Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5204/13.3TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER)
PLANO DE RECUPERAÇÃO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 03/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - 1ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 17D, 17F, 17G, 20, 28 CIRE
Sumário: 1. À luz do disposto no art.º 17º-G, do CIRE, concluído o processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação, o Tribunal limita-se a declarar a principal consequência decorrente da posição dos credores e da subsequente avaliação técnica levada a cabo pelo administrador judicial provisório, ouvidos o devedor e os credores (cf. n.ºs 1, 3 e 4, do referido art.º).

2. Declarada a insolvência, o devedor poderá deduzir embargos ou recorrer nos termos do disposto nos art.ºs 40º e 42º, do CIRE, assegurando-se, assim, o seu direito de defesa.

3. Existindo processo deinsolvência suspens, nos termos do art.º 17º-E, n.º 6, do CIRE, nada obstará a que a declaração deinsolvência a que alude o art.º 17º-G, n.ºs 3 e 4, do mesmo código, tenha lugar naquele processo, após a apensação e o encerramento do processo especial de revitalização.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 15.11.2103, M (…) e R (…) pediram a declaração de insolvência de E (…) Unipessoal, Lda., invocando, nomeadamente, a sua qualidade de credores da requerida (e ex-trabalhadores) e o disposto nos art.ºs 3º, n.º 2 e 20º, n.º 1, alíneas a), b), d), g) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, e na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4).

            A requerida/devedora deduziu oposição (por excepção e impugnação) e, no dia seguinte[2], deu início, no mesmo Tribunal, a um processo especial de revitalização visando a sua recuperação [que correu termos sob o n.º 483/14.1TBLRA].

            Neste processo especial, concluídas as negociações sem a aprovação de plano de recuperação, o administrador judicial provisório emitiu o parecer a que alude o art.º 17º- G, n.º 4[3], concluindo pela situação de insolvência da devedora e requerendo a correspondente declaração de insolvência.

            Notificada da cessação da “suspensão da instância” nos autos de insolvência e para se pronunciar quanto ao teor do despacho de 25.9.2014[4], a devedora reportou-se à oposição deduzida no processo de insolvência e mostrou-se contrária à imediata prolação de sentença declaratória da insolvência, sob pena daquela defesa ficar irremediavelmente prejudicada.

            Concluindo-se pela regularidade da instância, a inexistência de excepções e que o administrador judicial provisório tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência (art.º 17º G, n.º 4), o Tribunal a quo [Comarca de Leiria/Leiria – Inst. Central – 1ª Secção Comércio – J2], por sentença de 06.11.2014, decidiu declarar a insolvência da requerida/devedora e, além do mais, fixar em 30 dias o prazo para reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do art.º 17º- D (art.º 17º-G, n.º 7).

            Inconformada, a requerida interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões

            1ª - Requerida a insolvência da recorrente, esta deduziu oposição, defendendo-se quer por via de impugnação quer por via de excepção.

            2ª - Na sentença em crise refere-se claramente não existirem “excepções de que cumpra conhecer”.

            3ª - O não conhecimento das excepções invocadas constitui causa de nulidade da sentença em crise.

            4ª - Encontrando-se a recorrente citada e sendo articulados dos autos a petição e a oposição, não pode o juiz da causa deixar de produzir a prova arrolada pelas partes antes de proferir sentença.

            5ª - A prolação de sentença condenatória sem realização de julgamento, quando há factos que deverão considerar-se controvertidos viola o princípio do contraditório e da descoberta da verdade material, bem como o princípio constitucional do acesso ao direito.

            6ª - Não pode aproveitar-se no processo de insolvência factos constantes de processo especial de revitalização (PER) que lhe é posterior e está encerrado, por violação das regras da interpretação (elemento literal e histórico).

            7ª - Não estamos perante caso que impusesse a integração de lacunas.

            Concluiu pedindo a revogação da decisão recorrida e a remessa dos autos à 1ª instância para realização da audiência de discussão e julgamento.

            Os recorridos responderam concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir, apenas, se o tribunal podia/devia declarar de imediato o estado de insolvência da requerida ou se importa(va) retomar a tramitação dos autos de insolvência independentemente da existência (e desfecho) do aludido processo especial de revitalização.

