Explicou ao Tribunal que se sentia só, queria casar e que nunca deu qualquer quantia monetária à MM... e que o dinheiro de que dispôs foi sempre emprestado para curar a doença da CD...com as promessas feitas expressamente pela referida arguida de que lho havia de restituir, associadas às promessas de casamento com a tal noiva, jovem, bonita, rica e bondosa, que haveria de vir para Portugal logo que ficasse curada, nas quais acreditou.

Negou de forma veemente e convincente, alguma vez ter visto, antes deste julgamento, as declarações constantes de fls. 1545 a 1548, do mesmo modo que negou, com firmeza e serenidade, alguma vez ter estabelecido qualquer tipo de acordo com a arguida MM..., visando a construção de um museu de arte sacra ou qualquer outro tipo de parceria, como a de construir blocos de apartamentos ou moradias em terrenos no Algarve, ou ter recebido títulos de tesouro público francês ou jóias ou obras de arte.

Mais do que uma vez, no decurso das suas declarações, referiu que foi iludido, que foi enganado, para se referir à forma como as duas arguidas o trataram e lhe foram pedindo o dinheiro, no período compreendido entre Junho de 2001 e Janeiro de 2002.

Explicou com pormenor certos episódios, como os das viagens à Suíça feitas na perspectiva de ir conhecer a sua noiva CD..., porque tal lhe havia sido prometido ou sugerido pela arguida MM..., da viagem à Suíça para ir buscar o Jaguar; da viagem a França para a consulta ao bruxo, tendo até descrito o modo como essa consulta decorreu, a sucessão de cartas, fotografias e telefonemas que recebia da tal CD...que ele nunca veio a conhecer pessoalmente, os telefonemas que ele próprio fazia, sucessivas vezes ao dia, tanto para a CD......, como para as arguidas MM... e SS..., assim como as várias visitas que fazia ao Porto, onde se encontrava com ambas.

Ambas as arguidas confirmaram estes vários encontros, assim como a visita que fizeram a Fátima, onde foram recebidas pelo assistente, tendo ali permanecido dois dias, numa residencial.

Atenta forma descontraída e segura como o assistente prestou as suas declarações, também não se vislumbram quaisquer indícios, por mínimos que sejam, de que estivesse ou tivesse sido coagido ou manipulado por quem quer que seja, para apresentar a versão dos factos que apresentou.

Mais tarde, na sessão do dia 8 de Julho de 2010, quando acareado com a arguida, manteve, não só o conteúdo das suas declarações anteriormente prestadas, como a serenidade, mesmo depois das tentativas levadas a cabo pela arguida de entrar em diálogo directo com ele e da forma apelativa como o fez, com recurso ao choro, invocando factos passados da relação de ambos.

Reiterou, ainda, que jamais fez promessas à arguida MM... sobre parcerias em que tipo de negócio fosse, que nunca recebeu dela jóias, obras de arte ou «títulos de tesouro público francês», esclarecendo que, desde 1991, não exercia qualquer actividade de corretagem na bolsa, uma vez que cedeu as quotas de que era titular na sociedade correctora, nessa altura, tendo, ainda, exibido uma certidão da Conservatória do Registo Comercial que, depois de lida, em audiência, confirma integralmente essa sua afirmação.

Outro motivo para conferir credibilidade às declarações do assistente radica na constatação de que o seu relato dos factos é perfeitamente consistente com o conteúdo dos documentos de fls. 20 a 123; 1171 a 1195; 1333 a 1399 e ainda, com os depoimentos das testemunhas arroladas na acusação.

Assim o é, com o de TR..., a filha mais nova do assistente que ainda vivia com ele, na altura em que os factos objecto deste processo aconteceram, que além do episódio do ramo de flores de € 250,00, esclareceu que o pai lhe contou que tinha uma namorada, já na altura, dizia que tinha emprestado o seu dinheiro às arguidas porque a CD...estava muito doente, mas que iam reembolsá-lo, porque ela era filha de um embaixador e este era muito rico;

Um certo dia, esta testemunha falou, do telemóvel do seu pai, com uma mulher de sotaque brasileiro que se identificou como CD... e pediu à testemunha que fosse ao casamento dela com o assistente;

O mesmo se diga do depoimento prestado pela testemunha VC..., filho do assistente que começou por ser abordado por um amigo do assistente, de nome PY..., perguntando-lhe se o seu pai se ia casar porque o assistente o tinha convidado para padrinho de casamento, sendo que, passados alguns dias, o próprio assistente lhe contou que havia arranjado uma namorada e que se ia casar, tendo, ainda, constatado que o pai falava constantemente ao telemóvel, afastando-se, para manter a conversa em privado, até que um outro amigo do seu pai, a testemunha AE... lhe veio contar que havia ouvido, numa conversa de telemóvel em «alta voz», a arguida MM... pedir dinheiro ao seu pai.

Foi sendo abordado por várias pessoas das relações do assistente que o alertaram para o facto de o mesmo andar a gastar dinheiro em excesso e sem qualquer critério, o que não era normal, dado todo o comportamento anterior do assistente pautado pela obsessão pelo trabalho e por ganhar e poupar dinheiro, vivendo muito abaixo das suas capacidades económicas e tentou alertar o pai, sem qualquer sucesso.

Mais tarde, quando o pai já não tinha dinheiro algum e lhe pediu ajuda, providenciou pela assistência médica ao assistente e é hoje, desde há alguns anos, quem cuida do assistente.

Foi ele quem coligiu os documentos que constam de fls. 20 a 123 e tomou a iniciativa, com o acordo do assistente, de participar criminalmente os factos objecto deste processo.

Teresa Mendes JM..., TR..., DF..., GB..., são filhas do assistente.

Depois de o pai ter pedido ajuda à testemunha VC..., fizeram uma reunião familiar, em casa do assistente, onde, depois de buscas que efectuaram, no quarto do pai, encontraram várias cartas de amor, inclusive, as que constam de fls. 1171 a 1187 e 1193 a 1195, bem como a carta de fls. 1188 a 1192, assim como várias peças de roupa feminina de diferentes tamanhos e uns recortes de revistas, emoldurados como se fossem fotografias de uma modelo, que, segundo esclareceram, o pai dizia que era a CD....

Todas relataram o modo de vida e de ser do assistente, caracterizando-o como uma pessoa autoritária, exigente e austera, que valorizava o trabalho e os negócios acima de qualquer outra coisa, muito rigoroso com as contas e com gastos de dinheiro, que poupava até ao limite do possível, tendo, inclusive, ilustrado o que diziam com episódios concretos da vida do pai (v.g., os de que, apesar de ter uma casa com treze quartos, apenas usavam quatro, porque os restantes eram arrendados pelo assistente, aos fins de semana e durante o Verão, aos peregrinos que se deslocavam a Fátima, ou o de que, sistematicamente, comprava os sapatos aos filhos um tamanho acima do que eles calçavam, para economizar, entre outros, relatados pela testemunha GB...).

Todas estas testemunhas, constataram as alterações de comportamento do pai, inclusive, no modo de vestir, mais arrojado e extravagante (segundo o impressivo relato da testemunha DF...), concretamente e sobretudo as testemunhas VC...e TR..., a sua euforia e entusiasmo com a noiva, com quem ia casar.

Seja na postura, seja no conteúdo dos seus depoimentos, o que se vislumbrou nas testemunhas VC..., JM..., TR..., DF... e GB... foi uma genuína preocupação pelo bem-estar do seu pai e, naturalmente, um sentimento de revolta contra as arguidas, por acharem que foram elas as responsáveis pelo facto de o mesmo ter ficado desapossado do dinheiro descrito na acusação, o que dada a sua relação familiar com o assistente, é perfeitamente natural e, além de corresponder ao comum senso de justiça, não retira, nem veracidade, nem credibilidade aos seus depoimentos.

Que prestaram, aliás, com preocupação de rigor, afirmando apenas aquilo que realmente assistiram e/ou vivenciaram, designadamente, a reunião familiar, em cujo decurso encontraram, no quarto do pai, fotografias que o pai dizia serem da CD... e que eram recortes de revistas com modelos, várias peças de roupa de mulher de vários tamanhos, desde o XS ao XL, algumas com etiquetas e as cartas de amor que a tal CD... escrevia ao assistente, quanto a outros factos, que obtiveram deles conhecimento, designadamente, quanto aos gastos excessivos que o assistente fazia, desapossando-se do dinheiro que tinha, através de informações prestadas por amigos do assistente, ou por gerentes bancários e, ainda, através do próprio assistente que, pelo menos, às testemunhas VC... e TR... contou que tinha uma noiva e que se ia casar.

Por isso que, pese embora, o seu interesse reflexo, no desfecho desta causa, atento vínculo de parentesco que têm com o assistente, os depoimentos das testemunhas VC..., TR..., DF... e GB... mereceram toda a credibilidade.

Quanto às restantes testemunhas indicadas na acusação, também os seus depoimentos são verdadeiros e credíveis, pela forma serena e sem hesitações como relataram os factos que presenciaram e pela coerência, quer dos conteúdos de cada depoimento, em si mesmo considerando, quer pela coerência e consistência que se verifica da concatenação de todos eles e, ainda, por comparação com a versão dos factos relatada pelo assistente.

Assim:

AE... e LJ... vivem em união de facto, um com o outro e exploram uma residencial, em Fátima, onde as arguidas MM... e SS... se alojaram na visita que fizeram ao assistente em Fátima.

Nos anos de 2001 e de 2002, o assistente passava várias horas dos seus dias nesta residencial, onde, aliás, tomava as refeições e foi desta residencial, segundo os relatos destas duas testemunhas e do próprio assistente, que foram enviados por este último, os faxes a que se referem fls. 54.

Chegaram a deslocar-se ao Porto, a pedido do assistente e com este, onde estiveram em casa da arguida MM..., tendo assistido a esta entregar ao assistente um saco com chaves, a propósito das quais o assistente, referindo que se tratava de chaves das casas que a CD... tinha em Portugal, pediu à testemunha LJ... que fosse supervisionar a limpeza das casas, uma vez que tinham móveis e objectos de muito valor, limpezas essas que nunca vieram a concretizar-se.

