Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOÃO MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA VENDA DE BENS ONERADOS COM PENHORA DIREITOS DO COMPRADOR EXPURGAÇÃO DOS ÓNUS/LIMITAÇÕES DA COISA VENDIDA | ||
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Data do Acordão: | 09/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LAMEGO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 905.º; 907.º, 1 E 2 E 808.º, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | i) A venda de bens onerados, prevista no art. 905º do CC, ao referir ónus e limitações, compreende, por exemplo, a existência de direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação, servidões prediais) ou de garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, privilégios ou retenção), ou o facto de ela ter sido locada a outrem ou objecto de apreensão judicial (penhora, arresto, arrolamento); ii) Não pretendendo o A., a anulação, nem a redução do preço, mas antes pretendendo manter o contrato, de compra e venda de bem onerado, devia ter seguido o caminho de exigir ao vendedor a expurgação dos ónus/limitações, por ser obrigação legal deste, para obter a convalescença do contrato (art. 907º, nº 1, do CC); iii) Sendo a expurgação do vício uma obrigação do vendedor, não é permitido ao comprador substituir-se ao obrigado para realizar essa expurgação à custa dele. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I – Relatório
1. AA, residente em ..., intentou acção contra A... LDA, com sede em ..., peticionando a condenação da ré a pagar-lhe indemnização no montante global de 5.152,80 €, sendo 2.652,80 € a título de danos patrimoniais e 2.500 €, a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa civil desde a prolação da sentença até efetivo e integral pagamento. Alega, em suma, que comprou à ré um veículo de marca ..., com a matrícula ..-..-VO, livre de ónus ou encargos, mas que, afinal, estava onerado com uma penhora anterior. Na correspondente execução deduziu embargos de terceiros que foram improcedentes e depois negociar o montante com a exequente que penhorou o seu veículo, tendo dispendido no total, entre a quantia paga ao exequente, custas dos embargos e honorários ao mandatário, o montante equivalente aos danos patrimoniais que peticiona, para além de ter sofrido os danos não patrimoniais pedidos. A ré contestou, dizendo, além do mais, que não se dedica à venda de automóveis, que aquele estava na sua posse há mais de um ano. Ignorava a existência dessa penhora, não tendo sido a Ré quem tratou dos documentos e registos da viatura. Não praticou qualquer ato ilícito e com culpa e nem os danos alegados têm como causa a sua atuação. * A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos. * 2. O A. recorreu, formulando as seguintes (longas) conclusões: 1) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, salvo devido respeito, não procedeu a uma decisão justa e legal no processo em epígrafe. 2) Existe notório erro de apreciação da prova produzida, quer da testemunhal, quer da documental, para além de errada subsunção dos factos ao direito. 3) A Meritíssima Juiz acabou por julgar improcedente, inexplicavelmente, os pedidos formulados pelo Autor, pese embora e em abono da verdade, a prova produzida haja sido em sentido bem diverso, e ainda que assim não fosse da prova carreada para os autos – que a Ré vendeu ao autor um veículo penhorado – a decisão teria de ser necessariamente diferente. 4) O Autor instaurou a presente acção contra a Ré, peticionando a condenação desta no seguinte: (… transcrição). 5) Fundamentou o Autor a presente acção com a factualidade vertida na PI, que se sintetizou supra e no essencial, que a Ré lhe vendeu um veículo com uma penhora prévia, que nessa sequência o Autor teve diversas despesas para eliminar a mesma, sendo a Ré responsável pelo seu ressarcimento. 6) A primeira questão a evidenciar, prende-se com o facto de entender o recorrente que existe erro notório de apreciação da prova produzida, essencialmente testemunhal. 7) Bastou-se o Tribunal, para assentar tal juízo, em parte das declarações de parte do gerente da Ré (se bem que a amiúde e devidamente interpretadas as mesmas eram conducentes em sentido diverso), desconsiderando por completo o depoimento de parte do Autor e demais testemunhas arroladas que indubitavelmente traduziram o conhecimento do gerente da Ré da penhora que incidia sobre o veículo bem como que o mesmo foi o responsável pelo tratamento do crédito bancário (facto confessado pelo mesmo) para o Autor e registo da viatura. 8) Demonstrou-se assim uma clarividente má-fé por parte da Ré. 9) Ora o entendimento vertido na Sentença, não resulta minimamente demonstrado na prova produzida e, nem é sequer lógica a argumentação apresentada pela Ré com o propósito de se desresponsabilizar, nomeadamente, de que não procedia à venda de carros – quando sempre o fez e continua a fazer – e ainda que não teve qualquer intervenção no financiamento e transmissão da propriedade para o Autor (quando o gerente identificada a pessoa que disso tratou). 10) Ficou demonstrado que o gerente da Ré actuou com clara má-fé e verdadeiro dolo, sabendo que o veículo estava penhorado. 11) No entendimento do Autor encontram-se indevidamente dado como provado o seguinte facto: 29) E ignorava, quando vendeu, que existisse uma penhora anterior – idem. E encontra-se dada erradamente como não provada a seguinte factualidade: a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis. b) Para além de ter assinado o requerimento / declaração de venda para registo do veículo em causa, o que fez em 23 de junho de 2014 na CRPredial ... – vide doc de fls 34 e 35 verso, foi o legal representante da Ré quem diligenciou pelo registo do veículo em nome do A. e quem contactou terceiros para a obtenção do crédito para financiar a compra, pelo A. c) A referida A... Lda., garantiu-lhe a venda do referido veículo, livre de ónus ou encargos. e) O gerente da Ré afiançou-lhe que resolvia a questão junto do Banco. 12) Deve considerar-se que nos autos em causa ocorreu erro de apreciação da prova por parte do Tribunal recorrido, considerando-se, a final, procedentes os pedidos formulados pelo Autor no reconhecimento do seu direito a ser ressarcido das despesas que teve por conta da penhora que incidia sobre o veículo e prévia à aquisição por parte do Autor. 13) Tal resulta claro dos depoimentos e declarações das seguintes testemunhas que, em suma, disseram o seguinte: FAIXA: 20230214095942_3469511_2871946 – 14/02/2023 – 10H08 - TESTEMUNHA BB (… transcrição de depoimento). FAIXA: 20230214101808_3469511_2871946 – 14/02/2023 – 10H32- TESTEMUNHA CC (… transcrição de depoimento). FAIXA: 20230214103233_3469511_2871946 – 14/02/2023 – 10H36 - TESTEMUNHA - DD (… transcrição de depoimento). FAIXA: 20230214104817_3469511_2871946 – 14/02/2023 – 11H06 - TESTEMUNHA EE (… transcrição de depoimento). FAIXA: 20230214112320_3469511_2871946 – 14/02/2023 – 11H33 - DECLARAÇÕES DE FF (… transcrição de depoimento). (…) 14) O Tribunal a quo acreditou apenas no depoimento de parte do gerente da Ré que, de forma totalmente interessada, mentiu ao Tribunal, dizendo que não tratou do crédito bancário, nem tão pouco do registo do veículo em nome do Autor, quando tal surge em contradição com a demais prova produzida, resultando que o mesmo “fez uma marosca” com o genro da testemunha EE (este dono da empresa que vendeu o veículo à própria filha e depois o passou para a Ré) os três, genro, filha e gerente da Ré, muito amigos. 15) Mais do depoimento das testemunhas também se logrou apurar que o “gerente da Ré estava feito” para enganar o Autor e fazer com que o mesmo adquirisse o veículo sem saber da penhora em causa. 16) Bem como, depois de o Autor o interpelar, o gerente da Ré, pro diversas vezes, obrigou-se a resolver o assunto, tendo, inclusive, agendado reunião co a testemunha EE para tanto. 17) Sopesados todos os meios de prova carreados e procedendo-se à audição dos depoimentos acima transcritos devem Vª Exªs proceder à reapreciação da prova dando como como provado o seguinte facto: 29) O gerente da Ré sabia quando vendeu o carro que havia uma penhora anterior. Ao invés de: “ E ignorava, quando vendeu, que existisse uma penhora anterior – idem. 18) E ainda devem passar a constar da matéria de facto dada como provada os seguintes factos dados como não provados: 30) (a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis. 31 (b) Para além de ter assinado o requerimento / declaração de venda para registo do veículo em causa, o que fez em 23 de junho de 2014 na CRPredial ... – vide doc de fls 34 e 35 verso, foi o legal representante da Ré quem diligenciou pelo registo do veículo em nome do A. e quem contactou terceiros para a obtenção do crédito para financiar a compra, pelo A. 32 (c) A referida A... Lda., garantiu-lhe a venda do referido veículo, livre de ónus ou encargos. 