*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[5]

            a) O objecto social da requerida é o comércio de artigos eléctricos, montagens e instalações eléctricas; instalação, vistoria e fiscalização de infra-estruturas de telecomunicações; comércio, instalação, reparação e manutenção de sistemas de extinção de incêndios, segurança e detecção.

            b) O seu capital social é de € 150 000.

            c) A gerência está atribuída a (…).

            d) No âmbito do processo especial de revitalização [n.º 483/14.1TBLRA] o administrador judicial reconheceu créditos com natureza garantida no valor de € 35 060; natureza privilegiada no valor de € 52 754; comuns no valor de € 711 662; subordinados € 2 685 e sob condição € 544 630.

            e) No ano de 2011 o total de capital próprio da requerida foi de € 559 656, no ano de 2012 de € 536 944 e no ano de 2013 de € 399 919.

            f) Os resultados de exploração da requerida até Junho de 2014 foram de € 5 771.

            g) A requerida tem vindo a registar uma situação patrimonial positiva, transmitindo um aparente equilíbrio económico, apresentando capitais próprios positivos.

            h) A requerida regista incapacidade financeira para prosseguir a regular exploração da actividade e para fazer face aos compromissos vencidos, caso não seja suportada e aprovada uma medida de reestruturação do passivo pelos credores.

            i) Aquando da apresentação do processo especial de revitalização, em 01.02.2014[6], as dívidas vencidas da requerida ascendiam ao valor de € 842 749,32 num universo de 80 credores.

            j) Os cinco maiores credores da requerida são:

            - (...) , S. A., com um crédito no valor de € 239 999;

            - Banco (...) , S. A., com um crédito no valor de € 67 813;

            - Banco (...) , S. A., com um crédito no valor de € 156 585;

            - Banco (...) , S. A., com um crédito no valor de € 111 902;

            - (...) , S. A.. com um crédito no valor de € 150 596.

            k) A requerida tem créditos a receber de entidades públicas e privadas no valor de € 668 451,84.

            2. Resulta ainda dos autos (além do referido em I., supra):

            a) Por despacho de 19.9.2014, proferido no aludido processo especial de revitalização, depois de se considerar, designadamente, que “chegou ao seu termo, de acordo com o estatuído no art.º 17º-G (…), o presente processo especial de revitalização, sem aprovação de plano de recuperação” e que se encontravam a correr termos contra a mesma requerida “os processos de insolvência n.ºs 5204/13.3TBLRA e 254/14.5TBLRA (suspensos)”, declarou-se suspensa a instância nos termos do disposto no art.º 8º, n.º 2 e ordenou-se que fosse dado conhecimento do despacho ao processo de insolvência n.º 5204/13.3TBLRA, juntamente com cópia do parecer do administrador judicial provisório, para efeitos de cessação da suspensão aí determinada.

            b) Nos autos de insolvência n.º 5204/13.3TBLRA, por despacho de 25.9.2014, foi julgadacessada a causa de suspensão da instância com o encerramento do PER de que a requerida foi alvo sem aprovação de Plano de Revitalização[7] e ordenada a solicitação do “envio do processo de revitalização n.º 483/14.1TBLRA (…) para apensação” àqueles autos de insolvência “conforme estatuído pelo artigo 17º-G, n.º 4, in fine”.[8]

            c) A lista provisória de créditos apresentada no dito processo especial de revitalização, reproduzida a “fls. 677” e seguintes - que incluía, entre outros, os créditos dos requerentes -, foi convertida em definitiva por falta de impugnação, o que foi declarado por despacho de 04.4.2014.

            d) O aludido processo especial de revitalização, após a apensação, foi declarado encerrado (sem aprovação de plano de recuperação) por despacho de 05.11.2014, proferido pela Mm.ª Juíza da 1ª Secção Comércio – J2, da Comarca de Leiria (Leiria – Inst. Central).

            3. É a seguinte a fundamentação da decisão sob censura:

            «De acordo com o estatuído no art.º 1º do CIRE (…) o “processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação de empresa compreendida na massa insolvente ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.