Foi na viagem de regresso do Porto a Fátima, que ouviram o assistente telefonar à filha TR..., pedindo-lhe que fosse comprar o ramo de flores, no valor até € 250,00, para levar à noiva que ia buscar, nesse mesmo dia, às 19 horas, ao aeroporto de Lisboa.

Assistiram a inúmeros telefonemas, que a arguida MM... fazia ao assistente, tal como este último para ela, alguns deles, através do telefone fixo da residencial, sendo as testemunhas quem atendia as chamadas e passavam o telefone ao assistente.

Reconheceram o nº de telemóvel 967497068 como sendo da arguida MM..., quando confrontados com a anotação de fls. 55.

Também o ouviam constantes vezes atender o telemóvel e falar com uma tal «Lena», num modo mais intimista, e por vezes, afastando-se para que ninguém ouvisse as conversas.

A propósito da intensidade dos telefonemas, relembra-se aqui uma expressão usada pela testemunha LJ... que foi a seguinte: «aquilo não tinha explicação…».

A testemunha AE... chegou mesmo a falar ao telemóvel com uma mulher que se identificou como sendo a noiva do assistente, num certo dia, à noite, em que, acompanhando o assistente ao Santuário de Fátima, para ali assistirem a cerimónia religiosa, o assistente colocou o seu telemóvel ao alto, para permitir que a tal senhora ouvisse a cerimónia, sendo que antes já havia estado a falar com ela, chamando-lhe «Lena», após o que passou o telemóvel à testemunha, a quem essa senhora pediu que tratasse bem do assistente, pois que em breve viria para Portugal para casar com JM... e que fariam uma festa na casa da testemunha.

Numa outra ocasião em que a testemunha AE... se fazia transportar, no veículo do assistente e conduzido por este, ouviu, através do «kit mãos livres» que o assistente tinha, no interior do mesmo veículo, a arguida MM... dizer ao assistente que precisava de mais esc. 80.000.000$00, perante o que o assistente lhe respondeu, o que é que ela tinha feito aos esc. 20.000.000$00 que lhe havia entregue dias antes, tendo ela respondido que já se tinham gasto, perante o que o assistente lhe disse que lhe ligava daí a mais dez minutos, que era o tempo necessário para chegarem à residencial.

Depois de ter ouvido esta conversa, foi avisar a testemunha VC..., a quem contou o respectivo teor.

Referiu, ainda, que o assistente começou a ficar muito triste e abatido quando ficou sem dinheiro, a ponto tal, que chegou a tomar refeições na sua residencial, que até hoje se encontram por pagar.

Também esclareceu que, quando os amigos começaram a aperceber-se que o assistente que sempre tinha sido «um forreta», andava a gastar dinheiro em excesso, quanto àqueles que procuraram avisá-lo para ter cuidado com os gastos, reagia de forma agressiva, chegando a ameaçar alguns deles e deixando de falar e de manter quaisquer contactos com outros.

RV...conhece o assistente há cerca de cinquenta anos, mas só mais recentemente se tornou amigo dele. Foi, durante muitos anos, gerente bancário, numa instituição em Fátima e porque sabia que o assistente tinha muito património e de quem se falava que tinha também dinheiro, tentou aliciá-lo para ser cliente da instituição bancária ao serviço da qual trabalhava.

Para esse efeito, convidou algumas vezes o assistente para almoçar, tendo relatado que esses almoços, ou eram pagos pela testemunha, ou, quando eram pagos pelo assistente, resumiam-se a uma dose para dois e meia garrafa de vinho, referindo estes factos, para caracterizar o assistente como uma pessoa muito avarenta, que não pagava nada a ninguém.

Esta testemunha, a pedido do assistente, deslocou-se com ele à Suíça para irem buscar o Jaguar a que se referem os pontos 63. a 68. da matéria de facto provada, no decurso da qual ouviu o assistente falar em «Lena», como sendo a sua namorada e também de uma «São».

O assistente contou-lhe que a «Lena» era muito rica, tinha um rancho na Califórnia, uma quinta em Sintra, casa de férias em Chamonix; seis suites na Quinta do Lago, vários outros bens em diversos outros países que havia herdado do pai e de uma tia.

Que não queria ficar sozinho e que se ia casar com essa tal «Lena».

Também referiu que iam buscar uma colecção de carros antigos, que ficaram dois dias na Suíça, à espera que chegasse a «São», para esta levar um outro carro da colecção, embora esta nunca tenha chegado a aparecer.

Na viagem de regresso, o depoente foi guardando os recibos de pagamentos do combustível e das portagens, porque o assistente lhe dizia que era para apresentar à CD......, para lhe serem pagas.

Relatou que, no decurso dessa viagem, eram constantes os telefonemas que o assistente fazia e recebia, falando com uma pessoa a quem chamava «Lena» e chamava de «amor e querida», tendo chegado a ouvir uma voz feminina com sotaque brasileiro, nalguns desses telefonemas, que a testemunha caracterizou como sendo «íntimos» e em que o assistente fazia referências a carícias que queria fazer a essa tal mulher.

Manifestou a sua enorme estranheza em relação ao comportamento do assistente, em virtude do à-vontade com que o assistente gastou esc. 38.000$00 por noite e por cada um dos quartos em que cada um deles se alojou e durante três dias, para além de ter pago todas as restantes despesas.

EK..., acompanhou o assistente ao Porto, onde se encontraram com uma mulher que, segundo o relato que o assistente, na altura, lhe fez lhes ia arranjar «umas senhoras de qualidade». Almoçaram com essa tal mulher, tendo sido a testemunha quem pagou o almoço, porque, como referiu, «O … era um bocado apertado» com o dinheiro, pois já tinha almoçado várias vezes com ele e o assistente nunca tomava a iniciativa de pagar a conta.

Embora não tenha conseguido assegurar que essa mulher é a arguida MM..., relatou de forma coincidente com o relato feito pela assistente a tal ida ao Porto (designadamente, a «leitura» das cartas de Tarot, depois do almoço, já em casa da arguida).

Esclareceu que essa mulher lhe prometeu arranjar-lhe uma mulher, se ele quisesse.

Constatou o fascínio com que o assistente ficou pela tal mulher com quem almoçaram no Porto, referindo-se a ela como «uma senhora muito inteligente, especial, fora do vulgar, que lhes ia arranjar namoradas de grande qualidade».

Passada cerca de uma semana, voltaram a almoçar juntos e a testemunha sentiu-se na obrigação de alertar o JM... para os perigos que no seu entender aquela situação envolvia, tendo-lhe contado o caso de um outro amigo seu que, a troco de uma relação amorosa com uma senhora, tinha ficado sem dinheiro.

Passados dias, o assistente telefonou-lhe muito zangado, por causa das advertências que lhe havia feito e para ter cautela, tendo cortado relações com a testemunha.

HB... é amigo do assistente há 30 ou 40 anos e a pedido do assistente, deslocou-se com ele a França, na viagem a que se referem os pontos 41. a 43., da matéria de facto provada, antes da qual, porém, se deslocaram ao Porto, a casa da arguida MM..., que também fez a viagem de ida e regresso com eles.

No decurso da viagem, assistiu às conversas da arguida MM... com o assistente, tendo referido que a mesma passava quase todo o tempo a dizer como a CD...era muito bonita e elegante, que tinha 34 anos, que o bruxo ia curar a CD.......

Para além de muitas outras “estórias” que ouviu a arguida MM... contar, relacionadas com o jogador … e com o Presidente do …que, segundo a arguida, era quem lhe pagava a renda da casa onde vivia, esclareceu que, por causa das insistências da arguida MM..., em torno da beleza da CD...lhe perguntou porque é que não tinha arranjado ao assistente uma noiva com uma idade mais próxima da que ele tinha, na altura, ao que a arguida lhe respondeu que o assistente é que queria uma rapariga jovem.

Após a viagem, sendo que à consulta ao bruxo apenas foram o assistente e a arguida MM..., tendo a testemunha ficado a aguardar no interior do veículo em que se deslocaram, avisou o assistente de que aquilo era tudo uma «tramóia», conforme expressão usada pelo próprio, perante o que o assistente ficou zangado e se afastou do convívio com esta testemunha.

Há, depois que referir que, conjugadas as declarações do assistente, com o seu apontamento pessoal de números de telefone de fls. 55 e com a listagem de fls. 1333 a 1399, que se refere ao registo de chamadas efectuadas e recebidas pelo e no telemóvel do assistente.

Desta listagem, referente ao período compreendido entre 16 de Junho de 2001 e 15 de Dezembro do mesmo ano, constam chamadas recebidas e efectuadas para, além de outros, os seguintes:

96 2546213 e 4179729807 que, no apontamento pessoal de fls. 55 estão anotados como sendo de «Lena JM...»;

963766687 que, no apontamento pessoal de fls. 55, está anotado como sendo da arguida SS…, embora sob o nome «Sandrine» que, segundo o que o assistente explicou era assim que a arguida queria ser tratada;

967497068; 967497065 e 967251242 que, no apontamento pessoal de fls. 55 estão anotados como sendo da arguida MM..., segundo os esclarecimentos do assistente.

Em relação ao nome «Lena JM...», o assistente explicou que é a CD... e que foi assim mencionada, a pedido da própria e com referência ao compromisso de casamento futuro que já existia entre ambos.

As testemunhas VC..., JM..., TR..., DF... e GB... referiram, neste aspecto, que não existe ninguém na família chamada Helena ou Lena;

Por outro lado, as testemunhas RV…, AE... e VC..., ouviram o assistente, por diversas vezes, atender telefonemas e dizer «Lena», falando com o interlocutor do outro lado da linha.

Ora, o assistente não tinha como ter inventado ou ficcionado estes números de telemóveis e o facto de corresponderem a reais números de telefones resulta suficientemente demonstrado na listagem de fls. 1333 a 1399, que contém, quer as datas, quer a duração da chamadas estabelecidas com esses números.

Nem a arguida MM..., nem a arguida SS...negaram que esses números de telemóvel não lhes pertencessem.