33 (e) O gerente da Ré afiançou-lhe que resolvia a questão junto do Banco. 19) Dos depoimentos e declarações prestados em audiência, coadunados com a prova documental, bem como, com as devidas e claras regras da experiência de vida, toda e não só a que a Meritíssima Juiz decidiu apreciar, não podem ser dados como não provados e provados os factos constantes da sentença, antes, os agora elencados e da forma peticionada. 20) As testemunhas arroladas foram inequívocas a atestar a versão do Autor, no sentido de que o gerente da Ré agiu com má-fé e dolo ao ter- lhe vendido um veículo que sabia ter averbado no registo uma penhora e mais tal “disponibilidade” que o mesmo apresentou para promover o registo até por si só demonstra que o mesmo queria impedir que o Autor tratasse de tais démarches e assim pudesse a vir descobrir, antes de registar em seu nome, a penhora que sobre o referido veículo incidia. 21) O Tribunal a quo errou ao seguir apenas a versão isolada e descontextualizada do gerente da Ré que tudo fez para tentar fazer crer em juízo que nada sabia quando, na verdade, sabia de tudo e mais alguma coisa e tinha o propósito pré-definido de enganar e ludibriar o Autor fazendo-o adquirir o referido veículo que sabia estar nas referidas condições. 22) Mais também ficou demonstrado em juízo que o gerente da Ré foi contactado pelo Autor no sentido de resolver o assunto logo que este teve conhecimento da referida penhora tendo sempre assumido o compromisso de resolver o assunto junto do Banco o que nunca fez. 23) Ora tais factos são importantes à boa decisão da causa e não foram devidamente apreciados pelo Tribunal, o que é erro claro, inequívoco, notório e até crasso, salvo melhor opinião, pelo que se requer o reparo de Vªs Exªs, alterando-se a matéria de facto dada como provada e não provada nos termos acima sugeridos. 24) Ademais, a sentença recorrida procedeu a errada interpretação de aplicação da Lei, pela aplicabilidade do disposto no artigo 907º do Código Civil ao invés do disposto nos artigos 798º e 799º do CC, verificando-se assim e consequentemente erro e ilegalidade da decisão. 25) Está claramente provado que o gerente da Ré, em representação exclusiva desta, promoveu o registo do veículo a favor do Autor e diligenciou pela obtenção de crédito bancário por forma a impedir que o Autor se o promovesse por si pudesse chegar à conclusão que o veículo tinha registada a penhora e por essa razão não concluir o negócio. 26) Entendeu o Tribunal a quo que o Autor quando constatou tal situação deveria ter lançado mão da acção prevista no artigo 907º do Código Civil e demandado a Ré para expurgar “o ónus ou limitação”. 27) Porém a concreta questão de facto que se dá a apreciar nesta acção não tem cabimento no supra citado dispositivo legal. 28) A Lei efectivamente prevê a obrigação do vendedor sanar a causa de anulabilidade do contrato, expurgando ónus ou limitações, no entanto a penhora não tem cabimento no referido artigo legal, pois não é ónus ou encargo e também não limita a coisa. 29) O caso concreto destes autos não tem cabimento no referido estatuído legal, pelo que não poderia o Tribunal aplicá-lo como fez, por não ter aplicação ao caso e nem o referido regime foi sequer invocado por qualquer uma das partes. 30) A penhora em si mesma, que incidia sobre o veículo e que o Autor se viu obrigado a remover quando confrontado com a notificação judicial para entrega do veículo em dez dias, não se pode considerar ónus ou limitação subsumível aquele normativismo legal. 31) O Autor tinha e tem o direito de ser ressarcido por parte da Ré pelas despesas que o mesmo teve, tendo em conta a venda, por parte desta, de um veículo que sabia estar penhorado. 32) Se a norma não é específica no sentido de que em casos de penhora os compradores de bens naquelas circunstâncias têm de lançar mão do estatuído naquele preceito legal, também não resulta da própria Doutrina. 33) Pois a melhor e mais avisada Doutrina, vai no sentido defendido pelo aqui Autor e recorrente, contrariando a aplicação levada a cabo pela Mª Juiz no processo, como e supra se referiu e expôs, que aqui se considera integralmente reproduzida. 34) Como refere esta acertada Doutrina, são vícios do direito, um usufruto, uma hipoteca, um privilégio por obrigação anterior que se venha a executar, um penhor, uma servidão, etc., constituídos em benefício de terceiro. Já não são vícios do direito os encargos ou ónus inerentes aos direitos da mesma categoria, como são as limitações legais ao direito de propriedade e as servidões legais. 35) Entende o Autor que sendo o termo ónus aqui utilizado num sentido técnico, designa ele geralmente encargos ou limitações do gozo da propriedade tal não se enquadra na situação descrita nos autos que configura uma situação de verdadeiro incumprimento contratual. 36) Aa Ré violou os “deveres laterais” no negócio que celebrou com o Autor pois que apesar de saber que sobre o veículo incidia a referida penhora não se coibiu de o vender ao Autor e por forma a ocultar os seus intentos prontificou-se a promover o crédito bancário (empréstimo pessoal) e o registo a favor do Autor para que o mesmo não soubesse fosse de que forma fosse antes da transmissão de propriedade que estava registada a referida penhora. 37) A materialidade fáctica alegada pelo Autor na sua petição inicial faz imputar à Ré a responsabilidade pelo desconhecimento, por parte daquele, da penhora que incidia sobre o veículo automóvel adquirido, aquando da sua aquisição pelo ora recorrente. 38) Violou assim a Ré o disposto nos artigos 227º e 762º nº 1 do Código Civil. 39) Acresce que aí se invocam as razões por que não poderia o Autor optar pela anulação do negócio com base em vício de vontade (erro); aliás aquando da surpresa com a notificação para no processo executivo referido na PI o Autor ter de proceder à entrega do carro em 10 dias, e não tendo o gerente da Ré resolvido o problema como a tanto se comprometeu, não poderia o Autor agir de forma contrária senão o de resolver a situação e imputar à Ré a responsabilidade pelo incumprimento nos termos em que o fez; nenhum Tribunal decidiria em tempo útil – 10 dias – pela condenação da Ré no que quer que fosse, ficando assim o Autor obrigado a reagir nos termos em que o fez. 40) No fundo, e ao contrário do que entendeu a instância recorrida, a causa de pedir consubstancia uma situação de cumprimento defeituoso do contrato (venda de um bem com uma penhora), à qual terá de ser aplicado o regime da responsabilidade civil por incumprimento do contrato e tudo nos termos do disposto no artigo 798º do Código Civil que dispõe: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, sendo que “A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil” (nºs 1 e 2 do artigo 799º do mesmo diploma). 41) Estamos pois perante responsabilidade civil contratual, pelo que não se coloca a questão da obrigatoriedade de demandar a Ré nos termos do disposto no artigo 907º do Código Civil, aliás nem tal era concebível ou exigível atenta a eminência do veículo poder ser retirado ao Autor no âmbito da referida acção executiva. 42) A coberto do regime legal ora referido, que não foi considerado pelo Tribunal a quo, o Autor entende que agiu de forma legal e tempestiva; tendo resolvido a questão da penhora que incidia sobre o veículo e que consubstancia um verdadeiro incumprimento contratual por parte da Ré tem o direito a ser ressarcido atento o referido incumprimento. 43) A venda do referido veículo que tinha averbada a penhora na conservatória do registo automóvel não se enquadra no regime de venda de bem com ónus ou limitação mas sim de uma situação de verdadeiro incumprimento contratual, ou melhor de uma situação de cumprimento defeituoso do contrato (venda de um bem com uma penhora), à qual terá de ser aplicado o regime da responsabilidade civil por incumprimento do contrato e tudo nos termos do disposto no artigo 798º do Código Civil que se reitera: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. 44) No presente processo impunha-se assim ao Tribunal recorrido distinguir a simples venda de coisa defeituosa, de outra figura mais ampla e, por isso, mais abrangente, que é a do cumprimento defeituoso da obrigação. Veja-se a Doutrina supra elencada e que aqui se deixa pro integralmente reproduzida. 45) Logo, provando-se como se provou que o gerente da Ré foi contactado diversas vezes pelo Autor para resolver o problema, que o mesmo se comprometeu a assim fazer e não o fez caímos na previsão do incumprimento contratual que confere ao Autor o direito a ser ressarcido/indemnizado dos pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art. 798.º do CC), correspondente às despesas que teve com a eliminação da penhora que incidia sobre o veículo. 