Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREITAS NETO | ||
Descritores: | INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO DEVERES DE INFORMAÇÃO OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS PRESUNÇÃO DE CULPA NEXO DE CAUSALIDADE | ||
Data do Acordão: | 05/04/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 7º, Nº 1, 304º, Nº 2, 312º, Nº 1 DO CVM; 76º DO RGICSF; 563º DO C. CIVIL. | ||
Sumário: | 1. Não cumpre os deveres de informação a que está legalmente vinculado, designadamente pelos art.ºs 304, nº 2, e 312, nº 1, do CVM, o Banco que, actuando como intermediário financeiro, oferece ao cliente/investidor não qualificado um produto integrado por “obrigações subordinadas” de uma terceira entidade emitente, sem inteirar o cliente do real significado e das especificidades de funcionamento de um tal tipo de valores mobiliários. 2. A presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro pressupõe de modo necessário a presunção de ilicitude da respetiva conduta. 3. Mas já não tem como seu antecedente lógico a presunção de que a falta de informação do intermediário foi também a causa do dano sofrido pelo investidor com a perda do investimento. 4. O incumprimento dos deveres de informação pelo intermediário só pode ser tido como causa adequada do dano do investidor se for demonstrado que na altura em que este realizou o investimento a entidade emitente das aludidas obrigações não tinha solidez económico-financeira para assegurar a restituição do capital, ou, pelo menos, que essa restituição já então era muito duvidosa; e, bem assim, que o intermediário financeiro disso tinha conhecimento. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
C..., LDA instaurou na Comarca de Leiria uma acção com processo comum contra BANCO B..., S.A., alegando a falta de cumprimento de um contrato celebrado com o extinto B..., actualmente integrado no R., relativo à aplicação financeira em “Obrigações S... Rendimento Mais 2004”, no valor nominal de €50.00,00, pedindo a condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de €61.468,08, acrescida de juros de mora. Para tanto, e em síntese, alega que em 2007 o seu representante legal foi aliciado por um funcionário do extinto B..., S.A. a levantar €50.000,00 de um conta que a A. possuía no agência do Banco e aplicá-la num produto financeiro denominado S... Rendimento Mais 2004; esse representante não era um investidor qualificado; porém, o funcionário bancário não prestou toda a informação sobre o produto, uma vez que lhe referiu tratar-se de algo semelhante a um depósito a prazo, com maior rendimento, possível de ser resgatado em qualquer altura, com garantia do próprio B...; a A. só pretendia o investimento se lhe tivesse sido assegurada a recuperação de 100% do capital investido, o que não era o caso; a conduta do funcionário do Banco foi instigada pela respectiva direcção que urdiu um plano para se apropriar dos depósitos dos clientes com vista a assegurar os rácios de capital do Banco; apesar de as obrigações se terem vencido em 2014, com a insolvência da emitente S... a A. não viu restituída a sua aplicação, sem embargo de ainda lhe terem sido pagos juros.