Mais, a própria arguida MM... admitiu e explicou de forma até circunstanciada, que falava múltiplas vezes com o assistente ao telemóvel, conversações que, segundo a mesma arguida, se prolongaram durante vários meses, depois de ter tido alta hospitalar.

Na análise da referida listagem, só no dia 20 de Agosto de 2001, o assistente telefonou para o nº …, atribuído a CD......, dezasseis vezes; contando-se em vinte e uma, as chamadas efectuadas para o mesmo número, no dia seguinte, que aqui se referem a título meramente exemplificativo da enormíssima quantidade de chamadas para este número e para os outros números acima referidos e atribuídos às arguidas MM... e SS...que, durante o período compreendido entre 16 de Junho de 2001 a 15 de Dezembro de 2001.

Do mesmo modo, as cartas de amor e de erotismo que integram as cópias de fls. 23 a 25, 27 a 29, o desenho de fls. 31, o poema de fls. 32, as cartas de fls. 33 a 46, cujos originais estão a fls. 1171 a 1187 e 1193 a 1195, dada a linguagem utilizada e o conteúdo exacerbado, infantil, despropositado e artificial (decorrente, por exemplo, da alusão a terem filhos, contidas em vários pontos destas cartas, concretamente a fls. 1181, de que está disposta a morrer por este amor, a fls. 1180 e de muitas outros anúncios de amor e de desejo sexual, para além das que estão ilustradas no ponto 39. da matéria de facto provada), sustentam e confirmam a ilusão que o assistente criou, em torno da relação amorosa e do futuro casamento com a tal CD...;

Refira-se, em parêntesis que, designadamente, certas frases de se citam como exemplo, algumas contidas a fls. 1180 «(…) e por esse amor farei tudo o que puder para reaver o seu olhar brilhante que ilumina minha vida e minha alma. Preciso do seu calor, …. Ficaria horas e horas a te escrever», ou a fls. 1185, de que «sei que querendo ou não minha vida neste momento anda em paralelo e sei que estou sujeita a todas as coisas, pois que mais de ruim pode me acontecer? Nesse momento estou tomada por um sentimento de tristeza …», corroboram o sotaque brasileiro da tal mulher com que o assistente falava ao telemóvel e que se intitulava como CD....

Por último, mas não menos decisivo, há que anotar que, a arguida MM... acabou por proferir certas afirmações ou omitir certos esclarecimentos que são inequivocamente sintomáticos de que o relato que o assistente fez dos factos objecto deste processo corresponde à verdade.

É o caso das alusões por ela feitas e escritas, como a própria reconheceu, na carta que escreveu e dirigiu ao assistente, junta a fls. 1188 e seguintes, especialmente, a fls. 1189 verso, onde, escreveu:

«A L. (que pode muito bem ser a letra representativa do nome Helena e este, por seu turno, de CD...) sente muito a tua voz a tua falta, noto que tem vários suspiros dentro dela, diz sempre quero-me casar, quero ter filhos quero o meu homem quando chegar perto dele vou matá-lo de beijos de amor e ternura. Será que ele ainda está à minha espera é o grande medo dela. Mas tem fé que agora estamos bem acompanhados para tratarem dela. Peço-te, JM... que vais ter nos teus braços a mais bela e a mais doce mulher que o Criador ao Mundo deitou…» e, por fim, o recado final, nela contida, para que o assistente lhe levasse «a carta da Helena»

Acontece que a arguida não conseguiu ou não quis explicar: nem que é a «L.», nem porque é que fala no plural, como se fosse ela e outra pessoa quem se está a dirigir ao assistente, nem o conteúdo de tais afirmações, mas que, objectivamente lido, é perfeitamente compatível e consistente com o cenário da noiva, bonita, nova e doente com a qual o assistente se iria casar.

Foi, também o caso do «deslize» de linguagem, na sessão do dia 8 de Julho de 2010, quando disse que tinha desenhado um anel (possivelmente, de noivado) «para a Eva…».

Foi, ainda, o caso, quanto à forma como descreveu o modo de agir e a personalidade do assistente, referindo que o assistente é uma «pessoa bondosa, sem maldade, carente de afectos, (…) se tivesse de descrever o JM... com uma palavra, chamava-lhe «pureza» (…) não há homem mais puro do que ele» tendo, ainda dito que tinha uma grande admiração e respeito por ele e que, para ela, o assistente é «um deus», o que revela, inequivocamente, que a arguida percebeu, tal como havia sido explicado pelos Srs. Peritos, WB… e ZS… que era notória a fragilidade emocional do assistente e a sua debilidade, ao nível do seu estado de saúde mental, cuja sintomatologia, onde avultam a hipersexualidade, mania de grandeza, euforia e a ausência de crítica são perfeitamente consentâneos com a sua predisposição ou vulnerabilidade a um estratagema, como aquele que vem descrito nos pontos 1. a 53. e 63. a 91. da matéria de facto provada.

A arguida veio imprimir à sua narrativa sobre os factos, sobretudo os atinentes ao seu percurso de vida, às suas múltiplas actividades profissionais e artísticas, ao seu grau de riqueza, contornos perfeitamente delirantes, o que até se percebe, considerando a gravidade do crime que lhe é imputado e a estratégia de defesa, por si adoptada, que foi a de fazer passar a imagem de uma pessoa muito rica, culta e bem relacionada, logo, sem qualquer necessidade de se apropriar das quantias a que aludem os pontos 57. a 60.; 67. e 74. da matéria de facto provada.

E, neste contexto, argumentou mais do que uma vez, argumento que também foi usado pela testemunha BJ... e, em alegações, pela sua Ilustre Defensora de que, se, porventura, se tivesse querido apropriar de forma ilegítima, tal como preconizado pela acusação, daquelas quantias monetárias pertencentes ao assistente, jamais teria permitido que este emitisse cheques visados ou fizesse transferências bancárias em seu nome, querendo inculcar a ideia de que, dessa forma, seria notória a sua conduta e fácil a sua responsabilização penal, ao arrepio das regras do senso comum, já que não seria de esperar que se auto incriminasse de uma forma tão flagrante.

Simplesmente, contra esta visão dos factos, sempre se dirá que os cheques visados e as transferências bancárias só fazem confirmar a versão do assistente de que o dinheiro era emprestado na condição de ser restituído.

E tais movimentos bancários são perfeitamente consentâneos e coerentes com a aparência de fim lícito que a arguida MM... pretendia conferir ao uso do dinheiro, ou seja, para ser utilizado nos pagamentos dos tratamentos médicos adequados a curar a doença da CD... e da imagem de pessoa honesta que a arguida MM... quis transmitir ao assistente, para ganhar a sua confiança, a que não será, também, alheio algum excesso de confiança emergente do facto de que logo se apercebeu, nos primeiros contactos, como não poderia deixar de ter percebido, as alterações de comportamento do assistente, relacionadas com a sua doença psiquiátrica e traduzidas, na ideação de grandeza, na euforia e na falta de juízo crítico para os seus comportamentos.

Por fim, repete-se, fica por explicar como e porque é que uma pessoa assim tão rica, veio a sofrer três condenações, ao todo, por seis crimes de emissão de cheque sem provisão, praticados em Maio de 2001; Março de 2003 e Junho de 2004, para além de outras.

Por seu turno, no que se refere à arguida SS... adoptou uma postura de total alheamento e desconhecimento sobre os factos objecto deste processo, inclusive, sobre as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o assistente e a arguida MM... se conheceram e se relacionaram, um com o outro, postura esta de modo algum convincente, quando confrontada, com as declarações do assistente e com a análise conjugada do apontamento de números de telemóvel de fls. 55, conjugado com a listagem de fls. 1333 a 1399, nos termos que acima já ficaram expostos, porquanto da compulsa da listagem em apreço, é tal a intensidade de contactos telefónicos estabelecidos entre a arguida SS...e o assistente, que não pode ter sido levada a cabo ao longo de meses, senão no âmbito e em execução da colaboração que esta arguida quis prestar à arguida MM..., nos termos acima descritos em 26. a 28. e 35. e 36.

2.3. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos, que não estejam incluídos ou não se compaginem com a factualidade acima dada como provada e, designadamente, que:

Quanto à acusação:

Que a arguida SS...fosse colaboradora da mãe e sua co-arguida MM..., no exercício da actividade relacionada com a agência de encontros «Tête-a-Tête», porque nenhuma prova se produziu, nessa matéria;

Porque quanto às circunstâncias que seguem não foi produzido qualquer meio de prova que tenha permitido esclarecê-las, também não resultou provado:

Que a doença atribuída a CD... fosse um tumor e que a arguida MM... tenha dito ao assistente que a mesma CD...estivesse «a precisar de ser operada, encontrando-se numa clínica dos EUA»;

Que alguma vez a arguida MM... tenha dito ao assistente que a CD... havia sido burlada por terceiros;

Porque o que se apurou, na discussão da causa, é o que consta do ponto 8. da matéria de facto provada, também resulta não provado que a arguida MM..., a propósito da descrição que fez da CD..., tenha dito ao assistente JM..., que a mesma tinha 33 anos de idade;

Porque o que resultou demonstrado é o que consta dos pontos 63. a 68., também não ficou provado que a arguida MM... tenha convencido o assistente a comprar o jaguar ali referido;

Por falta de prova sobre a matéria, também ficou por demonstrar que a que a conta nº … do banco Montepio Geral, que era titulada por PB......e pela arguida MM..., tenha sido constituída especificamente, «no contexto do plano em apreço, para o efeito de receber os mencionados depósitos», já que, para além dos documentos de fls. 98; 99 e 100 e do depoimento da testemunha PB...... , segundo o qual, o motivo que a arguida MM... lhe apresentou, quando lhe pediu que abrissem esta conta bancária, em contitularidade, era para transferir dinheiro que pertencia à filha SS...e no contexto da total confiança que a arguida MM... dizia ter na testemunha em apreço, nenhum outro meio de prova foi produzido, quanto às razões da abertura dessa conta bancária.

