Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
159/16.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.362 E 368 CPC
Sumário: 1.De acordo com o art.368º, nº2, do Código de Processo Civil, o juiz deve recusar a providência cautelar se o prejuízo resultante dela for superior ao dano que com ela se pretende evitar.

2. Este requisito traduz o princípio da proporcionalidade.

3. O juízo feito neste plano (gravidade dos danos) é um juízo de facto.

Decisão Texto Integral:




            Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

D (…) Lda, intentou procedimento cautelar comum contra M (…), Lda, pedindo a restituição da posse do imóvel identificado, livre e devoluto.

Para tanto, a autora alegou, em síntese:

O incumprimento contratual da requerida levou à resolução do contrato de franquia e de locação de estabelecimento comercial e caducidade dos contratos associados;

A resolução fez-se por carta datada de 16.10.2015, rececionada pela requerida em 19.10.2015;

A requerida já não dispõe de qualquer título que lhe permita manter a posse do imóvel;

Apesar disso, a requerida manteve-se no imóvel.

Presentemente, a requerida explora no local um supermercado, onde, juntamente com produtos da marca “Dia”, tem expostos produtos de marcas concorrentes;

Esta prática compromete a clientela da autora;

Não estando a ser explorada no imóvel uma loja “Minipreço”, a requerente sofre prejuízos de facturação.

Contestou a requerida, em síntese:

A requerida tem os mesmos sócios gerentes das sociedades T (…), Lda, e M (…) Lda, com quem a requerente tem também contrato de franquia;

A partir de 2011, a requerente, unilateralmente e sem qualquer acordo da requerida, e das referidas sociedades, alterou as regras do negócio, obrigando as mesmas as adquirirem produtos para promoção sem o preço da promoção, o que originou um prejuízo elevado e à perda de capacidade de aquisição quer à requerente quer a outros fornecedores, bem como à necessidade de ter que se financiar;

Em 2014, as partes acordaram que a T (…) Lda, proprietária do imóvel onde funciona o estabelecimento da requerida, arrendaria à requerente o mesmo imóvel, que, por sua vez, o subarrendaria à requerida; a requerente adquiriria os bens de equipamento do estabelecimento pelo valor de € 175.000,00; a situação poderia ser revertida no prazo de 8 anos;

Os negócios consubstanciam um negócio usurário, tendo em conta a situação de necessidade da requerida e as vantagens excessivas que a requerente obteve;

A requerente sempre aceitou a comercialização de produtos que não integram o seu sortido;

O aparecimento de marcas concorrentes no estabelecimento apenas ocorreu após a requerente ter parado de fornecer os seus produtos;

A requerida não está em falta com qualquer pagamento;

Não foi acordado que o arrendamento e subarrendamento do imóvel estivessem dependentes do contrato de franquia;

A requerida não tem qualquer outra fonte de rendimento para além dos proventos obtidos com a exploração do estabelecimento, pelo que, com o decretamento da providência, não terá condições financeiras para sobreviver.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que não concedeu a providência.


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            Inconformada, a autora recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A. A decisão de consignar a inquirição de (…), sócio-gerente da Requerida, como prova testemunhal e não como declarações de parte, como havia sido solicitado pela Requerida, viola o disposto nos artigos 4.º, 294.º, n.º1, 466.º, n.º 3, todos do CPC, consubstanciando uma nulidade processual.

B. Além do declarado por (…), existem elementos no processo que demonstram que este é sócio-gerente da Requerida, por um lado, e a certidão permanente actualizada da sociedade Requerida prova que aquele é, efectivamente, sócio-gerente da Requerida desde 2010.

C. O contrato de arrendamento entre a Requerente e a T (…), Lda. é válido e eficaz, tendo a Requerente legitimidade ao estabelecimento, porque a Requerida e a T (…) Lda., representadas ambas pelo senhor (…), revogaram o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.

D. A revogação do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial que havia sido celebrado entre a T (..), Lda. e a Requerida nunca foi posta em causa, estando aceite por acordo entre as partes, conforme decorre da não impugnação dos artigos 7.º a 11.º do Requerimento Inicial e ainda do referido nos artigos 38.º a 40.º, 96.º a 100.º e 111.º da oposição.

