Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | DANOS PATRIMONIAIS PUROS ACIDENTE DE VIAÇÃO HONORÁRIOS MANDATÁRIO | ||
Data do Acordão: | 02/25/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 3º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 483º, Nº 1 DO C. CIVIL; 25º E 26º REGUL. CUSTAS PROC. | ||
Sumário: | I – Num quadro em que é feita actuar uma situação de responsabilidade civil extracontratual, decorrente de um acidente de viação, não tem cabimento legal, por extravasar da cobertura do artigo 483º, nº 1 do CC, a formulação de um pedido indemnizatório por parte da entidade patronal da vítima desse acidente relativamente ao responsável (ao culpado desse acidente), em função da privação da utilização da força laboral desse trabalhador, em resultado da incapacidade gerada pelo acidente. II – Tal indemnização à entidade patronal, referindo-se ela ao custo acrescido representado pela contratação cumulativa de um outro trabalhador para a mesma função, configura-se como um prejuízo reflexo, que não tem na sua base a violação de um direito subjectivo absolutamente protegido dessa entidade patronal, correspondendo ao que habitualmente se qualifica como danos patrimoniais puros. III – Estes, como regra geral, não encontram guarida ou ressarcibilidade no nosso ordenamento em sede de imputação delitual. IV – Os honorários do mandatário da parte que obtém ganho de causa são recuperados (total ou parcialmente) através das custas de parte (artigos 533º, nº 2, alínea d) do Novo Código de Processo Civil e 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais), não sendo atendível a consideração desse valor através da formulação de um pedido indemnizatório específico dirigido a esse valor. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I – A Causa 1. Em 21/11/2007[1], A… e as sociedades F… – Serviço de Táxi, Lda. e Agência Funerária F…, Lda. (AA., aqui designados, respectivamente, 1º, 2ª e 3ª AA., todos são Apelantes nesta instância de recurso) demandaram a seguradora B… – Companhia de Seguros, S.A. (R. e aqui Apelada). Invocam os três AA. a ocorrência, em 28/11/2004, na cidade da Figueira da Foz, de um acidente de viação consistente no embate, pelo veículo …-OC, cuja circulação era segurada pela R. (atribuindo os AA. a culpa do sinistro inteiramente ao segurado da R.), na traseira do veículo …-AF, conduzido pelo 1º A., propriedade da 2ª A., sendo que decorreram deste sinistro incidências danosas que abrangeram, além destes dois demandantes, a 3ª A. É de todos esses danos que aqui pretendem ser ressarcidos os três AA., formulando a tal respeito os seguintes pedidos: 1.1. A seguradora R. contestou por impugnação, fundamentalmente alegando desconhecimento, os pressupostos da imputação delitual pretendida fazer valer pelos AA. 1.2. Foi o processo julgado pela Sentença de fls. 182/197 – corresponde esta à decisão objecto do presente recurso – no sentido da procedência parcial, através do seguinte pronunciamento decisório:
1.3. Inconformados com os montantes fixados e com a não consideração de algumas das indemnizações pedidas, apelaram os AA. – todos os AA. –, concluindo o seguinte na motivação do recurso que adrede apresentaram: II – Fundamentação 2. Na apreciação do recurso ter-se-á presente que o respectivo âmbito temático foi delimitado pelos Apelantes através das conclusões transcritas no antecedente item 1.3. [v. os artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[2]]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos simples argumentos esgrimidos por quem recorre ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não propriamente aos diversos argumentos jurídicos convocados ao longo das alegações. Visa o recurso a discussão de praticamente todos os itens indemnizatórios fixados na Sentença recorrida, relativamente a cada um dos três AA., pretendendo estes aumentar os valores fixados, quanto a tipos de dano atendidos, torná-los já líquidos, quando na decisão recorrida foram remetidos para ulterior liquidação, e, no caso dos danos futuros das AA. sociedades e dos honorários do mandatário dos AA. (que nesta acção foram apresentados como dano indemnizável e incluídos no pedido), pretendem os AA. ver estes elementos reconhecidos no recurso, contra o entendimento da Sentença. 