Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
56/08.8GDFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: APROVEITAMENTO DE OBRA CONTRAFEITA
APROVEITAMENTO DE OBRA USURPADA
TENTATIVA
TRANSPORTE
Data do Acordão: 05/05/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FUNDÃO – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 23º, 1 CP, 96º, 196º, 197º 199º CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS (LEI 16/2008, DE 1 DE ABRIL)
Sumário: O transporte de objectos contrafeitos e usurpados e cuja venda é ilegal, a supor que o arguido os ia vender, não integra a previsão típica do crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada (art. 199.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos), fica-se pela prática da tentativa, não punível dada a pena que lhe corresponde (art. 23.º-1 do CodPenal ).
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1- No 1.º juizo do Tribunal Judicial do Fundão, no processo acima referido, foi o arguido A... julgado em processo comum singular, tendo sido a final proferida a decisão seguinte :

- condena-se o arguido pela prática, como autor material, e na forma consumada, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto pelo art. 199º e punido pelo art. 197º, ambos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Lei 16/2008, de 1 de Abril), com referência ao art. 96.º do mesmo diploma lega,l na pena de 3 meses de prisão, que se substitui por igual tempo de multa, e ainda 60 dias de multa, sempre à taxa diária de 5 Euros.

2- Inconformado, recorreu o arguido da sentença condenatória, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :

0 arguido foi acusado da prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto pelo art. 1999 do Código do Direito de Autor e dos Direitos conexos, cujos elementos objectivos estabelecidos na previsão do tipo são: Vender; Pôr à venda; Importar; Exportar; Ou por qualquer modo distribuir ao público, Obra contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos exemplares tenham sido produzidos no país quer no estrangeiro.

A conduta do arguido não preencheu nenhum desses elementos objectivos nem qualquer prova foi produzida sobre os mesmos ou indicada na matéria de facto provada em sede de sentença.

Em sede de sentença foi dado como provado, por via de depoimento indirecto dos agentes da GNR, nos termos do art. 129.º do CPP : que os bens apreendidos se destinavam a ser vendidos aos preços de quatro e cinco euros cada ; que o arguido os tinha adquirido a pessoa não identificada por reduzidíssimo valor ; que os mesmos se destinavam à venda em mercados e feiras.

A defesa do arguido exarou na acta de audiência de julgamento a arguição da invalidade de tais depoimentos no que a estes aspectos diz respeito, pelo que entende a mesma que tais depoimentos, nessa parte, não têm qualquer valor probatório.

Ainda que o tivessem, parece-nos claro que a conduta do arguido, segundo os factos dados como provados na sentença, apenas poderia eventualmente configurar actos preparatórios do crime que ao arguido foi imputado.

Sendo certo que, no crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, a tentativa não é punível, uma vez que, não estando expressamente prevista a sua punibilidade, a enquadramos no regime geral dos artigos 21° e seguintes do Código Penal.

A doutrina da prática efectiva, consagrada nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2005 e 12-07-2006, ambos publicados no site DGSI, assim o entende.

O arguido não têm quaisquer antecedentes criminais, conforme consta do seu registo criminal. Pelo que deverá ser o arguido absolvido da prática do crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, e revogada inteiramente a sentença de condenação do Tribunal a quo.

3- Recorreu ainda o arguido do despacho de fls 118, no qual se mandou proceder ao desentranhamento, por inadmissibilidade legal, da resposta pelo arguido às contra alegações do MP na sequência do 1.º recurso. Alega em conclusões :

O arguido, no seguimento de factos novos contra ele aventados, entregou na secretaria judicial do Tribunal da Comarca do Fundão uma exposição para efectivação das suas garantias de defesa e do seu direito ao contraditório, com a tramitação permitida pelo art. 980 do CPP.

A Meritíssima Juíza a quo, por meio de despacho mandou desentranhar a referida exposição e condenou o arguido em custas no valor de 1,5 UC's.

Tal despacho preteriu qualquer fundamentação jurídica ou indicação de normas, estando, nessa parte, ferido de ilegalidade por violação do artigo 970 n°5 do CPP.

O mesmo despacho, na parte em que ordena o desentranhamento da exposição do arguido dos autos, viola claramente o art. 98.º do CPP, uma vez que o mesmo estabelece que as exposições do arguido são sempre integradas nos autos.

O arguido veio tempestivamente arguir as irregularidades de tal despacho por meio de uma exposição/requerimento .

Deve o presente despacho ser considerado ilegal e, por isso, revogado, no que toca à condenação do arguido em custas e desentranhamento da sua exposição dos autos, sendo declaradas e corrigidas as irregularidades nele contidas.

4- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer no qual conclui pela sem razão do arguido e pela improcedência dos recursos

5- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência .

                                                              +

Recurso do despacho de fls 118 :

O recorrente recorre de tal despacho com o fundamento --- numa linguagem aliás bem despropositada --- de que, tendo havido resposta do MP ao recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória de fls 67 ss, ele recorrente e arguido tinheria també direito a pronunciar-se sobre aquela mesma resposta do MP, dizendo que ali, além do mais, foram aventados ”factos novos” contra o arguido.

O despacho recorrido tem o seguinte teor : « O arguido recorrente deu causa a um incidente anómalo ao normal andamento dos autos. Com efeito, á resposta ás alegações de recurso do Digno Procuradro Adjunto não se segue qualquer articulado de " resposta à resposta" por parte do reccorrente. Assim, condena-se em custas, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UCs. Ordena-se outrossim o seu desentranhamento (...) ».

Ora, desde logo, na resposta do MP não constam factos novos , seja lá o que isso queira significar na prosa do recorrente. Factos novos em relação à tipicidade da conduta do arguido não são invocados, nem podiam ser, e que fossem era manifestamnte irrelevantes nesta fase processual. Se o recorrente quer significar argumentos jurídicos da resposta ao seu recurso, é essa precisamente a função processual duma resposta a um recurso.

Agora, pretender, em manifesta violação da lei, apresentar uma resposta a uma resposta é que não pode ser. Simplesmente porque a lei processual penal não prevê tal articulado, e é isso que diz o despacho recorrido, com suficiente clareza e fundamentação. De outro modo, levando a lógica do recorrente até ao fim, isto é, a permitir-se respostas a respostas, os processos judiciais estariam prometidos a um imenso e infindável cafarnaum judiciário, o que manifestamente não pode acontecer.

É portanto improcedente o recurso em causa

Recurso da sentença condenatória :

Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :

1. No dia 21 de Outubro de 2008, cerca das 17:28 horas, o arguido conduzia uma carrinha de marca Mercedes, modelo Vito, com a matrícula 72-05-OP, no cruzamento do Alcaide, Estrada Nacional nº 18, ao Km 68,500, área desta comarca do Fundão, local onde foi fiscalizado pela GNR.

2. O arguido transportava no interior daquela carrinha : - 1 CD de música, acondicionado em capa plástica, com o título Faísca Romantic Volume 3 ; - 1 CD de música, acondicionado em capa plástica, com o título A Favorita ; e ainda - 1 CD de música, acondicionado em capa plástica, com o título O Amiguinho ; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Sight, e onde se refere a distribuidora Noble; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Breakfast with Scot, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Jumper, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Man Abaout Town, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título In Ascolto, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Control, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Paris Je T’aime, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Control, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Love Lies Bleeding, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Sinav, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Being Cyrus, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Hack, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Passando dos  Limites, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica de DVD com o título Capturing Mary, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Havana, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Brick Lane , sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Rapto Macabro, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título On a Clear Day, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Manô, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Rise of the Footsoldiers, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica de DVD com o título Black Irish, e onde se refere a distribuidora Echo Bridge; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Persepolis, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Death of a President, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD com o título Finding Amanda, onde se refere a distribuidora Magnólia; 􀂷 2, acondicionado em capa plástica de DVD com o título The Hosttest State, onde se refere a distribuidora Think Film; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica de DVD sem título e sem identificação de distribuidora; 􀂷 7, acondicionados em capa plástica, com o título The Last Mistress, sem aidentificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título The Grand Comedy, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 5, acondicionados em capa plástica, com o título The Onion Movie, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título Chrysalis, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 5, acondicionados em capa plástica, com o título Kiss de Bride, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título Sex and the City, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 4, acondicionados em capa plástica, com o título Knocked ou and Superbad, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título What Happens in Vegas, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 11, acondicionados em capa plástica, com o título Sleep Walking, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 16, acondicionados em capa plástica, com o título Welcome t the Las Vegas, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 12, acondicionados em capa plástica, com o título Made of Honour, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título Am American Crime, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título Steel Trap, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 8, acondicionados em capa plástica, com o título Por um Flash, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 6, acondicionados em capa plástica, com o título Suspension, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 6, acondicionados em capa plástica, com o título A Voz do Coração, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 4, acondicionados em capa plástica, com o título Cover, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 9, acondicionados em capa plástica, com o título And Whend Did You Last See Your Father, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Affinity, sem a identificaçãode distribuidora; 􀂷 6, acondicionados em capa plástica, com o título Grandes Heróis da História, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 6, acondicionados em capa plástica, com o título Be Kind Rewind, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 5, acondicionados em capa plástica, com o título Flakes, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Stop Loss, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 5, acondicionados em capa plástica, com o título Jogada para a Morte, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Grace is one, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título The List, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Big Stan, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Taken, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Meet the Browns, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Otis, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título México City , sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título The Killing of John Lenon, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Chão Sangrento, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 5, acondicionados em capa plástica, com o título Closing the Ring, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Just Add Watter, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Double Dagger, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 5, acondicionados em capa plástica, com o título Things We Lost in Fire , sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título In Bruges, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título Chaos Theory, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 4, acondicionados em capa plástica, com o título Jack and Jill, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título 27 Dresses, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título My Mom’s New Boyfriend, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Anamoprh, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Oxford Murders, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Sugarhouse, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, com o título Just Busines, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título My Boy Jack, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Forgetting Sarah Marshal, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título The Last Hit Man, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 3, acondicionados em capa plástica, com o título Arthur, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Fuga Sob Pressão, sem a identificação de distribuidora; 􀂷 1, acondicionado em capa plástica, com o título Happening , sem a identificação de distribuidora; 􀂷 2, acondicionados em capa plástica, sem título e sem a identificação de distribuidora.

3. O arguido detinha estes objectos que destinava à venda em mercados e feiras, pelo preço de € 4 o CD de música e € 5 cada DVD de filmes.

4. O arguido não possui nenhuma factura de aquisição do CD e DVD’s, uma vez que não os adquiriu no circuito comercial, antes sim, os havia adquirido a pessoa não identificada por um reduzidíssimo valor.

5. Quer o CD, quer os DVD, são contrafeitos, pois que para além de não serem vendidos/distribuídos por agentes oficiais, são meras reproduções ilícitas dos respectivos originais.

6. Quanto aos CD :

A capa ou “InLay-Cards” são cópias a cores dos respectivos originais, não existindo qualquer “Bookleyes” ou livretos, nos quais constam, geralmente, a descrição das obras fixadas, bem como referências a autores e a toda a ficha técnica de produção do mesmo ou ainda as letras das obras.

A face do exemplar descrito, contrária à do original, não contém apostas impressões ou estampagens (“coroas” ou “label’s) habitualmente existentes nos originais, onde, para além do trabalho gráfico, são referidos o título genérico do trabalho, nome do intérprete, denominação de editor/distribuidor, etc.

7. Quanto aos DVD:

Os “In-Lay-Cards”/capas são meras reproduções dos respectivos originais.

Em nenhum dos casos existe qualquer “Booklets”, como ocorre nos originais, dos quais constam, geralmente, a descrição dos argumentos, bem como a referência à ficha técnica de reprodução da obra, instruções de utilização e índice de capítulos.

As faces dos DVD não contem impressões ou trabalhos gráficos habitualmente existentes nos originais (label’s)

Também, os respectivos originais não são comercializados em capas de plástico mole.

8. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que o CD e DVD’s que destinava a venda ao público consumidor em geral não eram originais mas sim meras reproduções ilegais. Sabia o arguido que o seu comportamento lhe era proibido e punido por lei penal.

A primeira questão --- e verdadeiramente prejudicial em relação à questão da admissibilidade da prova testemunhal dos agentes da autoridade que procederam à detecção e apreensão dos objectos apreendidos na posse do arguido --- é a de saber se,  no caso presente, o crime de aproveitamento de usurpação de obra obra contrafeita ou usurpada se consumou, ou se ficou pela mera tentativa, e não ser, assim, punível.

Dispõe o art. art. 199º Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Lei 16/2008, de 1 de Abril), com referência ao art. 96º do mesmo diploma legal, que « Quem vender, puser á venda, importar, exportar ou por qualquer meio distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos exemplares tenham sido produzidos no país ou no estrangeiro será punido com as penas previstas no art.º 197.º » .

Ao contrário do que acontece em outros crimes ( por exemplo de tráfico de droga, de crimes contra a economia e a saúde públicas ), o âmbito de tipicidade deste crime do art. 199.º está considerávelmente  diminuido uma vez que dele se excluem outras condutas que poderiam integrar a prática do mesmo, por exemplo, “transportar”, “armazenar”, “detiver em depósito”, “ ter a posse”, etc.

.No caso que nos ocupa, o que está provado é, em resumo e com interesse, que « o arguido conduzia uma carrinha (...) foi fiscalizado pela GNR (...) transportava no interior daquela carrinha ( os objectos referidos no ponto 2 dos factos provados ) (...) detinha estes objectos que destinava à venda em mercados e feiras, pelo preço de € 4 o CD de música e € 5 cada DVD de filmes (...) não possui nenhuma factura de aquisição do CD e DVD’s, uma vez que não os adquiriu no circuito comercial, antes sim, os havia adquirido a pessoa não identificada por um reduzidíssimo valor (...) Quer o CD, quer os DVD, são contrafeitos, pois que para além de não serem vendidos/distribuídos por agentes oficiais, são meras reproduções ilícitas dos respectivos originais ».