            De harmonia como disposto no art.º 17º- G, n.ºs 3 e 4, do CIRE, apresentado parecer pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, no âmbito de um processo especial de revitalização, de onde resulte que a devedora se encontra insolvente, aplica-se o disposto no art.º 28º do CIRE, com as necessárias adaptações, devendo a insolvência ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da comunicação a que se refere o n.º 1 do citado normativo (n.º 2).

             (…)

            A E (…) S. A., alega que os presentes autos deverão prosseguir com a realização da audiência de discussão e julgamento e que a imediata prolação de sentença de declaração de insolvência acarretaria uma intolerável violação dos direitos de defesa da requerida, nomeadamente do contraditório.

            Vejamos então.

            Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra, pág. 64, refere que “Desta disposição resulta que, caso o processo de revitalização não conduza à aprovação de um plano de recuperação, seja porque os credores não o aprovaram, seja porque o devedor desistiu do processo, basta para o devedor ser declarado em situação de insolvência que o administrador judicial provisório conclua ser essa a sua situação, sendo a mesma equiparada a insolvência por apresentação do devedor”.

            Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in “PER – O Processo Especial de Revitalização, págs. 164 e 165 referem “ (…) caso o administrador judicial provisório conclua que o devedor se encontra insolvente, deverá aquele requerer a insolvência do devedor. À luz da remissão para o artigo 28°, o requerimento do administrador judicial provisório implicará o reconhecimento da situação de insolvência do devedor, cabendo ao tribunal declará-la. O processo especial de revitalização ficará apenso ao processo de insolvência.          

            Compreende-se o regime legal. Se o devedor está insolvente - sendo isso atestado por alguém especialmente qualificado e conhecedor da situação económica do devedor - então não faz sentido que o devedor, especialmente depois de já ter beneficiado de um ´stand still` generalizado, possa ainda dispor de património até que um credor consiga obter a declaração judicial da insolvência.

            Contudo, afigura-se discutível a admissibilidade e até mesmo a constitucionalidade da interpretação segundo a qual o administrador judicial provisório poderá – depois de ouvidos os credores e o devedor – requerer a insolvência do devedor, com os mesmos efeitos que teria se fosse o devedor solvente, mas, por outro lado, o administrador judicial provisório considera, erradamente, todavia, que o devedor está insolvente. Nesta circunstância, será admissível que o administrador judicial provisório requeira a insolvência com os mesmos efeitos (aceitação e reconhecimento da situação da insolvência) que teria se a insolvência fosse requerida elo próprio devedor?

            Não existirá uma injustificável restrição ao direito de propriedade e ao direito de liberdade empresarial do devedor, a atribuir-se ao administrador judicial provisório o poder de confessar a situação de insolvência do devedor contra a vontade deste último? Por que motivo ficará a decisão de assumir a situação de insolvência nas mãos do administrador judicial provisório, quando não é o titular do património do devedor?

            Para assegurar o legítimo direito de defesa do devedor, e obstar à eventual inconstitucionalidade da norma, ter-se-á de admitir que o devedor possa deduzir embargos contra a sentença ou recorrer da mesma. Essa solução é conciliável com o elemento literal do artigo 17°-G. Assim, o administrador judicial provisório deverá requerer a insolvência do devedor - se concluir, claro está, que este se encontra insolvente -, devendo o tribunal decretá-la sem audição e contraditório do devedor e no prazo legalmente fixado. Porém, o devedor poderá deduzir embargos ou recorrer nos termos do disposto nos artigos 40º e 42º” (págs. 165 e 166).