2.1. Importa assim particularizar os elementos de discussão da decisão da primeira instância introduzidos pela apelação. (a) Quanto ao 1º A., o interveniente no acidente e directo lesado em função deste [3], pretende-se no recurso ampliar o montante dos danos não patrimoniais que lhe foram arbitrados em primeira instância, bem como o montante do dano patrimonial futuro referente à afectação da respectiva capacidade de ganho (dito na Sentença “dano biológico”). No caso dos danos não patrimoniais, fixou-os o Tribunal a quo em €15.000,00, pretendendo aqui o Apelante a atribuição de €30.000,00. No caso do “dano biológico” foi-lhe atribuída a indemnização de €10.000,00 e pretende ele a ampliação desta para €20.000,00. Referem-se a estes fundamentos as conclusões A) a D) (dano não patrimonial) e E) a G) (dano patrimonial futuro). (b) Quanto às 2ª e 3ª AA. expressa o recurso – e trata-se do segundo fundamento deste – a pretensão de ver já liquidado (e liquidado nos termos por eles indicados na acção, através da equidade) o dano patrimonial correspondente à privação do serviço prestado pelo 1º A. em função do acidente, referindo-se a este fundamento as conclusões H) a M) no elenco acima transcrito, estando em causa uma parte em que a Sentença apelada condenou a R. (relegando o montante para ulterior liquidação) e uma parte em que essa decisão absolveu a R. (os danos ditos futuros dessa privação). Note-se que a seguradora R. – e trata-se de um elemento importante na economia decisória deste recurso – não recorreu da parte em que a este respeito foi condenada, não recorreu a R., aliás, da Sentença que a condenou. (c) Finalmente, colocam os AA. à apreciação desta instância (conclusões N) e O)) o não atendimento, como item indemnizatório a fixar na Sentença, no quadro da imputação delitual aqui adjectivada, o montante dos honorários do mandatário respectivo. 2.1.1. Como ponto de partida, sublinhamos não contestarem os Apelantes os factos fixados na primeira instância, sendo eles – e considera-os esta instância fixados – os seguintes: 2.2. (a) Entrando na apreciação de cada um dos fundamentos da apelação, interessa-nos aqui, sempre relativamente ao 1º A., a fixação do dano não patrimonial referente aos padecimentos introduzidos pelas lesões decorrentes do acidente e a quantificação do dano futuro correspondente à diminuição da capacidade de ganho em função da desvalorização funcional parcial permanente (incapacidade permanente geral) decorrente das sequelas físicas do acidente (acidente cuja imputação delitual ao segurado da R. é aqui assumida como dado assente). 2.2.1. (a) Com acima dissemos, o valor indemnizatório fixado na Sentença para o dano não patrimonial do 1º A. foi de €15.000,00, pretendendo este a ampliação de tal valor para €30.000,00, hipervalorizando os padecimentos físicos que sofreu e projecta no futuro. Estão em causa, como elementos relativos a este tipo de dano no caso concreto, fundamentalmente, dores e padecimentos induzidos por lesões traumáticas na zona da coluna, com uma expressão mais intensa contemporaneamente ao acidente, mas que se projectaram, e projectarão no futuro, em dores e incomodidades funcionais normalmente associadas (mesmo sem acidentes de viação) a este tipo de patologias ligadas a rectificações traumáticas da coluna e a hérnias discais. Falamos fundamentalmente – é isso o que encontramos na matéria de facto (v. os pontos 23, 25, 32, 35, 36 e 41) – de persistentes e incomodativas dores nas costas que de alguma forma afectam o dia a dia de uma pessoa, tornando-o variavelmente mais penoso. Sem querer desvalorizar o problema do 1º A., que é um problema real de muita gente, mesmo sem a origem exterior aqui em causa, não nos parece que o Apelante forneça elementos que confiram à sua situação, avaliada nesta perspectiva, uma expressividade que torne desadequado, por diminuto – miserabilista, como lhe chama –, o valor de €15.000,00. Com efeito, percorrendo a argumentação do Apelante, apenas encontramos a subjectividade, desapoiada de dados concretos, de quem pretende receber mais, porque entende que deve receber mais, sem fornecer premissas a esta conclusão/desejo. Vale aqui – não pode deixar de valer – uma dose considerável de subjectividade do julgador na atribuição de um valor, sendo que esta Relação – e não vemos bem o que dizer de diferente disto, quando o que diz o Apelante também não é muito diferente disto… – não considera desadequada, bem pelo contrário, uma indemnização de €15.000,00 por danos não patrimoniais, em vista das incidências conhecidas do caso concreto[4]. Improcede, assim, este fundamento do recurso. 