Nos termos do art.º 22.º-1 do CPenal, existe tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se, sendo actos de execução os definidos no n.º 2 do mesmo preceito legal : ( 1 ) os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime ; ( 2 ) os que são idóneos a produzir o resultado típico ou ( 3 ) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies referidas.

A tentativa, que representa uma extensão de incriminação ( com referência ao crime consumado ) de um determinado tipo legal de crime, só se verifica quando o agente inicia a prática dos actos objectivamente necessários para a realização do crime mas não se produz o resultado por circunstâncias estranhas à vontade do agente ( portanto, em que não há desistência ou impedimento voluntário do resultado ), subsistindo apenas o perigo de lesão do bem protegido na norma de incriminação ( correspondente ao crime consumado ). 

Ora, transportar objectos contrafeitos e usurpados e cuja venda é ilegal, a supor que o arguido os ia vender ( e aqui tem toda a razão a sentença recorrida quando diz que face à quantidade, natureza e características dos objectos se justificaria a presunção de que se destinavam a ser postos à venda ), não integra aquela previsão típica do art. 199.º citado, fica-se pela prática da tentativa, não punível dada a pena que lhe corresponde ( art. 23.º-1 do CodPenal ).

Como refere o Ac Rp, de 19-10-2005 ( www.dgsi,pt ), também citado pelo recorrente,  : « (...)  No que diz respeito ao crime de aproveitamento de obra usurpada, face à matéria de facto provada, não se pode dizer que os arguidos venderam, exportaram ou por qualquer modo distribuíram ao público obra usurpada, já que o tempo verbal usado no n.º1 do art. 199.º do CDADC, quanto àqueles factos, pressupõe uma efectiva venda, colocação à venda, exportação ou distribuição ao público, o que não aconteceu.
Na sentença recorrida foi decidido que os arguidos, ao colocarem a “roulotte” na feira, de véspera, contendo no seu interior os artigos usurpados, que destinavam à comercialização, ou seja à venda, e o facto de terem começado a abrir a “roulotte” com essa finalidade equivale a “pôr à venda” e, consequentemente, que se mostram preenchidos os elementos constitutivos do crime previsto no art. 199.º do CDADC. A nosso ver, porém, aqueles factos integram apenas a tentativa do crime previsto naquela disposição legal, não punível, tendo em conta que a pena aplicável e a de prisão até 3 anos ou multa – arts. 22.º, 23.º e 197.º, n.º1, do CDADC. Com efeito, os arguidos praticaram actos de execução de um crime que decidiram cometer, mas que não chegou a consumar-se, embora por razões alheias à sua vontade. Ao serem abordados no exacto momento em que abriam a “roulotte”, vendo assim frustrado o seu objectivo com a intervenção dos agentes da Brigada Fiscal da GNR, não se pode dizer que chegaram a pôr à venda os artigos usurpados».
E no mesmo sentido, numa situação perfeitamente similar à dos presentes autos , o Ac RP, de 2-12-2009, proc. n.º 42/05.OFBPVZ.P1 ( www.dgsi.pt ) : « Não comete o crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada do artigo 199º do CDADC aquele que compra um lote de obras usurpadas, o destina vender a outrem e é surpreendido quando, ao volante do seu veículo, faz o seu transporte, pois que ainda não vendeu, não colocou à venda, não exportou, nem distribuiu ao público». Diz também este último acordão : « (...) na norma do artigo 199º CDADC, se bem que numa primeira aproximação possa surgir como de grande abrangência “distribuir de qualquer modo” e “público”, terá, afinal, que ser vista, em concreto, como de conteúdo mais restritivo e preciso, por forma a não admitir a possibilidade de prever a situação de alguém que é detido quando transporta obra usurpada, que adquirira a outrem e que destina a vender (...).
Parece evidente no confronto do texto da lei incriminadora e da materialidade imputada aos arguidos (...) – não se olvidando que em matéria de qualificação de um facto como crime, está vedado o recurso à analogia, cfr. artigo 1º/3 C Penal “nullun crimen, nulla poena sine lege certa”– que estes não cometeram o crime de aproveitamento de obra usurpada, pois que não venderam, não puseram à venda, exportaram ou por qualquer modo distribuíram ao público, obra usurpada »

Assim, por falta de tipicidade da conduta e por não ser punível a tentativa, impõe-se a absolvição do arguido.

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DECISÃO

Pelos fundamentos expostos :

I- Concede-se provimento ao recurso, e assim se revoga a sentença recorrida, asolvendo-se agora o arguido do crime imputado

II- Sem custas.

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                                      Tribunal da Relação de Coimbra,        -         -


                        

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                                                            ( PauloValério )

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                                                                ( Frederico Cebola )