Ainda, por falta de produção de meios de prova, quanto a tal facto, não se provou que o assistente tenha gasto a quantia de € 1.764,00, em tratamentos médicos, uma vez que não foi junto qualquer documento comprovativo dessa despesa, nem foi produzida prova testemunhal sobre ele.

3. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
3. 1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

O art. 217º do CP prevê, como elementos constitutivos do crime de burla, o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial e a intenção do agente de obter para si próprio ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, este último definido com recurso ao conceito civilístico de enriquecimento sem causa - o enriquecimento de alguém, com o consequente empobrecimento de outrem, a existência de nexo causal entre essas duas situações e a ausência de causa justificativa, para tal empobrecimento - tal como previsto no art. 473º do CC (cfr., quanto à mencionada equiparação do enriquecimento, os Acs. da Relação de Coimbra de 19.02.86, CJ, Tomo I, p. 63; da Relação do Porto de 10.05.2006, in http://www.dgsi.pt; do STJ de 23.01.97, BMJ nº 463, p. 276 e de 08.11.2007, in http://www.dgsi.pt).

O bem jurídico protegido, neste tipo de ilícito penal, é o património, globalmente considerado (nesse sentido, Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 276 e, na Jurisprudência, por todos, Acs. do STJ de 27.06.2001 e de 24.05.2006, in http://www.dgsi.pt).

Trata-se de um tipo de ilícito de execução vinculada, posto que exige um especial modo de actuação, em duas modalidades possíveis – o erro e/ou o engano.

O erro traduz uma falsa ou inexistente representação da realidade, a qual tem, como efeito, viciar a vontade da vítima. Tanto pode ser provocado por palavras, ou declarações expressas, escritas ou orais, como pode ser ocasionado, não «expressis verbis», mas através dos chamados comportamentos concludentes, ou seja, condutas que, por si só, não integram qualquer declaração, mas às quais é atribuído um determinado significado, à luz de regras de experiência ou de certos parâmetros ético-sociais.

O engano consubstancia a mera mentira, desde que esta crie, no espírito da vítima, um falso convencimento da realidade.

Por fim, a falsa ou inexistente representação da realidade pode ser conseguida por omissão, quando o sujeito passivo já está em erro, não provocado pelo agente, mas do qual este se aproveita, fomentando-o ou, simplesmente, fazendo-o perdurar, para obter a deslocação patrimonial. A vítima, por qualquer razão, que não por iniciativa do autor do facto, ignora a realidade e este último, perante o erro já existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele.

Qualquer destas duas formas de acção típica – o erro ou engano – poderá ter na sua origem uma mentira simplesmente verbalizada (Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, pág. 296, Simas Santos e Leal-Henriques em Código Penal Anotado, 2º volume, pág. 837; Marques Borges em Crimes Contra o Património em Geral, pág. 22; Cobo del Rosal et alteri, Derecho Penal – Parte Especial, vol. II, pág. 207; Munõz Conde, Derecho Penal – Parte Especial, pág. 411 e nota 16 ou F. Mantovani em Diritto Penale – Delitti Contra Il Patrimonio, pág. 192) ou assumir contornos mais sofisticados e engenhosos, em diferentes variedades e com diversos graus de intensidade – como, por exemplo, a chamada «mise en scène».

Quanto ao elemento «astuciosamente» referido no art. 217º do CP, trata-se de um elemento limitativo relativamente ao dolo específico exigido para a consumação do crime de burla, o qual consiste na tal intenção de enriquecimento ilícito, intenção esta, sublinhe-se, que tem de existir, desde logo, no espírito do autor do facto, senão em momento prévio, no mínimo, em simultâneo, com o início da acção típica e deve permanecer em toda a sua actuação.

Astúcia no sentido semântico do termo, é a habilidade em exercer fraude, em enganar alguém, sem que este se aperceba, para daí obter benefício (vide “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, Academia das Ciências de Lisboa, Ed. Verbo).

Astúcia significa manha, malícia, ardil, trapaça, mistificação ou embuste.

Para efeitos de incriminação por crime de burla, traduz uma conduta manipuladora da vontade de outrem, por meio de sagacidade ou penetração psicológica, indutora ou determinante de um comportamento da vítima que satisfaz as finalidades de enriquecimento injusto do agente à custa do património daquela ou de outrem.

Em qualquer das suas múltiplas variantes e diferentes graus de intensidade, tem como característica essencial, a criação de uma aparência de verdade, ou dito de outro modo, de uma realidade forjada, tornada consistente, a qual deve ser prevista e querida pelo agente, mas deve, ainda, materializar-se, no comportamento exterior deste.

Com efeito, o burlão pode invocar uma falsa qualidade, invocar factos que não correspondem à verdade, dissimular ou ocultar factos verdadeiros, como por exemplo criar uma aproximação pessoal à vítima, apenas para ganhar a confiança desta, contando uma história comovente, criando com ela laços apenas aparentes de amizade, protestando-lhe a sua honestidade, ou por algum meio, aproveitando-se da sua inexperiência, etc., mas tem é de o fazer com engenho, com habilidade, por forma a densificar a intensidade dolosa e criando uma maior susceptibilidade de convencimento da vítima à prática do acto gerador do prejuízo patrimonial, através de um circunstancialismo exterior que a esta se afigure particularmente credível (Acs. da Relação de Coimbra de 01.06.83, CJ, Tomo II, p. 97 e do STJ de 14.02.98, CJ, Tomo II, p. 223; Acs. da Relação de Coimbra de 24.05.2000; de 16.01.2002 de 02.03.2005; Ac. da Relação do Porto de 07.01.2004; Ac. do STJ de 12.12.2002 e de 04.10.2007, in http://www.dgsi.pt).

«É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.

«Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar (...)» (Ac. do STJ de 03.02.2005, in http://www.dgsi.pt).

O resultado típico verifica-se quando o ofendido pratica actos de disposição patrimonial causadores de prejuízos para si próprio ou para terceiro.

Efectivamente, o crime de burla consuma-se quando a coisa, objecto deste tipo de ilícito penal, sai da esfera patrimonial do defraudado e entra no círculo das disponibilidades do autor do crime (Ac. do STJ de 14.02.96, CJ, Tomo I, p. 211; Acs. do STJ de 04.06.2003 e de 24.04.2008 in http://www.dgsi.pt; Almeida Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 275/276; Francisco Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, p. 413).

É, pois, um tipo de crime que requer a colaboração da própria vítima, traduzida na entrega e auto desapossamento da coisa, sendo ela própria que, por acto livremente praticado, embora viciado por erro ou engano, pratica a disposição patrimonial, em benefício do agente ou de terceiro.

Por isso, que é um crime material ou de resultado que não prescinde da verificação do prejuízo, consubstanciado na perda da disponibilidade de facto dos bens ou valores, por parte da vítima, embora esse resultado seja «parcial ou cortado», na medida em que, pese embora, se exija a intenção de enriquecimento ilegítimo, por parte do autor do facto, a consumação do crime abdica da efectiva verificação desse enriquecimento, exigindo, apenas o empobrecimento da vítima (Acs. da Relação de Coimbra de 16.01.2002; de 02.03.2005; Acs. do STJ de 20.12.2006; de 17.05.2007 e de 17.10.2007, todos in http://www.dgsi.pt e Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 276 e 277).

Mas, é essencial à incriminação que, entre os meios empregues e o erro ou engano e entre estes e os actos que vão directamente ter como resultado a perda ou diminuição no património do lesado ou de terceiro, exista uma relação sucessiva de causa-efeito, apreciada à luz da teoria da causalidade adequada, como expressamente foi acolhida, no art. 10º do Código Penal. Esta é a conclusão lógica e a única consentânea com a expressão utilizada no art. 217º do CP de «...por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou...».

Exige-se, com efeito, um duplo nexo causal – entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo sujeito passivo de actos tendentes a uma diminuição do património próprio ou alheio e entre estes actos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial – aferido de acordo com a teoria da adequação (Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 293; Bajo Fernandez, Manual de Derecho Penal, parte especial, p. 175).
Mas a adequação é concreta e causística, tendo em atenção as características específicas próprias de cada sujeito passivo, ainda que portador de uma especial fragilidade intelectual, ou credulidade, de inexperiência ou de falta de capacidade crítica, ou em atenção a particulares relações de confiança com o autor do facto.

Por isso que, não obsta à consumação do crime de burla, que os meios utilizados, ainda que inidóneos para persuadir a generalidade das pessoas, sejam adequados a convencer falsamente aquela vítima (nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência são uniformes – ver, por todos, Fernanda Palma e Rui Pereira, RFDL, 1994, p. 328; Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, Vol. II, p. 538 e ss. e Ac do STJ de 19.12.91, BMJ nº 412, p. 234 e seguintes; Ac. do STJ de 12.12.2002 e de Relação do Porto de 10.05.2006, estes, in http://www.dgsi.pt).

«Longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, a sagacidade do agente comporta uma regra de "economia de esforço", limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. E a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado» (Ac. do STJ de 08.11.2007, in http://www.dgsi.pt).

Trata-se, naturalmente de um crime doloso, em que a «intenção de obter para si ou para outrem enriquecimento ilegítimo», tem de anteceder a entrega (ou transferência de bens ou valores) e tem também que presidir à actuação do arguido, desde o seu início, a falsa representação da realidade, em que o erro ou engano se traduz.

Ora, a matéria de facto que resultou provada, evidencia, sem qualquer dúvida a verificação de todos os elementos constitutivos do tipo de burla, sem que concorram quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Desde logo, encontram-se ilustrados nos pontos 57. a 60. e 67. e 74., os actos de disposição patrimonial, seja por transferência ou depósito bancários, seja por pagamentos via multibanco ou mesmo pagamentos directos de despesas.

Ora, o contexto em que o assistente JM... se despojou do seu dinheiro foi o da envolvência criada pelas arguidas, MM... em maior grau e com um papel preponderante e SS..., com intervenções mais pontuais, de mera coadjuvação.

