Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
426/12.7TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
PRAZO
REMISSÃO ABDICATIVA
NATUREZA JURÍDICA
CONTRATO
Data do Acordão: 06/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 387º, Nº 2 DO CT/2009; 863º C. CIVIL.
Sumário: I – Tendo o contrato de trabalho cessado por despedimento, ainda que com efeitos reportados a 01/12/2011, a acção especial de impugnação devia ter sido instaurada nos 60 dias subsequentes – artº 387º, nº 2 do C T/2009.

II – Quando assim não suceda, caduca o direito do trabalhador a impugnar o despedimento, caducando também os créditos emergentes da eventual declaração de ilicitude desse despedimento e ficando prejudicada a apreciação de eventuais créditos daí emergentes.

III – A remissão abdicativa constitui uma causa de extinção das obrigações – artº 863º do CC – e tem natureza contratual (a renúncia, enquanto negócio jurídico unilateral, não é reconhecida no domínio das obrigações como causa de extinção de créditos).

IV – Atendendo à natureza contratual dessa remissão é necessário o acordo entre os titulares da relação creditória.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A... , residente na Guarda, com o patrocínio do MºPº, instaurou a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra B... , também ele residente nesta cidade, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento e, em consequência, o réu condenado no pagamento das seguintes quantias:

a) Retribuições até ao trânsito em julgado da presente, e das quais logo liquidou a quantia de € 680,84;

b) Indemnização, pela qual opta, no valor de € 3.350,00;

c) Férias não gozadas em 2007 e correspondente subsídio, no montante de € 604,50;

d) Subsídios de férias (gozadas em 2008) e de Natal do mesmo ano, no montante total de € 852,00;

e) Férias não gozadas, e proporcionais de subsídios de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado no ano de 2011, no montante de € 1.333,74;

f) Juros, à taxa legal, sobre todas estas quantias, desde as respectivas datas de vencimento e até integral pagamento.

Alegou, em breve síntese, que foi trabalhador agrícola por conta deste réu desde Abril de 2007, auferindo retribuição em espécie – habitação para todo o agregado familiar, com água e electricidade – e em dinheiro, sem que lhe fossem passados recibos nem comunicado o trabalho à segurança social, até 30 de Novembro de 2011, momento em que lhe foi comunicado, por escrito, a extinção do posto de trabalho por incompatibilidade na relação com o trabalhador.


+

Na audiência de partes não foi possível a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação do réu para contestar, o que este fez alegando, também muito em síntese, que o processo não é o próprio, pois que deveria ter sido utilizado o processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, para cuja instauração, aliás, teria já decorrido o correspondente prazo de caducidade, que a sua admissão ocorreu em Julho de 2008, que apenas existiam, na propriedade, ovinos, que a família do autor residia na quinta apenas por mera liberalidade, auferindo o autor, em dinheiro, o correspondente ao salário mínimo, sempre comunicado aos serviços de segurança social.

Finaliza alegando que foi o autor quem avisou o réu que pretendia passar a trabalhar para diferente empregador, e que lhe veio a pedir a declaração de extinção do posto de trabalho para passar a receber subsídio de desemprego, ao que o contestante anuiu, mesmo sabendo não reflectir, tal declaração, a verdadeira causa da extinção do vínculo laboral, e que fizeram então as contas, tendo o autor recebido tudo quanto lhe era devido e assinado a declaração que junta.


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Em resposta, o autor afirma a correcção do meio processual utilizado e afasta, assim, a alegada caducidade, reafirmando o que narrou na petição.

***

II – Prosseguiram os autos a sua normal tramitação com dispensa de realização da audiência preliminar e sem elaboração de base instrutória tendo, a final, sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente decidiu:

1. Condenar o réu no pagamento ao autor das seguintes quantias:

a) Das retribuições que deixou de auferir desde o início de Dezembro de 2011 e até ao trânsito da presente decisão;

b) € 3.350,00, a título de indemnização em alternativa à reintegração;

c) € 852,00, a título de subsídios e férias e de Natal do ano de 2008;

d) Juros de mora, à taxa legal, desde as datas de vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento,

2. Absolveu o mesmo réu de tudo o demais contra ele pedido.


***

III – Inconformado veio o réu apelar, alegando e concluindo:

[…]


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Contra alegou o autor pugnando pela manutenção do julgado.

