Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FELIZARDO PAIVA | ||
Descritores: | CLÁUSULAS DE CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO COVID-19 REDUÇÃO DE REMUNERAÇÕES PRESTAÇÕES RETRIBUTIVAS AUFERIDAS INTERPRETAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 05/29/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE CALDAS DA RAINHA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 9.º DO CÓDIGO CIVIL E CLÁUSULA 7.ª, N.º 3, DO ACORDO DE EMPRESA (ATE) ENTRE A “PORTUGÁLIA” E O “SNPVAC”, PUBLICADO EM BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 9, DE 8/3/2021 | ||
Sumário: | O n.º 3 da cláusula 7.ª do “Acordo de empresa entre a Portugália - Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, SA e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil - SNPVAC – Acordo Temporário de Emergência”, publicado em BTE, 1ª Série, n.º 9, de 8/3/2021, deve ser interpretado do seguinte modo: “O total ilíquido das prestações retributivas auferidas, incluindo as referidas no número precedente, só têm a redução nele prevista na parte que exceda o valor de 1330,00 €, sendo que tal redução não incidirá sobre os dias em que o tripulante não for efetivamente remunerado pela empresa.”. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação 489/23.0T8CLD.C1
Relator: Felizardo Paiva. Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Paula Roberto. ***** Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra I – SINDICATO NACIONAL DO PESSOAL DE VOO DA AVIAÇÃO CIVIL, com sede na Av.ª Almirante Gago Coutinho, n.º 90, em Lisboa, e AA, residente na Praça ..., no ..., instauraram a presente ação de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho contra PORTUGÁLIA - COMPANHIA PORTUGUESA DE TRANSPORTES AÉREOS, S.A., com sede na Rua B do Aeroporto de Lisboa, Edifício 10, 1.º Piso, em Lisboa, pedindo que seja: Declarada pelo Tribunal a interpretação da supra citada cláusula 7.ª nº 3 do “Acordo de empresa entre a Portugália – Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, SA e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil - SNPVAC – Acordo Temporário de Emergência”, publicado em BTE, 1ª Série, n.º 9, de 8/3/2021, nos termos constantes da presente petição; ou seja, que lhe seja dada a seguinte interpretação: “O total ilíquido das prestações retributivas auferidas, incluindo as referidas no número precedente, só têm a redução nele prevista na parte que exceda o valor de 1330,00 €, sendo que tal redução não incidirá sobre os dias em que o tripulante não for efetivamente remunerado pela empresa.”. + Regularmente citada, a R. apresentou alegações por escrito pugnando pela interpretação judicial da Cláusula 7.ª, nºs 1 e 3 do Acordo Temporário de Emergência (ATE) celebrado entre o primeiro A. e a R. a 27 de fevereiro de 2021 e publicitado no BTE, n.º 9, de 8 de Março de 2021, nos seguintes termos: “O procedimento de liquidação da retribuição do trabalhador, e de acordo com o estabelecido, conjuntamente, quer na Cláusula 7.ª, n.os 1 e 3, do Acordo Temporário de Emergência (ATE) celebrado entre o primeiro A. e a R. a 27 de Fevereiro de 2021 e publicado no BTE, n.º 9, de 8 de Março de 2021, quer nos art.os 276.º, n.º 3 e 279.º, n.º 2 do CT, implicará observar, de forma sucessiva, a seguinte ordem de operações aritméticas e contabilísticas: a. Lançamento a crédito da retribuição bruta convencionada do trabalhador conforme tabela salarial em vigor. b. Lançamento a débito da redução salarial prevista no ATE; c. Lançamento a débito dos descontos que resultem de ausências ao trabalho com perda de retribuição; e, d. Lançamento a débito dos demais descontos legais, ou seja, designadamente, a retenção de imposto de rendimento e TSU”. *** II – “Pelo exposto, declara-se que o n.º 3 da cláusula 7.ª do Acordo de Empresa celebrado entre a R. “Portugália - Companhia Portuguesa da Transportes Aéreos, S.A.” e o A. “Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil – SNPVAC” – Acordo temporário de emergência, publicado no B.T.E., n.º 9, de 8/3/2021, deve ser interpretado nos seguintes termos: «o procedimento de liquidação da retribuição do trabalhador, e de acordo com o estabelecido na Cláusula 7.ª, n.º 3, do Acordo Temporário de Emergência (ATE) celebrado entre o primeiro A. e a R., publicado no BTE, n.