Contestou o R. BANCO B..., afirmando que na intermediação financeira efectuada com a A. no produto por ela adquirido/subscrito não houve qualquer violação do dever legal de informação, tendo esta sido prestada à A. de modo completo, verdadeiro e claro, nunca tendo o banco ou os seus colaboradores transmitido à A. que a restituição era garantida pelo próprio Banco; e que ao longo dos anos sempre a A. foi recebendo toda a documentação respeitante ao investimento efectuado e recebendo os juros sem ter suscitado qualquer reclamação. De todo o modo, não tendo o R. agido com dolo ou culpa grave, já há muito estaria prescrito o eventual direito de indemnização da A., nos termos do art.º 324.º/2 do CVM. Terminou com a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
A A. respondeu, nomeadamente à matéria da excepção da prescrição, concluindo como na petição inicial. A final foi a acção julgada procedente por provada e, em função disso, o R, condenado a pagar à A. a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 30/09/2015 até efectivo pagamento, sendo os vencidos até à propositura da acção de €11.468,08. Inconformado, deste veredicto recorreu o Banco R., recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * A apelação. Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação, o Banco R. suscita as seguintes questões: Reapreciação da matéria de facto; Violação do dever de informação pelo Banco; Ausência de nexo de causalidade entre a actuação do Banco e o dano. Contra-alegou a A., pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Decidindo. A reapreciação da matéria de facto. ... De sorte que improcede na totalidade a impugnação deduzida. Sendo, por conseguinte, os seguintes os factos que esta Relação tem por definitivamente provados: ... Sobre a violação do dever de informação a cargo do Banco. Alega o Banco recorrente, sucessor do B..., S.A., que apesar de ter assegurado à Autora (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira “era um produto sem risco e com capital garantido”, apesar de não ter transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, tal não configura a prestação de uma informação falsa ou violação do dever de informação a que, como intermediário financeiro, estava adstrito. Não tem, no entanto, razão. Se não vejamos. À data dos factos o então Banco B..., entretanto adquirido pelo Banco ora R., estava naturalmente submetido às normas do RGICSF na altura em vigor, nomeadamente à que se achava plasmada no respectivo artigo 76.º, à luz da qual as instituições de crédito deveriam actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações e tendo em conta o interesse dos investidores. Não discorda o recorrente, nem esta Relação levanta qualquer objecção, à premissa contida na sentença recorrida de que o B... actuou como intermediário financeiro, surgindo a A. na veste de uma investidora não qualificada. Como intermediário financeiro, aquele Banco estava também necessariamente sujeito aos especiais deveres de informação prescritos pelo Código de Valores Mobiliários (na versão que estava em vigor à data da subscrição das obrigações, ou seja o Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis n.ºs 61/2002, de 20 de Março, 38/2003, de 8 de Março, 107/2003, de 4 de Junho e 66/2004, de 24 de Março, pelo Decreto-lei n.º 52/2006, de 15 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 219/2006, de 2 de Novembro). Ou seja, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º desse Código tinha o Banco o dever de prestar uma informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita sobre os valores mobiliários em causa (obrigações); como também, por imposição do n.º 1 do artigo 312.º do mesmo regime, tinha o dever de prestar ao representante da Autora todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada sobre a compra das obrigações. Havendo que ter igualmente presente o disposto no n.º 2 do artigo 312.º do CVM, onde se prescrevia que “a extensão e profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. Ou seja, a dimensão do dever de informação e esclarecimento seria aquela que fosse exigida pelo perfil do concreto investidor. Parece-nos mais curial a qualificação desta responsabilidade do intermediário financeiro como uma responsabilidade de cariz contratual cujo incumprimento determina a obrigação de indemnizar os danos causados, nos termos gerais e também do disposto no art.º 314º do Código de Valores Mobiliários. Em se tratando de uma responsabilidade de natureza contratual, ela gera igualmente a obrigação de indemnizar (tal como sucede quando é desrespeitado o princípio da boa-fé que enforma a responsabilidade na fase pré-contratual). O que aqui está em jogo é o princípio basilar comum à responsabilidade contratual, quanto a esta plasmado no art.º 762º do CC; mas também à pré-contratual, aqui através do preceituado no art.º 227º do C. Civil, artigo por força do qual quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, e ainda no momento decisivo da conclusão do contrato, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte). Este princípio do direito civil foi, aliás, objecto de uma maior densificação no tocante à conduta dos intermediários financeiros perante o investidor não qualificado. Nesse sentido, o art.