46) A causa de pedir, relativamente à Ré, configura cumprimento defeituoso do contrato que celebrou com o autor, onde é aplicável o regime previsto nos artºs 798º e 799º do CC, e não implica contrariamente ao entendimento da instância recorrida, a obrigatoriedade de demandar a Ré à luz do disposto no artigo 907º do Código Civil já que por um lado o dispositivo legal não prevê esta situação e por outro nem seria concebível atenta a urgência da questão – penhora realizada e eminência da entrega coerciva do veículo – que o Autor se socorresse de tal mecanismo legal. 47) Consequentemente, assiste ao Autor, como fez, o direito de intentar acção de responsabilidade pelo interesse contratual positivo, resultando o mesmo da causa de pedir, sendo aplicável à presente questão o regime previsto para as obrigações em geral (incumprimento), e tendo o Autor intentado a ação em tempestivamente, tendo-se provado que a Ré vendeu ao Autor um veículo com uma penhora prévia e que apesar de instada nada fez para solucionar o problema, tornou-se responsável pelo ressarcimento dos danos e prejuízos elencados pelo Autor na PI, tendo este de “correr” contra o tempo por forma a não ser desapossado do veículo em causa. 48) Pelo que, merece assim a decisão recorrida douto reparo de Vªs Exªs, declarando-se ilegal e errada a decisão que decidiu julgar a acção improcedente pela errada interpretação da lei aplicável à questão controvertida. 49) O Tribunal a quo ao proferir a decisão recorrida em contradição com a prova produzida quer testemunhal quer documental e com a Lei aplicável aos presentes autos, proferiu uma decisão errada e violadora da Lei, esperando o recorrente por isso mesmo, que Vªs Exªs profiram uma sábia decisão no sentido de revogar a decisão recorrida, dando-se procedência aos pedidos formulados pelo Autor à luz da correcta legislação aplicável ao caso. 50) E por todos os fundamentos supra elencados, temos que a decisão proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, não convenceu a recorrente, sendo uma decisão errada por violação entre outros do disposto nos artºs 227º, 907º, 798º e 799º e 762º nº 1 todos do CC, sendo assim uma decisão errada e desconforme à jurisprudência dominante nos nossos Tribunais, esperando ter a douta rectificação de Vªs Exªs nos termos supra sugeridos. Nestes termos, decidindo-se como se requer, devem Vªs Exªs decidir pela procedência da apelação ordenando-se a revogação da decisão recorrida, por outra que declare procedente a pretensão do Autor pelos fundamentos supra elencados e assim, FARÃO VªS EXªS, A DEVIDA JUSTIÇA 3. A R. contra-alegou, concluindo (longamente) que: A. e B. (… agora irrelevantes). C. Todo o argumentário expandido pelo Autor Recorrente é desprovido de qualquer fundamento, não pretendendo o mesmo senão protelar o desfecho da acção, adiando uma decisão inevitável. D. O Autor Recorrente entende existir erro notório na apreciação da prova produzida, requerendo a alteração da decisão quando ao facto provado em “29) E ignorava, quando vendeu, que existisse uma penhora anterior – idem”, pretendendo que, ao invés, seja dado como provado o seguinte facto: “29) O gerente da Ré sabia quando vendeu o carro que havia uma penhora anterior” e invocando, para tal, a prova testemunhal produzida. E. Ora, do depoimento da testemunha, arrolada pelo recorrente, EE, conforme se transcreveu (14-02-2023, 10:48 – 00:00:01 a 00:17:43), concretamente 00:09:02 a 00:09:07; resulta inequivocamente que a Ré Recorrida desconhecia que sobre o veículo automóvel alienado incidia uma penhora. F. E ainda do depoimento da testemunha GG, que se transcreveu (14-02-2023, 11:07 – 00:00:01 a 00:14:42) concretamente 00:04:54 a 00:06:32, bem como das declarações do legal representante da Ré Requerida HH, que se transcreveu (14-02-2023, 11:33 – 00:00:01 a 00:13:34), concretamente 00:07:20 a 00:08:52. G. Assim, ficou absolutamente claro e provado que a Ré Recorrida nunca teve conhecimento da penhora que incidia sobre o veículo automóvel, desde logo porque não faria qualquer sentido adquirir um veículo penhora e mantê-lo na sua propriedade pelo período de uma ano e dois meses e só depois proceder à sua venda. H. Ademais, sempre se diria que o Autor Recorrente sabe que a Ré Recorrida desconhecia a mencionada penhora, na medida em que aquele teve intervenção no processo executivo, no qual deduziu embargos de terceiro, e pôde confirmar que a Ré Recorrida nunca foi notificada da mencionada penhora! I. Sendo por demais evidente que o Gerente da Ré Recorrida desconhecia (quer quando comprou o veículo automóvel em crise nos presentes autos, quer durante o período em que o manteve na sua propriedade, quer quando o alienou ao Autor Recorrente) que sobre o mencionado veículo automóvel incidia uma penhora anterior. J. Sendo certo que se a Ré Recorrida soubesse da existência da penhora, sempre caberia ao Autor Recorrente provar esse conhecimento e anular o contrato de compra e venda celebrado entre ambos, o que nunca fez! K. Pelo que andou bem a Douta Sentença do tribunal a quo ao dar como provado o facto “29) E ignorava, quando vendeu, que existisse uma penhora anterior – idem”, não assistindo assim qualquer razão à pretensão do Recorrente de que seja dado como provado o seguinte facto: “29) O gerente da Ré sabia quando vendeu o carro que havia uma penhora anterior”. L. Resulta ainda de toda a prova produzida que foi efectuada a 17 de Julho de 2014 reserva de propriedade do veículo automóvel em crise nos presentes autos, a favor do Banco 1..., sendo que esta entidade bancária concedeu o necessário crédito ao Autor Recorrente para que este adquirisse o veículo em questão, sem que, apesar de ter a obrigação e os meios para o fazer, soubesse da existência da penhora. M. Acresce também que o registo de propriedade automóvel é público, sendo que nem o Autor Recorrente nem a Ré Recorrida se preocuparam em consultar aquele de modo a confirmarem a inexistência de qualquer ónus, tendo ambos adquirido o mencionado veiculo automóvel na convicção de que o mesmo estaria desonerado. N. Alega ainda o Autor Recorrente que se encontra erradamente dada como não provada a factualidade “a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis” pugnando que, ao invés, seja dado como provado o facto “30) (a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis.” O. Ora, resulta inequívoco da certidão comercial da Ré Recorrida, junta aos autos com a petição inicial como Documento n.º 3, que a Ré Recorrida tem por objecto social o Comércio de Peças e Reparação de Automóveis, além de que as diligências investigatórias levadas a cabo pelo Tribunal a quo, mediante diversas pesquisas na internet, permitiram concluir que a Ré Recorrida apenas procede à reparação de veículos automóveis e não à sua compra e venda. P. Apenas o Autor Recorrido afirmou nas suas declarações de parte que Ré se dedica á compra e venda de veículos automóveis, o que foi contrariado pelas declarações do legal representante da Ré Recorrida e bem assim das declarações da testemunha, arrolada pelo Autor Recorrente, II que se transcreveu (14-02-2023, 10:09 – 00:00:01 a 00:07:58) concretamente 00:03:40 a 00:03:55. Q. Em face do exposto resulta de forma clara e evidente que a Ré Recorrida não se dedica á actividade de compra e venda de veículos automóveis, pelo que andou bem Douta a Sentença do Tribunal a quo ao dar como não provado o facto “a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis”, não assistindo assim qualquer razão à pretensão do Recorrente de que seja dado como provado o seguinte facto: “30) (a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis.” R. O mesmo se diga relativamente ao facto de o Autor Recorrente pretender que seja dado como provado o facto “31 (b) Para além de ter assinado o requerimento / declaração de venda para registo do veículo em causa, o que fez em 23 de junho de 2014 na CRPredial ... – vide doc de fls 34 e 35 verso, foi o legal representante da Ré quem diligenciou pelo registo do veículo em nome do A. e quem contactou terceiros para a obtenção do crédito para financiar a compra, pelo A.” S. O Autor Recorrente na sua petição inicial (artigos 4.º e 12.