***

IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade[1]:

[…]


***

V - Do Direito:

Conforme decorre das conclusões da alegação do recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:

1. Se ocorre erro na forma de processo.

2. Se ocorreu a caducidade do direito do autor impugnar o despedimento.

3. Se a matéria de facto deve ser alterada.

4. Se os créditos reclamados pelo autor se devem considerar extintos.

5. Concluindo-se pela ilicitude do despedimento se deve ser alterada a condenação relativa aos salários intercalares e se deve ser ordenada a dedução prevista no disposto no nº 2 do artº 390º do CT.

Do erro na forma de processo:

Dispõe o artigo 98º-C nº 1 do Cód. Proc. Trabalho que “nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia -se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento

Assim, conforme refere Albino Mendes Batista “in” “A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Cód. Proc. Trabalho”, Coimbra Editora, Reimpressão, págªs 73 e 74 “a nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, ficando fora do âmbito desta impugnação outras situações que o dito autor enumera como sejam: o despedimento verbal; a invocação do abandono do trabalho quando não estão verificados os respectivos pressupostos; os casos em que o trabalhador entenda existir um contrato de trabalho que o empregador entende tratar como contrato de prestação de serviços e os casos em que o trabalhador entenda que não há motivo justificativo para o contrato a termo, relativamente ao qual o empregador acabou de invocar a respectiva caducidade.

No caso, (facto 4) o réu, na qualidade de empregador, com data de 29/11/11, enviou ao autor a carta que faz fls. 10 dos autos na qual comunicou a este que “por iniciativa do empregador, cessa o vínculo laboral existente entre nós desde Julho de 2008, a produzir efeitos em 01 de Dezembro de 2011”.

Na petição inicial (artº12º) o próprio autor reconhece que esta comunicação lhe foi entregue em 30/11/11, não lhe tendo o réu proporcionado mais trabalho a partir dessa data e que na mesma ocasião lhe entregou a “declaração de situação de desemprego” onde fez constar como causa do despedimento a “extinção do posto de trabalho” e como fundamento “incompatibilidade na relação com o trabalhador”.

Assim, afigura-se-nos evidente que o despedimento, ainda que por extinção do posto de trabalho, foi assumido como tal e comunicado por escrito. E tanto basta para que, nos termos do disposto do citado artigo do CPT, que não deixa margem para quaisquer dúvidas, se tenha de concluir que o processo de impugnação a utilizar é o especial previsto nos artigos 98º -B e ss do Cód. Proc. Trabalho e não o processo comum de que o autor lançou mão.

Verifica-se, por isso, existir erro na forma de processo que, em condições normais, levaria à anulação de todos os termos do processo, salvo a petição inicial que poderia ser aproveitada para efeitos de considerar impulsionada a acção especial de impugnação do despedimento – acórdão do STJ de 16/11/2011, proferido no âmbito da revista 799/10.6TTLRS.L1.S1; acórdão da Relação de Coimbra 16/6/2011, proferido no âmbito da apelação 420/10.2TTFIG.C1.

Todavia, pelas razões que a seguir se aduzirão a propósito da questão da caducidade, a solução tem se ser outra.

É que, tendo caducado o direito de impugnar o despedimento como a seguir se demonstrará, impor a adequação formal no âmbito destes autos, marcar uma nova audiência de partes, notificar a ré para apresentar articulado de motivação do despedimento e observar toda a tramitação subsequente redundaria na prática de um conjunto de actos inúteis e por isso proibidos por lei (art. 137º do CPC), pois que no termo desses actos chegaríamos sempre à mesma conclusão, qual seja a de que, por caducidade, dever a pretensão do autor improceder.