Essa envolvência era materializada numa aparente relação amorosa que o assistente pensava que mantinha, à distância, através de cartas e telefonemas, intermediada, principalmente, pela arguida MM..., com uma mulher que ele pensava que existia e se mostrava perdidamente apaixonada por ele e em relação à qual ele se convenceu, porque assim as arguidas o convenceram, com as conversas, os telefonemas e as cartas de amor, de que se chamava CD..., era filha de um embaixador, tinha 34 anos de idade, vivia dos rendimentos do seu património e era muito rica, proprietária de bens imóveis, em França, na suíça e em Portugal, bem como de que iria casar com ela, que a mesma estava muito doente e que precisava de dinheiro para os tratamentos de saúde, sendo condição da sua vinda para Portugal, para casar com o assistente, a cura da sua doença e estando JM... que iria ser reembolsado do dinheiro que pensava estar a emprestar.

Nada disso aconteceu e o assistente nunca conheceu a tal noiva CD..., porque a mesma CD... não correspondia a nenhuma pessoa física. tratando-se de uma personagem inventada pela arguida MM....

Esta última, tendo-se apercebido da solidão e carência de afecto sentidas pelo assistente, bem como da ansiedade que o assistente tinha em encontrar uma mulher com quem casar e da sua ideação de grandeza, euforia e falta de crítica para os seus comportamentos, motivada pela doença de que já padecia como descritos em 54. a 56., decidiu criar no espírito do assistente a ilusão de que se iria casar com uma mulher jovem, bonita, rica e bondosa, mas que se encontrava doente e a precisar de dinheiro para se tratar.

A verdade é que a arguida MM... estava ciente de que os factos descritos em 7. a 41.; 46.; 64.; 65.; 69. a 73. e 75. não correspondiam à verdade.

Mas que afirmou, fomentando a falsa ideia de relação amorosa, de casamento futuro e de doença da «noiva» do assistente, apenas com o propósito de fazer com que o assistente lhe entregasse as quantias monetárias e pagasse despesas a favor dela e da arguida SS..., nos termos descritos em 57. a 60.; 67. e 74., das quais se apropriou, sabendo que não lhe pertenciam, nem lhe eram devidas e que agia contra a vontade do assistente.

Estão, deste modo amplamente verificados quer os actos de disposição patrimonial quer o duplo nexo causal, entre o mesmo e uma falsa convicção da realidade, por parte da vítima, motivada pelas ilusões e as mentiras que a arguida MM... lhe ia contando e entre eles e o prejuízo patrimonial, posto que JM... ficou sem € 1.089.586,30 que lhe pertenciam, do mesmo modo que a intenção dolosa, face ao que consta demonstrado nos pontos 88. a 91. e 95. e 96., pelo que se impõe, pois, censurar jurídico-penalmente a conduta da arguida MM... à luz da norma incriminadora contida no art. 218º nº 2 al. a), atento o valor consideravelmente elevado do apropriação e do correspondente prejuízo, por referência ao critério contido no art. 202º al. b) do CP.

Quanto à arguida SS…, o Mº. Pº. imputou-lhe a prática do mesmo crime em co-autoria com a arguida MM....

Fazendo apelo aos princípios básicos da teoria jurídico-penal da participação, a comparticipação criminosa tem, na sua origem, a teoria da causalidade adequada, sob uma dupla perspectiva: em sentido negativo, implica a eliminação da responsabilidade penal de toda e qualquer acção a que falte um nexo causal com o resultado típico; em sentido positivo, permite determinar o conceito de autor do facto típico ilícito, como sendo todo aquele que tenha dado causa à sua realização (conceito extensivo de autoria), tal como prevê o art. 26º do C P.

Enquanto que o autor singular imediato executa o facto por si mesmo, a co-autoria é uma das formas de participação criminosa e pressupõe uma decisão conjunta (“por acordo ou conjuntamente com outros”) e uma execução igualmente conjunta (“ tome parte directa na sua execução”).

No que concerne ao elemento subjectivo, a conjugação de vontades dos comparticipantes pode ser expressa ou tácita, neste último caso, desde que possa ser inferida de actos materiais concludentes e não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor.

Quanto ao domínio funcional do facto, cada um dos autores dos factos tem de deter e exercer o domínio positivo do facto típico, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, num juízo de prognose, reportado ao momento anterior ao primeiro acto de execução, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.

Em relação à execução conjunta, não é indispensável à co-autoria que cada um dos agentes intervenha ou pratique todos os actos de execução conducentes ao resultado típico, mas é essencial que a actuação de cada um deles, ainda que parcial, seja directa, na fase da execução do crime e represente um contributo relevante e decisivo para a produção desse mesmo resultado (cfr., nesse sentido, Acs. do STJ de 17.02.93, CJ, Ano I, Tomo I, pág. 197 e de 14.06.95, CJ, Ano III, Tomo II, pág. 230; de 30.10.2002; de 02.10.2003; de 19.10.2006 e de 18.10.2006, de 15.02.2007 e de 15.04.2009, in http://www.dgsi.pt).

Deste modo, a co-autoria pressupõe uma «cooperação consciente e querida», em que a culpa abarca a consciência de todos os aspectos no seu conjunto, a tal ponto que todos os agentes se apresentam como «contitulares do domínio do facto» (Claus Roxin, Sobre la autoria e la participación en el Derecho Penal, pág. 55 e ss.).

«A co-autoria pressupõe uma execução conjunta, traduzida numa participação directa do co-autor, ou seja, numa participação co-decisiva, em que o seu contributo seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto (teoria do domínio funcional do facto), mas não é imprescindível que o co-autor realize todos os elementos do tipo. Basta que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, encaixando-se a sua parcela de actividade na dos restantes co-autores, de modo a, ajustadamente e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico ilícito. Daí que a cada um dos intervenientes seja imputada a parcela de actividade dos restantes, como se se tratasse de acção própria (Acs. do STJ de 16.11.2006; de 15.04.2009, in http://www.dgsi.pt Johannes Wessels, Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais), Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129; Jesheck, Tratado de Derecho Penal, Tradução, Comares Editorial, 2002, pág. 731).

Assim, verificados os elementos constitutivos do tipo, cada um dos co - autores é penalmente responsável como se fosse ele o autor singular imediato do facto – responde pela totalidade da conduta típica e ilícita.

A cumplicidade é outra das formas de participação criminosa.

Pressupõe, do ponto de vista objectivo, a colaboração directa, por parte do cúmplice, com o autor do facto típico, na preparação ou na execução do crime praticado por este, facilitando a verificação do resultado anti-jurídico.

A cumplicidade traduz sempre uma ajuda meramente instrumental – na sua vertente moral, o cúmplice limita-se a apoiar e fortalecer uma decisão de praticar o crime, já tomada pelo respectivo agente; ao nível material, o cúmplice tem uma actuação que, quanto muito, alterará as circunstâncias de tempo, modo e lugar atinentes à execução do ilícito e à verificação do resultado, mas nunca será decisiva, na produção deste. O facto é sempre praticado por outrem e sempre o seria, sem essa preparação ou auxílio do cúmplice. O cúmplice, ao contrário do co-autor, não tem o domínio do facto.

A cumplicidade «diferencia-se da co-autoria, pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor» (Ac. do STJ de 31.03.2004, in http://dgsi.pt. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 6.10.2004; de 15.02.2007; de 15.04.2010, in http://dgsi.pt; Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, I, 1987, págs. 352-353, também Faria Costa, in Jornadas de Direito Criminal, As Formas do Crime, Centro de Estudos Judiciários, 1983, págs. 153 a 184; Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II, págs. 283 a 291).

Por isso que, a cumplicidade tem de ser sempre concausa do crime, mas nunca poderá ser mais do isso, sob pena de já não ser cumplicidade, mas antes co-autoria.

Efectivamente, não há cumplicidade se não houver autoria do crime (art. 27º nº 1 do Cód. Penal), mas a autoria é, por definição, independente, autónoma, da cumplicidade (art. 26º do mesmo diploma) e esta última é uma forma subalterna daquela.

«Por isso, para que se verifique cumplicidade, basta que o auxílio material ou moral venha facilitar o facto do autor, sem que ultrapasse o estádio de uma participação da execução» (Ac do STJ de 03.11.94, CJ, ASTJ, Tomo III, p. 227, preconizando entendimento uniforme, na Doutrina e na Jurisprudência, v.g., Ac. do STJ de 28.11.2002, in http://www.dgsi.pt).

A cumplicidade traduz-se numa participação secundária no facto delituoso, correspondendo a participação principal à autoria; esta diferença de denominação visa acentuar a menor gravidade objectiva da cumplicidade (Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal I, 1987, páginas 352/3).

«A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la» (Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II, pag. 179).
O seu domínio, positivo e negativo do facto, restringe-se ao contributo que prestam na execução ou na obtenção do resultado anti-jurídico que a norma incriminadora pretende evitar.
Ao nível subjectivo, o contributo próprio da cumplicidade é sempre doloso, o que implica que o cúmplice presta a sua ajuda ao autor, ciente de que a mesma se destina à prática de um ilícito penal e fá-lo de forma voluntária, estando excluída a hipótese de uma cumplicidade negligente (ver, por todos, na Doutrina, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal, Parte General", 5ª ed., 2002, pág. 744, segs; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, p. 357 e 358 e Teresa Beleza, Direito Penal, vol. II, p. 473 e, na Jurisprudência, Ac. do STJ de 12.03.2002; de 31.03.2004; de 12.10.2006 e de 15.02.2007, in http://www.dgsi.pt).

«O cúmplice deve actuar dolosamente tanto em relação ao auxílio, como na direcção do auxílio em relação ao facto do agente (dolo duplo)» (Ac. do STJ de 31.03.2004, in http://www.dgsi.pt).
Ora, face ao que resultou da discussão da causa, concretamente, dos pontos 26.; 27.; 28.; 35.; 36. e, ainda, dos pontos 87. a 96., por comparação com a forma de actuação da arguida MM..., muito mais decisiva e essa sim preponderante, já que a arguida SS…, para além das conversa, pessoais e ao telefone, em que apregoava as grandes qualidades da noiva do assistente e de lhe entregar as cartas de amor, não teve, pelo menos que a prova produzida consinta afirmar, qualquer tipo de controlo sobre o modo e o quando da concretização do plano de actuação cuja autoria tem de ser imputada exclusivamente a MM....