            Fátima Reis Silva, in Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente, págs. 72 e 73, refere que: «Entre o n.º 3 e o n.º 4 ocorreu um lapso derivado da alteração sofrida por este preceito entre o primeiro projecto e a presente redacção. No primeiro projecto o próprio PER convertia-se em processo de insolvência - e o actual n.° 3 reflecte essa opção. Mas entretanto foi alterado o n.° 4 (que antes apenas previa que o administrador aferia a insolvência) e passou a prever-se que o administrador judicial requer a declaração de insolvência, aplicando-se o art.° 28° do CIRE com as devidas adaptações (insolvência por iniciativa do devedor), e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência. Embora a ideia geral permaneça e seja compreensível - segue declaração de insolvência, porquanto o requerimento do administrador judicial vai equivaler a confissão da situação de insolvência, que, sendo apresentação, tanto pode ser actual como iminente - não havia qualquer necessidade de complicar, indo ao ponto de prever o que corre por apenso ao quê. A equivalência desta posição do administrador ao requerimento de apresentação de insolvência apenas veio complicar o processo e lançar dúvidas sobre o que me parecia ser um bom princípio. O devedor que recorria ao PER sabia do risco que corria no final e assumia-o. Agora vê-se literalmente substituído pelo administrador judicial (que tem preferência para a nomeação como administrador da insolvência) com base num parecer que não pode contestar ou pôr em causa senão depois de declarada a insolvência e produzidos muitos dos seus efeitos nefastos. Sendo agora claramente um outro processo (contra o já citado Ac. TRC, de 12/03/13), o requerimento do administrador do qual resulte estar a devedora em situação de insolvência, nos tribunais onde haja mais de um juízo, deve ser remetido à distribuição acompanhado do PER apensado. Quando haja outro processo de insolvência anterior suspenso, deve ser este a prosseguir suspendendo-se o "novo" processo de insolvência, nos termos do 8° do CIRE e seguindo o seu regime (…)”.

            Na jurisprudência no Ac. da RL de 14-11-2013 considerou-se que “(…) não tendo sido possível (…) alcançar o acordo dos credores com vista à aprovação do plano de recuperação, e tendo o administrador judicial provisório considerado encerrado o processo negocial, dando desse facto conhecimento ao processo, e comunicando também que o devedor se encontrava em situação de insolvência, já não apenas iminente, mas actual, outra coisa não restava ao juiz do Tribunal a quo, senão declarar, de imediato, a insolvência do devedor, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17º-G, n.º 4 e 28º, ambos do CIRE, atenta a equiparação aos casos de apresentação à insolvência”.

            Ora, em face do teor do [aludido] normativo, [e da] doutrina e jurisprudência citadas, há que concluir que quando o Sr. Administrador emite parecer no sentido de que a requerida se encontra em situação de insolvência ela é decretada de imediato, podendo o devedor se entender que não se encontra nessa situação recorrer ou embargar, assegurando-se, assim, o legítimo direito de defesa da requerida.

            Vejamos agora se a factualidade dada como provada permite concluir pela situação de insolvência propugnada pelo Administrador Judicial Provisório.

            O Sr. Administrador no parecer que apresenta refere desde logo que a requerida regista incapacidade financeira para prosseguir a regular exploração da sua actividade e para fazer face aos compromissos vencidos, caso não seja suportada e aprovada uma medida de reestruturação do passivo pelos credores.

            O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência.

            É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (n.º 1 do art. 3º).

            Tal situação corresponde, na verdade, a uma incapacidade de cumprimento, em que alguém, por carência de meios próprios e por falta de crédito, se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações (…).

            (…)

            Ora, no caso em apreço (…) está mais do que demonstrado que a requerida está impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas.

            (…) a impossibilidade de cumprir constitui uma realidade diversa da simples superioridade do passivo relativamente ao activo (…).

            Ora, em face do número de credores e o valor em dívida, está claramente demonstrado que a requerida se encontra na situação de impossibilidade de cumprimento pontual das suas obrigações, (…) da generalidade das suas obrigações (art.º 20º, n.º 1, al. b), do CIRE).

            Em face do exposto e sendo evidente a manifesta impossibilidade de a sociedade cumprir a generalidade das suas obrigações vencidas se não existir, como refere o Sr. Administrador, a possibilidade de ser aprovada uma medida de reestruturação do seu passivo, pelos credores, através da aprovação de um plano de insolvência, – apenas podemos concluir pela verificação de uma situação de insolvência de pessoa colectiva (…).»

             4. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

             Nos termos do n.º 1 do art.º 17º-A, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir (com estes) acordo conducente à sua revitalização.

            Preceitua o art.º 17º-G (sob a epígrafe “conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”) que caso o devedor ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios electrónicos e publicá-lo no portal Citius (n.º 1); nos casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos (n.º 2); estando, porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da recepção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1 (n.º 3); compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor, aplicando-se o disposto no artigo 28º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência (n.º 4); havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17º-D (n.º 7).