º 304º, nº 2, do CVM, na redacção resultante do DL 486/99, de 13/11 (redacção aplicável aos autos), veio estatuir que “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”. E no que especificamente concerne à preocupação com o perfil do investidor, o nº 3 do mesmo artigo ainda elevou esta exigência a um nível superior, ao prescrever que “o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar”. Estes deveres de informação constituem, é certo, deveres acessórios de conduta em relação ao dever principal de prestar, aqui traduzido pela celebração do negócio intermediado; de sorte que, por via dessa acessoriedade, e integrando a relação obrigacional complexa, eles não escapam à presunção de culpa do devedor contratual (art.º 799º, nº 1, do CC) que implica igualmente a ilicitude. Concordando com o posicionamento que assim os qualifica[1], afigura-se-nos que a sua intensidade é de tal ordem que aquela presunção não pode deixar de se lhes aplicar. É que o modo como está construída a tipificação desses deveres nos citados art.ºs 304º, nº 2, 312º e 314º do CVM (na redacção vigente à data dos factos), leva-nos a concluir que eles são deveres indissociáveis/indefectíveis do dever principal de prestar do intermediário financeiro, fundindo-se com eles na relação obrigacional, a ponto de se poder afirmar que o legislador não considera verdadeiramente efectuada a prestação do intermediário sem o seu simultâneo cumprimento e observância. Com efeito, a intermediação financeira não é aceite pela ordem jurídica sem o pleno acatamento desses deveres: eles são a razão de ser ou, mais exactamente, o fundamento ético-jurídico da especial atribuição ao agente da actividade de intermediação financeira. Note-se que o aludido art.º 314º do CVM, nos seus nºs 1 e 2, já declarava a violação dos deveres de informação do intermediário causa da obrigação de indemnizar o que só podia significar que a não violação desses deveres era imprescindível à boa execução da prestação que correspondia cumprimento da obrigação a cargo daquele. Isto é, só considerava a perfeição da mediação com a perfeição da informação e esclarecimento do investidor. Ponto é saber se, dada a mencionada intensidade dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro, ainda faz sentido colocar aos ombros do investidor a prova desse incumprimento que redunda na prova da ilicitude da actuação deste. Neste específico tema pensamos só ser razoável presumir a culpa onde se deva presumir a ilicitude, porquanto, como é óbvio, aquela presunção não pode conviver com a licitude (do facto), porque não há culpa de factos lícitos. É então tempo de perguntar se no caso sub judicio está ou não provado o incumprimento dos mencionados deveres essenciais pelo Banco. É para nós patente que está. Colhe-se da materialidade apurada que a invocada garantia do Banco intermediador foi instrumentalizada para a captação de clientes. Só por si, este artifício fraudulento levar-nos ia para o dolo, a forma extrema da violação dos deveres de informação. De todo o modo, o Banco intermediador omitiu a mínima explicação sobre a natureza do produto oferecido, produto que não era apenas uma obrigação sénior (se fosse esse o caso a sua explicação do seu significado seria, porventura, mais simples e, dessa maneira, mais apreensível pelo cliente); mas uma obrigação subordinada, o que, na presença de um investidor não qualificado como a A., deveria ter forçado o intermediador à integral dilucidação do cenário que este conceito traz consigo (e que, naturalmente, quem comercializa quer a todo o custo evitar). Na realidade, não consta do acervo fáctico que a A. (o seu representante) fosse pessoa com alguns conhecimentos nas áreas de economia e finanças ou em produtos financeiros em geral. Apenas decorre do facto provado em 45 que “Ao longo da sua relação com o Banco, a Autora teve sempre um histórico de aplicação do seu património em produtos diferentes dos simples depósitos a prazo, com investimento em unidades de participação em fundos de investimento ou em Papel Comercial da S...”. Esta formulação, se, por um lado, não evidencia uma total inexperiência da Autora no âmbito de aplicações tradicionais para além do “vulgar” depósito a prazo, também não inculca uma formação que lhe pudesse facultar a compreensão do real significado e específico condicionalismo das “obrigações subordinadas” que foram subscritas através do produto “Rendimento Mais S... 2004”. Dali – isto é, da parca experiência da A. em matéria de aplicações financeiras – segue-se que o Banco não estava de forma alguma dispensado de explicar e até esmiuçar em linguagem acessível o que era uma “obrigação subordinada” – produto que estava submetido a uma sorte diferente das outras obrigações – maxime quando o cliente nem sequer teria a consciência de que a entidade emitente (a que se responsabilizava pelo seu reembolso) não era o Banco que as