Tendo-se demonstrado que o montante de que ambas se apropriaram pertencente a JM... ascende a € 1.089.586,30, estando a arguida SS...tal como a arguida MM..., ciente de que tais quantias monetárias não lhes pertenciam, nem a elas tinham direito e de que o assistente, se fosse conhecedor de que não existia CD... alguma, nem casamento futuro e de que não iria ser restituído desse dinheiro, não teria efectuado os depósitos, transferências bancárias e despesas descritos em 57. a 60.; 67. e 74., bem como que, a arguida SS... quis colaborar com a arguida MM..., nos termos descritos em 26 a 28 e 35 e 36 da matéria de facto provada, sabendo que tais factos não eram verdadeiros e apenas com o propósito de ajudar a sua mãe a convencer o assistente a praticar os actos descritos em 57. a 60.; 67. e 74., tendo, ainda, actuado de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas são proibidas por Lei, estão verificados todos os pressupostos da cumplicidade, com referência ao crime de burla agravada.

Estes factos foram praticados em 2001 e em 15 de Setembro de 2007, entrou em vigor a Lei 59/2007 de 04.09, que veio alterar o Código Penal.

Acontece, porém, que as normas incriminadoras, aos abrigo das quais se impõe a censura jurídico-penal da conduta do arguido demonstrada nestes autos, não sofreram qualquer alteração, pelo que não se aquilatará, de harmonia com o princípio contido no art. 2º nº 4 do Código Penal, por comparação entre a Lei Antiga e a Lei Nova, qual o regime em concreto mais favorável, posto que, sendo iguais, quer nos elementos constitutivos do tipos de burla, quer nas molduras penais abstractas, será aplicável o regime em vigor à data dos factos.

3.2. MEDIDA DA PENA

3.2. MEDIDA DA PENA

Feito o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto provada, cumpre determinar qual a natureza da pena a aplicar às arguidas e fixar a respectiva medida concreta, dentro das molduras abstractamente prevista para o crime de burla qualificada e que são as seguintes:

Para a arguida MM..., pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, dois e oito anos de prisão;

Para a arguida SS..., a mesma pena, especialmente atenuada, nos termos do art. 73º do CP – pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um mês e cinco anos e quatro meses.

Na determinação concreta da pena, o Tribunal atenderá a todas as circunstâncias que contribuem para agravar ou atenuar a responsabilidade, enumeradas no art. 71º do Código Penal.

Dispõe este preceito, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O nº 2 do mesmo artigo enumera, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o nº 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, em correspondência com o artigo 375º nº 1 do CPP, que impõe que a sentença condenatória especifique os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Mas estas circunstâncias a que se refere o mencionado nº 2 do art. 71º, são aquelas que não integram os elementos constitutivos do tipo, sob pena de violação do princípio do «ne bis in idem».

No entanto, tais circunstâncias, na parte em que a sua intensidade concreta ultrapasse os limites necessários que a lei considera no tipo incriminador para a determinação da moldura penal abstracta, devam ser consideradas na fixação concreta dessa moldura.

Estas circunstâncias serão, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.

Nos termos do art. 40º nº 1 do CP, é função da pena, salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes e, na medida do possível, assegurar a reintegração do agente na sociedade.
Isto, tendo em atenção, o fim público de prevenção geral e o fim particular, de prevenção especial, nos termos do art. 71º nºs 1 e 2 do CP, mas em todo o caso, sempre, proporcionada à culpa, já que esta, apreciada em concreto, constituí, a um tempo, o suporte axiológico-normativo da pena, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
E a culpa terá de ser apreciada, na dupla perspectiva de culpa pelo facto e pela personalidade do agente, como se infere de várias disposições do CP, como por exemplo o art. 72º nº 2 al. f) antigo e o actual art. 71º nº 2 al. f) (no mesmo sentido, Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, CEJ, I, p. 270).

O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, «aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, páginas 186 e 187. No mesmo sentido, Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, p. 113; Eduardo Correia, BMJ nº 149, p. 72 e Taipa de Carvalho, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, p. 96 e ss.; Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss. Na jurisprudência, por todos, ver, Acs. do STJ de 07.06.2006; de 27.04.2006; de 02.05.2007; de 15.03.2007, de 17.10.2007; de 09.04.2008; de 19.03.2009; de 29.04.2009; de 10.02.2010 e de 28.04.2010, in http://www.dgsi.pt).

«As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício» (Ac. do STJ de 01.04.98 in CJ, AC. STJ, Tomo II, p. 175. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 23.05.2007, in http://www.dgsi.pt).

No que concerne ao grau de culpa das arguidas, refira-se que a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo terá sentido agravante, na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso das modalidades enunciadas no art. 14º do Código Penal intensidade especialmente acentuada, quanto à arguida MM..., em função do grau de premeditação com que planeou e conseguiu apropriar-se do dinheiro da vítima.

Também o modo de execução dos factos revela grande eficácia que em muito aumenta a ilicitude, desde logo, ao nível do desvalor da conduta, considerando as circunstâncias concretas e a duração da relação estabelecida entre as arguidas e o assistente, mas também, sobretudo, ao nível do desvalor do resultado, considerando não só o valor de que o assistente ficou desapossado como também a circunstância de ainda ter contraído uma dívida, para além da decepção que sentiu, quando se apercebeu de que nem havia noiva, nem casamento, nem empréstimos para tratamentos de saúde, a fim de curar a noiva, para finalmente poder casar-se com ele.

Assinale-se a grande eficácia e determinação, pois não pode deixar de anotar-se que, enquanto apenas foram dizendo que a CD...se encontrava doente e pedindo o dinheiro, o assistente ainda negou, o que deixou de conseguir fazer, depois de começarem os telefonemas, as cartas com as promessas de amor e os encontros para ir conhecer a noiva, que o fizeram, inclusive deslocar-se, por duas vezes à Suíça, sempre na esperança de que ia finalmente conhecer CD..., sem sucesso, porém.

Acrescem, no mesmo sentido, as fortes exigências de prevenção geral, em face da enorme proliferação de crimes de natureza idêntica e considerando as consequências desvantajosas associadas à prática dos crimes contra o património, traduzidas essencialmente, em crescentes sentimentos de insegurança e de desconfiança entre os cidadãos.

No caso vertente, essas exigências de prevenção especial são particularmente fortes, considerando a idade da vítima, o seu contexto de vida pessoal e familiar, o seu estado de saúde mental e o alarme social que condutas como a das arguidas, causam, pela forte repulsa e censura que merece quem maltrata idosos e se aproveita da idade e da fragilidade emocional destas pessoas, para as prejudicar, numa fase da sua vida em que deviam ser especialmente protegidas e respeitadas.
No caso vertente, foi flagrante a circunstância de que a arguida MM... se aproveitou, de forma cruel e cobarde, da solidão e da fragilidade mental do assistente, de que, aliás, se apercebeu, tal como resulta dos pontos 54. a 56. e 80. a 85., o que revela características de personalidade desvaliosas e que suscitam as maiores reservas quanto á sua capacidade de adequar a sua conduta com os valores éticos jurídicos que regem a vida em sociedade.
Acresce o passado criminal da arguida MM... onde avultam já algumas condenações por um crime de burla e vários de emissão de cheque sem provisão.
Saliente-se quanto à arguida MM... a sua postura perante os factos de auto-vitimização, tentando inverter a feição que aqueles depósitos e transferências bancários assumiam à luz dos documentos e que são o seu real alcance de acordo com a prova produzida.
Sopesados estes factores mostra-se adequada a opção pela aplicação de penas de prisão e graduá-las em seis anos para a arguida MM... e em dois anos, para a arguida SS....

Quanto à arguida SS…, pese embora tudo quanto se disse sobre o grau de intensidade dolosa, a ilicitude da conduta, tanto do ponto de vista da acção, como do resultado, da eficácia, premeditação e determinação com que também actuou, o seu contributo para os factos objecto do processo foi em muito menor escala.

Uma vez que a pena que lhe deve ser imposta é inferior a três anos, à luz do antigo art. 50º do CP e a cinco anos, à luz do actual art. 50º do mesmo diploma, cumpre equacionar a eventual suspensão da execução desta pena.

De acordo com os princípios gerais, consagrados nos art. 18º nº 2 da CRP, da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso, a que o art. 40º do CP deu concretização, as penas servem finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que a pena concreta tem como limite máximo inultrapassável, a medida da culpa, sendo que esta constituí o fundamento ético da pena e dentro de uma moldura de prevenção geral positiva ou de integração, cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e as exigências mínimas de defesa da ordem jurídica penal, correspondendo às exigências básicas e irrenunciáveis de restabelecimento dos níveis de confiança por parte da sociedade, na validade da norma incriminadora violada. (Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 65-111 e na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, páginas 186 e 187. No mesmo sentido, Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, p. 113; Eduardo Correia, BMJ nº 149, p. 72 e Taipa de Carvalho, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, p. 96 e ss. Na jurisprudência, por todos, ver, Acs. do STJ de 07.06.2006; de 02.05.2007;de 05.03.2008; de 07.04.2010, in http://www.dgsi.pt).

Por isso que constitui princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal (art. 40º), o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial.

Em diversos preceitos se encontram afloramentos de tal princípio, designadamente, no instituto da suspensão da execução da pena de prisão, previsto no art. 50º.

Nos termos do art. 50º nº 1 do CP, segundo a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Na versão anterior do CP, a pena concreta com base em cuja aplicação era possível suspender a execução da pena de prisão, era de medida não superior a três anos.

Além disso, enquanto que, após a entrada em vigor da Lei 59/2007 de 04.09, a período de suspensão da pena não pode ser superior ao da duração da própria pena, por força do actual nº 5 daquele art. 50º, no antigo art. 50º nº 5 do CP não existia tal restrição, sendo os limites mínimo e máximo desse período de suspensão os de um e de cinco anos, respectivamente, aplicáveis, casuisticamente, fosse qual fosse a fixação da medida concreta da pena (desde que até ao tal limite dos três anos, naturalmente).