            Reza o art.º 28º que a apresentação à insolvência por parte do devedor implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até ao 3º dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios corrigíveis, ao do respectivo suprimento.

            Por último, prevê o n.º 6 do art.º 17º-E que os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.

            5. Tendo em consideração o objecto do recurso - que não compreende, além do mais, quaisquer questões relativas à competência ou ao fundamento material da decisão declaratória da insolvência -, o quadro fáctico aludido em I. e II. 1. e 2., supra, e o descrito regime jurídico, afigura-se que outra não deveria ser a decisão do Tribunal a quo.

            Na verdade, dada a existência do aludido PER e concluído o processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação, sendo que a devedora e os credores participaram necessariamente nas diligências e nos actos da respectiva tramitação, inclusive, nos que precederam a emissão do parecer previsto no n.º 4 do art.º 17º-G - in casu, no sentido de que a requerida se encontra em situação de insolvência -, o Tribunal a quo limitou-se a declarar a principal consequência decorrente da posição dos credores da requerida e da subsequente avaliação técnica levada a cabo pelo administrador judicial provisório (especialmente qualificado e conhecedor da situação económica do devedor), após a necessária audição da devedora e dos credores.

            Ademais, e porque nem sequer foram invocadas quaisquer irregularidades processuais do mencionado PER, a recorrente/requerida bem sabia que a declaração da insolvência, em consonância com os n.ºs 3 e 4 do art.º 17º-G, era a previsível e imediata consequência do malogro do processo de revitalização em razão da ocorrência da situação prevista no n.º 1 do mesmo art.º, restando-lhe, contudo, se inconformada, a possibilidade de deduzir embargos ou recorrer nos termos do disposto nos art.ºs 40º e 42º, assegurando-se, assim, o seu direito de defesa.[9]

            6. No caso em análise, o processo de revitalização foi declarado findo/encerrado (sem aprovação de plano de recuperação), pelo que daria origem, em princípio, ao processo de insolvência, por se haver concluído no âmbito de tal procedimento que a devedora já se encontrava em situação de insolvência.

            Porém, como já existia (no mesmo Tribunal) processo de insolvência anteriormente proposto e que fora suspenso, afigura-se que a “comunicação” prevista no n.º 1 do art.º 17-G foi devidamente “endereçada”/”encaminhada” para aquele processo, no qual veio a ser proferido despacho de cessação da suspensão e declarada a insolvência.[10]

            De resto, verifica-se que o PER foi encerrado quando já constituía o apenso A do processo de insolvência em apreço, e depois de cessada a suspensão da instância nos autos principais, pelo que também não se verificam quaisquer irregularidades ou incongruências de ordem adjectiva [cf., sobretudo, I. e II. 2. a), b) e d), supra].

            Em derradeira análise, sem quebra do respeito sempre devido pelas orientações/opções diversas em matéria de interpretação e aplicação dos normativos supra referidos[11], afigura-se que importa sobremaneira verificar se as soluções alcançadas respeitam os “interesses da vida”, sendo que, perante os interesses em presença, a factualidade provada e o regime jurídico aplicável, a resposta encontrada na decisão sob censura atenderá ao que se antolha ser a razão ou fim que razoavelmente deve atribuir-se à lei (ratio legis), e, assim, constituirá uma solução adequada/ajustada, porventura a melhor - a mais justa e mais útil - dentre as que a lei pode comportar.[12]

            7. Por conseguinte, não se poderá acolher a posição da recorrente quando diz que “o normal tramitar dos autos determinaria a sujeição do pedido a julgamento, por forma a que se produzisse a prova indicada pela partes”, pois, como vimos, no apontado enquadramento fáctico e normativo, a declaração da insolvência impõe-se em virtude do encerramento do processo especial de recuperação e do parecer e requerimento do administrador judicial provisório, previstos no n.º 4 do art.º 17º-G, nenhum relevo podendo/devendo ser dado, nomeadamente, quer ao alegado na petição inicial, quer o invocado em contestação que tenha sido oferecida nos autos de insolvência.[13]           

            8. A sentença recorrida foi proferida de harmonia com o disposto no art.º 36º e em cumprimento do determinado nos demais normativos supra referidos, tendo a Mm.ª Juíza a quo conhecido das concretas questões a solucionar, em cumprimento do seu dever de decidir.