comercializa mas a S... SGPS, S.A. Ao que se vê, a A. (ou o seu representante) não era investidora qualificada nem tão pouco familiarizada com as características e especificidades da aplicação a que aderiu. Carecia, por isso, de informação adequada a esse perfil. Que não lhe foi prestada, bem pelo contrário. De resto, ao que resulta da matéria provada, por instrução superior genérica, aplicável a todos os outros clientes. Aliás, daquela matéria provada emerge que : O legal representante da Autora é, por natureza, avesso a qualquer tipo de aplicações de risco; Só aceitou aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco Réu por que lhe foi afiançado, pelo funcionário do mesmo, que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco; Não lhe foi dada a nota informativa da operação, fosse em 2007, fosse até à presente data. O funcionário do Banco, que atuou em representação e sob as ordens do réu, deu a palavra ao representante da A. de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura. E de que, não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura. Este manancial fáctico é suficiente para colocar o Banco intermediador no patamar deu uma violação gravíssima do dever de verdade a que estava adstrito. De resto, e na sequência do que supra já foi aflorado, a descrição que emerge da materialidade apurada poderia mesmo preencher um quadro de viciação da vontade dos AA. por dolo, vício gerador de invalidade/anulabilidade negocial nos termos dos art.ºs 253º, nº 1 e 254º, nº 1, do CC. Mas não foi esse o caminho trilhado com a presente acção. O intermediário financeiro que, tendo em vista a consecução do contrato de cobertura[2], maliciosamente induz o investidor a convencer-se de características do produto financeiro oferecido que sabe não ser legítimo assegurar, incorre no âmbito da violação mais censurável das regras da responsabilidade contratual. Note-se que a violação da boa-fé – que na sua forma mais grave e censurável integrará o dolo – não é a do funcionário da Banco que concretamente interveio na negociação com o representante da A.: é antes o do próprio Banco como entidade institucional. Nem sequer se sabe – embora se adivinhe – se os próprios funcionários do Banco estavam municiados de conhecimentos que lhes permitissem proceder à informação dos clientes sobre o que eram “obrigações subordinadas” que estavam a oferecer. Note-se que aqui não está em causa – como parece crer o recorrente – uma eventual omissão de informação sobre riscos especiais inerentes aos investimentos propostos que, informação particular que o art.º 312º, nº 1, do CVM, na redacção aplicável, também fazia recair sobre o intermediário financeiro. O risco que, no caso concreto, que cabia ao Banco transmitir/comunicar ao cliente seria exactamente o correspondente ao particular tipo de produto oferecido: o inerente às “obrigações subordinadas” da emitente S... É, pois, justo concordar em que não se exigia ao Banco intermediário que, préviamente à formação da decisão de investimento, advertisse o cliente relativamente ao risco de incumprimento pela sociedade responsável pelas obrigações subordinadas (a S...). Antes disso está, obviamente, o facto de o representante da A. ter sido convencido a aplicar as suas poupanças num produto que não conhecia por lhe não ter sido mínimamente desconstruído no seu significado jurídico-financeiro. Em suma, porque o perfil do investidor do A. assim o exigia, fundamental era que ele tivesse sido informado: Que estava a subscrever “obrigações subordinadas”, com o que isso consistia; Que essas obrigações eram emitidas por uma entidade terceira – a S...; Que esta sociedade tinha uma relação de domínio em relação ao Banco. Por isso, o único risco que carecia de ser devidamente comunicado ao cliente não era seguramente o risco de insolvência da emitente/devedora S... – risco sempre inerente ao cumprimento de toda e qualquer obrigação – mas o risco próprio da natureza de um produto com as características específicas de uma obrigação subordinada. A existência desse risco foi, porém, completamente ocultada pelo Banco intermediário, que na sua actuação primou pela integral ausência de qualquer definição ou caracterização do que era uma obrigação subordinada, em especial no que respeita à sua hierarquização após os créditos comuns em caso de insolvência do devedor, nos termos do art.º 48º do CIRE. É que o simples facto de se tornar explícito ao investidor a subalternização no pagamento que por definição faz parte da natureza do produto poderia ser dissuasora do investimento. Como já se observou, a violação dos deveres de esclarecimento e explicação a pessoas não conhecedoras importa para o intermediário financeiro a obrigação de indemnizar os danos causados – art.º 314º, nº 1, do CVM. Obrigação de indemnizar que assenta em culpa presumida, pois segundo o n.º 2 do artigo 314.º do CVM “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”. Conclui-se, deste modo, que houve da parte do Banco um facto ilícito integrando incumprimento culposo dos deveres de informação que sobre ele recaíam.