O art. 2º nº 4 do C.P. consagra uma excepção ao princípio da irretroactividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, sempre que o regime se mostre, em concreto, mais favorável ao agente e este não haja sido condenado por sentença transitada em julgado.

A consideração de um regime como mais favorável depende da comparação dos dois diplomas - a lei antiga e a lei nova - quanto a aspectos como a natureza e medida abstracta das penas cominadas em cada um, as circunstâncias que influem na determinação do "quantum" da pena, causas extintivas de punibilidade, condições de procedibilidade, causas de exclusão da ilicitude e da culpa, isenção da pena, etc.

Mas à luz de ambos os regimes, a suspensão da execução da pena constituí uma dessas medidas de conteúdo pedagógico e ressocializante que exige, para além da moldura concreta não superior a cinco anos de prisão, que o Tribunal formule um juízo favorável ao arguido, no sentido de considerar provável que a simples censura da sua conduta e a ameaça da pena são suficientes para que ele não volte a cometer crimes e para satisfazer as exigências de prevenção da criminalidade.

E a ponderação das condições pessoais do arguido, da sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados, estão directamente associadas a finalidades de prevenção especial e não quaisquer factores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta.

A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime (Ac. do STJ de 25.10.2007, in http://www.dgsi.pt).

«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, em anotação ao art. 50.º).

Mas são, sobretudo, razões atinentes à prevenção geral que fundamentam, seja a aplicação, seja a não aplicação deste instituto.

Com efeito, são as razões de prevenção geral, traduzidas nas exigências mínimas e irrenunciáveis de salvaguarda da crença da sociedade, na manutenção e no reforço da validade da norma incriminadora violada, que determinam a possibilidade de reinserção social em liberdade que inspira o instituto da suspensão da execução da pena.

Mesmo que aconselhada à luz das exigências de socialização do condenado, a suspensão da execução da pena não poderá ter lugar, se a tal se opuserem a tutela dos bens jurídicos violados e as expectativas comunitárias, quanto à capacidade dos mecanismos e das instituições previstos na ordem jurídica para repor a validade e a eficácia das normas que a integram e de as fazerem respeitar.
«Uma tal medida (de suspensão de execução da pena de prisão) em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial.
«Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, p. 330; Acs. dos STJ de 09.11.2000, in http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html; de 08.05.2003; de 02.10.2003; de 02.03.2006; de 02.05.2006; de 06.07.2006; de 25.10.2007; de 02.04.2008; de 17.04.2008 e de 18.12.2008; de 07.04.2010 in http://www.dgsi.pt).
Numa análise globalizante dos factos, mostra-se que os mesmos se inserem num contexto de vida pessoal da arguida, no contexto de uma vida, até agora, conforme ao Direito, uma vez que trabalha, como engenheira civil, não tem antecedentes criminais, o que associado à sua reputação de pessoa honesta, calma, educada, permite concluir pela seu bom comportamento social anterior.

Por outro lado, esta pena de dois anos é de relativa curta duração, consabido que é o efeito criminógeno deste tipo de penas, para mais para pessoas jovens como a arguida, que à data dos factos tinha 24 anos e por referência à prática de um crime já ocorrido há dez anos sem que, entretanto, a arguida tenha cometido qualquer outro ilícito penal.

Por conseguinte, no caso vertente, por tudo quanto já ficou exposto, mostra-se adequado e suficiente a simples censura do facto e a simples ameaça da pena, para que a arguida interiorize o carácter reprovável da sua conduta e passe, no futuro, como até aqui, a conformar o seu comportamento, com os valores ético-jurídicos que regem a vida em sociedade.

Quanto ao período de duração da suspensão da pena de prisão ora imposta, porque o actual art. 50º nº 5 do CP é, desde logo em abstracto, mais favorável, o que se repercutirá, necessariamente, na sua aplicação concreta, opta-se pela aplicação da lei nova.

Assim, esse período coincide com a medida concreta da pena de prisão, ou seja, dois anos.

3.3. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-CIVIL

Determina o art. 129º do C.P. que a indemnização por perdas e danos, de qualquer natureza, que emergem da prática de um crime é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil.

Esta remissão deve ser considerada como sendo feita para os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, como vem sendo entendimento uniforme da Jurisprudência (v., por todos, o Ac. do STJ de 25.01.96, Col. Jur., Tomo I, p. 189 e o Assento nº 7/99 de 17.06.99, publicado no D.R., Série I-A de 03.08.99).

O direito que o lesado pretende fazer valer contra os responsáveis civis, inscreve-se no domínio da responsabilidade civil extra-contratual, em que a imposição da obrigação de indemnizar depende da verificação dos pressupostos enunciados no art.483º do C.C. e que são os seguintes: facto voluntário do agente, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre esse dano e a conduta do lesante.

O art. 562º do mesmo código prevê que aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que impõe tal reparação.

A obrigação de indemnização, consistindo no dever de reparar os prejuízos, reconstruindo a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso, cumpre-se, pois, pela reconstituição natural, sempre que possível.

«A reposição natural não tem necessariamente o sentido de repor com exactidão a situação anterior» (Ac. da Relação de Coimbra de 2.10.90, CJ, Tomo IV, p. 66).

Trata-se, em suma, de reconstruir a situação hipotética em que o lesado se encontraria, se não tivesse sofrido quaisquer danos na sua esfera jurídica.

Mas nem sempre se consegue resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano recorrendo ao princípio da reconstituição «in natura», por esta se mostrar impossível, inadequada ou insuficiente, permitindo o art. 566º, nesses casos e apenas nesses casos, a fixação da indemnização em dinheiro.

Consagrou-se, neste preceito, a teoria da diferença que tem como corolário lógico o princípio da actualidade.

Nestas condições, a indemnização por equivalente será calculada a partir da diferença entre a situação real do património da lesado e aquela em que se encontraria, se não se tivesse verificado o evento, tomando-se em conta, para esse efeito, a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal.

Essa data será, normalmente, a do encerramento da discussão da causa, nos termos previstos no art. 663º do CPC.

À luz do CPC, na sua redacção anterior à revisão introduzida pelos D.L. 329-A/95 de 12.12 e 180/96 de 25.9, o encerramento da discussão na primeira instância, servia de termo final, na verificação da existência dos danos e correspondente cômputo da indemnização (nesse sentido, v. Acs. da Relação do Porto de 13.6.90, CJ, Tomo III, p. 240 e Relação de Lisboa de 5.3.92 in Col. Jur., tomo 2º, p.119).

Depois daquela revisão, será de fazer reportar essa «data mais recente», ao julgamento pelo Tribunal da Relação, atento o preceituados nos arts. 712º e 713º nº 2 do CPC (cfr. nesse sentido, «Dano Corporal em Acidente de Viação», parecer do Sr. Conselheiro Sousa Dinis, CJ, Acs. do STJ, Tomo I de 2001, p. 7).

Num caso ou noutro, a indemnização abrange, quer as lesões nos interesses, bens ou direitos que o lesado efectivamente suportou, em consequência do evento danoso (danos emergentes), quer a frustração das suas expectativas de ganho (lucros cessantes), nos termos do art. 564º do CC.

Também os danos futuros devem ser atendidos, nos termos do art. 564º nº 2 do CC, segundo o qual «na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Na fixação da indemnização, atender-se-á, também aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito - art. 496º nº 1 do citado diploma.

«A indemnização por danos não patrimoniais deve possibilitar ao lesado uma verba que, de algum modo, o compense de dores, contrariedades e desgostos, através de algumas alegrias e prazeres » ( in Ac. da Relação de Évora de 13.11.79 in Col. Jur., Tomo V, p. 1553. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 26.1.94, CJ, ASTJ, Tomo I, P. 65; da Relação de Lisboa de 4.5.95, CJ, Tomo III, p. 95 ).

O único requisito de que depende a ressarcibilidade desta espécie de danos é o da sua gravidade e, no cálculo do montante da compensação, é essencial o recurso a juízos de equidade, conforme dispõe o art. 496º do C.C., em que sejam tidas em conta circunstâncias como a idade, sexo, sensibilidade do indemnizando, o sofrimento por ele suportado, a sua situação sócio-económica, a natureza das suas actividades e expectativas ou possibilidades de melhoramento ou de reclassificação ao nível académico ou profissional, o grau de culpa do agente e a situação sócio-económica deste, etc. (cfr., no mesmo sentido, o Ac. da Relação do Porto de 31.3.82 in C.J., Tomo II, P. 315 e Sousa Dinis, « Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, Acs. do STJ, Tomo I, 2001, p. 5 e ss.; Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 376; Acs. do STJ de 19.02.2002, in C.J. (Acs. do Supremo) Ano XXVIII, Tomo I, pág. 269 e da Relação de Lisboa de 7.10.2004, http://www.dgsi.pt).

Porque estes danos não atingem bens do património do lesado, são insusceptíveis de avaliação pecuniária e, portanto, a obrigação de os ressarcir reveste carácter compensatório, mais do que indemnizatório, a par de uma vertente, sancionatória, a propósito da qual deverá ser atendido o grau de culpa do lesante.

No caso vertente, provou-se que, em resultado dos factos descritos em 1. a 96., o assistente JM... ficado com contas bancárias a zero ou com saldo negativo e, além de ter ficado desapossado do seu dinheiro, no montante de € 1.089.586,30, ainda ficou com uma dívida de € 89.927,87, na Nova Rede, proveniente da subscrição de três livranças, que veio a liquidar, com o produto da venda de um terreno que tinha em Leiria.

Ora, do ponto de vista patrimonial, em execução do princípio da reconstituição natural, as arguidas terão de ressarcir o assistente, repondo-lhe o dinheiro que este lhes entregou, € 1.089.586,30.
Assim, o montante da indemnização por danos patrimoniais é de € 1.089.586,30.
Por outro lado também se provou que quando percebeu que já não tinha dinheiro, o assistente ficou triste, decepcionado e revoltado e só mais tarde, por volta de 2006, é que perdeu a esperança em conhecer a tal noiva CD... e vir casar com ela, de acordo com as promessas que a arguida MM... lhe havia feito em 2001 e 2002.