Por isso, tendo em vista evitar a prática proibida daqueles actos inúteis e por razões de economia processual, não se ordenará a adequação formal com a inerente anulação de dos termos do processo (cfr. Ac. desta Relação de Coimbra de 02.05.2013, procº 710/12.0TTCBR, relatado pelo ora 1º adjunto.).

Da caducidade:

Dispõe o nº 2 do artº 387º do CT que “o trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior, excepto no caso do artigo seguinte” [o artigo seguinte refere-se à apreciação judicial do despedimento colectivo e nele se prescreve que “a acção de impugnação do despedimento colectivo deve ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”].

No acórdão desta Relação de 24/05/12, Procº 888/11.0TTLRA-A.C1 (Relator: Azevedo Mendes e subscrito pelo ora relator como 1º adjunto), consultável em www.dgsi.pt/jtrc, escreveu-se que “no regime do Código do Trabalho de 2003, no art. 435.º, n.ºs 1 e 2 dispunha-se que:“1 - A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador. 2 - A acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso de despedimento colectivo em que a acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”.

A propósito desta última norma, a jurisprudência, designadamente a desta Relação vinha entendendo que esse prazo de um ano se tratava de um prazo de caducidade. Entre outros, no Ac. desta Relação de 6/11/2008 (in www.dgsi.pt, proc. 399/07.8TTLRA.C1), (…), considerou-se que este artigo 435º, ao estabelecer um prazo de caducidade para a acção de impugnação de despedimento, abrange todos os efeitos da ilicitude, apenas excluindo quanto a eles a aplicação do prazo prescricional do art. 381.º n.º 1 do CT/2003 que se reporta apenas aos créditos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato. Esta posição é a que continuamos a defender.

E no caso do n.º 2 do art. 387.º do CT/2009 entendemos, também, que o prazo de 60 dias ali estipulado é, também, um prazo de caducidade para a acção de impugnação do despedimento quando se trate de decisão de despedimento individual, comunicado por escrito, nos casos de despedimento disciplinar, por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho. Ou seja, não é apenas um prazo para o autor intentar a acção na forma especial prevista nos arts. 98.º-B e segs do CPTrabalho, mas antes para intentar qualquer impugnação judicial daqueles despedimentos.

Esta interpretação é a que mais se aproxima da razão de ser de um prazo de caducidade do direito de acção de impugnação do despedimento no domínio do CT/2003 e que era a de estabilizar rapidamente a definição dos litígios emergentes dos despedimentos, evitando a eternização, com a inerente insegurança, dessa mesma definição.

É certo que a norma emprega os termos “pode opor-se ao despedimento” e não já a fórmula mais clara “tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento”que era utilizada no art. 435.º, nº 2 do CT/2003.

Mas não se compreenderia que a redução para um prazo tão curto como o de sessenta dias tivesse apenas como consequência a do trabalhador poder ou não optar pela acção especial, a qual em regra não tem como consequência a diminuição dos tempos de duração da acção de impugnação, mas antes a sua simplificação pelo lado da abordagem a ela pelo trabalhador. Se assim fosse, qualquer prazo de caducidade desapareceria – situação que não encontra apoio nos trabalhos legislativos – e os direitos relativos ao despedimento ilícito ficariam apenas abrangidos pelo regime da prescrição previsto no art. 337.º n.º 1 do CT/2009.

Por outro lado, a epígrafe do artigo 387.º, “apreciação judicial do despedimento”, ilumina a disposição do seu n.º 1, quando este refere que a “ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador”, e é a que corresponde ao n.º 1 do art. 435.º, nº 2 do CT/2003. Os termos “pode opor-se ao despedimento” devem, assim, ser entendidos como a tradução da faculdade do trabalhador se opor ou não ao despedimento, oposição que só pode ter lugar por via de acção judicial regulada na lei adjectiva, no caso o Código de Processo do Trabalho.