A questão do nexo de causalidade. A outra questão levantada no recurso tem que ver com o problema de saber se, ainda que se admita a violação pelo Banco do dever de informação que sobre si impendia, não se verificou o necessário nexo de causalidade entre esse facto ilícito e o dano sofrido pela cliente, a ora A. Vejamos. Como se observou no Ac. desta Relação de 03.12.2019, prof. na apelação nº 3463/18.4T8LRA.C1, relatado pelo aqui 2ª adjunto, disponível em www.dgsi.pt., o nosso mais alto Tribunal tem maioritariamente entendido que o ónus da prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito do Banco e o dano do cliente compete a este último, afastando por essa via o entendimento de que tal nexo causal pode advir de uma via presuntiva. Ali se escreveu: “Ponto em que – a propósito de quem tem que provar o requisito do nexo causal – a posição que maioritariamente começa a ser seguida no STJ coloca tal ónus a cargo do cliente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 13 de Setembro de 2018, www.dsgi.pt, poc. nº 13809/16.4T8LSB.L1.S1, de 6 de Novembro de 2018,www.dsgi.pt. proc. nº 2468/16.4T8LSB.l1.S1, de 8 de Novembro de 2018, proc. nº 6164/09.TVLSB.L1.S1, de 15 de Janeiro de 2019, proc. nº 433/11.7TVPRT.P1.S2, de 19 de Dezembro de 2018, proc. nº 2382/17.6T8VNG,P1.S1, ou de 24 de Janeiro de 2019, proc. nº 2406/16.4T8LRA.C1.S1), posição que aqui observaremos. (…) Nesta linha de raciocínio, comprovada a violação de deveres de esclarecimento e de informação, algum caminho que facilite a prova da causalidade terá que ser, com todo o respeito, juridicamente excogitado. A inversão do ónus da prova poderá ser excessiva – uma vez que traz como consequência o risco contrário, do intermediário financeiro suportar danos não causados pelo seu comportamento – porém, a importância fundamental que as obrigações de informação e de adequação assumem na superação das assimetrias existentes no mercado de valores mobiliários, justificam que as violações de tais obrigações não devam ficar sem uma efectiva censura”. Manda o rigor e a honestidade intelectual que se reconheça que o bastião doutrinário[3] que tem pugnado pela interpretação amplíssima da presunção de culpa do intermediário financeiro plasmada no art.º 314º, nº 2 do CVM, tem a seu favor o argumentário escorreito e célere da protecção do cliente como parte negocial mais débil. Todavia, pensamos que a presunção da causalidade do facto ilícito e culposo do Banco proveniente da violação do dever de informação do cliente na celebração do negócio de cobertura não pode, por enquanto, ser solidamente invocada, pois, para tanto, careceria de inequívoco sustentáculo legal, o que, por ora, (talvez por desatenção do legislador) ainda não aconteceu. Se de iure condendo é plausível que o legislador venha a positivar uma tal presunção de forma categórica, afigura-se-nos que, salvo o respeito devido por quantos a advogam, de iure condito ela não encontra o menor dos aconchegos. Resta-nos assim tentar apurar o que devam ser os exactos contornos fácticos da causa jurídica do dano da A., dano que inquestionavelmente se consumou com a insolvência da sucessora da entidade emitente, in casu, a G... SGPS, SA, declarada em 2016, e a inviabilidade de pagamento à a. do seu investimento. Causa que o Banco R. remete exclusiva e inexoravelmente para a imprevista ou imprevisível insolvência da dita G... SGPS, SA.. Será assim? É sabido que a nossa lei acolheu a teoria da causalidade adequada no art.º 563º do C. Civil, nos termos da qual “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Mas é aqui especialmente importante conhecer o percurso que foi necessário empreender para se chegar a este critério normativo ou estritamente jurídico de causa relevante para a produção do dano. As primeiras aproximações ao conceito de causa de um dano partiram da conhecida fórmula empírica “post hoc propter hoc” que assentava no convencimento de que a mera precedência cronológica de um determinado acontecimento físico indicava a sua causa. Este visionamento veio a ser abandonado pela constatação de que um determinado resultado era sempre o produto de uma multiplicidade de circunstâncias concretas, sendo que todas e qualquer delas serviam de de