2.2.2. (a) E também improcede a pretensão de alterar o valor indemnizatório atribuído, enquanto dano futuro, à desvalorização funcional permanente parcial (incapacidade permanente geral) do 1º A., desvalorização que aqui apresenta como base de cálculo a projecção futura de uma afectação negativa da capacidade com incidência laboral, sendo que esta foi pericialmente fixada (como adequadamente se reflectiu no elenco dos factos, v. o item 34) em 9% (v. fls. 145). A respeito deste tipo de dano o artigo 564º do Código Civil (CC) manda “[…] atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis […]”, sendo essa a consideração que preside à fixação da indemnização aqui discutida. Esta, concretizada, como o considerou a Sentença apelada, na entrega de uma quantia única, antecipando a projecção futura do dano a que se refere, corresponde a uma técnica de cálculo muito comum na prática dos nossos tribunais e assenta numa racionalidade que esta Relação, numa decisão proferida pelo ora relator na apelação nº 1408/03.5TBILH.C1 (Acórdão de 16/10/2007), caracterizou nos seguintes termos (transcrevemos conservando as notas do original): Ora, tendo sido com base neste método de quantificação que a decisão apelada encontrou o valor de €10.000,00 (o Apelante pretende o dobro), sendo inquestionáveis as premissas em que assentou essa quantificação e tendo sido correctamente aplicado o cálculo induzido por esses dados, não encontramos qualquer base factual que coloque em causa o valor fixado na primeira instância, dentro da lógica própria do modelo aí empregue (modelo que este Tribunal aceita). Aliás, numa ponderação geral da situação, não cremos muito sinceramente que o Apelante indique dados distintos dos aqui considerados (para além da especulação, sem uma base racional sólida, com a projecção da sua vida activa como empresário[12]), dados que, objectivamente, demonstrem ser inadequado o montante de €10.000,00 e adequado (com base numa incapacidade de 9 pontos obtidos por majoração no quadro de uma fixação pericial) o dobro deste valor. Não se atende, pois, esta pretensão do 1º A., mantendo-se o valor fixado na Sentença. 2.3. (b) Interessa-nos agora, como segundo fundamento do recurso, a parte da decisão apelada que considerou como dano material das 2ª e 3ª AA. os custos inerentes à privação (privação para estas duas empresas) circunstancial do trabalho do 1º A., em função da indisponibilidade laboral deste, como incidência já ocorrida e que ocorrerá (futura), como elemento mediatamente induzido pelas consequências directas (directas para o 1º A.) do acidente de viação. Existe neste aspecto da Sentença apelada, salvo melhor opinião, um erro de concepção quanto aos danos indemnizáveis de terceiros, em função do princípio geral da imputação delitual decorrente do artigo 483º, nº 1 do CC. Com efeito, estaríamos – estamos – quanto à 2º e 3ª RR., no quadro da indemnização desta incidência (a privação da força laboral de uma pessoa em virtude de acidente que a esta afectou e foi causado por terceiro), perante consequências indirectas, sendo que estas, quando pretendidas erigir à classe de dano indemnizável em sede de responsabilidade civil extracontratual, configuram danos reflexos puramente económicos, correspondendo àquilo que doutrinariamente é usual qualificar-se, com base numa adaptação da terminologia alemã, como “danos patrimoniais puros”. Nestes – e seguimos a caracterização de Manuel Carneiro da Frada[13] – ocorre um prejuízo (frequentemente através da indução de um gasto acrescido) que não resulta da ofensa de uma posição jurídica absolutamente protegida[14], no sentido em que podemos ilustrar a situação com o exemplo que aqui, precisamente, se configura quanto aos dois tipos de danos indemnizatoriamente considerados na Sentença quanto à 2ª A. (F… – Serviço de Táxi, Lda.). Com efeito, foi esta 2ª A. indemnizada em primeira instância, como danos materiais, pelos estragos causados no veículo sua propriedade (…-AF) embatido pelo segurado da R. (foi indemnizada nesta parte com o valor correspondente à reparação deste veículo: €7.063,13). E, cumulativamente com esta indemnização – que temos por absolutamente correcta –, foi atribuída à mesma 2ª A. uma outra indemnização a liquidar ulteriormente, nos termos do artigo 661º, nº 2 do CPC, reportada ao custo acrescido que para esta A. representou a privação, por algumas vezes, no período compreendido entre Abril de 2005 a 21/11/2007, da