º) afirma de forma clara e sem qualquer margem para duvidas que foi o próprio (Autor) quem diligenciou junto do Banco 1... a obtenção do crédito necessário à sua aquisição do veículo em causa nos presentes autos, sendo desprovida de qualquer fundamento a sua pretensão, pelo que andou bem a Douta Sentença do Tribunal a quo ao dar como não provado o facto “b) Para além de ter assinado o requerimento / declaração de venda para registo do veículo em causa, o que fez em 23 de junho de 2014 na CRPredial ... – vide doc de fls 34 e 35 verso, foi o legal representante da Ré quem diligenciou pelo registo do veículo em nome do A. e quem contactou terceiros para a obtenção do crédito para financiar a compra, pelo A.” T. Considera ainda o Autor Recorrente que foi erradamente dada como não provada a factualidade “c) A referida A... Lda., garantiu-lhe a venda do referido veículo, livre de ónus ou encargos.” pugnando que se deverá dar como provado o facto “32 (c) A referida A... Lda., garantiu-lhe a venda do referido veículo, livre de ónus ou encargos.” U. Ora, decidiu bem a Douta Sentença do Tribunal a quo ao considerar que resulta das regras da experiência comum que nada foi afiançado ou garantido ou dito quanto à venda livre de ónus ou encargos, o que estando como pressuposto, pois ambas as partes desconheciam a existência da penhora que incidia sobre o veículo automóvel em causa nos presentes autos, não é algo que seja ou que tenha sido abordado nas negociações tendentes à compra e venda do mesmo. V. Pelo que também quanto a este facto não assiste qualquer razão à pretensão do Autor Recorrente. W. Pretende ainda o Autor Recorrente que seja dado como provado o seguinte facto: “33 (e) O gerente da Ré afiançou-lhe que resolvia a questão junto do Banco.”, alegando que foi este facto foi dado erradamente como não provado. X. Não obstante, o que resultou da prova testemunhal produzida foi que a Ré Recorrida se prontificou a ajudar o Autor recorrente a resolver a situação da penhora que incidia sobre o veículo automóvel, contactando o anterior proprietário do mesmo e promovendo uma reunião entre ambos, Y. Tal como decorre inelutavelmente do depoimento da testemunha GG, que se transcreveu (14-02-2023, 11:07 – 00:00:01 a 00:14:42) concretamente 00:10:13 a 00:12:18, e bem assim das declarações de parte do legal representante da Ré Recorrida – HH, que se transcreveu (14-02-2023, 11:33 – 00:00:01 a 00:13:34), concretamente 00:11:34 a 00:12:49. Z. O que ficou inequivocamente provado foi que o legal representante da Ré Recorrida procurou ajudar o Autor Recorrente, até então seu amigo, a resolver a questão relativa à penhora que incidia sobre o veículo automóvel alineado, o que é substancialmente diferente de lhe ter afiançado que iria resolver a questão da penhora junto do Banco. AA. Aliás as únicas declarações proferidas nos autos em que se afirma que a Ré Recorrida garantiu ao Autor Recorrente que alegadamente resolveria s situação junto do Banco exequente, foram as proferidas pela testemunha JJ que se transcreveu (14-02-2023, 10:18 – 00:00:01 a 00:13:54) concretamente 00:02:51 a 00:03:43, sendo certo que a mencionada testemunha foi manifestamente pouco credível pois que começou por afirmar ser amigo do legal representante da Ré e terminou o seu depoimento afirmando que “lhe pregaria umas lambadas! BB. Em face do exposto é inelutável que não assiste qualquer razão ao Autor Recorrente em pretender que seja dado como provado o facto “33 (e) O gerente da Ré afiançou-lhe que resolvia a questão junto do Banco.”, tendo o Tribunal a quo andado bem ao dar o referido facto como não provado! CC. Importa ainda que o Autor Recorrente nas suas alegações surpreendentemente não pretende que seja dado como provado o facto “d) Após o conhecimento da penhora o A. passou a ter dificuldade em dormir e repousar, e a tristeza refletiu-se no seu trabalho, produzindo menos e por isso foi chamado à atenção por parte da sua entidade empregadora e foi de imediato alvo de comentários, criando a convicção nas pessoas menos esclarecidas de que o Autor perdia o veículo por dívida própria, o que, igualmente o transtornou e entristeceu”. Assim conclui a Ré Recorrida que os alegados danos não patrimoniais (no montante de 2.500,00€) apenas serviram para que o valor da acção fosse superior à alçada do Tribunal a quo em ordem a que pudesse ser interposto o presente recurso, o que consubstancia um uso abusivo do processo e manifesta má fé. DD. Entende ainda o Recorrente que o Tribunal a quo errou na interpretação dos normativos legais aplicáveis, tendo realizado uma incorrecta aplicação da lei ao caso em apreço, considerando que a Douta Sentença é ilegal na medida em que não deveria ter aplicado o disposto no artigo 907.º do Código Civil, mas sim o disposto nos artigos 798.º e 799.º do Código Civil. EE. Alega para tal que a situação prevista nos autos não tem cabimento nos artigos 905.º e seguintes do CPC (venda de bens onerados) pois que, no seu entendimento, a penhora que incidia sobre o veículo automóvel não se pode considerar um ónus ou limitação subsumível a este regime legal. FF. Ora, saliente-se que inexiste qualquer razão à pretensão do Autor Recorrente dado que vasta doutrina como João calvão da Silva defende que “todos os direitos que confiram a terceiro pretensões contra o comprador e que este desconheça no momento da compra caem no âmbito de aplicação do art.º 905º. E isto quer o terceiro seja uma pessoa estranha á relação de compra e venda, quer seja o próprio vendedor ou mesmo o comprador”. GG. Ademais, o que não se concebe nem se concede, ainda que fosse aplicado ao litígio em causa nos presentes autos o regime geral do incumprimento contratual e cumprimento defeituoso, previsto nos artigos 798.º e 799 do Código Civil, sempre se diria que a Ré Recorrida logrou demonstrar que desconhecia sem culpa a penhora em causa. HH. Ademais, sempre se diria que no caso de a Ré Recorrida conhecer da penhora, o que não corresponde à verdade e, portanto, não se concede nem se concebe, sempre caberia ao Autor Recorrente provar esse conhecimento e requerer a anulação do contrato de compra e venda celebrado, o que nunca fez! II. Atento que o instituto da responsabilidade civil, e a consequente obrigação de indemnizar, pressupõe a verificação de cinco requisitos cumulativos (facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano), sempre se diria desde logo que o requisito da culpa da Ré Recorrida não se verifica manifestamente in casu, dado a sua conduta não pode ser censurada, nem a título de dolo nem de negligência. JJ. É que sendo a Ré uma sociedade que se dedica à reparação de automóveis não tem a mesma o dever de pedir certidões de ónus e encargos quando a título privado vai alienar um veículo automóvel da sua propriedade, considerando ainda que a mencionada penhora não constava do registo automóvel e nem mesmo o Banco que financiou o Autor Recorrente alertou para a existência de qualquer penhora tendo concedido o crédito solicitado. KK. Acresce ainda que os danos alegadamente sofridos pelo Autor Recorrente não procederam de qualquer conduta da Ré Recorrida, mas tão só e apenas das condutas do próprio Autor Recorrente que se colocou na situação que deu causa aos danos que pretende ver ressarcidos pela Ré Recorrida. LL. O Autor Recorrente não lançou mão da possibilidade, que a lei lhe oferecia, de anular ou reduzir o negócio jurídico celebrado com a Ré Recorrida, nem tampouco requereu ao tribunal a fixação de um prazo para que a Ré Recorrida expurgasse o ónus existente. MM. Antes deduziu embargos de terceiro contra a penhora do veículo automóvel (que sempre seriam improcedentes dada a anterioridade da penhora face à aquisição do veículo) e negociou com o banco exequente pagando o que lhe foi exigido para conseguir libertar a penhora. NN. O que, em última instância, sempre teria de ser apreciado à luz do disposto no artigo 570.º do Código Civil que desde já, sem prescindir e por mera cautela, se invoca para os devidos e legais efeitos. OO. Note-se que a dívida garantida pela penhora não é imputável à Ré Recorrida, tendo sido o Autor Recorrente que por sua livre iniciativa decidiu deduzir embargos de terceiro no processo executivo e negociar com o banco exequente pagando o que ficou determinado entre ambos, pelo que os alegados danos que o Autor Recorrente tenha eventualmente sofrido tiveram tão só causa nas condutas que o próprio (Autor Recorrente) decidiu adoptar, pretendendo agora que seja a Ré Recorrida responsabilizada pelos mencionados danos, pagando-lhe a correspondente indemnização. PP. Em face do exposto e na hipótese meramente académica de dever ser aplicado, tal como pretende o Autor Recorrente, o instituto da responsabilidade civil contratual, sempre se diria que não se encontram preenchidos os pressupostos de que o legislador faz depender a eventual obrigação de indemnização pela Ré Recorrida. QQ. Andou assim bem a Douta Sentença recorrida ao aplicar ao caso sub judice o regime constante nos artigos 905.º e seguintes do Código Civil, carecendo de integral fundamento a pretensão do Autor Recorrente, pelo que deverá ser o presente recurso, que se contra-alega, julgado totalmente improcedente o que expressamente se requer a V. Exas. Nestes termos e nos melhores de Direito aplicável, (…) b) Deverá o recurso ser julgado improcedente e ser mantida e confirmada a Sentença recorrida, quanto aos factos e ao Direito aplicável, com a absolvição da Ré aqui Recorrida. É pois o que se Requer a V. Exa.