condição e causa para aquele. Daí nasceu a teoria mais restritiva dita da conditio sine qua non, enraizada na filosofia de STUART MILL, segundo a qual causa de um fenómeno (ou resultado) seria tudo o que se revelasse imprescindível ou indispensável para a sua ocorrência. ANTUNES VARELA[4] sintetizou este avanço com a seguinte definição: “Nesta ordem de ideias o não cumprimento da obrigação será considerado causa de todos os danos que o credor não teria sofrido se não fora a inadimplência do devedor sem embargo de outras circunstâncias (porventura não imputáveis ao obrigado) terem concorrido para a verificação desses danos”. Tratar-se-ia agora de uma selecção das condições/causas relevantes para o dano; mas se esta nova teoria tinha, em si mesma, o condão de identificar ou descrever todo esse elenco, eventualmente esgotando-o, iria, na prática, remeter o juiz para soluções arbitrárias e iníquas na medida em que facilmente propiciava a eleição de uma qualquer delas em detrimento de outra. A equivalência das condições relevantes atirava-nos, por conseguinte, para uma total incerteza sobre o responsável pelo evento danoso, o que, como é evidente, não podia ser aceite sem forte relutância. Foram ainda esboçadas outras teorias de fonte meramente física ou naturalística para a tentativa de autonomização da causa relevante, de que são exemplos a da última condição, da condição decisiva (Binding), ou da condição mais eficiente (Birkmeyer). Em todas elas avultava a ausência de um critério que fosse pacíficamente recebido pelo comum sentimento de justiça como responsabilizante do autor do facto ilícito. Daí que se tenha desenvolvido um louvável esforço para achar um critério que pudesse ser aceite como justo para responsabilizar o autor do facto, o qual, de um ponto de vista já não simplesmente naturalístico, mas essencialmente normativo, devesse arcar com a responsabilidade pelo dano. Apesar do juízo abstracto de prognose da probabilidade do dano que está plasmado no art.º 563º do CC, tem sido observado que foi a formulação negativa de ENNECERUS-LEHMANN que nele veio a triunfar. Formulação que procurou corresponder ao enunciado de que “a condição deixará de ser causa do dano sempre que ´segundo a sua natureza geral era de todo indiferente para produção do dano e só se tornou condição dele por virtude de circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para a produção desse dano´. A alusão à condição de todo indiferente é equívoca pois o que significa é que, em circunstâncias normais, ela (a condição) não seria apropriada a produzir o dano. Ora do que aqui precisamente se trata é da inadequação de uma certa condição que se dá por força de algo extraordinário. A pedra de toque do instituto é, afinal, a da probabilidade negativa – dos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse o facto do agente. Esta conceptualização tem maior amplitude do que a conceptualização positiva uma vez que confere o estatuto de causa jurídica do dano a toda a condição do mesmo desde que não se faça a prova de que o dano se verificou por interferência de circunstâncias extraordinárias ou anómalas. Por outras palavras, estas circunstâncias, propositadamente qualificadas de extraordinárias ou anómalas, não passando a ser elas próprias, por si, a causa do dano, vêm, no entanto, a alterar o processo causal, excluindo a condição pré-existente como causa jurídica. Como é evidente, será ao suposto lesante/devedor que interessará a sua demonstração. Mas ela pode fluir da actuação processual do lesado (ou do tribunal) que tenderá a provar que elas não ocorreram, pois só arredando a sua verificação aquela sua invocada condição poderá ser eleita como causa adequada do ponto de vista do direito. Para o juízo de adequação da condição será preciso um juízo de probabilidade de acontecimento do dano, o qual deverá ser exercitado à data dos factos por alguém colocado no lugar do autor do facto ilícito e de posse de todas as circunstâncias por ele especialmente conhecidas. Em suma, a expressão legal “provavelmente” que é usada no art.