            A decisão foi proferida na sequência do dito parecer do administrador judicial provisório, no assinalado enquadramento fáctico e normativo, e o tribunal não tinha de se pronunciar sobre o invocado nos articulados dos autos de insolvência [além de que - e sem que tal constituísse factor decisivo para o prosseguimento dos autos de insolvência - no âmbito do mencionado processo especial de revitalização, os requerentes da insolvência foram reconhecidos como credores e a estes reconhecido o valor dos seus créditos, sendo que a lista provisória de créditos, por falta de impugnação, foi convertida em definitiva – cf. II. 2. a), supra e, designadamente, “fls. 686, 688, 699 e 701”]; acresce que nada indicia que a recorrente haja sido confrontada com quaisquer decisões desconformes com a tramitação e o anteriormente determinado nos autos em causa (processo de insolvência e PER), razão pela qual não se poderá concluir que o Tribunal a quo tenha incorrido nalguma irregularidade ou praticado quaisquer nulidades, designadamente, as previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (omissão ou excesso de pronúncia).

            9. Da mesma forma, e pelas razões atrás expostas [cf., v. g., II. 5., supra], não vemos como seja possível concluir pelo desrespeito de quaisquer preceitos da lei ordinária ou da lei fundamental [por exemplo, não se vê em que possa ter sido ofendido o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, que regula o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva], na medida em que a resposta encontrada é a reclamada pela realidade apurada no confronto com os normativos aplicáveis, tendo a recorrente feito uso dos mecanismos legais sem outras limitações que as inerentes ao quadro normativo aplicável, e que respeita os seus direitos e deveres como parte (especialmente) interessada no desfecho dos autos.    

             Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

            Custas pela massa insolvente.

*

10.3.2015

 

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro

           


[1] Diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.
[2] Cf. a oposição reproduzida a fls. 63 (de 30.01.2014) e o requerimento de “fls. 361” (de 31.01.2014) (existe lapso na numeração/cf. fls. 711).
[3] Reproduzido a “fls. 366” e seguintes.
[4] A que melhor se alude em II. 2. b) e na “nota 8”, infra.

[5] Tendo em conta, sobretudo, o parecer do administrador judicial provisório, o requerimento inicial do processo especial de revitalização (e respectivos documentos) e a lista provisória de créditos (não impugnada) junta ao mesmo processo especial (“fls. 677” e seguintes).
[6] Como se referiu supra (ponto I e “nota 2”), o processo foi apresentado em 31.01.2014.

[7] Suspensão que terá sido determinada, por despacho de 18.02.2014, ao abrigo do art.º 17º-E, n.º 6 (cf. ponto 10. da fundamentação da alegação de recurso).
[8] Referiu-se ainda no mesmo despacho: “(…) este processo reconhece-se  como o competente para prolatar a sentença de declaração de insolvência da requerida por ser o primeiro processo contra si instaurado. No entanto, considerando que nestes autos e em data anterior à instauração daquele PER, que terminou (…), a requerida deduziu contestação; que o crédito do autor [dos autores/requerentes] já se mostra reconhecido naquele outro processo que será apenso e que o Legislador procede literalmente a uma substituição da requerida pela figura do Administrador Judicial Provisório quando este dá parecer no sentido da imediata declaração de insolvência da devedora - que esta não pode contestar ou pôr em causa senão após prolação da sentença de declaração de insolvência -, fazendo assim equivaler tal parecer à apresentação à insolvência (…), é de proceder a uma adequação do actual processado (…), tendo em vista a imediata prolação da declaração de insolvência da requerida (…).”