II - Factos Provados
1) O Autor é dono e legítimo proprietário do veículo de marca ..., com a matrícula ..-..-VO, por o haver adquirido à Sociedade A... Lda, conforme registo de aquisição datado de 14/07/2014. 2) A Ré por sua vez é uma sociedade que tem como objeto social o comércio de peças e reparação automóvel. 3) ) Em junho de 2014 a Ré vendeu ao Autor o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-..-VO, que, por sua vez, o havia adquirido a KK, em 23/05/2013 4) Tendo o legal representante da Ré assinado o competente impresso para possibilitar o registo em 23/06/2014. 5) Tendo o Autor entrado na posse do carro, após ter contraído um crédito junto do Banco 1... SA em junho desse ano, que passou a figurar no registo automóvel como detentora da reserva de propriedade sobre o veículo, sendo que, o referido crédito transitou para a B... 6) Em 23/06/2014 o Banco 1... aprovou o crédito, enviando, com a carta de aprovação, o plano financeiro com as prestações a pagar, com início a 10 de julho e termo em junho de 2017. 7) A B... emitiu a competente declaração para extinção da reserva, em 19 de junho de 2017, por o Autor haver liquidado o empréstimo na totalidade. 8) Já após a liquidação do crédito concedido para financiamento automóvel, o A. foi surpreendido em 18 de julho de 2018, com uma notificação do Senhor Agente de Execução, proferida no âmbito do processo 423/10...., recebida em 23 de julho de 2018, para proceder à entrega dos documentos do veículo acima referenciado, uma vez que, sobre o mesmo impendia, registo de uma penhora a favor do Banco 2..., exequente no mesmo processo. 9) Nessa sequência e com a referida notificação o Autor tentou aferir do que se passava. 10) Tomando então conhecimento que a notificação em causa era fruto e sequência de uma penhora que incidia sobre o veículo, por causa de uma dívida de um dos antigos proprietários do mesmo, a sociedade C... Lda e efetuada no âmbito dos referidos autos. 11) E, como o Autor formalizou a compra que havia realizado a A... e Reparação de Automóveis Lda., tendo a aquisição ficado registada na Conservatória do Registo Automóvel, sem que no documento único automóvel estivesse mencionada qualquer penhora, (Vide Doc. nº 2) nunca o mesmo suspeitou, sequer, da possibilidade do seu veículo vir a ser ou se encontrar penhorado, pois, caso assim fosse, não o teria comprado. 12) Aquando do negócio a vendedora não lhe falou na existência de qualquer penhora. 13) A diligência que ordenou a penhora do veículo, nunca foi levada ao conhecimento do Autor, tendo o mesmo ficado a conhecer a mesma somente depois de recebida a notificação do Senhor Agente de Execução, supra referida e que o interpelava a proceder à entrega dos documentos do veículo, dado que, de imediato se dirigiu à Conservatória para saber o que se passava e, por isso, só a partir desta data (23/07/2018) é que o mesmo tomou conhecimento da ofensa ao seu direito de propriedade. 14) O A. registou a sua aquisição na Conservatória do Registo Automóvel, com registo de propriedade n.º ...22 em 14/07/2014, sem que lhe tenha sido dado conhecimento, fosse em que altura fosse, nos referidos serviços, que sobre o veículo recaía qualquer penhora ou encargo, muito menos a penhora aqui em causa, tendo sido emitido e entregue ao Autor o documento único automóvel sem qualquer alusão à referida penhora. 15) Aliás, o Autor adquiriu o veículo à referida sociedade, em junho de 2014, tendo nessa mesma data contactado o Banco 1... de forma a contrair empréstimo para a sua aquisição, acabando por celebrar o competente contrato de empréstimo, pelo valor total da compra, ou seja, 3.560,32 euros, em 27 de junho de 2014 16) O Autor registou devidamente a sua aquisição sem nunca se tendo apercebido da existência de qualquer registo de penhora anterior. 17) Sobre o veículo em causa mostram-se registadas, por ordem cronológica, as seguintes aquisições e registos de ónus e encargos. a) Em 28/10/2003 foi feito um registo de propriedade a favor da Mercedez Benz Portugal b) Em 12/11/2003 foi registada a aquisição a favor o Banco 2... SA c) Em 3/11/2009 foi registada a propriedade a favor de ”D... Lda” d) Em 22/09/2011 foi registada a penhora a favor do Banco 2... SA e) Em 10/12/2012 foi registada a aquisição de KK (filha do legal representante da empresa referida em c). f) Em 23/05/2013 foi registada a propriedade a favor da Ré A... g) E em 17/07/2014 a reserva de propriedade a favor do Banco 1... SA (antes B...) e a aquisição a favor do A. 18) O Autor apresentou os competentes embargos de terceiro no processo executivo nº ...0... que corria termos pelo juízo de execução ..., por entender que a referida penhora era lesiva dos seus direitos de propriedade e posse. 19) Porém os mesmos vieram a ser julgados improcedentes, atendendo ao disposto no art.º 819º do CC e a ineficácia da compra e venda celebrada pelos aqui A. e Ré relativamente ao exequente, com penhora registada anterior 20) Posteriormente a isto, o Autor encetou negociações com o Banco 2... SA, exequente no processo executivo ...0..., no sentido de resolver a questão e sob pena de ver veículo vendido coercivamente, tendo conseguido acordar com a exequente para que esta prescindisse da penhora sobre o referido veículo, mediante o pagamento da quantia de 1500 euros (mil e quinhentos euros) 21) Quantia que o Autor pagou, no dia 30 de abril de 2019, sob pena de, como se disse, ver o veículo vendido de forma coerciva e sua consequente perda total, requerendo o Banco 2..., nessa sequência, o cancelamento do registo de penhora que incidia sobre o veículo. 22) Com a apresentação dos embargos, na referida ação executiva, o A despendeu a quantia de 306,00 euros a título de taxa de justiça, (Cfr. Doc. nº 7. 23) E o seu mandatário cobrou-lhe a quantia de 846,80 euros (oitocentos e quarenta e seis euros e oitenta cêntimos), a titulo de reembolso de despesas e pagamento de honorários devidos pelo trabalho prestado na apresentação dos embargos e negociação da extinção da penhora, incluindo o competente IVA 24) Ademais, toda esta situação, trouxe ao Autor incómodos e transtornos, pois que, viram o veículo que tanto lhes custou a pagar, na eminência de lhe ser vendido coercivamente e assim a perderem o mesmo 25) O que provocou uma enorme preocupação e mal-estar no Autor, andando ansioso, angustiado e agastado. * 26) A Ré manteve o veículo na sua propriedade durante mais de um ano 27) O A. e legal representante da Ré eram amigos, confraternizando juntos, pelo que, sendo no interesse de ambos, acordaram na compra e venda verbal deste veículo ... 28) A aqui Ré não foi questionada, nessa altura, acerca de uma eventual conformidade do veículo em termos de Registo, nem sobre se a venda seria livre de qualquer ónus ou encargo. – prova por declarações e regras da normalidade. 29) E ignorava, quando vendeu, que existisse uma penhora anterior - idem * Factos não provados: a) A Ré dedica-se à compra e venda de automóveis. b) Para além de ter assinado o requerimento / declaração de venda para registo do veículo em causa, o que fez em 23 de junho de 2014 na CRPredial ... – vide doc de fls 34 e 35 verso, foi o legal representante da Ré quem diligenciou pelo registo do veículo em nome do A. e quem contactou terceiros para a obtenção do crédito para financiar a compra, pelo A. c) A referida A... Lda., garantiu-lhe a venda do referido veículo, livre de ónus ou encargos. (…) e) O gerente da Ré afiançou-lhe que resolvia a questão junto do Banco, *
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Alteração da matéria de facto. - Indemnização a favor do A.
2. O A. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente ao facto provado 29), que pretende passe a não provado, e os factos não provados a) a c) e e), que pretende que passem a provados, com base nos depoimentos das testemunhas BB, CC, DD, EE, suas declarações de parte e prova documental (cfr. 2), 3), 6) a 23) das conclusões de recurso). Por sua vez, a requerida pugna pelo indeferimento do pretendido, socorrendo-se dos depoimentos da mesma testemunha EE, GG e II, suas declarações de parte e prova documental, que indica (cfr. conclusões de recurso D. a BB.). Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal a quo exarou que: “Com é sabido, e decorre do nº 5 do art.º 607º, o princípio base é o da livre apreciação da prova, segundo a prudente convicção do julgador. O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”. E se assim é, a convicção prudente que está na base da decisão da matéria de facto não é mera convicção pessoal ou intima, mas a que tem suporte nos meios de prova oferecidos e oficiosamente determinados, ainda com especial relevo para o recurso às regras da experiência comum e da normalidade. Note-se, ainda, que há fatores que influenciam a convicção e que não ficam registados nas gravações áudio, como determinadas atitudes e gestos das pessoas que depõe e que contribuem para o reforço ou o abalar da credibilidade dos seus testemunhos ou depoimentos, só captáveis através da imediação da prova - cfr. Ac. RC, de 04.04,2017, Proc. nº 4190/05.8TBLRA-A.C1, Relator: Fernando Monteiro, dgsi.pt O tribunal analisou conjugada e criticamente os meios de prova oferecidos. Em frente de cada facto provado já se fez referencia aos meios de prova, sucintamente, mas com relevo para os que resultaram de confissão das partes e dos documentos juntos. (…) Mas foi logo confessado pelo A. (vide facto 15) que reproduz os art.