O CPT veio regular a acção desenhada no art. 387.º n.º 2 do CT/2009, quando este já tinha desenhado uma forma adjectiva para a mesma (“apresentação de requerimento em formulário próprio”). E estabeleceu uma forma especial para a impugnação dos despedimentos fundados em motivos disciplinares, por inadaptação ou extinção do posto de trabalho. Assim, prevendo-se processo especial, não pode recorrer-se ao processo comum nos termos do disposto no art. 48.º n.º 3 do CPT.

No preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13/10, consignou-se o seguinte:

“Para tornar exequíveis as modificações introduzidas nas relações laborais com o regime substantivo introduzido pelo CT, prosseguindo a reforma do direito laboral substantivo, no seguimento do proposto pelo Livro Branco sobre as Relações Laborais e consubstanciado no acordo de concertação social entre o Governo e os parceiros sociais para reforma das relações laborais, de 25 de Junho de 2008, cria-se agora no direito adjectivo uma acção declarativa de condenação com processo especial, de natureza urgente, que admite sempre recurso para a Relação, para impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual. Nestes casos, a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT. (…)

Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.” (sublinhado nosso).

Resulta do transcrito que a intenção do legislador foi a de estabelecer um prazo de caducidade para as acções de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador. Em todos os outros casos de despedimento individual (p. ex., os despedimentos verbais), para cuja impugnação o trabalhador deve recorrer à forma de processo comum não existe prazo de caducidade do direito de acção e os créditos emergentes de despedimento ilícito ficam apenas abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT/2009. O contributo da parte do preâmbulo transcrito encontra apoio na letra da lei, conjugando as normas substantivas e adjectiva”

Nenhuma razão válida vislumbramos para alterar esta jurisprudência.

Daí que, no caso, tendo o contrato cessado por despedimento, ainda que com efeitos reportados a 01.12.2011, a acção especial de impugnação devia ter sido instaurada nos 60 dias subsequentes. Como isso não ocorreu (a presente acção comum de impugnação do despedimento deu entrada em 26.11.2012), caducou o direito do recorrido impugnar o despedimento, caducando naturalmente, o que agora se decide, os créditos emergentes da eventual declaração de ilicitude e ficando prejudicada a apreciação da questão acima enunciada em quinto lugar.

Da alteração da matéria de facto:

O tribunal recorrido deu como não provada matéria alegada no artº 31º da contestação, ou seja, que “autor e réu fizeram contas e foi pago pelo réu tudo o que era devido ao autor”.

O recorrente entende que este facto devia ter sido dado como provado pois o tribunal não podia ter dado crédito ao depoimento da mulher do autor quando esta referiu estarem em dívida as quantias reclamadas e ser “inverdade a declaração de quitação assinada pelo marido”.

Quanto à credibilidade a dar ao depoimento da mulher do recorrido, dir-se-á que não é por causa da relação de parentesco que esse depoimento deixa de ser credível. Por isso é de aceitar, à míngua de outros elementos, a convicção formada pelo julgador na 1ª instância.

Relativamente à declaração, refira-se que esta consta de fls 48 dos autos, tem a data de 30.11.2011 e encontra-se assinada com o nome do autor.

Nela é referido que A... declara que já lhe foi paga uma compensação de valor global, que abrangia todos os créditos vencidos à data da cessação do referido contrato de trabalho, bem como aquelas exigíveis em virtude da referida cessação, compensação que já foi recebida pelo trabalhador e pelo qual dá integral confirmação”.

Na resposta à contestação (artº 4º) alegou o autor que “vai também impugnado o doc. 1, junto com a contestação, documento que é redigido em termos genéricos e vagos e do qual não consta qualquer valor que permita aferir da correspondência entre os créditos ou compensação pagos e os devidos

O valor probatório do documento em causa está sujeito às regras dos documentos dos artºs 373º e ss do C. Civil sobre os documentos particulares.