º 563º do Código Civil tem, por conseguinte, implícita a presença de dois elementos: Que, em abstracto, o facto ilícito do lesante seja apto a desencadear o dano como uma consequência normal ou típica à luz do curso ordinário das coisas e a experiência corrente[5]. Que, em concreto, não tenha havido interferências de circunstâncias extraordinárias ou anómalas. Elaborado assim o desenho do que se deva ter por causa juridicamente relevante e do modo como deve ser equacionada a sua adequação, olhemos agora o caso concreto. Já defendemos a posição de que a causa adequada do dano do investidor que foi vítima de uma violação do dever de informação por banda do intermediário em produtos idênticos ao do caso vertente radicaria apenas nessa violação. É inegável que a falta de uma informação verdadeira pelo intermediário financeiro é um incumprimento/facto ilícito que pode revelar-se idóneo para pôr em movimento o processo causal que culmina no dano sofrido pela A. com a perda do capital investido. Mas não sem mais. Em rigor, o facto de a A. não ter sido informada correctamente pelo Banco intermediário poderia não constituir o terminante obstáculo ao recebimento pela A. do capital investido no produto em causa. Revendo agora aquele ponto de vista – sufragado em anteriores decisões do aqui relator – cremos hoje que a delimitação da causa adequada do dano do investidor não pode ser singelamente a mera inobservância pelo intermediário financeiro daqueles deveres acessórios de conduta. Terá antes de ser uma construção fáctica mais ampla, de molde a abranger não só a violação dos deveres de informação a cargo do Banco como ainda: É claro que, no que concerne a este último requisito, a prova da sua verificação está praticamente assegurada pela circunstância de o Banco pertencer ao mesmo grupo financeiro da entidade emitente, não sendo defensável esgrimir com a ignorância daquele no que toca à situação financeira desta na data em questão (Outubro de 2007). A violação dos deveres de informação a cargo do Banco intermediário financeiro só podia ser considerada causa adequada (e, portanto, provável) da perda do investimento pela A. se esse investimento já então era um produto sem o correspondente respaldo patrimonial na emitente, tornando, pelo menos, duvidosa a restituibilidade do capital investido no prazo de maturidade. É que, por um lado, só com esse elemento coligido no acervo fáctico os deveres de informação postergados ganham o peso causal suficiente para provocar adequadamente o evento danoso para a A.; e, por outro lado, só nesse preciso contexto a insolvência da emitente S... SGPS, S.A. deixa de aparecer como uma circunstância extraordinária ou excepcional no processo causal que culminou na perda do capital investido pela A..[6] Destarte, não tendo tal materialidade sido alegada e demonstrada, a insolvência da S... SGPS, S.A. acaba por assumir o papel de uma circunstância extraordinária que decisivamente veio a intervir no processo causal que consumou o dano da A..[7] Sem prejuízo, reparar-se-á que nos presentes autos a A. não logrou sequer provar o que alegara quanto à relevância do incumprimento dos deveres de informação do intermediário financeiro :“Que nunca a legal representante da autora teria aceitado subscrever uma obrigação S... Rendimento Mais 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhes tivesse sido mostrado o documento n.º 7, nomeadamente nos capítulos “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição” (cfr. o facto não provado na alínea k). A prova de que a subscrição não teria ocorrido não equivale à prova do dano. A prova que falta nos autos é de factualidade que não foi sequer alegada, concernente à situação económica e financeira da SLN aquando da subscrição do produto, nomeadamente quanto à então já existente impossibilidade ou dificuldade desta emitente em solver os seus compromissos. Sem essa factualidade falece a prova do nexo de causalidade do dano da A. Não estando preenchido o nexo de causalidade como um dos componentes da responsabilidade civil por facto ilícitos em que assenta a causa de pedir, a acção tem de naufragar, pelo que o recurso alcança o seu desiderato e a sentença não pode ser mantida. Pelo exposto, na procedência da apelação, revogam a sentença recorrida, e, em função disso, absolvem o R. do pedido. Custas pela A. e apelada. Coimbra, 4 de Maio de 2020 Sumário:
***
|