ºs 4º e 12º da p.i. onde diz ter sido ele a contactar a financiadora, o que depois nega em declarações de parte. (…) Antes de fazer a apreciação crítica da prova, vejamos o que resultou, em súmula, da prova testemunhal e por declarações: Testemunhas do A. AA: BB, residente em ..., agente da GNR em ..., é amigo do A. nada contra a Ré O carro é um ... que o A. comprou na Ré, mas não assistiu ao negócio. Um dia o AA disse-lhe que tinha um processo no tribunal e pediu-lhe para ver, ele achava que era para ser testemunha, mas esclareceu-o de que era uma penhora e que devia ver a situação com um advogado. Ele ficou transtornado e preocupado com a situação. Acha que ele tentou resolver, mas pelo que ele contou teria de pagar uma quantia para poder ficar com o carro, no tribunal de .... Ele disse-lhe que tinha feito crédito para comprar o carro. Claro que se soubesse que tinha penhora não teria comprado o carro. Não sabe o valor do carro. * II, amigo de infância do A é também militar da GNR e irmão da testemunha anterior. Ele comprou o carro ... há seis, sete anos, era usado, comprou ao HH, não assistiu ao negócio, acha que foi por volta dos 3.0000 ou 3500€ e fez um crédito. O carro seria para a mulher do A., que precisava de um carro, e ele disse que o HH terá dito que tinha um para ele. A Ré faz reparação, não sabe se vende veículos, nunca reparou. O AA recebeu a carta do tribunal e o irmão viu a carta e disse-lhe que era uma penhora, e ficou assustado. Pediu-lhe para ser testemunha num processo em .... Ele ainda hoje tem o carro, mas, pelo que sabe, teve de voltar a pagar a penhora para ser liberto. Andava muito alterado com a situação e dizia que “destravava o carro e ia dar cabo dele” Ele contou que falava várias ao SR. HH para resolver o problema. * CC, desempregado, colegas de trabalho e amigos, não assistiu ao negócio, só acompanhou quando ele recebeu a carta da penhora. Recebeu a carta de penhora do ... e já tinha pago o crédito e não sabia o porquê disto. .O AA ligou ao “HH” e pôs o telefone em voz alta. Houve vários telefonemas a que assistiu. O Sr HH dizia que “ia tratar do assunto”. As conversas eram sempre a mesma coisa, não te preocupes que eu vou tratar disso fica descansado. Eles até eram muito amigos, mas num ultimo telefonema a coisa já estava … O AA andava nervoso e stressado e chegou a sugerir ir com ele ao Sr HH “marca um encontro e se não te der o dinheiro dou-lhe umas lambadas” Ele disse que ia sozinho e disse quando chegou estava lá o antigo dono, de nome EE e como sabe que este ficou com dividas disse logo ao AA “esquece que com esse não vais receber dinheiro nenhum” O AA contou-lhe que a penhora era de 3000 e tal euros e disse que pagou senão ficava sem o carro. Ele andava todos os dias stressado, sempre mal e sempre a falar disso e trabalhavam juntos 8 horas por dia. Ele pôs em voz alta o telemóvel para que ouvisse, porque andava stressado. * Em contra instância disse que é amigo do HH e mesmo assim que lhe prega“ dava lhe sim senhor mesmo sendo amigo” O Sr EE era um construtor Civil e segundo sabe o carro era da empresa dele. * DD, contabilista, trabalhou com o Sr AA no Hotel de .... Um dia e ele chegou triste e desanimado e disse que estava chateado porque recebeu carta da penhora, chateado. Porque já tinha pago e ficava sem carro. Ele dizia que o Sr HH ia resolver mas depois deixou de lhe atender as chamadas * EE, desempregado, tinha o ... na sua empresa. Era a filha KK que andava com o carro. Não sabe de penhora nenhuma sobre o carro. Esteve presente numa reunião com o Sr HH e o AA por causa do problema mas ele não interveio em nada porque “houve uma marosca entre eles”, chamaram só para lhe dar conhecimento do que se passava, mas disse que não sabia de nada disso. A marosca existiu porque o marido da filha KK (ex-genro) é que vendeu o carro e não o podiam vender porque ele é que era o gerente da empresa. O ex-genro e o HH e o AA eram todos amigos, até acha que a marosca foi feita pelos 3. Ele tinha lá um carro a compor e foi lá à oficina e nem foi reunião marcada, aconteceu, agora lembra-se, foi coincidência. Acha que o HH também não sabia da penhora O ex-genro é que vendeu o carro Não foi ele quem vendeu o carro para a filha. “Marosca “ porque eles venderam o carro sem terem autorização para tal. * Testemunha da Ré: GG, trabalha para a Ré há oito ano. No escritório. É mulher do legal representante. Não vendem carros, só fazem reparações. Aquele era um ... que foi comprado em 2013 pela A... foi o marido que comprou ao marido da D. KK, filha do Sr EE. Não esteve presente na negociação, nem sabe quem é o senhor. O carro era para a depoente, que não tem carta e o marido incentivava-a a tirar a carta. O tal senhor disse que tinha o ... e se soubesse de alguém,,,, até que o marido comprou. Tiveram o carro por mais de um ano e acabou por não tirar a carta e como a mulher do AA queria um carro, eram amigos, decidiram vende-lo ao AA. Depois, passado bastante tempo, talvez dois anos, (antes foi lá composto na oficina) foram todos surpreendidos com a situação, porque não imaginavam tal situação. Só souberam porque o AA lhes disse. Se soubessem que havia uma penhora também não o iam comprar … nem vender a um amigo, não faria sentido. Nunca confrontaram quem lhes vendeu o carro o que teriam feito se soubessem da penhora. A empresa tinha começado em 2012, não se iam meter em trabalhos. Nunca venderam carros, os que estão lá são reparação mais longa. Nunca teve carro à venda nem anunciados preços. Na semana passado venderam um ... mas nunca o tiveram à venda lá na oficina. O AA confrontou o marido, mas ele não assumiu porque foi apanhado de surpresa e não sabia da penhora. O marido pediu ao Sr EE para ir ali para resolver o problema. Não tinham como resolver o problema apenas tentaram confrontar os anteriores donos, que ninguém sabe onde estão, andam fugidos… Nunca trataram do financiamento nem trataram do registo, foi o AA quem tratou de tudo. * Declarações de parte do Autor AA O HH era amigo e acha que pagou 38000 ou 4000 euros pelo valor do carro. Foi o HH que tratou de tudo, ele tinha lá mais carros à venda, em baixo vendiam carros e toda a gente sabia. Ele disse que o credito era 117,000€, acreditava nele. Não foi ver o registo, nada, nem sabia a quem o HH tinha comprado, o registo estava em nome dele. Passados 2 ou 3 anos de ter o carro, é que recebeu a carta da penhora Teve de pagar 1.5000€ Várias vezes falou com o Sr HH e ele dizia que ia resolver…não se mostrou surpreendido. * HH, legal representante da Ré, disse: Eram amigos até este momento. Acha que o negócio foi em 2013. Nunca teve carros à venda. O carro era para a mulher, tinha comprado há cerca de um ano. Comprou o carro a um senhor conhecido, marido da D. KK, na altura não sabia nada da empresa e de dívidas. Depois quis vendê-lo para comprar uma carrinha para a família e o A. estava interessado. Não fez contrato com banco nenhum, não tratou de nada. Acha que foi uma terceira empresa que tratou do financiamento, não faz ideia. Passado muito tempo o AA falou-lhe da penhora, ficou muito surpreendido, e como sabia o historial do carro, porque sabia que o Sr EE o tinha comprado para a filha e pediu ao Sr EE para lá ir, para tentar resolver amigavelmente a questão. O Sr EE disse sempre que estava tudo tratado e resolvido porque tinha pago tudo. * (…) Mas o tribunal acreditou ainda que a Ré, na pessoa do seu legal representante, não soubesse, na altura da venda do ... ao A. ou até antes deste lho ter transmitido, que essa penhora existisse. Desde logo, porque foi dito por testemunhas, incluindo do A. e até pelas partes, que eles eram amigos na altura. Confraternizavam juntos, faziam passeios de mota, etc. Como referiu a testemunha, mulher do Sr HH, não faria sentido vender o veículo ao amigo se soubesse da penhora. O próprio gerente da empresa anteriormente proprietária e executada no dito processo no qual se penhorou o veículo disse que ficou com a ideia, na tal reunião ou conversa nas oficinas da Ré, que o Sr HH não sabia de penhora nenhuma. Depois porque, frisou o Sr HH em declarações, se soubesse jamais o teria comprado também, porque se iria meter em confusões e nem teria ficado na sua posse mais de um ano. Enfim, acredita-se que nem um nem outro teve o cuidado de solicitar, antes das compras que fizeram certidão de ónus ou encargos, possivelmente porque confiam que basta o registo de propriedade a favor do vendedor e o que consta da DUA para certificar a publicidade e segurança do negócio. E, infelizmente, é isso que acontece frequentemente, ou seja, é pratica comum, ignorando a maioria dos cidadãos do que é isso da certidão de ónus e encargos de um veículo, confiando, crê-se, que as autoridades registrais nunca registariam e emitiriam a declaração automóvel se existisse qualquer “problema”. Note-se que, no caso, houve reserva de propriedade a favor de um Banco que concedeu o crédito tendo obrigação se saber, mesmo para salvaguarda da sua garantia, da existência da penhora. Mas nada. Ninguém viu, se preocupou em ver ou quis ver coisa nenhuma. * E porque nenhuma das partes sabia da penhora e havia confiança reciproca, nada foi afiançado ou garantido ou dito quanto à venda livre de ónus e encargos, já que isso estava pressuposto e, por isso, não é e não foi algo que se abordasse na negociação, como resulta das regras da experiência comum. * Apenas o A., em declarações se referiu que a Ré se dedica à venda de automóveis, o que foi frontalmente contrariado polo legal representante e pela sua testemunha. Nem a testemunha do A., militar da GNR sabia se vendia ou não carros dizendo que “aquilo é uma oficina de reparação automóvel”. Também é isso que consta da matrícula da Ré: Comércio de Peças e reparação automóveis”. Na falta de outra prova oferecida, por exemplo, documentos de venda de veículos desta empresa Ré, fotografias do alegado stand e anúncios publicitários, ou de testemunhas que ali tenham adquirido um veículo, o tribunal teve o cuidado de pesquisar na internet para investigar livremente este facto. E aparece, apenas, num site tipo “páginas amarelas” que vale o que vale, a menção de que se trata de um stand de automóveis“ A... a empresa A... Lda em ... como uma das melhores opções de Stands de Automóveis perto de você. A empresa está localizada no endereço Avenida ..., ... e você pode entrar em contato através do telefone ...47 para ter um atendimento agora mesmo!” Mas feitas pesquisas mais apuradas, não se encontrou rigorosamente mais nada alusivo a venda de veículos por estas empresas em vários sites (vg stand virtual e outros) e nem um único veículo à venda pela Ré. Pelo contrário, o que encontrámos foram sites que aludem a esta empresa como sendo apenas de reparação de veículos, como por exemplo https://... Por conseguinte, deu-se por não provado que a Ré se dedique a este negócio. De igual modo, não se deu por provado que tenha sido a Ré a tratar “de tudo”, incluindo o financiamento e registo do veículo. É o próprio A. quem, conscientemente ou não, refere, na sua petição, que contactou o Banco 1... para o crédito e nenhuma prova foi feita de que não tenha sido ele. Quanto ao registo, nenhum documento ou outra prova nos leva a crer que foi a R. quem disso tratou. O legal representante assinou o requerimento, como vendedor, porque a isso está obrigado, em 23 de junho e só em 14 de julho foi apresentado o registo a favor do A. e da entidade bancária, sendo possível e viável que até tenha sido o Banco 1... a fazê-lo, para garantir o registo da reserva de propriedade como garantia do seu crédito.”. A 1ª observação a fazer reporta-se à afirmação do recorrente que a “prova documental” suporta a sua impugnação dos factos. Mas qual prova documental se o apelante não a especificou (quer nas conclusões de recurso, quer no corpo das alegações) ? Assim, a referência a esta “prova documental” de nada serve, pois a lei exige no art. 640º, nº 1, b), do NCPC, que o recorrente, quando impugne a decisão de facto, deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. O que o apelante não fez. Relativamente à matéria impugnada, ouvimos a prova gravada indicada pelas partes, que está registada em CD. A testemunha BB disse o que consta da motivação do tribunal a quo, supra transcrita. A testemunha II referiu o que consta da motivação do juiz a quo, supra transcrita. A testemunha CC referiu o que consta da motivação do tribunal a quo, supra transcrita. Esclareceu, ainda, que o facto do telefone estar em voz alta aconteceu porque o AA quis e porque tinha confiança nele como amigo, não sendo a sua intenção que fosse testemunha. Se fosse essa a sua intenção directa o AA teria permitido que ele o acompanhasse quando foi ter sozinho com o HH para tentar resolver a situação, pois nessa situação ele testemunha assistiria a tudo o que se passasse para, depois, poder testemunhar. A testemunha DD afirmou o que consta da motivação do juiz a quo, supra transcrita. A testemunha EE mencionou o que consta da motivação do tribunal a quo, supra transcrita. A testemunha GG disse que o que consta da motivação do juiz a quo, supra transcrita. O A., nas suas declarações de parte, mencionou o que consta da motivação do tribunal a quo, supra transcrita. Acrescentou, ainda, estar crente que o HH sabia que o carro estava penhorado quando lho vendeu. O representante legal da R., HH, em iguais declarações de parte, afirmou o que consta da motivação do juiz a quo, supra transcrita. Acrescentou, ainda, achar que quem tratou do financiamento da compra do carro foi o marido da D. KK (filha da testemunha EE), um tal LL. Analisando. Quanto ao facto provado 29., só o A. afirma que o HH conhecia a existência da penhora. Enquanto este, a GG, sua esposa, e que trabalha na R., e a testemunha EE afiançam/entendem que ele não sabia. Com esta única e singela prova das próprias declarações do A. não é possível passar a resposta de provado a não provado. Até porque, como se chama a atenção na motivação da decisão de facto do tribunal, A. e HH eram amigos na altura, confraternizavam juntos, faziam passeios de mota, etc., pelo que não faria muito sentido vender o veículo ao amigo se soubesse da penhora, e muito menos faria sentido o próprio HH conhecer a penhora e adquirir o veículo, porque se iria meter em problemas, e nem teria ficado na posse do veículo mais de um ano. Não procede, pois, a impugnação da decisão da matéria de facto nesta parte. Quanto ao facto não provado a), mais uma vez só o A, o afirma. Mas o HH nega-o, o que é confirmado pela sua esposa e trabalhadora da empresa GG e corroborado pela testemunha II. Além, das pertinentes observações do tribunal a quo que procedeu às devidas investigações e verificações e que referiu em concreto na aludida motivação. Não procede a impugnação nesta parte. Respeitante ao facto não provado b), a 1ª parte já consta do facto provado 4). Respeitante ao registo só o A. afirma que o HH tratou de tudo, mas nenhuma testemunha o assevera ou o HH o admite, e nenhum documento o indicia. Como se assinala na motivação da decisão de facto é possível que tenha sido o Banco 1..., financiador do A. da compra do veículo, para garantir o registo da sua reserva de propriedade, como se intui do doc. nº 1, junto pela R. a fls. 29 v a 33 dos autos. Respeitante à obtenção do crédito, também só o A. afirma que o HH tratou de tudo. Contudo essa afirmação é desmentida pelo facto 15), não impugnado pelo A., e também desmentido pelo próprio A. que nos arts. 4º e 12º da p.i. admitiu ter sido ele a tratar do financiamento. Não procede a impugnação nesta parte. Relativamente ao facto não provado c) ninguém afirmou tal facto, nem sequer o A. nas suas declarações de parte. Não procede a impugnação quanto a tal facto. Finalmente quanto ao facto não provado e), o A. afirma-o, e a testemunha DD aponta nesse sentido. Mas a testemunha CC é peremptória ao afirmar que ouviu directamente o HH dizer que ia tratar do assunto. Ouviu em telefonemas em voz alta. Esse modo de ouvir não abala a validade do que afirma, tanto mais que a testemunha refere com credibilidade que o fez por vontade expressa do A. de quem era amigo de confiança, sem ser com o intuito directo de vir a ser testemunha – e mesmo que fosse esse o objectivo não veríamos obstáculo legal -, pois se fosse esse realmente o intento do A. este não lhe teria dito que queria ir sozinho falar com o HH, já que nessa circunstância, ele CC, presente fisicamente, seria testemunha de observação directa dos acontecimentos entre o A. e o HH. Temos, pois, por válido, credível e sério o depoimento de tal testemunha que deve ser reflectido factualmente, embora sem referência ao Banco e à expressão “resolvia a questão”, pois isso não foi afirmado, tão-só que o HH iria tratar a questão ou assunto. Assim, o facto não provado e) deve ser eliminado (ficando em letra minúscula), passando a facto provado 30) o seguinte facto: 30) O gerente da Ré disse ao Autor que ia tratar do assunto. 3. Na sentença recorrida escreveu-se que: “O Autor não fundamenta juridicamente a sua pretensão em nenhum instituto ou norma jurídica, relegando essa tarefa para o Tribunal. E não peticiona a anulação do contrato (vg com base em erro ou dolo) mas apenas indemnização pelos custos que teve para libertar a penhora. A Ré afirma que o A. deveria ter pedido a anulação do negócio, o que não quis fazer, não tendo de pagar aquilo que o A. negociou com a exequente nem os custos judiciais e de honorários na ação que entendeu intentar e para a qual não teve qualquer intervenção. Cumpre decidir: Em causa está um negócio de compra e venda de um vem onerado com uma penhora. A primeira questão a decidir é qual o regime legal aplicável. É inaplicável ao caso, na nossa ótica, o disposto no DL n.º 67/2003, de 08 de abril ou o Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro. Quer um diploma quer outro apenas são aplicáveis aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, definindo-se vendedor ou profissionais, respetivamente, como qualquer pessoa singular ou coletiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional ou “uma pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que atue, inclusivamente através de qualquer outra pessoa em seu nome ou por sua conta, para fins relacionados com a sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei” – vide artºs 1º e 2º dos citados diplomas. Como resulta da fundamentação de facto, a atividade profissional da vendedora é de reparação de automóveis e comércio de peças, não sendo a atividade comercial da mesma de venda de automóveis, ou seja, não é uma profissional do ramo de compra e venda de automóveis. Sendo assim, salvo melhor opinião, o regime legal aplicável é o que vem previsto na Secção V, capitulo I do Título II atinente à venda de bens onerados – art.ºs 905º e segs do CCivil. Com efeito, apesar de o direito de propriedade e de uso ter sido transferido para o comprador por efeito da venda do veículo, ele não corresponde, na sua configuração concreta, ao interesse do comprador. O vício não é da coisa em si mesma, mas é um vício de direito, já que este fica sujeito “a alguns ónus ou limitações que excedam os limites inerentes aos direitos da mesma categoria” (art. 905º CC). O art.º 905º do CC permite ao comprador a anulação do contrato se estiverem presentes os requisitos legais da anulabilidade. Sucede, porém, que não é a anulação do negócio que é pretendida, pelo que não iremos perder tempo em analisar esta norma Mas podia (e devia) o A. exigir da Ré a convalescença do contrato (que na verdade é a manutenção do contrato sem causas para a sua invalidade ou anulabilidade), eliminando e procedendo ao cancelamento do registo de penhora. É o que resulta do art.º 907º do CC, que dispõe: 1- O vendedor é obrigado a sanar a anulabilidade do contrato, mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes 2- O prazo para a expurgação será fixado pelo tribunal a requerimento do comprador. 3- O vendedor deve ainda promover, à sua custa, o cancelamento de qualquer ónus ou limitação que conste do registo mas que na realidade não exista. Daqui decorre, que é o vendedor quem tem de eliminar o ónus, e, não o fazendo, tem o comprador de o requerer judicialmente, fixando um prazo para o efeito. E só se o vendedor não o fizer, após o prazo que o tribunal lhe fixar, é que incorre em responsabilidade civil e obrigação de indemnizar pelo incumprimento de não ter feito a convalescença do contrato – vide art.º 910º do CPC. Ou seja, com o devido respeito e melhor opinião, logo que tomou conhecimento da penhora, com a citação no processo executivo, deveria ter lançado mão dessa ação a que se refere, substantivamente, o art.º 907º nº 2 e que processualmente entendemos caber na fixação judicial de prazo a que alude o art.~1206º e 1207º do CPC, que teria necessariamente de ser curto, face à iminência de uma venda judicial do bem. Todavia, o A. optou por deduzir embargos de terceiro que naturalmente seriam improcedentes face à anterioridade do registo da penhora (art.