Ora, estes sentimentos de decepção, revolta e tristeza de que o assistente foi acometido são lesões em direitos de personalidade do mesmo, concretamente, no tocante ao seu equilíbrio emocional e integridade psíquica que merecem tutela jurídica.

E porque se trata de consequências do crime de burla praticado pelas arguidas MM... e SS..., considerando o seu modo de actuação, muito censurável, a natureza sancionatória deste tipo de compensação, a idade do assistente e o seu estado de saúde mental, já à data dos factos e recorrendo a um juízo de equidade, mostra-se adequada a compensação de € 25.000,00.

Quanto ao pedido de juros de mora, nos termos do nº 1 do art. 805º do CC , «o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir».

Por sua vez, o nº 2 al. b) daquele mesmo preceito estabelece que «há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação provier de facto ilícito».

Por fim, dispõe o nº 3 do mesmo artigo, na redacção que lhe foi dada pelo D. L. nº 262/83 de 16/6, que «se o crédito for ilíquido não há lugar a mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor, tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou por risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que haja já então mora, nos termos da 1ª parte deste número».

Assim da conjugação dos nº 2 al. b) e 3 do art. 805º, resulta que, no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ou pelo risco, o crédito de juros apenas se constitui com a citação do devedor (ver, por todos, Acs. Relação de Coimbra de 26.10.1999, in CJ, Tomo IV, p. 50; Ac. do STJ de 4.06.1998, in BMJ nº 478, p. 344), e o mesmo sucedendo quando estão em causa juros de mora relativos a indemnização por danos não patrimoniais (Acs. do STJ de 14.1.93, CJ, Tomo I, P. 130; de 26.5.93, CJ, Tomo II, p. 130; de 24.02.1999, in BMJ nº 484, p. 359; Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002 e Ac. do STJ de 13.11.2003, in http://www.dgsi.pt).

Tais juros de mora incidirão sobre a totalidade da indemnização, por força do disposto nos arts. 562º e 566º nº 2 para os danos patrimoniais.

Mas, contrariamente, ao que pretende a lesada, tais juros só terão o seu termo inicial de contagem, no que se refere à compensação por danos não patrimoniais, na data da prolação da presente decisão, posto que o quantitativo acima fixado se encontra actualizado a tal data e essa é a solução resultante do Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, publicado no D.R., Série I A de 27.06.2002, segundo o qual «sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».

Quanto à taxa de juros de mora, será de 4%, desde a data da notificação prevista no art. 78º do CPP, até integral pagamento (Portaria 291/03 de 8.4)

(…).»

Recurso da arguida SS…

Nulidade por via alteração de factos na condenação.

Relativamente à primeira questão, a recorrente, conclui numa primeira parte que o acórdão padece de nulidade prevista no artigo 120º n.º 2 al. d) do CPP, em virtude de condenar a recorrente por factos diferentes da acusação, sem que lhe tenha sido comunicada a alteração.

Numa segunda parte da mesma questão vem arguir que Mesmo que se entendesse, ou se venha a entender, que no caso concreto está dispensada a comunicação à recorrente da alteração efectuada aos factos, e à qualificação jurídica dos mesmos, entende a recorrente que tal entendimento da norma do artigo 358° do CPP, é materialmente inconstitucional, o que pretende ver reconhecida, designadamente por violação das suas garantias de defesa e mesmo dos princípios in dúbio pró reo e da presunção da inocência, previstos no artigo 32° da CRP e na CEDH.

Estatui o artigo 358.º do Código de Processo Penal (CPP) relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia, o seguinte:
«1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.
2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
O artigo 359.º reporta-se, por seu turno, à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tendo sofrido relevantes alterações com a revisão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabelecendo a distinção entre factos novos autonomizáveis e não autonomizáveis (que ao caso não releva).
A questão fundamental em causa no âmbito da alteração dos factos (e da qualificação jurídica) é, ainda, a afirmação da estrutura acusatória do processo que deve ter o seu objecto balizado pela acusação ou pela pronúncia, quando a houver.
Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além desses limites, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.
No entanto, como refere Germano Marques da Silva, «por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo», (cf. Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).
Tem sido, pela jurisprudência considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos (cf. Ac. Tribunal Constitucional n.º 330/97 in DR II 1997/Jul./03).
O mesmo sucede quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes – Ac. STJ de 1991//Abr./03, 1992/Nov./11 e 1995/Out./16 in BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt.
Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia – Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13, in DR II 2005/Out./19.
Também não se poderá falar de alteração dos factos com relevo para a decisão, quando a decisão condenatória se sustenta «exclusivamente nos factos constantes da acusação e da contestação e o recorrente não foi surpreendido com os factos, dadas as considerações que precedem. (cf. o AC. STJ Acórdão de 23 Jun. 2005, Processo 1301/05 Relator: António Artur Rodrigues da Costa.Colectânea de Jurisprudência, N.º 184, Tomo II/2005).

No que respeita à alteração da qualificação jurídica, é hoje claro que à face do artigo 358º nº 3 do CPP, conforme se diz no Ac da Relação de Coimbra de 17-09-2008, «a evolução interpretativa a que se foi procedendo, tanto no plano constitucional como na jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, aportaram a necessidade de consolidar a ideia cardeal de no uso do instituto da alteração substancial dos factos se consolidar a plenitude de garantias de defesa exigidas pelo artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, tornando clarividente que do ponto de vista que ao direito importa é a referência dos acontecimentos às normas jurídicas, e ao processo, os comportamentos humanos que pela lei são declarados passíveis de sancionamento. Neste contexto o direito de defesa tem de ser configurado também em função da consequência jurídica decorrente do concreto substrato factológico imputado ao arguido».

Efectuadas estas considerações importa referir que no caso da arguida SS…, a recorrente invoca, para além de terem sido dados factos como provados que não constavam na acusação e outros como provados que nela não constavam, o facto de vir acusada como co-autora, veio a ser condenada como cúmplice, não lhe tendo sido dado previamente conhecimento disso para se defender, cumprindo-se o disposto no artigo 358º.

Numa análise da factualidade dada como provada na sentença por comparação à factualidade que consta na acusação é desde logo manifesto que existe alguma diferenciação factual entre o que consta na sentença e o que consta na acusação, sendo esta ultima muito mais densa no que à narrativa factual que está em causa diz respeito.

Desde já se diga que essa narrativa extensiva não configuraria qualquer alteração de factos para efeitos o disposto nos artigos citados, se se limitasse a densificar, especificando, a factualidade que constava na acusação de modo a eventualmente puder explicá-la melhor, de forma a tornar compreensível a própria narrativa. Factos que poderiam decorrer quer da alegação da defesa, quer da própria iniciativa do Tribunal, ao abrigo do seu dever de descobrir a verdade material. Conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 17.6.2009, «não se pode confundir alteração da factualidade, quando se descreve a mesma mediante uma redacção distinta, porquanto o que releva são os factos, enquanto acontecimentos ou circunstâncias da realidade.».

E se isso é o que decorre, em parte, na situação em apreciação, e nessa medida não consubstancia uma alteração de factos para efeitos do artigo 359º do CPP, porque não colide com o objecto do processo (com o «pedaço de vida», em julgamento), já não é no entanto assim no que respeita à dimensão agora em apreciação no recurso da arguida SS… .

É que o Tribunal dando como provados muitos dos factos que estavam na acusação e não dando outros (o que, aliás poderia ter feito de um modo mais preciso) alterou a qualificação jurídica constante na acusação que imputava à arguida SS...a sua participação nos factos a título de co-autoria, conjuntamente com a arguida MM..., não dando à arguida qualquer possibilidade de se defender dessa alteração.

Recorde-se que na contestação, a fls 946, a arguida de uma forma simples mas inequívoca sustenta a sua defesa com a afirmação de que «não praticou os factos pelos quais vem acusada (…)». Factos em que lhe eram imputados, sem margem para dúvida, a co-autoria, com a arguida MM..., de um crime de burla agravada

Nas extensas considerações jurídicas que são efectuadas na sentença sobre a co autoria e a cumplicidade é fácil constatar que estamos em presença de formas de cometimento do crime muito diferenciadas. E que juridicamente assumem consequências diversas. Então se é assim, como é, então deve dar-se a possibilidade ao sujeito processual de poder defender-se dessa imputação (mesmo que seja num momento em que haja duvidas, em termos alternativos entre qual forma do crime que está em causa).

O que se quer dizer é que, se face à prova produzida em audiência, o Tribunal se apercebe que existe a «possibilidade» (ou não sendo já a possibilidade, a «certeza») de que existe uma alteração de factos que constam na acusação que leve a uma alteração da qualificação jurídica constante da acusação em termos da forma do crime, nomeadamente nas várias formas de autoria, então deve comunicá-la ao sujeito processual, para ele, se entender, se defender dessa diferenciação que o poderá afectar.

Repare-se que essa possível afectação existe independentemente da consequência jurídica comporta uma diminuição da responsabilidade em função da acusação (como é o caso, em abstracto, da decisão de condenação por cumplicidade em relação à acusação por autoria). O certo é que mesmo essa decisão pode consubstanciar uma «decisão surpresa» se, no caso, essa possibilidade nunca foi colocada. E daí poder permitir uma forma de defesa também ela diferenciada.

Ora sendo isso o que aconteceu nos autos em relação à arguida SS…, então a consequência só pode ser uma. Nulidade da sentença por via da aplicação do disposto no artigo 379º n.º 1 alínea b) do CPP.

O Tribunal deve pois, comunicar previamente à arguida essa possibilidade, dar-lhe oportunidade de se defender e então, em função disso, proferir sentença.

A procedência desta dimensão do recurso torna imediatamente inútil o conhecimento das restantes questões e recursos, na medida em que poderá decorrer uma alteração da decisão, por via do agora decidido.

*

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pela arguida SS…, declarando-se nula a sentença proferida, devendo os autos baixar à primeira instância para o Tribunal (com a mesma composição) reabrindo a audiência, cumprir o disposto no artigo 358º do CPP e o mais que entender útil para que não ocorram vícios, em função do que for alegado pela defesa.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 1 de Junho de 2011

Mouraz Lopes


Félix de Almeida