O autor apenas impugnou a forma como foi redigida a declaração. Não impugnou a assinatura nela aposta, embora a sua autoria lhe seja atribuída, nem arguiu a falsidade do documento.

Por conseguinte, a assinatura deve ter-se por verdadeira, fazendo o documento prova plena quanto às declarações atribuídas ao autor, ora recorrido, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 374º nº 1 e 376º nº 1 do C. Civil.

Mas isto não quer dizer que tenha de ser dado como provado o facto que se pretende ver aditado à matéria de facto assente.

O que resulta plenamente provado são as declarações do autor constantes do documento, havendo depois que retirar as consequências ou efeitos jurídicos dessas mesmas declarações o que se irá fazer posteriormente.

O único facto que pode ser dado como provado, e que agora se adita ao elenco da factualidade assente é o seguinte: “o autor subscreveu a declaração que faz fls 48 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido”.

Mas aqui chegados, outra questão se suscita.

É que foi dado como provado (facto 5) que “posteriormente, e como contrapartida, unicamente, do pagamento da retribuição do mês de Novembro de 2011, o réu entregou ao autor o documento cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é a que consta da folha 12 do processo e cobrou-lhe a assinatura da declaração cujo teor – que igualmente aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o que consta da folha 48 do processo”.

Em primeiro lugar, o doc. de fls 12 do formato em papel refere-se não a qualquer declaração de remissão mas ao documento intitulado “Revogação do Contrato de Trabalho”, com data de 05.12.11, apresentado ao autor e que este recusou assinar “por ser completamente falso o seu conteúdo” segundo o por si alegado no artº 15º da petição inicial.

O doc. de fls. 48, subscrito pelo autor, como acima ficou referido, faz prova plena no que respeita à materialidade das declarações atribuídas ao autor, sendo que não foi arguida a sua falsidade nem tão pouco se invocaram quaisquer faltas ou vícios da vontade.

Daí que, dada sua força probatória, os factos dele constantes não possam ser infirmados por prova testemunhal (artº 393º nº 2 do C: Civil).

Consequentemente, atento o teor da declaração que acima deixámos transcrito decide-se suprimir da redacção do facto 5º a seguinte passagem “e como contrapartida, unicamente, do pagamento da retribuição do mês de Novembro de 2011”

Pretende ainda a recorrente que sejam aditados os seguintes factos: “ O autor disse ao réu que tinha arranjado outra ocupação e que queria despedir-se” e que “ O Srº C... , proprietário de outra exploração, entrou em contacto com o réu dizendo que o autor pretendia trabalhar para ele e indagando se o réu se importaria”.

Diga-se, desde já, que esta matéria não reveste interesse para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito, revelando-se perfeitamente inócua para essa decisão.

Seja como for, se alguma dúvida ainda pudesse subsistir relativamente à utilidade desta matéria, tal dúvida dissipa-se definitivamente na medida em que a questão do despedimento se encontra resolvida, não havendo que indagar se tal matéria se provou ou não.

Da extinção dos créditos reclamados:

Esta questão passa por saber se a declaração de fls. 48 pode valer como remissão abdicativa, com a consequente extinção da obrigação.

A remissão constitui uma causa de extinção das obrigações - art. 863º do Código Civil - e tem natureza contratual (a renúncia, enquanto negócio jurídico unilateral, não é reconhecida no domínio das obrigações como causa de extinção de créditos – v. Pires de Lima/Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, Vol. II, anotação ao artigo 863º).

Atendendo à natureza contratual da remissão é necessário o acordo entre os dois titulares da relação creditória.

Relativamente ao acordo do autor dúvidas não há porquanto a declaração encontra-se por si assinada.

Mas já se pode questionar se houve aceitação por parte do réu empregador.

Como se sabe, a aceitação tanto pode ser expressa como pode ser tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem (artigo 217º nº 1 do Cód.Civil).

E é o que acontece no caso em apreciação considerando a posição assumida pelo réu, designadamente ao afirmar na contestação nada dever ao autor em face do teor da declaração por este emitida.