[9] Problemática que, diga-se, não suscitará divergências na doutrina e na jurisprudência – vide, designadamente, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2ª edição, Quid Juris-Sociedade Editora, págs. 178 e 181; Menezes Leitão, Código da Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 64 [“(…) caso o processo de revitalização não conduza à aprovação de um plano de recuperação, seja porque os credores não o aprovaram, seja porque o devedor desistiu do processo, basta para o devedor ser declarado em situação de insolvência que o administrador judicial provisório conclua ser essa a sua situação, sendo a mesma equiparada a insolvência por apresentação do devedor”]; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014, págs. 164 e seguintes e, de entre vários, os acórdãos da RC de 12.3.2013-processo 6070/12.1TBLRA-A.C1 [aí se conclui, atento o aludido regime jurídico, que a insolvência é “imediatamente decretada pelo juiz no prazo máximo de três dias”] e de 18.12.2013-processo 5649/12.6TBLRA-C.C1 [onde se expende que a declaração da insolvência “impõe-se, tão só, em virtude do encerramento do PER e do parecer e requerimento do administrador judicial provisório, que se alude no art.º 17º-G, n.º 4”, sendo que “nem o alegado na petição inicial, nem o invocado em contestação que tenha sido oferecida nesses autos (de insolvência) que vieram a ser suspensos, relevariam para efeitos da declaração de insolvência”], da RP de 25.11.2014-processo 520/14.5TBSTS-A.P1 [no qual se conclui: “gorada a revitalização, e constatada a situação de insolvência do devedor, o devir é óbvio e imediato: no prazo de três dias, o juiz deve decretar a insolvência dos devedores (…)”] e da RL de 15.5.2014-processo 614/13.9TBPNI-B.L1-2.

[10] Neste sentido, cf., entre outros, os acórdãos da RC de 24.9.2013-processo 95/12.1TBVNO-C.C1 [entendendo-se, nomeadamente, que “o PER pode transmudar-se em insolvência. Pode, mas não necessariamente. Esta obrigatoriedade legal resultará, tão só, quando não exista outro processo de insolvência a correr termos ou, quando este tenha sido instaurado após a entrada do PER (…). De facto, o legislador apenas se refere à extinção do processo de insolvência caso seja aprovado e homologado plano de recuperação. Não havendo aprovação e existindo previamente processo de insolvência, deverá este prosseguir seus termos.”], da RL de 15.5.2014-processo 614/13.9TBPNI-B.L1-2 e da RP de 25.11.2014-processo 520/14.5TBSTS-A.P1 [quando se refere: “nos casos em que haja processo de insolvência previamente instaurado contra os devedores, cujos termos tenham ficado suspensos por efeito do PER, parece evidente que, frustrado este, cessa aquela suspensão. O processo de insolvência há-de retomar-se, sendo remetido o PER para apensação ao mesmo, ali cabendo decretar a insolvência. (…) frustrado o PER, a insolvência deve ser declarada e prosseguir no correspondente processo anteriormente instaurado, a este ficando apenso aquele PER”].

   Com outra perspectiva, ainda que tendo por objecto situações algo diversas, cf. os acórdãos da RC de 12.3.2103-processo 6070/12.1TBLRA-A.C1 [no qual se expende que “quando o processo negocial se conclua sem aprovação do plano de recuperação, e o administrador judicial provisório comunique tal facto ao PER, emitindo o seu parecer no sentido de que o devedor se encontra em situação de insolvência, e requerendo que a mesma seja decretada (n.ºs 1 e 4 do citado preceito), o juiz do PER declara imediatamente a insolvência do devedor”, o que, segundo este aresto, deverá ser feito logo no processo de revitalização, concluindo-se que “convertido o PER em processo de insolvência, seguirá como tal a partir da sentença que a declara, ficando os autos iniciais do PER apensos àquele processo onde é decretada a insolvência e, por esta via, é convertido em processo de insolvência”] e de 18.12.2013-processo 5649/12.6TBLRA-C.C1 [assim sumariado: “Ainda que haja processo de insolvência suspenso, nos termos do art.º 17º-E, n.º 6, do CIRE, a declaração de insolvência a que alude o art.º 17º-G, n.º 2, do mesmo código, compete ao Juiz dos autos de processo especial de revitalização, operando-se, com tal declaração, a “conversão” deste processo em processo de insolvência”].
[11] Reportamo-nos, sobretudo, às divergências, no contexto adjectivo, assinaladas na nota anterior.
[12] Vide Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, 1987, págs. 17, “nota 1” e 105 e seguinte.
[13] Cf., por exemplo, neste sentido, o cit. acórdão desta Relação de 18.12.2013-processo 5649/12.6TBLRA-C.C1.