º 818º do CC), como aí foi judicialmente sentenciado e por negociar ele próprio com o banco exequente pagando o que lhe foi exigido para conseguir libertar a penhora. Ora Aderimos ao decidido pela Relação de Évora no processo 1363/18.7T8BJA.E1 Relator FRANCISCO MATOS de 30 maio 2019, www.dgsi.pt: I- O comprador de bem onerado que desconhecia a existência do ónus tem o direito: (i) à anulação do contrato por erro ou dolo, nos termos gerais do regime da anulabilidade e a indemnização por prejuízos, (ii) (ii) à redução do preço e indemnização, (iii) (iii) ao exato cumprimento do contrato e fixação de um prazo para o efeito. II – Pretendendo o comprador manter o contrato e não havendo (ainda) requerido em tribunal prazo para o credor expurgar o ónus, não tem direito a indemnização exclusivamente fundada no vício sobre o estado jurídico da coisa que a existência do ónus representa. Lendo-se na fundamentação “Segundo o artº 905º do CC, “se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade”. Entre os vícios do direito aqui em vista – ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria – contam-se os direitos reiais de garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca, privilégios ou retenção). O comprador do bem que desconhece a existência de um direito sobre a coisa adquirida, suscetível de ser invocada contra si por terceiro, tem o direito: - à anulação do contrato por erro ou dolo, nos termos gerais do regime da anulabilidade (artº 905º, do CC) e a indemnização (artº 908º e 909º, do CC), direito que persiste com a convalescença do contrato nos casos em que o vício houver causado prejuízo ao comprador ou se este já houver pedido em juízo a anulação da compra e venda (artº 906º, nº 2, do CC); - à redução do preço e indemnização que no caso competir (artº 911º, do CC); - ao exato cumprimento do contrato e prazo para o seu exercício (artº 907º, do CC) e indemnização em caso de não cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato. O comprador de bem onerado que desconhecia a existência do vício, se bem vemos, só tem direito a exigir uma indemnização ao vendedor, nos casos em que se verifique a anulação ou redução do contrato e nos casos em que o vendedor não cumpra a obrigação de fazer convalescer o contrato; nos casos em que o comprador pretende a manutenção (convalescença) do contrato, como é o caso, não tem direito a indemnização exclusivamente fundada no vício sobre o estado jurídico da coisa, devendo requerer ao tribunal a fixação dum prazo para o vendedor expurgar os ónus ou limitações existentes. A expurgação do vício é imposta como uma obrigação do vendedor, não sendo assim permitido ao comprador substituir-se ao obrigado para realizar essa expurgação à custa dele - Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, ob. e vol. cit. pág. 199 O que se compreende; constituindo a obrigação de expurgar os ónus, uma obrigação do vendedor (artº 907º, do CC) este pode deixar de cumpri-la e sujeitar-se aos remédios que a lei para o efeito contempla, liberdade que desapareceria caso a lei permitisse ao comprador expurgar a hipoteca e exigir ao vendedor o correspondente custo. Sem conceder, não se demostrando o dolo do vendedor, mas sendo simples erro, o comprador terá direito em caso de anulação, a indemnização pelos danos emergentes do contrato. Mas não estamos perante uma anulação, como se viu, mas perante um pedido de indemnização fundada nas despesas que o A. suportou para eliminar a penhora, querendo manter a validade do contrato. Fê-lo, contudo, sem dar possibilidade ao vendedor de o fazer, nos termos que a lei prevê (ação para fixação judicial de prazo) ou tão pouco através de interpelação admonitória escrita (ar.º 808º do CC). * Diga-se, ainda, mas sem conceder – já que entendemos que o regime especial da venda de bens onerados afasta o geral no que não for compatível - que recorrendo às regras gerais do incumprimento contratual e ao cumprimento defeituoso, a que aludem os art.ºs 798º e segs do CC a Ré logrou demostrar que ignorava a penhora em causa. Para além disso, demonstrou que teve o veículo na sua posse mais de um ano sem ter sido alertado para o que quer que fosse e não se dedica à venda de automóveis, não se podendo afirmar que por ter uma oficina de reparação, tivesse de pedir certidões de ónus e encargos aquando da venda, até porque não se demostrou que tivesse sido ele a tratar da burocracia para o registo e o crédito. Se nem a CRAutomóvel alerta (o que, para nós, neste século e face às centenas de processos judiciais, cíveis e criminais, por causas idênticas é inconcebível) nem o Banco financiador com reserva de propriedade deixou de conceder o crédito e alertou, entendemos não poder culpabilizar este vendedor privado pelo ocorrido. (…) Pelo exposto, não vemos como julgar a ação procedente, ainda que parcialmente.”. O recorrente discorda, pelas razões constantes das suas alegações de recurso (cfr. 24) a 50) das conclusões). Já a recorrida defende a manutenção da decisão recorrida pelos motivos invocados nas suas contra-alegações (cfr. as suas conclusões DD. a QQ.). Adiantamos, desde já, que entendemos que o recorrente não tem razão, não sendo de aplicar o regime da responsabilidade contratual assente no cumprimento defeituoso, como ele propugna, mas sim o regime jurídico da venda de bens onerados, previsto nos arts. 905º a 912º do CC. A grande objecção apresentada pelo recorrente para a não aplicação de tal regime é a circunstância de entender que uma penhora não cabe na expressão “ónus ou limitações” estatuída nesse art. 905º. Todavia não é assim. O que está subjacente a tal estatuição é, na doutrina de J. Calvão da Silva (em Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª Ed., págs. 31/34), obrigar o vendedor a entregar ao comprador o objecto vendido livre de direitos que contra este possam ser feitos valer por terceiros, impedindo ou limitando o uso e disposição normal do objecto. Se isto acontecer verificar-se-á o conceito objectivo de vício do direito. Do ponto de vista prático pode dizer-se que o âmbito de aplicação do art. 905º são os direitos privados de terceiros que onerem o objecto vendido e sejam eficazes perante o comprador. O decisivo, portanto, não é a natureza jurídica do direito de terceiro, mas a sua eficácia perante o comprador. Logo, todos os direitos que confiram a terceiro pretensões contra o comprador e que este desconheça no momento da compra caem no âmbito de aplicação do art. 905º. E nesse ónus/limitação cabem os direitos reais limitados de gozo e as garantias reais. Justifica-se, pois, que uma hipoteca, um usufruto, uma servidão, um penhor, um arrendamento, etc., devam ser declarados na conclusão da venda, porquanto excedem os limites normais inerentes á propriedade e recairão sobre o adquirente da coisa. Numa palavra. A regra é a de que cabe ao vendedor dar a conhecer os ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da categoria abstracta do transmitido, sob pena de responder pela não conformidade ou falta de conformidade jurídica, presumidamente desconhecida do adquirente na formação e conclusão da venda. Também L.T. Menezes Leitão (D. Obrigações, vol. III, 5ª Ed., págs. 109/1) segue pelo mesmo diapasão, mais ensinando que o preceito abarca, por exemplo, a existência de direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação, servidões prediais) ou de garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, privilégios ou retenção), o facto de ela ter sido locada a outrem ou objecto de apreensão judicial (penhora, arresto, arrolamento). E no mesmo sentido vai, ainda, Pedro Albuquerque, D. Obrigações, Contratos em Especial, Vol. I, 2ª Ed., págs. 382/383. Ora, perante o professado, não temos grande hesitação em afirmar que uma penhora cabe na previsão do referido art. 905º, pelo que estamos caídos no regime jurídico da venda de bens onerados, como considerou e aplicou a 1ª instância, e não no regime geral do incumprimento contratual, como defende o recorrente. Prosseguindo, diremos que, face ao apontado quadro legal, o comprador de um bem onerado tem várias opções, já salientadas na fundamentação jurídica da decisão apelada, a saber: - anulação do contrato por erro ou dolo, nos termos gerais do regime da anulabilidade e a indemnização por prejuízos; - redução do preço e indemnização; - convalescença do contrato e prazo para o efeito. O A., no nosso caso, não pediu a anulação, nem a redução do preço, pretendendo manter o contrato, com pagamento de indemnização pela R. Não está provado que o recorrente comprador conhecesse a existência do ónus/limitação. Pretendendo a convalescença do contrato, como é o caso, devia ter seguido o caminho de exigir ao vendedor a expurgação dos ónus/limitações, por ser obrigação legal deste (art. 907º, nº 1, do CC). Como defende Antunes Varela (em CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 1. ao referido artigo, pág. 182) a expurgação do vício é imposta como uma obrigação do vendedor, não sendo assim permitido ao comprador substituir-se ao obrigado para realizar essa expurgação à custa dele – identicamente J. Calvão da Silva, ob. cit., pág. 40, L. T. Menezes Leitão, ob. cit., pág. 113 e P. Albuquerque, ob. cit., pág. 399. Para tanto o A. deveria ter requerido ao tribunal um prazo para a referida expurgação (em acção de fixação judicial de prazo) como comanda o apontado art. 907º, nº 2 (há doutrina que defende, também, o funcionamento da interpelação admonitória do art. 808º do CC). Contudo, o A. não seguiu nenhum este caminho, pois não exigiu a expurgação ao vendedor. O que legalmente devia ter empreendido. Queda-lhe, por isso, defeso, pretender ressarcimento indemnizatório da R., por pelas suas próprias mãos ter obtido de terceiro o desaparecimento da penhora sobre o seu veículo, sem anuência ou participação do vendedor, imputando, agora, a este os custos que suportou. Não procede o recurso
(…)
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. * Custas pelo A./recorrente. * Coimbra, 26.9.2023
Moreira do Carmo
Alberto Ruço
Luís Cravo |