º 9, de 8 de março de 2021, implicará observar, de forma sucessiva, a seguinte ordem de operações aritméticas e contabilísticas: a. Lançamento a crédito da retribuição bruta convencionada do trabalhador conforme tabela salarial em vigor. b. Lançamento a débito da redução salarial prevista no ATE; c. Lançamento a débito dos descontos que resultem de ausências ao trabalho com perda de retribuição; e, d. Lançamento a débito dos demais descontos legais, ou seja, designadamente, a retenção de imposto de rendimento e TSU”. *** III- Não se conformando com esta decisão dela os autores vierem apelar, concluindo. (…). + Contra-alegou a ré, concluindo: (…). *** IV- A 1ª instância considerou provada seguinte factualidade: 1. O A. “Sindicato” é uma associação permanente dos trabalhadores que exerçam as profissões referidas nos Estatutos para defesa dos seus interesses socioprofissionais, dotada de personalidade jurídica e funcionamento autónomos; 2. O A. “Sindicato” tem por fim, em especial, entre outros, fiscalizar a aplicação das leis de trabalho e das convenções coletivas de trabalho; 3. O A. “Sindicato” foi outorgante das convenções coletivas de trabalho a seguir identificadas; 4. A A. AA foi admitida por conta e ao serviço da R. em 5 de maio de 2006, tendo, atualmente, a categoria profissional de chefe de cabine, a que corresponde a retribuição base mensal de € 1.315,60 e diuturnidades (7) no valor de € 105,00; 5. Esta A. é associada do A. “Sindicato” desde 2017, sendo-lhe aplicáveis os acordos de empresa a seguir identificados; 6. Esta A. pertence, também, aos corpos gerentes do A. “Sindicato” por ser secretária de direção, eleita como representante dos tripulantes da R.; 7. O A. “Sindicato” e a R. outorgaram o Acordo de Empresa entre a PORTUGÁLIA - Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, S. A., e o SNPVAC -Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, 29/5/2010, o qual veio a sofrer as alterações insertas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 22, 15/6/2018, que se encontram em vigor exceto no clausulado suspenso no âmbito da pandemia Covid, conforme “Acordo de empresa entre a Portugália – Companhia Portugueses da Transportes Aéreos, SA e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil - SNPVAC – Acordo Temporário de Emergência” (de ora em diante abreviadamente designado por “Acordo Temporário de Emergência”_ ATE), o qual foi publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 8 de Março de 2021; 8. A pandemia associada à COVID-19 teve um impacto gravíssimo na indústria da aviação comercial, designadamente na R., na “TAP” e nas empresas que integram o respetivo grupo económico; 9. A R. foi declarada em situação económica difícil; 10. Foi celebrado entre o A. “Sindicato” e a R. o acordo temporário de emergência identificado supra; 11. A R. vem procedendo à redução de remunerações e de prestações pecuniárias devidas aos trabalhadores associados do R. “Sindicato” (no que se inclui a A. AA) prevista no acordo temporário de emergência, com uma incidência com a qual os AA. não concordam; 12. O valor limite de € 1.330,00 (correspondente a 2 x € 665,00, valor da retribuição mínima mensal garantida em 2021) referido no n.º 3 da cláusula 7.ª, passou a ser, por força da atualização da retribuição mínima mensal garantida: - de € 1.410,00 em 2022 (2 x € 705,00), - de € 1.520,00 em 2023 (2 x 760,00); 13. A R. tem aplicado essa redução no total ilíquido do vencimento base, das diuturnidades e demais prestações retributivas e/ou pecuniárias dos seus tripulantes, sem proceder previamente ao desconto dos dias que não são remunerados; 14. Foi requerida a conciliação da DGERT, não tenho as partes chegado a acordo; 15. Os AA. pretendem que a referida cláusula seja interpretada no sentido da expressão «prestações retributivas auferidas» vir a ter o significado de prestações retributivas efetivamente auferidas; 16. Se forem dadas faltas ao trabalho, no entendimento dos AA., a R. deveria primeiro proceder ao desconto dessas faltas e só depois aplicar ao remanescente da retribuição a redução a que se referre a Cláusula 7.ª, n.º 3 Factos não provados: Com relevância para a decisão, não foram provados quaisquer outros factos, dos alegados pelas partes, designadamente: A) Semelhante procedimento foi seguido e aplicado na liquidação da retribuição dos trabalhadores da R. durante o período em que, em Portugal, vigorou o regime do ajustamento do défice orçamental excessivo, e em que, para o efeito, foi posto em prática do programa de assistência económica e financeira, o que ocorreu entre 2011 e 2014; B) Durante esse período, vulgarmente conhecido como o “período da troika”, os vários orçamentos de Estado estabeleceram cortes anuais sucessivos e generalizados à massa salarial dos trabalhadores do sector público, incluindo o sector empresarial do Estado relativamente a empresas com capital social, total ou maioritariamente público, medida que previa reduções salariais e impedia quaisquer incrementos da massa salarial. *** V- Como são as conclusões da alegação que, sem prejuízo das questões de que o tribunal conhece oficiosamente, delimitam o objeto do recurso, importa no caso em apreciação decidir: 1. Se a matéria de facto deve ser alterada. 2. Qual interpretação que deve ser dada ao nº 3 da cláusula 7.ª do “Acordo de empresa entre a Portugália – Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, SA e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil - SNPVAC – Acordo Temporário de Emergência”, publicado em BTE, 1ª Série, n.º 9, de 8/3/2021
Da alteração da matéria de facto: Pretendem os recorrentes que a matéria dos factos não provados seja considerada provada. Como meios probatórios que, na sua ótica, impunham decisão diferente sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida indicam os recibos de fls 450-454, juntos pela Ré no decurso da audiência de julgamento (1ª sessão, em 21/09/2023)[1] e o teor das leis orçamentais, a saber: art. 19.º da Lei nº 55-A/2010, de 31.12, relativa ao OE de 2011; artº. 20º da Lei nº 64-B/2011, de 30.12, relativa ao OE de 2012; artº. 27º da Lei nº 66-B/2012, de 31.12, relativa ao OE de 2013; e artº. 33º da Lei n.º 83-C/2013, de 31.12, relativa ao OE de 2014. Como resulta da ata de julgamento de 21.09.2023, as partes acordaram dar como assente a matéria de facto, salvo no que se refere à matéria articulada nos artºs 17º e 18º do requerimento de alegações, que reputaram como controvertida, e que veio a ser dada como não provada pela 1ª instância. Pese embora esta matéria tenha sido alegada pela ré, o tribunal deve atender a todos os factos alegados pelas partes e que sejam relevantes para a discussão da causa, independentemente de saber se são factos constitutivos ou não do direito invocado. São objeto de instrução e prova todos os factos alegados pelas partes relevantes para decisão, segundo as diversas soluções plausíveis da questão de direito. Ao contrário do referido pela ré nenhuma “questão nova” foi pelos recorrente suscitada nos autos. Nada impede esta Relação de, dentro do princípio da livre apreciação, considerar a referida matéria como provada ainda que tenha sido alegada pela ré e não pelos recorrentes impugnantes. Na alínea A) dos factos não provados deu-se como não provada a seguinte matéria “Semelhante procedimento foi seguido e aplicado na liquidação da retribuição dos trabalhadores da R. durante o período em que, em Portugal, vigorou o regime do ajustamento do défice orçamental excessivo, e em que, para o efeito, foi posto em prática do programa de assistência económica e financeira, o que ocorreu entre 2011 e 2014”. Ora conforme é demonstrado pelos recorrentes na conclª 21ª, relativamente à autora AA, o corte só foi aplicado nos meses de janeiro a maio de 2014 depois de descontados os dias de faltas não remuneradas. Assim, entendemos que os recibos da autora, e apenas relativamente a esta, no período temporal atrás referido, provam que “semelhante procedimento foi seguido e aplicado na liquidação da retribuição da autora AA durante o período que ocorreu entre janeiro e maio de 2014”, passando o ponto A) dos factos provados a constar com esta redação do rol da materialidade provada. No que se refere ao poto B) dos factos não provados. Este ponto tem a seguinte redação “Durante esse período, vulgarmente conhecido como o “período da troika”, os vários orçamentos de Estado estabeleceram cortes anuais sucessivos e generalizados à massa salarial dos trabalhadores do sector público, incluindo o sector empresarial do Estado relativamente a empresas com capital social, total ou maioritariamente público, medida que previa reduções salariais e impedia quaisquer incrementos da massa salarial”. Para além dos cortes salariais durante o período da denominada “troika” serem do conhecimento geral, esse mesmos cortes resultam expressamente da leitura dos artºs das leis orçamentais citadas pelos recorrentes relativas aos anos de 2011 a 2014. Por isso, a matéria da alínea B) dos factos não provados passará para o elenco dos facto provados, o que se decide.
Da interpretação do nº 3 da cláusula 7.ª: Na decisão recorrida, depois de se discorrer sobre os critérios a observar na interpretação das normas das convenções coletivas de trabalho, escreveu-se que “temos por incontroverso que, no que tange ao cálculo/à determinação da retribuição dos trabalhadores enquanto contrapartida da atividade prestada ao empregador, o que releva para efeitos legais é a retribuição ilíquida necessariamente sujeita aos descontos legais; a retribuição devida aos trabalhadores é sempre fixada num valor que, após os descontos legais, se converte na retribuição líquida a receber. Na interpretação que nos ocupa, desconhecem-se os trabalhos preparatórios, as negociações estabelecidas entre as partes outorgantes que conduziram àquela redação da cláusula 7.ª e, em especial, ao seu n.º 3, pelo que o Tribunal, na interpretação da norma e como elementos auxiliares apenas pode lançar mão do elemento sistemático, e, naturalmente, do elemento literal do preceito em análise. Ora, logo a epígrafe refere-se a remunerações e prestações pecuniárias, referindo-se, necessariamente, a remunerações e prestações pecuniárias ilíquidas, pois que, como já referido, nas relações laborais, quando se trata de remunerações e prestações retributivas, tem-se sempre em vista montantes ilíquidos. Compreende-se, deste modo, que o n.º 1 da cláusula 7.ª, se refira, expressamente, a tabelas salariais e pecuniárias, o que remete para montantes ilíquidos. O vencimento base e as demais prestações reguladas no n.º 2 são, necessariamente, referidas a montantes ilíquidos. O n.º 3 surge como uma norma travão dos efeitos a que as reduções poderiam conduzir; surge como uma salvaguarda que dos trabalhadores garante um montante mínimo de salário (em sentido comum e lato) para os trabalhadores, de tal modo que as reduções previstas incidirão sobre a parte que exceda os € 1.330,00 (que corresponde a duas vezes a retribuição mínima mensal) – e, como as partes acordaram nos factos provados, aos sucessivos montantes atualizados de acordo com a atualização da retribuição mínima mensal garantida – cfr. número 12 dos factos provados. A interpretação defendida pelos AA. não tem correspondência ao que ficou escrito no n.º 3. O vocábulo “auferidas” não pode querer significar “ilíquido depois das deduções correspondentes a dias de ausência do trabalhador não remunerados”, quando o fim da cláusula 7.ª, como se tentou demonstrar, é regular a redução de remunerações e de prestações pecuniárias nela previstas, considerando o respetivo montante ilíquido. Nestes termos, parece-nos que o elemento sistemático e o literal do n.º 3 da cláusula 7.ª apontam para uma interpretação conforme à defendida pela R.” Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho, como é o caso, regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil havendo, todavia, “de ter em conta que a convenção coletiva de trabalho se distingue da lei, não tendo as mesma características; por um lado, as normas de uma convenção coletiva provêm de negociações entre sujeitos privados (associações sindicais e associações de empregadores), não emanando unilateralmente do poder central ou regional. Por isso, das negociações havidas podem, nalguns casos, retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção coletiva de trabalho” -P. romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, p. 1109. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta aplicação a um caso concreto. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis). Presentes estas noções, importa decidir: Como é do conhecimento geral e está provado, a pandemia associada à COVID-19 teve um impacto gravíssimo na indústria da aviação comercial, designadamente na R., na “TAP” e nas empresas que integram o respetivo grupo económico levando a que a fosse declarada em situação económica difícil. Através das notícias veiculadas pela comunicação social, esta situação demandou uma indispensável cooperação de todos os trabalhadores no sentido da redução ou adaptação das suas condições de trabalho. Foi neste contexto que foi celebrado entre o 1º A. e a Ré o Acordo Temporário de Emergência e, daí, que se concorde com a firmação dos recorrentes quando afirmam que a ratio da aplicação de um limite de isenção foi criar uma “garantia mínima” que salvaguardasse os rendimentos mais baixos para que os titulares destes pudessem condignamente fazer face à sua vida familiar , do ponto de vista económico, perante as pesadas alterações das condições de trabalho sofridas com a entrada em vigor do ATE”. Assim, o nº 3 da Clª 7ª (Redução de remunerações e de prestações pecuniárias) do ATE “ O total ilíquido das prestações retributivas auferidas, incluindo as referidas no número precedente, só têm a redução nele prevista na parte que exceda o valor de 1330,00” considerando o contexto e a ratio que levou à elaboração deste número, pese embora se desconheça conforme se refere na sentença, os trabalhos preparatórios, as negociações estabelecidas entre as partes outorgantes que conduziram àquela redação, a expressão “prestações retributivas auferidas” deve ser entendida como retribuições concreta ou efetivamente auferidas pelo trabalhador. Entendemos, com respeito por opinião diferente, que conjugando o elemento literal com o contexto em que cláusula foi produzida e o fim por ela visado, esta é interpretação que melhor se coaduna com tal contexto e a “ratio” da cláusula. Por outro lado, afigura-se-nos ser esta a interpretação mais razoável e justa ou menos iníqua na medida em que se traduz na não aplicação da redução sobre montantes de prestações retributivas que não foram efetivamente auferidas pelos trabalhadores. Considerando o esforço exigido a empregadores e trabalhadores derivado da crise pandémica, esse esforço será distribuído equitativamente se a redução incidir apenas sobre as quantias efetivamente pagas. Assim se atingirá, salvo melhor opinião, um equilíbrio na contribuição entre empregador e trabalhador para minorar as consequências da situação de emergência que na altura se vivia. Esta é interpretação que, na nossa opinião, vai de encontro com a realidade tendo por base os critérios de interpretação do artº 9º do CC, designadamente, com o seu elemento literal pois, para além do mais, não se nos afigura razoável que a redução se faça sobre uma quantia que a empresa não pagou ao trabalhador o que representará, como ficou dito, um desequilíbrio na contribuição das partes para o esforço de contenção exigidos pela crise pandémica. *** VI - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente procedente, em função do que, na revogação da decisão impugnada, se decide dar ao nº 3 da cláusula 7.ª do “Acordo de empresa entre a Portugália – Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos, SA e o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil - SNPVAC – Acordo Temporário de Emergência”, publicado em BTE, 1ª Série, n.º 9, de 8/3/2021, a seguinte interpretação: “O total ilíquido das prestações retributivas auferidas, incluindo as referidas no número precedente, só têm a redução nele prevista na parte que exceda o valor de 1330,00 €, sendo que tal redução não incidirá sobre os dias em que o tripulante não for efetivamente remunerado pela empresa.” * Custas a cargo da apelada. * Sumário[2]: (…). Coimbra, 29 de maio de 2024 *** (Joaquim José Felizardo Paiva) (Mário Sérgio Ferreira Rodrigues da Silva) (Paula Maria Mendes Ferreira Roberto) [1] Justificando a requerida junção alegando que tais documentos eram “relativos ao processamento de salário da segunda Autora, designados de nota de vencimentos, do período de janeiro a maio de 2014, para prova do procedimento de liquidação de salário da segunda Autora neste mesmo período, tendo em vista fazer prova dos artigos 17º e 18º do requerimento de alegações escritas da Ré.”. |