prestação de trabalho pelo 1º R. (incapacitado pelo acidente) através da necessidade que esta empresa teve de contratar (pagar a) outra pessoa para substituir essa prestação de trabalho. Ora, no primeiro caso (no valor da reparação do veículo propriedade da 2ª A.) estamos perante o ressarcimento da violação directa do direito de propriedade desta A. sobre o veículo sinistrado, sendo que se configura aqui esse direito de propriedade, por referência ao princípio geral da imputação delitual (artigo 483º, nº 1 do CC), como direito de outrem ilicitamente violado. Contrariamente, na indemnização por despesas acrescidas pela – chamemos-lhe assim – “privação do trabalho do 1º A.”, configura-se uma consequência indirecta do próprio acidente, referida à afectação de uma situação com incidência patrimonial para a 2ª A. (porventura um custo acrescido ou prejuízo), mas que não passou por uma violação de um direito subjectivo desta, pois não existe um direito subjectivo geral à incolumidade do património, que referencie um dever geral de indemnizar as situações que desvaliosamente o afectem. Existem, isso sim, situações especiais, decorrentes de relações especiais que afectam círculos específicos de sujeitos, que impõem a sujeitos específicos o dever de concretizar, ou de não afectar, determinadas posições creditícias referidas a um determinado património. É com este sentido que se fala de danos patrimoniais puros e se entende que a responsabilidade delitual – a responsabilidade aqui feita valer por todos os AA. – não abrange, em geral, esse tipo de danos. Como sugestivamente refere a este propósito Manuel Carneiro da Frada: E, no mesmo sentido, refere Maria João Pestana de Vasconcelos: 2.3.1. (b) Revertendo estas considerações ao caso concreto, encarando a situação especial em que a Sentença atribuiu às 2ª e 3ª AA. indemnizações pela privação da utilização da força laboral do 1º A. – pelos custos acrescidos induzidos por essa privação –, entendemos que tais indemnizações, delitualmente imputadas ao segurado da R. (já que é este o fundamento da atribuição dessas indemnizações à R.), se integram inegavelmente à categoria de danos patrimoniais puros (danos reflexos não resultantes da violação pelo segurado da R. de um direito subjectivo dessas duas AA.) e, em função dessa natureza, contrariamente ao que foi entendido, não recebem a cobertura geral do artigo 483º, nº 1 do CC, mesmo reportada à segunda parte deste nº 1 (“[…] disposição legal destinada a proteger interesses alheios […]”[17]), e não deveriam ter sido (essas indemnizações) atribuídas. Todavia, porque o foram, e porque a seguradora R. não recorreu da decisão que nessas indemnizações a condenou, são tais itens indemnizatórios – referimo-nos aqueles que o Tribunal fixou pela incapacidade do 1º A. prestar trabalho às 2ª e 3ª AA. no período de Abril de 2005 a 21/11/2007 com o limite de €2.000,00[18] –, são estes itens indemnizatórios, dizíamos, intangíveis a este Tribunal de recurso, dada a proibição de reformatio in pejus. Será este elemento da condenação, pois, mantido neste recurso, designadamente quanto à remessa para ulterior liquidação, já que a pretendida fixação por recurso à equidade pressupõe, nos termos do nº 3 do artigo 566º do CC, que não possa ser fixado o montante correspondente ao valor do prejuízo, que se contenha nos limites do pedido [19]. Aqui, tratando-se fundamentalmente de fixar o que as 2ª e 3ª AA. pagaram a outros motoristas para substituir o trabalho que deveria ser prestado pelo 1º A. num determinado período, pode ser determinado – queremos dizer que pode ainda ser determinado – esse valor, obviamente através de uma ulterior liquidação incidental nos termos do artigo 661º, nº 2 do CPC. 2.3.2. (b) Esta proibição de reformatio in pejus não vale, todavia, quanto ao chamado dano patrimonial futuro das 2ª e 3ª AA., correspondente à projecção do custo para estas AA. da (futura) privação do trabalho do 1º A., já que este item indemnizatório não foi considerado na Sentença apelada, não estando esta Relação ao manter essa não consideração a reformar em prejuízo um pronunciamento favorável não recorrido, mesmo que o fundamento dessa não alteração no recurso seja distinta – porventura diametralmente distinta – da da primeira instância. Ora, quanto ao não atendimento deste elemento indemnizatório pretendido pelas 2ª e 3ª AA., vale o que acima se disse sobre a natureza de danos patrimoniais puros dos custos induzidos para estas AA. pela privação da força laboral do 1º A., valendo aqui o que se disse, e que ora se reafirma, quanto à exclusão da ressarcibilidade desse tipo de danos no quadro de imputação delitual aqui em causa. Não há, pois, que alterar esse elemento absolutório da R. 2.4. (C) Interessa apreciar, finalmente, a questão dos honorários do mandatário das AA. como pedido indemnizatório decorrente da imputação delitual aqui desencadeada. Concordamos neste ponto com a Sentença apelada, correspondendo o entendimento que nela se expressa a este respeito, precisamente, ao ponto de vista do ora relator, como resulta do Acórdão desta Relação de 13/03/2007[20]. A este respeito importa apenas sublinhar, adaptando a argumentação ao exacto enquadramento legal que aqui se aplica em matéria de custas (que é o resultante do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, alterado pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, valendo a respeito desta aplicação o artigo 8º desta). Sublinha-se assim, que a função aqui relevante da “procuradoria” no quadro do anterior Código das Custas Judiciais passou a corresponder a um dos elementos das custas de parte (v. artigo 447º-D, nº 2, alínea d) e 454º, nº 1 do CPC[21]) previstas nos artigos 25º e 26º do Regulamento (v. o artigo 26º, nº 3, alínea c) do Regulamento). Tal como sucedia de antanho com a procuradoria[22], vale para as custas de parte uma função supressora ou de ressarcimento do gasto com honorários do vencedor. Note-se que este aspecto (o possível reembolso ao vencedor dos honorários do seu advogado) recebe um tratamento distinto em diversas ordens jurídicas. Com efeito, em Direito Comparado, reconhecem-se nesta matéria, fundamentalmente, duas orientações: o chamado “Sistema Americano” (American rule) e o chamado “Sistema Inglês” (English rule)[23]. No primeiro destes, os honorários do advogado são considerados (fora do quadro equivalente ao nosso apoio judiciário) um custo económico tolerável para a generalidade das pessoas e, como tal, não recuperável através da indemnização em que for condenada a parte vencida, salvo em situações nas quais uma Lei (ou um contrato) mande imputar esse custo à parte vencida[24]. Na segunda situação – English rule, também referida como regra “o vencido paga” (loser pays) – a parte vencida na lide é responsável pelo valor dos honorários do advogado da parte que vence. Este sistema, que é o do Direito inglês e o prevalecente nos Sistemas Continentais, como é o caso do nosso, divide-se por sua vez no grupo em que a “recuperação” desse custo se faz directamente através do pedido indemnizatório (é o que sucede em Inglaterra[25], fora do quadro da chamada “legal aid”) ou é incluído na compensação que (“oficialmente”[26]) é devida à parte vencedora. O sistema português, através figura da procuradoria, hoje em dia das custas de parte, integra-se neste último grupo: inclusão desse custo na tributação da acção e imputação desse custo à parte vencida, sendo que fora do valor legalmente estipulado, o encargo de honorários, assentando numa relação contratual entre o mandante e o mandatário, constitui um custo daquele. Estão, assim, os honorários do Advogado dos Apelantes, fora do alcance indemnizatório configurado por estes nesta acção. 2.5. Chegados a este ponto, flui do exposto que a Sentença proferida em primeira instância se manterá integralmente, não obstante a aberta divergência com ela que, quanto à consideração dos chamados danos patrimoniais puros, expressámos neste Acórdão (item 2.3. (b) e 2.3.1. (b), supra). Tal divergência, como se disse, é aqui inoperante quanto à parte da indemnização fixada que consideramos corresponder a danos patrimoniais puros, dada a falta de impugnação da parte afectada. Resta-nos, assim, confirmá-la aqui, sumariando os elementos essenciais (os julgados com maior interesse pelo ora relator) da economia argumentativa deste Acórdão: III – Decisão 3. Assim, na improcedência do recurso, aqui se confirma a Sentença apelada. Custas da apelação a cargo dos AA./Apelantes. Tribunal da Relação de Coimbra, recurso decidido em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 25/02/2014. (J. A. Teles Pereira) (Manuel Capelo) (Jacinto Meca)
[20] Também subscrito pelo ora 2º Adjunto, no processo nº 667/05.3TBGRD.C1, disponível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/67f61d7cbcd20acb802572a5003faa33. Sumário (no trecho aqui relevante): “[…] […]”. |