O comportamento do réu é inequívoco no sentido de ter aceitado o teor da referida declaração.

Mas, ainda que se possa concluir pela convergência de vontades, porque a remissão tem por objecto créditos laborais, há que apurar se o autor trabalhador podia validamente renunciar a esses créditos.

Segundo o acórdão desta Relação de 11.01.2007, procº 355/05.0TTLRA.C1, consultável em www.dgsi.pt/jtrco princípio da irrenunciabilidade do direito ao salário tem vindo a ter consistente tratamento jurisprudencial desde há muitos anos. Não decorre directamente da lei (apenas tendo afloramento em alguns preceitos, designadamente hoje no artigo 271º do Código do Trabalho), e tem vindo a ser justificado sobretudo pela situação de subordinação económica em que o trabalhador se encontra face ao empregador, que o pode inibir de tomar decisões verdadeiramente livres, em resultado do temor reverencial face aos seus superiores ou do medo de represálias ou de poder ser prejudicado na sua situação profissional. Justificação essa que conduz à conclusão que o direito à retribuição e aos restantes créditos laborais só se consideram indisponíveis durante a vigência da relação laboral (v. por todos, Ac. STJ de 24-11-2004, in www.dgsi.pt, processo 04S2846, o qual constitui expressão de jurisprudência uniforme, não se tendo encontrado outros divergentes desta tese).

Ou seja, cessada a relação laboral, nada justifica já que o trabalhador não disponha livremente dos seus créditos laborais, quer salariais, quer outros emergentes da sua violação ou cessação, terminados os constrangimentos existentes durante a vigência dessa relação. Por isso a eles pode renunciar já ou estabelecer transacção sobre eles (…)”.

No caso em apreço, a declaração de fls. 10 através da qual o réu informou o autor que “por iniciativa do empregador, cessa o vínculo existente entre nós desde Julho de 2008, a produzir efeitos em 01 de Dezembro de 2011”, foi emitida com data de 29 de Dezembro de 2001 mas recebida pelo autor no dia 30 desse mesmo mês, precisamente no mesmo dia em que o autor assinou a declaração de fls 48 acima referida, sendo que a partir desta data (30.11.11), não lhe foi proporcionado mais trabalho (facto 4).

Quer isto dizer que, embora os efeitos da cessação contratual tenham sido reportados a 01.12.11, a relação laboral cessou de facto no dia 30 de Novembro, dia este que coincidiu com o dia em que o mesmo autor declarou o que consta da declaração de fls. 48.

Neste contexto, torna-se pertinente perguntar se o autor podia livremente dispor dos seus créditos.

Como é sabido, este tipo de declarações é normalmente emitido aquando do acerto de contas na sequência da cessação do contrato de trabalho.

Nestas circunstâncias, entendemos que as partes, aquando da celebração do acordo, assumiam já psicologicamente a ruptura da relação laboral, ou seja, a cessação do contrato de trabalho, deixando de existir os constrangimentos a que acima se fez referência e que subsistem enquanto vigora a aquela relação.

Daí que não se possa afirmar que, nestas situações, o trabalhador ainda se encontre inibido de tomar decisões verdadeiramente livres.

Consequentemente, à semelhança do decidido no acórdão desta Relação, relatado pelo mesmo relator, tirado no âmbito do procº 277/10.3TTCVL. C1, nenhum óbice se vislumbre para que não se considere ter existido uma verdadeira e válida remissão abdicativa pois que, como acima ficou dito, inexistem quaisquer vícios da vontade que a possam invalidar.


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VI Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente procedente em função do que, na revogação da sentença impugnada, se decide absolver a ré de todos os pedidos

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Custas a cargo do recorrente.

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Coimbra, 26 de Junho de 2014

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(Joaquim José Felizardo Paiva - Relator)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] A numeração é da responsabilidade desta Relação. Aliás, não vislumbramos quaisquer razões para esta prática peculiar de não numerar os factos considerados provados.