E. A revogação do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial não dependia de qualquer forma especial bastando-se o mero acordo de vontades entre a T (…), Lda. e a Requerida – ambas representadas pelo seu sócio gerente com poderes para as vincular, o senhor (…) – o que ocorreu e decorre manifestamente dos comportamentos concludentes adoptados por estas sociedades aquando da realização do negócio de Março de 2014, e desde então.

F. A própria Requerida admitiu na sua oposição que, desde Março de 2014, a sua legitimidade ao local e ao estabelecimento decorria do contrato de franquia e locação de estabelecimento comercial, nunca tendo posto em causa que a Requerente detinha essa legitimidade originária por via do contrato de arrendamento celebrado com a Tarde e Dia, Lda.

G. Revogado o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial e subsequentemente celebrado o aditamento ao contrato de franquia, que passou a ser contrato de franquia com locação de estabelecimento comercial, em Março de 2014, a legitimidade da Requerida ao local, e ao estabelecimento, passou a decorrer deste último, sendo indubitável que, resolvido este, a Requerida deixou de ter qualquer título que a legitime a ocupar o local e a explorar no mesmo um qualquer supermercado.

H. A sentença recorrida, ao não considerar estar preenchido o requisito do fumus bonus iure, por entender que se mantém em vigor o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial celebrado entre a Requerida e a T (…), Lda., além de violar as disposições dos contratos de arrendamento e de franquia com locação de estabelecimento comercial, viola o disposto nos artigos 219.º, 405.º e 406.º do Código Civil.

I. A sentença recorrida considerou irrelevantes os factos alegados nos artigos 46.º a 53.º do Requerimento Inicial, relativos a prejuízos que a Requerente sofrerá pelo não decretamento da providência requerida, os quais estão provados documentalmente, todavia, estes têm relevo para a prova do periculum in mora.

J. A sentença recorrida não podia considerar indiciado o “facto” 42, porquanto o mesmo consubstancia uma manifesta conclusão, não suportada em quaisquer factos, sendo certo que os únicos factos alegados que a poderiam suportar foram julgados não provados.

K. Não foi minimamente demonstrado que pelo decretamento da providência a Requerida tenha um prejuízo superior àquele que será suportado pela Requerente com o seu não decretamento.


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            Contra alegou a requerida, defendendo a correção do decidido.

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            Questões a decidir:

            Nulidade na consideração do depoimento de J (…);

            Pretensa reapreciação da matéria de facto. Consideração dos documentos;

            Probabilidade séria da existência do direito da autora;

            Aplicabilidade do art.368º, nº2, do Código de Processo Civil.


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            Conforme certidão atualizada da requerida, realmente o documento que serviu à consideração do julgador estava incompleto; daquela retira-se que o identificado J (…)é sócio gerente da requerida.

            Apesar do erro do julgador na motivação dos factos, em julgamento, corretamente, o Sr. J (…) foi ouvido, como pedido, em declarações de parte.

            Estas declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (como acontece com as declarações das testemunhas), salvo se as mesmas constituírem confissão (art.466º, nº3, do Código de Processo Civil).

            Assim, considerando o processado em julgamento (ouvido em declarações de parte) e a avaliação que o julgador fez do seu depoimento (apreciado livremente), não vislumbramos qualquer nulidade.

            Por outro lado, a recorrente não tira qualquer consequência da invocada nulidade, concretamente explicando de que forma ela influiu na decisão da causa e de que forma, momento e afirmação, ela constitui uma confissão de certo facto.

            Pelo exposto, não se reconhece a arguida nulidade.


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Pretensa reapreciação da matéria de facto. Consideração dos documentos.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).

Imposta a necessidade daquele pedido dos interessados, o art.640º impõe um ónus a cargo do recorrente que impugne aquela decisão, estabelecendo o seguinte:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O art.640º referido tem a sua correspondência no anterior art.685º-B do Código de Processo Civil, ainda que parcial, vindo a nova norma reforçar o ónus de alegação que impende sobre o recorrente, quem deve agora indicar também a resposta que deve ser dada às questões de facto impugnadas (a al.c).

A norma não admite o recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas a possibilidade de revisão de factos individualizados e com indicação exata das passagens da gravação em que se funda aquele.

O artigo esclarece, relativamente à prova gravada, que não é obrigatória a transcrição (dos exertos pertinentes) mas é necessária a indicação exata das passagens da gravação relevantes. (ver Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª edição, págs. 129 e 135.)

No caso, o recorrente não dá cumprimento à norma, o que constitui um obstáculo à pretensa reapreciação pedida e implica, nos termos da mesma, a imediata rejeição do recurso, na parte da impugnação da matéria de facto.

O recorrente não especifica os factos mal julgados e não concretiza os meios probatórios disponíveis, aqueles que impunham uma decisão diversa sobre os factos.

Referindo, quanto aos prejuízos por si sofridos pelo não decretamento da providência, que os mesmos estão provados documentalmente, a recorrente não concretiza que concretos documentos servem à prova de certo prejuízo.

Além disso, se o julgador utilizou os documentos (parte deles), a par de outros meios de prova, a simples invocação dos documentos juntos será sempre insuficiente para modificar a decisão sobre a matéria de facto, sem que pondere os outros meios de prova ponderados pelo julgador.

Por fim, quanto ao facto nº42 (infra), apesar de relativamente conclusivo, ele é decorrência do que foi assente sob o nº41, não infirmado, e da perceptível dependência da requerida da exploração do concreto estabelecimento.

Pelo exposto, decide-se rejeitar a (pretensa) impugnação da matéria de facto.


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Os factos a considerar são os seguintes:

1- A requerente é uma sociedade comercial unipessoal por quotas que se dedica à exploração de supermercados e outros estabelecimentos comerciais e à distribuição de produtos alimentares e não alimentares.

2- A requerente explora supermercados e outros estabelecimentos comerciais sob a insígnia “MINIPREÇO”, quer directamente, em estabelecimentos próprios, quer através de estabelecimentos de terceiros, em regime de franquia, através de contrato que inclui a licença de utilizar e explorar as marcas e insígnias “DIA” e “MINIPREÇO”.

3- A requerente é uma sociedade inteiramente detida pela sociedade de direito espanhol D (…), SA, a qual autorizou a requerente a utilizar e a explorar a marca “DIA” em Portugal, quer directamente, quer em regime de franquia.

4- A requerida é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de comércio a retalho de artigos e produtos no âmbito da exploração de supermercados e hipermercados, sendo gerida pelo mesmo grupo familiar que gere, entre outras a sociedade T (…) Lda.

5- No âmbito das suas respectivas actividades comerciais a requerente e a requerida, em 01.07.2010, celebraram um contrato de franquia, mediante o qual a requerente autorizou a requerida a, na sua qualidade de comerciante independente, agindo em nome e interesses próprios, a proceder à implantação e exploração de um estabelecimento DIA no local da Vidoeira, Largo do Castelo, Vale da Velha, freguesia de Albergaria dos Doze, concelho de Pombal, identificado através da insígnia Minipreço, contrato esse subordinado às condições constantes do documento de fls 12 verso a 27 que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

6- Entre a requerida, na qualidade de segunda outorgante e a sociedade T (…) Ldª, na qualidade de primeira outorgante, foi subscrito um documento sob a epígrafe “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial”, no qual se declara que a primeira é proprietária do imóvel onde funciona o estabelecimento referido em 5 e, além do mais, se determinando que o cessionário servir-se-á de todos os bens móveis que fazem parte do estabelecimento como se fossem seus, que inclui todas as máquinas existentes, utensílios, instalações e demais elementos que caracterizam e integram o estabelecimento comercial objecto do presente contrato, que se encontram discriminadas na relação anexa, e que assinada por ambos os outorgantes se considera parte integrante do presente contrato.

7- Em 25.03.2014 a proprietária do imóvel onde funciona o estabelecimento referido em 5, a sociedade T (…) Lda, e a requerente foi subscrito um documento sob a epígrafe “Contrato de Arrendamento com Prazo Certo para Fins não Habitacionais”, pelo qual a primeira deu de arrendamento à segunda o imóvel onde funciona o estabelecimento referido em 5, pelo período de 20 anos, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de 5 anos, mediante o pagamento de uma renda no valor de € 1.500,00 acrescido de IVA à taxa legal em vigor em cada momento.

8- Nas cláusula sétima e oitava do acordo referido em 7, mais ficou estabelecida a autorização do senhorio para a inquilina poder sublocar total ou parcialmente o imóvel ou a, por qualquer outra forma ceder, total ou parcialmente o gozo do prédio gratuita ou onerosamente, designadamente a ceder a exploração do estabelecimento, renunciando ainda ao direito de preferência em caso de trespasse, no todo ou em parte, por venda ou dação em cumprimento do estabelecimento.

9- Na mesma data a requerente e a requerida subscreveram um aditamento ao contrato de franquia, através do qual acordaram em reformular os pressupostos reguladores da relação de franquia constituída em 01.07.2010 passando a mesma a reger-se pelos termos e condições da minuta anexa.

10- Nos termos dos “Considerandos” X), XI), XII) e XIII) da referida minuta estabeleceu-se que:

X) Entre outros, a Dia Portugal é dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial, o qual se encontra instalado e em funcionamento no prédio urbano sito em sítio Largo do Castelo s/n, freguesia de Albergaria dos Doze, concelho de Pombal (…).

XI) O estabelecimento encontra-se afecto ao comércio a retalho de produtos alimentares e afins da marca “DIA” e funciona sob a insígnia “Minipreço”.

XII) A Dia Portugal é titular do direito de arrendamento do prédio onde se encontra instalado e em funcionamento o estabelecimento, direito esse que lhe advém do contrato de arrendamento celebrado em 25 de Março de 2014.

XIII) A Segunda Contratante (requerida) está interessada em comercializar os produtos DIA, por sua conta e risco, mediante a exploração do estabelecimento, igualmente em regime de franquia e mediante uma locação de estabelecimento comercial, para o que conta com uma organização empresarial própria e independente, estruturada para a venda a retalho.

11- Nos termos da cláusula 18ª da referida minuta ficou estabelecido que:

1. Através do presente contrato a Dia Portugal cede a exploração temporária do estabelecimento à Segunda Contratante, livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades.

2. O estabelecimento objecto da locação comercial ocupa toda a área do prédio identificado no Considerando X) supra.

3. A locação do estabelecimento abrange a globalidade dos elementos que integram o estabelecimento identificados na lista junta como anexo 2.

4. A propriedade dos elementos identificados no referido anexo 2 mantém-se da

Dia Portugal. (…)

12- Nos termos da cláusula 19ª ponto 1 da referida minuta ficou estabelecido que a locação do estabelecimento cessará automaticamente todos os seus efeitos em caso de extinção do direito de arrendamento constituído a favor da Dia Portugal, nos termos do

Considerando XII).

13- Nos termos da cláusula 23ª-A da referida minuta ficou estabelecido que:

O presente contrato tem como base o direito de arrendamento da Dia Portugal sobre o prédio onde se encontra instalado o estabelecimento, pelo que a Segunda

Contratante declara e reconhece que o mesmo é entre elas celebrado segundo o princípio da transparência absoluta entre si e o contrato de arrendamento referido no Considerando XII) e, consequentemente, a Segunda Contratante obriga-se, através do presente Contrato a i) dar directamente cumprimento às obrigações e responsabilidades que para a Dia Portugal resultam das cláusulas do referido contrato de arrendamento e do seu aditamento, ficando, portanto, inteiramente responsável pelo pontual cumprimento dessas obrigações, com rigorosa observância de tudo o que, relativamente a elas, derive do aludido contrato de arrendamento e, bem assim, a ii) abster-se de quaisquer comportamentos que possam fazer perigar o mencionado contrato de arrendamento ou dar causa à respectiva resolução.

14- Nos termos da cláusula 25ª da referida minuta ficou estabelecido que:

1. As relações jurídicas de franquia e locação do estabelecimento são juridicamente dependentes pelo que a invalidade ou cessação de uma, automaticamente,

implica a invalidade ou cessação da outra, não sendo necessário emitir, qualquer declaração nesse sentido.

2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, as partes expressamente convencionam que, dada a interligação das duas relações referidas, o incumprimento ou

cumprimento defeituoso das obrigações ou deveres subjacentes a uma possibilitará à parte não faltosa, respectivamente, a invocação da excepção do não cumprimento de obrigações ou deveres referentes á outra relação, ainda que nenhuma das partes esteja em incumprimento relativamente a esta última relação.

15- Nos termos da cláusula 26ª ponto 1 da referida minuta ficou estabelecido que:

Por referência à locação de estabelecimento comercial, a segunda contratante pagará à Dia Portugal a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros)/mês, acrescida de 1,5% da facturação global da segunda contratante (…) apurada por referência ao mês anterior ao do pagamento da contrapartida.

E na cláusula 29ª:

1. O presente contrato entrará em vigor na data da sua assinatura, adquirindo desde esse instante plena validade e eficácia.

2. As partes acordam que o contrato vigorará pelo prazo de 1 (um) ano a contar desta data, prorrogando-se o mesmo automaticamente por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo denúncia de qualquer uma das partes, notificada, por carta registada e com aviso de recepção, com uma antecedência não inferior a 3 (três) meses.

16- Por carta datada de 16 de Outubro de 2015, sob a epígrafe “Resolução do contrato de franquia e locação de estabelecimento comercial e contratos conexos” a requerente, invocando a violação do estipulado nas cláusulas 4ª parágrafo A, 6ª nº 7, 10º al. a) e d) por parte da requerida, comunicou a resolução automática e com efeitos imediatos dos referidos contratos, interpelando-a para proceder à restituição da posse do estabelecimento devoluto de pessoas e bens até ao dia 23 de Outubro de 2015.

17- Na data referida em 16 a requerida não procedeu à entrega do estabelecimento, pelo que em 28.12.2015 a requerida foi notificada, mediante notificação judicial avulsa com o nº 4842/15.4 T8PBL para proceder à entrega das chaves do imóvel, o que até à presente data não fez.

18- Em 17 de Novembro de 2015, no exterior do estabelecimento referido em 5,

não existia qualquer insígnia “Minipreço” e estavam duas lonas enroladas, no chão da

entrada exterior, onde era visível a palavra “Minipreço”.

19- Na mesma data no interior do estabelecimento referido em 5:

- Junto à frente loja, na lateral esquerda, junto às caixas, um placard com a sinalética de serviço de atendimento a clientes com a designação “Linha de apoio Minipreço”;

- Placas com a designação “próximo cliente”, com o símbolo M de Minipreço, no tapete rolante das caixas;

- Linear oval da frente loja tinha várias embalagens de gomas da marca “Perdiz”;

- Estavam expostos para venda diversos produtos da marca “Amanhecer” e também da marca “Perdiz”;

- Existiam placards colocados por cima das prateleiras, com a palavra “Minipreço”, mas cobertos com uma película branca, um dos quais já tinha, na outra face do placard, a indicação “lacticínios”;

- Existia uma faixa colocada na parede por cima das prateleiras, com o dizer “Minipreço”, que já estava coberta com uma película branca;

- Os produtos da marca “Amanhecer” e da marca “Perdiz” estão expostos ao lado dos produtos da marca “Dia”.

20- A requerida respondeu à missiva referida em 16, nos termos constantes da carta de fls 167 vº e 168 que aqui se dá por integralmente reproduzida, concluindo do seguinte modo:

Deverá assim entender-se que Vªs Exªs resolveram o contrato sem justa causa, com todas as consequências daí inerentes. Sempre se dirá que tendo Vs Exas resolvido o contrato nada temos a opor a que se desloquem à nossa loja e retirem todos os vossos sinais ou símbolos, que Vs. Exas. sempre disseram ficar a vosso cargo a referida retirada, o que poderão fazer quando lhes aprouver, bastando avisar-nos para o efeito. O que nós não podemos aceitar é a vossa pretensão de lhes entregarmos o estabelecimento pois a resolução do contrato de franquia não obriga, nem aliás poderia obrigar a entregar o estabelecimento do qual somos legítimos possuidores.

21- Por carta datada de 26.11.2015, a requerente respondeu à missiva referida em 20, nos termos constante da carta de fls 140 a 142, que aqui se dá por integralmente

reproduzida.

22- À data da missiva referida em 16 o saldo da conta corrente da requerida para com a requerente apresentava um saldo devedor no montante de € 6.766,72.

23- Em data anterior à missiva referida em 16, a requerida comercializava no estabelecimento referido em 5 produtos de marcas concorrentes designadamente da marca “Amanhecer”.

24- A requerida continua a explorar um estabelecimento de supermercado no imóvel mencionado em 6.

25- Entre o conjunto dos produtos que são comercializados nas lojas “MINIPREÇO” é prática que alguns sejam sujeitos a descontos previamente publicitados, habitualmente associados ao uso de um cartão denominado de “Clube Minipreço”.

26- A comercialização pela requerida de produtos Minipreço, após a missiva referida em 16, impede-a de aderir às promoções referidas em 25, não facultando por isso às mesmas aos clientes que adquirem tais produtos.

27- Em 2013 e 2014, as vendas efectuadas pela requerida a clientes portadores de cartão “Minipreço” representaram respectivamente 68%, 64%, sendo que até à missiva referida em 16 corresponderam a 61% das vendas totais da requerida.

28- O estabelecimento referido em 5 correspondia ao único supermercado “MINIPREÇO” existente na freguesia, tendo um cliente que se deslocar cerca de 7 Km para realizar compras na loja “Minipreço” mais próxima.

29- A requerida, no período temporal de Janeiro a Setembro de 2015, efectuou vendas num valor médio mensal de € 131.372,00, correspondendo o valor de € 80.660,00 a vendas a clientes “Minipreço”.

30- Sobre os valores referidos em 29 a requerente tem em média uma margem de 10%.

31- Aquando da celebração do contrato referido em 5, a requerida constituiu a favor da requerente uma garantia bancária on first demand irrevogável e incondicional, até ao montante de € 16.500,00 para garantir o cumprimento pontual do contrato de franquia, obrigando-se o banco a pagar como principal pagador e com renúncia ao benefício de excussão prévia, dentro do referido valor, quaisquer importâncias que se tornem devidas caso a franqueada faltasse ao cumprimento de qualquer uma das obrigações para ela decorrentes do contrato.

32- A requerente faculta aos seus franqueados dois tipos de promoções, sendo que num deles o franqueado paga as mercadorias ao preço promocional de venda ao cliente, e noutro paga as mercadorias ao seu custo sem o valor da promoção, sendo o mesmo tido em conta a final sobre o valor dos produtos vendidos em promoção.

33- Actualmente, o segundo tipo das promoções referidas em 32 é o mais frequente.

34- Em 2014 a situação financeira da requerida havia-se deteriorado, tendo ocorrido uma reunião entre os gerentes da requerida e a requerente no sentido de encontraram soluções que a viabilizassem.

35- Na sequência da reunião referida em 34 a requerente, em 10.12.2013 propôs à requerida que o aceitou a aquisição dos equipamentos do estabelecimento referido em 5, pelo valor de € 175.000,00, ficando esta com a possibilidade de os recomprar, findos 8 anos pelo mesmo preço, bem como a celebração do contrato de arrendamento, mediante pagamento pela requerente do valor de € 1500,00 acrescido de IVA e a exploração do estabelecimento referido em 5 em regime de franquia pelo valor de € 750,00 +IVA e 1,5% sobre as vendas sem IVA de Royaltie.

36- No âmbito do contrato referido em 5 e do aditamento referido em 9, ficou acordado que a requerida, mediante autorização expressa prévia e por escrito da

requerente poderia destinar parte da superfície do estabelecimento à venda e comercialização de todo o tipo de produtos alimentares perecíveis, sempre que os mesmos não fossem idênticos, similares ou competitivos com os produtos DIA.

37- No dia 02.10.2015, Sexta-Feira, a requerente comunicou à requerida que não

lhe fornecia uma encomenda até se assegurar da provisão de um cheque no valor de € 9.000,00 para pagamento de fornecimento de mercadoria anterior.

38- O dia da semana que usualmente apresenta melhor facturação é o Sábado.

39- Na missiva referida em 21, além do mais, a requerente manifesta-se indisponível para receber qualquer montante relativo a pagamentos de rendas posteriores à data da resolução e que por tal razão a quantia paga em 29.10.2015 seria imputada ao pagamento de valores em dívida relativo a mercadorias solicitadas, fornecidas e não pagas.

40- A decisão que venha a ser proferida no âmbito da presente providencia, em nada afectará a continuação do funcionamento da requerente e a manutenção dos seus postos de trabalho ou a satisfação dos seus compromissos financeiros.

41- Para além dos proventos obtidos com a exploração do estabelecimento em apreço nos autos a requerida não tem mais qualquer outra fonte de rendimento.

42- O pagamento das dívidas da requerida bem como a sustentação da empresa para o futuro, a sobrevivência desta e a manutenção dos seus postos de trabalho só é possível com os proventos auferidos com a exploração do referido estabelecimento.


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            As providências cautelares são instrumentos jurídicos destinados a acautelar o efeito útil das ações de que dependem. Elas acautelam ou antecipam os efeitos da decisão definitiva, na pressuposição de que esta venha a ser favorável ao requerente.

São pressupostos desta concreta providência (arts.362º e 368 do Código de Processo Civil, doravante CPC):

a) A probabilidade séria da existência do direito invocado.

Atenta a sua natureza provisória e carácter de urgência, a lei basta-se com o bonus fumus iuris, um juízo perfunctório com base na aparência.

            É da sua prova que se diz que basta ser sumária ou constituir uma simples justificação ou um juízo de verosimilhança.

b) O fundado receio de que o devedor antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito.

c) Adequação da providência à situação de lesão iminente.

d) Não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar. Este requisito negativo traduz o princípio da proporcionalidade.

O juízo feito neste plano é um juízo de facto (L.Freitas, M.Machado, R.Pinto, CPC Anotado, vol.2, 2ª edição, página 38).

e) Não existência de providência específica que acautele o direito invocado.

Relativamente à probabilidade séria da existência do direito invocado, devemos considerar, no caso concreto:

Antes de mais, como a realidade a considerar assenta na vontade formalizada pelas partes (art.238º do Código Civil, doravante CC), não foi e não é possível fazer considerações (seguras) sobre a vontade real daquelas.

Inicialmente (em 2010), conforme os assentes contratos de franquia e de cessão da exploração do estabelecimento comercial, a autora tinha uma marca preparada para os supermercados, a Ré tinha o seu estabelecimento (supermercado) e o local arrendado e a sociedade “Tarde e Dia” tinha a propriedade do estabelecimento e do imóvel.

            Depois, em março de 2014, conforme o aditamento à franquia e conforme o contrato de arrendamento, também assentes, a sociedade terceira dá de arrendamento à autora o imóvel e a autora modifica com a requerida os termos da franquia, declarando ainda locar o estabelecimento à requerida.

A par dos referidos contratos, a requerida manteve o gozo do estabelecimento e da coisa que já tinha antes.

E, de facto, a autora não chega a receber da sociedade terceira a coisa e não a entrega subsequentemente à requerida.

A própria manutenção do contrato de franquia (as partes designaram o acordo de 2014 como aditamento) corrobora a ideia de manutenção do estabelecimento, como estava já, nas mãos da requerida. Conforme o provado em 2, a requerente explora supermercados sob a insígnia  referida, através de estabelecimentos de terceiros, em regime de franquia.

Podendo admitir-se que a autora tem o direito ao arrendamento (do imóvel), perante a terceira proprietária, não resulta dos contratos que a autora tenha recebido desta o estabelecimento (tanto que não tem todos os elementos que o compõem, caso, por exemplo, das licenças). A cedência temporária do imóvel, que constitui a relação celebrada entre a requerente e a “Tarde e Dia”, não confere à primeira qualquer direito ao estabelecimento, como um todo complexo existente.

Se não recebeu o estabelecimento da sua dona, a autora nunca poderia dá-lo à requerida, em locação de estabelecimento.

(Suscita dúvidas a realização desta declaração de locação se a requerida já detinha a qualidade de exploradora do estabelecimento, pressuposto que foi para o contrato de franquia.)

Tendo a autora (apenas) o arrendamento do imóvel, ela não declarou (o que não consta em lado algum) subarrendá-lo à requerida.

(Também suscita dúvidas a requerida não ter tido intervenção no contrato de arrendamento, sendo ela nessa data a legítima titular do estabelecimento, com o respetivo gozo do imóvel.)

Apesar da autora ter direito a obter a entrega do imóvel junto da locadora “Tarde e Dia”, essa entrega não ocorreu, tornando duvidosa a posse do imóvel por parte da requerente (cfr. arts.1022º e 1031º do CC). O imóvel não lhe foi entregue pela senhoria e sempre esteve no domínio da requerida.

A requerente pede a restituição do imóvel junto da requerida. Porém, este não lhe foi entregue pela sociedade terceira, pessoa que outorgou no arrendamento e quem está, perante ela, obrigada a entregar a coisa.

A requerida não recebeu o imóvel da autora e, sim, da sociedade terceira referida.

O que fará sentido, em primeiro lugar, é que a autora peça o imóvel à locadora, quem se obrigou a dar-lho para gozo, em cumprimento do contrato de arrendamento.

A autora invoca a revogação tácita do contrato inicial de cessão de exploração.

Os articulados permitem dizer que estas partes admitem aquela revogação.

            Porém, sendo assim, para a requerida manter o estabelecimento, como manteve, nos mesmos termos, sempre teria a terceira “Tarde e Dia”, sua dona, que formalizar uma de duas vontades: ou entregar o estabelecimento à autora, para esta o ceder à requerida (o que não fez) ou ceder novamente o estabelecimento diretamente à requerida, o que também não fez.

            Estando aqui em causa declarações sujeitas a forma escrita, esta deve existir para assegurar tais vontades.

Pelo exposto, pelo menos da parte terceira, fica duvidosa a revogação da inicial cessão de exploração.

Fica também duvidosa a aquisição da posse da autora sobre o imóvel.

De qualquer maneira, mesmo que se entenda que a autora adquiriu a posse do imóvel pela outorga do arrendamento, tendo direito a que a requerida seja obrigada a entregá-lo a ela, não temos dúvidas a respeito da desproporcionalidade da providência, face aos factos adquiridos em julgamento.

Como referimos supra, este juízo é um juízo de facto.

Os factos exarados com relevo a este respeito são os assentes sob os nº40 a 42, sendo certo que não foram provados factos que concretizem valores de potenciais prejuízos da autora, na espera da decisão definitiva do caso.

Dos referidos factos resulta que a capacidade da autora para lidar com este problema é muito diferente e superior à que tem a requerida.

Se a autora tiver ganho de causa, mantendo a exploração nas mãos da requerida, aquela pode ser ressarcida financeiramente, sendo certo que neste plano, dada a sua dimensão e conjunto de estabelecimentos, os prejuízos da autora terão nela um impacto menor e terão mais fácil diluição no conjunto da empresa.

Esta pode ser ressarcida financeiramente da relação (mesmo que apenas factual) que perdurará na pendência da ação.

Já a requerida, de percetível pequena dimensão, depende completamente daquela exploração.

Se esta tiver ganho de causa, ordenada a entrega do local de imediato, aquele ganho poderá significar nada porquanto, entretanto, a exploração pára, o que será provavelmente o fim da requerida.

Devemos ainda ponderar:

A manutenção da exploração pela requerida será até forma de ela adquirir proventos para efetivar as compensações devidas.

Se a autora perde clientela, o que é provável, não devemos desconsiderar que, originariamente, aquele supermercado, antes de ser Dia/Minipreço, já teria alguma e própria clientela.

Não está em causa uma deterioração do imóvel pela requerida e não estão em causa as rendas, que foram sendo pagas até a autora as rejeitar.

Não é concerteza o saldo referido em 22 que legitima uma especial desconfiança sobre a requerida.

Por tudo isto, parece-nos correta a conclusão do tribunal recorrido, de que os prejuízos decorrentes do decretamento da providência para a requerida são manifestamente superiores a qualquer dano que a requerente pretenda evitar com a manutenção do imóvel na esfera jurídica da requerida, até ao desfecho da ação principal.


*

Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela Recorrente.

Coimbra, 2016-07-06

Fernando Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira