Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
521/19.1JALRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 02/22/2021
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTS. 33.º A 36.º DO CPP
Sumário: I – É irrecorrível o despacho que declara a incompetência do tribunal e determina a remessa do processo ao tribunal tido por competente.

II – Perante a não aceitação da competência pelo tribunal para onde os autos forem remetidos, o legislador criou um específico procedimento apto a dirimir o conflito, qual seja, o previsto nos artigos 34.º a 36.º do CPP.

Decisão Texto Integral:






DECISÃO SUMÁRIA

I.

1. No âmbito dos Autos de inquérito (Atos jurisdicionais) n.º 521/19.1JALRA, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Leria, Leiria – Juízo Inst. Criminal – Juiz 3, por despacho de 23.11.2020, proferido pela Senhora Juiz de Instrução Criminal, foi excecionada a incompetência territorial do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria para se pronunciar sobre as diligências de prova, designadamente buscas domiciliárias, requeridas pelo Ministério Público no âmbito do inquérito, e determinada a remessa dos autos ao Tribunal Central de Instrução Criminal.

2. Inconformado com a decisão da mesma recorreu o Ministério Público.

3. Por despacho exarado a fls. 75 foi o recurso admitido.

4. O Exmo. Procurador da República junto deste Tribunal emitiu parecer, no sentido de o recurso merecer provimento.

II.

A decisão proferida em 1.ª instância sobre a admissibilidade do recurso não vincula o tribunal superior [artigo 414.º, n.º 3 do CPP], razão pela qual, afigurando-se-nos – tal como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência e doutrina - tratar-se de decisão irrecorrível, cabe ao relator proferir decisão sumária – [cf. artigos 417.º, n.º 6, alínea a) e 414.º, n.º 2, ambos do CPP].

Concretizando.

No despacho recorrido a Senhor Juiz de Instrução reconheceu e declarou oficiosamente a incompetência territorial do Juízo de Instrução Criminal de Leiria para conhecer das diligências de prova requeridas no âmbito do inquérito pelo Ministério Público.

De acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 33.º do CPP, declarada a incompetência do tribunal o processo é, de imediato – não aguardando, como referido no despacho em crise, o trânsito da decisão – remetido ao tribunal competente, podendo então este (i) aceitar a competência ou (ii) entendendo que a competência pertence ao tribunal inicialmente declarado incompetente, ou a um terceiro, declarar-se também ele incompetente – [cf. artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPP].

Verificada esta última situação, estamos perante um conflito de competência, cuja resolução ocorrerá nos termos do artigo 36.º, do CPP, sem prejuízo de um daqueles tribunais se vir a declarar competente, circunstância que conduz à imediata cessação do conflito – [cf. artigo 34.º, n.º 2, do CPP].

No sentido da irrecorribilidade da decisão em crise escreve o Professor Paulo Pinto de Albuquerque, «Com a declaração da incompetência do tribunal, o processo é simultaneamente remetido para o tribunal competente. A decisão de incompetência é notificada aos sujeitos processuais, mas não aguarda o prazo do recurso. A decisão do tribunal penal que se declara territorialmente incompetente é irrecorrível, pois só por meio do conflito de competência, e não do recurso, é admissível reagir contra a decisão da incompetência (acórdão do TRL, de 14.1.1998, in CJ, XXIII, 1, 140, e acórdão do TRL, de 28.4.1999, in CJ, XXIV, 2, 152, cuja jurisprudência foi confirmada pelo acórdão do TC n.º 158/2003). Este regime é, aliás, o único consentâneo com a previsão do artigo 34.º, n.º 2, nos termos do qual a decisão de incompetência pode ser revogada oficiosamente pelo tribunal remetente em qualquer momento.» - [cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 114]. E outra coisa não se pode extrair das palavras do Professor Germano Marques da Silva enquanto a propósito refere: «se, porém, o tribunal se declara incompetente, remetendo o processo para outro tribunal, o meio processual a utilizar é primeiro o instituto do conflito e não o recurso» - [cf. Curso de Processo Penal, I, pág. 211].

Também se nos afigura ser este o entendimento dos Professores Figueiredo Dias e Nuno Brandão, quando escrevem: «Instalando-se um conflito, positivo ou negativo, de competência, a via processual para a sua superação não é a do recurso, mas a da intervenção de um tribunal superior, impulsionada por um dos tribunais em conflito, oficiosamente ou na sequência de requerimento dos demais sujeitos processuais.» - [cf. “Sujeitos Processuais Penais: O Tribunal”, Texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015/2016), disponível em https://.apps.uc.pt/mypage/faculty/nbrandao/pt/003].

Orientação idêntica foi seguida pelo TRE nas decisões proferidas em 19-11-2015 (proc. n.º 1758/09.7TAFAR.E1) [«I – É irrecorrível a decisão judicial que declara a incompetência do tribunal e determina a remessa do processo ao que for considerado competente. II – Os sujeitos processuais poderão apenas suscitar a resolução do conflito, se este vier a ocorrer, em conformidade com o disposto nos artigos 34.º a 36.º do C. P. Penal»], 22.10.2015 (proc. n.º 119/12.5TAFAR.E1) [«A lei prevê, de forma suficiente, os procedimentos a seguir no caso de existência de um conflito de competência, seja negativo seja positivo, deles excluindo claramente o recurso como meio de resolução de tal conflito. Ou seja não se recorre de uma declaração de incompetência. A decisão de um recurso que incidiu sobre uma primeira decisão de 1ª instância que se declarou incompetente não forma caso julgado sobre a matéria da competência quando uma das entidades judiciais com a incumbência de se pronunciar sobre a sua própria competência ainda nada disse»], 3.11.2015 (proc. 590/11.2TAFAR.E1) [«1 – O despacho que nega a competência nos termos do art. 33.º, n.º 1 do C.P.P., não é recorrível. 2 – Precavendo a não aceitação da competência pelo tribunal para onde os autos sejam remetidos, o legislador regulou o inerente conflito nos arts. 34.º a 36.º do CPP, entendendo-o como meio próprio e adequado à finalidade de definitivamente a questão ser dirimida.»] – [cf., ainda, o acórdão do TRP de 06.04.2011 (proc. n.º 93/11.5PBMTS-A.P1)., a decisão proferida pelo Vice-Presidente do TRG de 09.03.2009 (proc. n.º 1397/07.7TAOER-A.G1), o acórdão do TRC de 21.11.2007 (proc. n.º 2177/06.2TAAVR.C1)].

Interpretação normativa cuja conformidade constitucional já suscitou a intervenção do Tribunal Constitucional, que no acórdão n.º 158/2003, de 19.03.2003, não julgou inconstitucionais «as normas dos artigos 33.º, 34.º, 36.º e 399.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido da irrecorribilidade da decisão de tribunal criminal que se declare territorialmente incompetente».

Em síntese, como referido na decisão sumária do TRE, de 15.12.2015 (proc. n.º 258412.1TAFAR.E1), em benefício da irrecorribilidade de semelhante decisão milita a seguinte ordem de razões:

«1.ª. O tribunal declarado incompetente, na antecedente declaração de incompetência, pode assumir a sua própria competência, assim não chegando sequer a configurar-se um efetivo conflito de competência, como ressalta do preceituado no n.º 2 do art.º 34.º do CPP;

2.ª. O tribunal da Relação sé é levado a intervir tendo em vista a resolução do conflito, sem prejuízo de o Ministério Público, o arguido e o assistente se poderem pronunciar sobre essa matéria nessa sede (arts. 35.º e 36.º, n.º 1 do CPP);

3.ª A irrecorribilidade da decisão que declara a incompetência do tribunal assegurará, em princípio, maior celeridade na tramitação do processo e designadamente na definição do tribunal competente;

4.ª A decisão a proferir no recurso interposto só vincularia o Tribunal cuja decisão fora impugnada, ao contrário do que acontece no âmbito da resolução do conflito pelo tribunal superior (art.º 36.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPP);

5.ª A declaração de incompetência «põe termo à causa» mas apenas no tribunal declarado incompetente (ainda assim de forma não definitiva, dada a possibilidade de ser suscitado o conflito, a ocorrer), parecendo que no art.º 407º do CPP se não contemplou sequer a hipótese de recurso daquela decisão

Concluindo:

O despacho em crise insere-se no âmbito do artigo 33.º, n.º 1 do CPP, tendo o legislador previsto a não-aceitação da competência pelo tribunal para onde o processo seja remetido, e bem assim regulado o correspondente conflito nos artigos 34.º a 36.º do CPP, concebendo-o como o meio próprio e adequado à resolução definitiva da questão, assim se justificando a previsão do n.º 1, do citado artigo 33.º donde resulta a provisoriedade – porquanto sempre dependente da posição que vier a ser adotada pelo outro tribunal - da decisão que declara a incompetência do tribunal, em consonância, aliás, com a faculdade prevenida no n.º 2 do artigo 34.º do mesmo diploma, de acordo com a qual a decisão de incompetência pode, a qualquer momento, ser oficiosamente revogada.

Entende-se, pois, não ser a decisão em crise passível de recurso, inadmissibilidade que decorre da alínea g), do n.º 1, do artigo 400.º, conjugado com a disciplina instituída nos artigos 33.º a 36.º, todos do CPP, impondo-se, assim, a sua rejeição – [cf. 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP].

III.

Termos em que se decide rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo Ministério Público.

Sem tributação.

[Texto processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira