Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CRISTINA NEVES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO LIQUIDAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO EXECUTADO IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS QUE INCIDAM SOBRE A RECLAMAÇÃO DOS ACTOS PRATICADOS PELO AGENTE DE EXECUÇÃO ACTOS DISCRICIONÁRIOS E VINCULADOS NOTA DE LIQUIDAÇÃO DO JULGADO | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 20.º DA CRP ARTIGOS 46.º, 50.º, 2 E 3 E 52.º, DA PORTARIA N.º 282/2013, DE 29/8 ARTIGOS 31.º E SEG.S DO DL N.º 34/2008, DE 26/1 ARTIGOS 629.º, 1 A 3; 645.º, 1; 652.º, 1, B); 716.º, 2 E 3; 719.º, 1; 726.º; 738.º, 6; 749.º, 7; 751.º, 1; 757.º; 759.º; 764.º, 4; 767.º, 1; 773.º, 6; 782.º, 2 A 4; 808.º, 1; 812.º; 820.º, 1; 829.º, 1 E 2; 833.º, 2; 847.º; 848.º; 849.º, 3 E 853.º, 2, B), DO CPC | ||
Sumário: | I- A liquidação da responsabilidade do executado (cfr. artº 847 do C.P.C.), é um acto da competência do agente de execução, conforme disposto no artº 719, nº1 do C.P.C. a que se aplicam, assim, as regras gerais referentes às reclamações e aos recursos constantes dos artºs 723, nº 1, al c) e 852 e segs. do C.P.C.
II- Resultando do disposto na alínea c) do nº1 do artº 723 do C.P.C., a irrecorribilidade das decisões judiciais que incidam sobre a reclamação dos actos praticados pelo agente de execução, deve este preceito ser objecto de interpretação restritiva no sentido de ser aplicável apenas quando o acto praticado se inserir no âmbito dos poderes discricionários do agente de execução ou, não se inserindo, dele não resulte a violação da reserva de competência legislativa, a violação de direitos fundamentais ou do património das partes. III- Constituem actos discricionários todos aqueles em que em causa estiverem critérios de oportunidade, como sucede na escolha da modalidade da venda e na fixação do valor (artº 812 do C.P.C.), na escolha de bens penhoráveis de entre os indicados pelo exequente (artº 751, nº1 do C.P.C.), entre outros. IV- São actos vinculados os actos incluídos na competência decisória do agente de execução legalmente definidos ou determinados. V- Quando o acto praticado seja um acto vinculado e dele resulte a violação da reserva de competência legislativa ou a violação de direitos fundamentais das partes, deve ser admitida a reclamação, sob pena de a irrecorribilidade daqueles actos contender com o direito à tutela jurisdicional efectiva consagrada no artº 20 da Constituição. VI-A nota de liquidação do julgado constitui um acto vinculado pelo que, quando a reclamação não incida sobre um mero cálculo aritmético, mas antes sobre questões jurídicas- interpretação da sentença proferida no apenso de embargos - que impactem no património das partes, é recorrível em termos gerais, sujeito à regra da sucumbência prevista no artº 629, nº1 do C.P.C. (Sumário elaborado e da responsabilidade da Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | ***
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Execução de Ansião-J...
Recorrente: A... Lda. Recorrida: B..., S.A. Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Francisco Costeira da Rocha Luís Miguel Caldas
*** RELATÓRIO Nos presentes autos de execução instaurada por A..., Lda. contra a B... S.A., veio a ser apresentada nota discriminativa das custas e honorários do agente de execução, em 11/12/2023, com o seguinte teor: “CONTA DO EXEQUENTE Quantia Exequenda 16.516,58 Juros (mora) até 30/11/2023 1.223,58 Juros (comerciais) 0,00 Juros (civis) 0,00 Juros compulsórios (50%) 2.784,06 Imposto de selo 0,00 Custas de parte (quadro 2) 2.422,65 DEVIDO AO EXEQUENTE 22.946,87 Adiantamentos efectuados ao Exequente pelo Agente de Execução 0,00 SALDO A FAVOR DO EXEQUENTE 22.946,87 Devido ao Exequente (quadro 4) 22.946,87 Devido aos Cofres do Estado (50% dos juros compulsórios) 2.784,06 SALDO -25.730,93” Notificado, dela veio reclamar o executado, em 20/12/2023, por entender que o cômputo dos juros compulsórios se deverá fazer a partir da sua citação para a ação executiva. A exequente pronunciou-se sob a referência 10431405 de 17 de janeiro, aceitando o cômputo dos juros compulsórios desde a citação, mas defendendo que até à sentença proferida nos embargos de executado, que operou a compensação, serão devidos sobre o montante de 33.279,16 €uros e não sobre a quantia calculada pelo agente de execução e, só depois, sobre o montante apurado por compensação de créditos. Por sua vez, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação por entender que os “juros compulsórios devem ser contabilizados após trânsito das decisões judiciais das quais deriva a imposição do seu pagamento.” * Após foi proferido despacho datado de 24/04/2024 que julgou procedente a reclamação apresentada pelo executado e, mais julgou, no que ao caso importa que “A reclamação apresentada pelo Exequente, na parte que extravasa a resposta à reclamação, é intempestiva (art. 46.º da Portaria 282/2013 de 29 de agosto), tendo por referência a nota discriminativa sob referência 10328177 e 10328180 de 11 de dezembro. Pelo que, na parte em que extravasa resposta à reclamação apresentada pelo Executado - montante sobre o qual incidem os juros compulsórios -, julga-se improcedente a reclamação do Exequente por intempestividade. c. Custas do incidente a cargo do Exequente, que em ½ uc”. ***
Não se conformando com a decisão proferida na parte em que a condenou em custas e indeferiu a sua reclamação por intempestividade, veio a exequente interpor recurso, concluindo da seguinte forma: “Assim sendo, e CONCLUINDO: a) A recorrente não deduziu uma qualquer reclamação à Nota Discriminativa. b) A recorrente, tendo-se conformado com o saldo apurado na Nota Discriminativa, pelo Sr Agente de Execução, não estava impedida de, na resposta à reclamação deduzida pela executada, discordar da fundamentação adoptada pelo Sr Agente de Execução, e servir-se uma fundamentação diferente, para defender o resultado obtido pelo Sr Agente de Execução. c) Contudo, fazendo-o, não estava a deduzir uma reclamação própria, nem estava a ir além da enunciação das razões pelas quais a reclamação deveria ser indeferida. d) Não é processualmente lícito, deduzir no processo, quaisquer reclamações, destinadas, apenas, a manifestar discordância relativamente à fundamentação de uma decisão, com cujo dispositivo se concorda. e) Fazendo-o, faleceria ao reclamante, interesse em agir, o que sempre constituiria motivo para o seu indeferimento, f) para além de que, não se pretendendo alterar qualquer decisão, sempre se estaria a praticar no processo um acto completamente inútil, o que é ilícito, à luz do princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130º do CPC. g) Deverá, por isso, considerar-se legítima e legal a defesa da recorrente, aduzida na sua resposta à reclamação da Nota de Discriminativa, quando nela se defendeu a manutenção do saldo apurado pelo Sr Agente de Execução, embora fazendo-o com uma fundamentação diversa da usada pelo Sr Agente de Execução, h) do que decorre que, ao invés de qualificar a defesa da exequente como reclamação, deveria o despacho recorrido ter procedido à apreciação da respectiva fundamentação, ajuizando subsequentemente se as razões aduzidas em nome da manutenção da Nota Discriminativa, eram ou não válidas, e subsequentemente decidindo em conformidade. i) Finalmente, deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por decisão que ordene que os respectivos cálculos sejam refeitos, por forma a que os juros de mora e compulsórios, sejam calculados desde a citação e até ao trânsito em julgado da sentença dos embargos, sobre a quantia de Eur 33.279,16, correspondente ao valor da execução, e, após tal momento, apenas sobre Eur 16.516,58, e j) reduzindo-se, a final, o saldo da mesma Nota Discriminativa, caso o resultado dos cálculos assim feitos, dê um valor final inferior ao considerado na Nota Discriminativa impugnada, sem a parte correspondente às custas de parte de que é credora a exequente, ou mantendo-se o saldo da Nota Discriminativa impugnada, caso tal resultado seja igual ou superior ao resultado apurado na Nota Discriminativa, sem a parte correspondente às custas de parte de que é credora a exequente. NESTES TERMOS e nos melhores de direito que sempre resultarão do douto suprimento de V.as Ex.as, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, nos termos das conclusões acima enunciadas. como é de inteira JUSTIÇA!!” *** Por sua vez, veio a executada interpor contra-alegações, concluindo da seguinte forma: “A. A reclamação apresentada pela Exequente foi claramente apresentada fora do prazo legal para o efeito – cf. art. 46.º Portaria 282/2013, de 29 de agosto. B. O Tribunal decidiu sobre o que foi chamado a decidir – o dies o quo do cômputo dos juros compulsórios devidos nos autos. C. Quanto ao mais – na ausência de reclamação tempestiva – a nota discriminativa de honorários apresentada pelo Senhora Agente de Execução consolidou-se na ordem jurídica. D. De qualquer modo, sem prescindir, a posição defendida pela Exequente – em súmula, que o cálculo dos juros compulsórios deve efetuar-se sobre a quantia de €33.279,16, desde a citação até ao transito em julgado da sentença dos embargos, passando a partir dessa data a apurar-se o valor dos juros compulsórios sobre o valor de € 16.516,58 (resultante da compensação de créditos) – não pode prevalecer. E. O crédito exequendo e o contra credito da Executada emergem do mesmo facto jurídico – Acórdão da Relação de Coimbra proferido no processo F. Isto é, desde o trânsito em julgado do referido Acórdão, a Exequente constituiu-se simultaneamente como credora e devedora da Executada. 25. A posição defendida pela Exequente, isto é, reclamar nos autos o cômputo dos juros devidos sobre uma quantia que efetivamente nunca foi credora (€ 33.279,16), porquanto bem sabia a Exequente que a Executada era detentora de um contra crédito (€ 16.762,58.), que resultou do mesmo segmento condenatório do douto Acórdão referido, é claramente um comportamento abusivo e contrário à boa fé. G. A ser assim, também ao contra crédito detido pela Executa acresceriam os respetivos juros de mora/compulsórios. H. O Tribunal à quo decidiu e decidiu bem, não extravasando o thema decidindo, ordenando a contabilização dos juros compulsórios desde a data da citação do Executado, mantendo-se, naturalmente, quanto ao mais a restante nota discriminativa de honorários apresentada pelo Senhor Agente de Execução, na ausência de quaisquer outros Reclamação tempestivas. Termos em que, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve manter-se o douto Despacho recorrido, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!.”
*** Esta recurso foi admitido pelo tribunal a quo, nos seguintes termos: “Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto, o qual é de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo. Por legais e, também, tempestivas, admito as contra-alegações de recurso. Convido as partes a darem cumprimento ao n.º 1 do art. 646.º do CPC.”
*** Recebidos os autos neste Tribunal, por despacho proferido pela Relatora em 26/09/2024, foi ordenada a notificação das partes para se “pronunciarem sobre a admissibilidade do presente recurso face ao disposto no artº 723, nº1, al. c) do C.P.C. e, ainda prevendo a sua admissibilidade, sobre o valor de sucumbência do recorrente, tendo em conta o disposto no artº 629, nº1 do C.P.C.”
*** Sobre a admissibilidade deste recurso, quer recorrente quer recorrida, vieram emitir pronúncia: a primeira, no sentido da recorribilidade deste despacho por a “regra da irrecorribilidade das decisões Juiz, proferidas em reclamação de decisão anterior do Agente de Execução, deve ser objecto de uma interpretação restrita, quando as decisões do Agente de Execução reclamadas são de conteúdo vinculado, seja porque no caso concreto se trata de respeitar o julgado formado na sentença dos embargos, quanto à compensação e ao momento em que ela foi declarada, afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, o recurso interposto deverá ser admitido.” e ainda por existindo dúvida sobre o valor da sucumbência dever prevalecer o valor da execução; a segunda, pronunciando-se sobre a inadmissibilidade deste recurso, nos termos previstos no artº 723, nº1 al. c) do C.P.C.
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QUESTÃO PRÉVIA Dispõe o artº 652, nº1 al b) do C.P.C. que cabe ao relator verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, nela se incluindo os requisitos de admissibilidade da apelação, tendo em conta que o despacho que admite o recurso em primeira instância, não vincula este tribunal superior (cfr. resulta do artº 641, nº5 do C.P.C.). Cumpre-nos, assim, emitir pronúncia prévia sobre a admissibilidade deste recurso, quer face ao teor do artº 723, nº1 al. c), quer face ao valor de sucumbência previsto no artº 629, nº1 do C.P.C. *
DO DIREITO Decorre do disposto no artº 46 da Portaria nº 282/2013 de 29 de Agosto que visou regulamentar vários aspetos das acções executivas cíveis que, apresentada nota discriminativa de honorários e despesas pelo agente de execução, pode qualquer interessado dela reclamar, no prazo de 120 dias contados da sua notificação “com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria.” Desta nota deve constar o valor de remuneração do agente de execução pela tramitação do processo executivo e pelos actos nele praticados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da referida Portaria e com o dispostos nos nºs 2 e 3 do artº 50; e ainda, o valor das despesas tidas pelo agente de execução, com a tramitação do processo e com os actos nele realizados – citações, notificações, registos, etc - devidamente comprovadas e que devem ser reembolsadas ao agente de execução, nos termos previstos no artº 52. É esta a nota discriminativa a que se refere o artº 46 da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto. Com efeito, conforme refere o preâmbulo desta Portaria “No que respeita à remuneração do agente de execução pelo exercício das suas funções, plasma-se na presente portaria o regime aprovado pela Portaria n.º 225/2013, de 10 de julho, o qual opera um conjunto de alterações numa matéria especialmente sensível, não só para os próprios profissionais que desempenham as funções de agente de execução, como também para as partes que terão de suportar tais custos. (…) Só assim poderão quaisquer interessados avaliar, com precisão, todos os custos de um processo e decidir quanto à viabilidade e interesse na instauração do mesmo, sobretudo, quando esteja em causa o cumprimento coercivo de uma obrigação não satisfeita voluntária e pontualmente, na maioria dos casos, a cobrança coerciva de uma dívida. Previsibilidade e segurança num domínio como o dos custos associados à cobrança coerciva de dívidas são, reconhecidamente, fatores determinantes para o investimento externo na economia nacional e para a confiança dos cidadãos e das empresas. É desta nota contendo os valores de honorários e despesas que cabe reclamação para o Juiz, nos termos previstos no artº 46 da aludida Portaria (e não nos termos do artº 31 do Regulamento das Custas Processuais inaplicável pela existência de regulamentação expressa das notas de despesas e honorários constantes da aludida Portaria) invocando o reclamante qualquer desconformidade quer com o valor, quer com a forma de cálculo dos honorários, quer pela inclusão de despesas que considere não devidas. Mas, para além desta descriminação das despesas e honorários, a que se refere expressamente o artº 46 desta Portaria, cabe também ao agente de execução, nos termos previstos nos artsº 719, nº1, e 716, nºs 2 e 3 do C.P.C. proceder a liquidações, incluindo dos juros compulsórios que sejam devidos, por não incluídos nos actos da competência da secretaria ou do juiz do processo. Estando em causa a execução de custas de parte devidas pela executada, transitada a decisão proferida nos embargos de executado a este apenso que, em obediência ao Acórdão proferido nesta mesma Secção datado de 24/01/2023, que fixou o montante destas custas em “16.516,58 €uros, ao que acrescem juros à taxa dos juros legais, até efetivo e integral pagamento” após compensação do crédito de custas de parte reclamado pela embargante sobre a embargada, cabia ao agente de execução proceder à liquidação do julgado. Ora, a esta liquidação, pese embora incluída na nota discriminativa de despesa e honorários, não são aplicáveis os preceitos previstos na Portaria nº 282/2013 de 26 de Agosto, nem os referentes à conta de custas processuais previstas nos artºs 31 e segs. D.L. nº 34/2008 de 26 de Janeiro, por não constituir esta uma conta de custas processuais, mas antes um acto de liquidação da responsabilidade do executado (cfr. artº 847 do C.P.C.), da competência do agente de execução, conforme disposto no artº 719, nº1 do C.P.C. a que se aplicam assim, os termos gerais referentes às reclamações e aos recursos constantes dos artºs 723 e 848 do C.P.C. Trata-se de uma clara opção do legislador de cometer ao agente de execução a tramitação da acção executiva, podendo as partes e outros interessados reclamar dos actos e decisões deste agente de execução para o juiz do processo. Com efeito, a Lei 41/2013 de 26/06, manteve “o figurino introduzido pela Reforma de 2003, assente na figura do agente de execução” e, de acordo com a exposição de motivos, constante da Proposta de Lei nº 113/XII, visou ainda uma “clara repartição de competências entre o juiz, a secretaria e o agente de execução, estabelecendo-se que a este cabe efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz.” acrescentando que “É de esperar que, em definitivo, os intervenientes processuais assumam e observem a repartição de competências fixada na lei, por forma a evitar intervenções ou actos desnecessários, gerando perdas de tempo numa tramitação que se quer célere e eficiente.”, assim se fazendo “depender de decisão judicial os actos conexionados com o princípio da reserva de juiz ou suscetíveis de afetar direitos fundamentais das partes ou de terceiros.” Visou o legislador, com este diploma, deixar claro o objectivo de efectiva desjudicialização do processo executivo, atribuindo competência para a prática de diligências executivas ao agente de execução no âmbito da sua própria estrutura privada e sem intervenção judicial, e reservando ao juiz apenas aqueles actos que lhe estão especialmente cometidos ou quando seja chamado a intervir, não lhe assistindo já o poder de direcção do processo executivo, nem de controlo dos actos praticados pelo agente de execução[1]. Ao agente de execução, no âmbito deste diploma e à semelhança do que já ocorria no âmbito do regime introduzido D.L. nº 38/2003 de 8 de Março, incumbe as “citações, notificações, publicações, consulta de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.” (artº 719 do C.P.C.), a extinção da execução (conforme decorre do facto de no artº 849 nº3 do C.P.C. se prever que a extinção é comunicada por via eletrónica ao tribunal), as diligências de venda e pagamentos, podendo inclusive, “sob sua responsabilidade e supervisão, promover a realização de quaisquer diligências materiais do processo executivo que não impliquem a apreensão material de bens, a venda ou o pagamento, por empregado ao seu serviço, devidamente credenciado pela entidade com competência para tal nos termos da lei.” Ao juiz incumbem as competências previstas no artº 723 do C.P.C., “intervindo em caso de litígio surgido na pendência de execução (actual art. 723-1-b), e de controlo, proferindo nalguns casos despacho liminar (controlo prévio aos actos executivos: actuais arts. 723-1-a e 726) e intervindo para resolver dúvidas (actual art. 723-1-d), garantir a protecção de direitos fundamentais ou matéria sigilosa (atuais arts 738-6, 749-7, 757, 764-4, 767-1) ou assegurar a execução dos fins da execução (atuais arts. 759, 773-6, 782, nºs2, , 3 e 4, 814-1, 820-1, 829 nºs 1 e 2, , 833-2), mas deixou de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas, não lhe cabendo, nomeadamente, em regra (…) ordenar a penhora, a venda ou o pagamento, ou extinguir a instância executiva.”[2] Ao agente de execução cabe o poder de direcção do processo executivo, sem estar já sob a alçada do juiz a quem, no figurino da Reforma de 2003 (artº 808, nº1 do C.P.C.) cabia o poder geral de controlo da actuação do (então) solicitador de execução.. Assim, como nos elucida Rui Pinto[3], no regime actual “o agente de execução realiza atos não executivos, atos executivos propio sensu e atos decisórios”. Os primeiros constituem “atos de realização coativa da prestação”, como a penhora, a venda etc; os segundos atos que envolvem a decisão de uma questão jurídica, oficiosamente ou a pedido das partes, credores reclamantes ou outros intervenientes na execução, como a rejeição da execução, a extinção, a determinação da modalidade da venda, etc.; e a última categoria reporta-se aos actos que se destinam a dar conhecimento do processo e dos actos nele praticados (citações, notificações). Ora, eliminado que foi o poder de controlo geral do processo pelo juiz, no âmbito do regime introduzido pela Lei 41/2013, dos actos praticados pelo agente de execução cabe reclamação e impugnação (quanto aos decisórios) para o juiz, decidindo este a reclamação, sem possibilidade de recurso (artº 723, nº1 al. c) do C.P.C.). Trata-se de uma restrição ao regime geral em matéria de recursos, vigente deste a Reforma de 2008 (introduzida pelo D.L. nº 226/2008 de 20 de Novembro), que se manteve no novo figurino e que aliás encontra respaldo noutros preceitos da acção executiva, como o disposto quanto à fixação da modalidade da venda e do valor de execução, em que da decisão do juiz não cabe igualmente recurso (artº 812, nº7 do C.P.C.). Nestes termos, incidindo o recurso sobre a decisão que, desconsiderando a posição do exequente, decidiu favoravelmente a reclamação interposta pelo executado, numa primeira apreciação deste preceito, conforme invoca o apelado, não haveria lugar a recurso, por a tal obviar o disposto no artº 723, nº1 al. c) do C.P.C. No entanto, esta norma obriga a uma interpretação restritiva, tendo em conta que, aparentemente, se mostra em conflito com a norma vigente em matéria de recursos em processo executivo, a qual admite expressamente o recurso das decisões que determinem a suspensão, a extinção ou a anulação da execução (artº 853, nº2 al. b) do C.P.C., actos incluídos na esfera da competência decisória do Agente de Execução e do qual, cabe impugnação para o juiz do processo, nos termos previstos no artº 723, nº1 al c) deste diploma legal. Dando nota desta aparente contradição, defende Rui Pinto[4] que “impõe-se uma interpretação restritiva: a regra não se aplica aos despachos que, com esse teor, o juiz profira em sede da alínea c) do nº 1 do artigo 723º”, ressalvando que os demais podem ser objecto de rectificações de erros materiais, reforma e de suprimento de nulidades. Cremos, no entanto, que para além de decisões que se pronunciem sobre a suspensão, extinção e anulação da venda, outras há que por convocarem a decisão de actos que pese embora praticados e da competência do Agente de Execução, incidem sobre matérias jurídicas que, por impactarem nos direitos e interesses das partes, a sua irrecorribilidade poderia por em causa o direito à tutela jurisdicional efectiva que é conferida pelo artº 20 da Constituição. A restrição efectuada pelo legislador de um único nível de controlo jurisdicional dos actos praticados pelo agente de execução justifica-se para aqueles casos em que estes actos não impliquem a apreciação de questões jurídicas (estas da competência última do juiz do processo) nem o dirimir de pretensões jurídicas opostas face ao título executivo. Nesta medida, constituindo a nota de liquidação do julgado um acto da competência do agente de execução, não caberá recurso da decisão proferida sobre as reclamações desta nota que se prendem com o mero cálculo aritmético do devido pelo executado face ao título executivo, incluindo os respectivos juros e taxas de justiça. Já assim não sucederá quando o objecto da reclamação incidir não sobre uma operação aritmética, mas antes sobre uma questão jurídica a ser dirimida pelo juiz do processo. É o caso objecto desta reclamação que se prende, não só com o dies a quo da contagem destes juros mas também com a interpretação da sentença proferida nos embargos de executado e os montantes sobre os quais devem incidir estes juros, pretendendo o reclamante que os juros compulsórios fossem devidos desde a citação e sobre a quantia que resultou fixada nos embargos e o exequente, ora recorrente que “os juros de mora e compulsórios, sejam calculados desde a citação e até ao trânsito em julgado da sentença dos embargos, sobre a quantia de Eur 33.279,16, correspondente ao valor da execução, e, após tal momento, apenas sobre Eur 16.516,58”. Conforme se referiu em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/07/2019[5] “o ato de liquidação da responsabilidade do executado, efetuado na pendência da execução e tendo em vista a sua extinção pelo pagamento voluntário, nos termos dos artigos 846.º e 847.º do CPC, não envolve o dirimir de um conflito, mas uma mera operação aritmética de cálculo do que foi liquidado e do que falta liquidar, incluindo as custas. E, quando a execução inclua juros que continuem a vencer-se, o agente de execução procederá ao respetivo cálculo em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis (n.º 3 do art.º 703.º do CPC). Ainda reafirmando esta ideia de que a irrecorribilidade absoluta colidiria com a tutela jurisdicional efectiva, para além do Acórdão desta Relação citado pelo recorrente[6], refere-se no Acordão de 22/11/2022[7], também do Tribunal da Relação de Lisboa que “que deve ser feita uma interpretação restritiva deste preceito”, naqueles casos em que o acto do Agente de Execução seja um acto vinculado. Em relação ao que constitui um acto vinculado, diz-nos Delgado de Carvalho[8], “sempre que o agente de execução tomar uma decisão no âmbito discricionário da sua actividade e no uso legal desse poder, a decisão e controlo do juiz em reclamação a ele dirigida pelas partes, não admite recurso; porém, se a decisão for tomada no domínio da actividade do agente de execução legalmente definida ou determinada, já a decisão de controlo do juiz em reclamação a ele dirigida pode admitir recurso, condicionada pelo valor da causa e da sucumbência nos termos gerais, por não existir uma disposição específica recursiva (cf. Art. 629º e 671º do nCPC).” Constituirá acto discricionário, a escolha da modalidade da venda e a fixação do valor, por em causa estarem critérios de oportunidade (artº 812), a escolha de bens penhoráveis (artº 751, nº1 do C.P.C.), entre outros. Prossegue este autor por afirmar que (ob. cit, pág. 195) que “Muito embora o texto da alínea c) do nº1 do art. 723º do nCPC não estabeleça qualquer diferenciação entre os domínios discricionário e vinculado da atividade do agente de execução, a velha regra de interpretação declarativa de acordo com a qual “ubi lex non distinguet, nec nos distinguire debemus” não é impedimento para uma interpretação teleológica e sistemática da lei, impondo apenas um ónus de fundamentação quando o interprete pretende introduzir diferenciações que não resultem directamente da letra da lei.” Já Abrantes Geraldes et al[9] defendem igualmente que “… a decisão judicial proferida na sequência de reclamação de ato ou da impugnação de decisão do agente de execução admitirá recurso desde que o ato ou decisão do agente de execução sejam vinculados. Na verdade, a irrecorribilidade nestas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (art.º 20º, nº 1, da CRP), num contexto em que a direção e gestão do processo de execução está cometida ao agente de execução. Neste enfoque, a recorribilidade das decisões proferidas pelo juiz, ao abrigo da al. c) deste art.º 723º, que se traduzam na suspensão, extinção ou anulação da execução (art.º 853º, nº 2, al. b)), constitui o afloramento de uma regra de recorribilidade e não uma exceção, devendo admitir-se a impugnação da decisão judicial sempre que na sua génese esteja uma decisão vinculada do agente de execução (…) designadamente quando estes actos são susceptíveis de agredir o património das partes de forma equivalente ou ainda mais intensa do que o que decorra de um despacho interlocutório numa acção declarativa.” Cremos que a interpretação deste preceito se terá de fazer pela delimitação do que constituem actos vinculados e actos discricionários incluídos nas competências do Agente de Execução. Em relação aos segundos a regra geral será a da irrecorribilidade. No entanto, quando em causa actos vinculados que impliquem uma ofensa ao princípio da reserva de lei, colidam com direitos fundamentais das partes ou quando destes actos resulte uma ofensa flagrante do património das partes, será de admitir o recurso da decisão que se pronuncie sobre a reclamação ou a impugnação das decisões do agente de execução. Nestes termos, o despacho que decidiu sobre o cálculo dos juros e o momento da sua contagem e que não conheceu da oposição deduzida pela reclamada (esta matéria da exclusiva competência do juiz do processo), é susceptível de recurso em termos gerais, desde que apresentado em prazo e desde que respeite o valor da sucumbência previsto no artº 629, nº1 do C.P.C. Com a fixação de um valor mínimo, como requisito de admissibilidade de recurso, em termos gerais, ou seja, salvaguardando os casos que pela sua especial relevância admitem sempre recurso (contidos no nºs 2 e 3 do artº 629 do C.P.C.-), “o legislador visou compatibilizar o interesse da segurança jurídica potenciado por múltiplos graus de jurisdição, com outros ligados à celeridade processual, à racionalização dos meios humanos e materiais ou à dignificação da intervenção dos Tribunais Superiores.” Assim sendo, resulta do disposto no nº1 do artº 629 que o recurso só é admissível se o valor for superior ao da alçada do tribunal de que se recorre (actualmente fixado em € 5.000,00) e desde que o valor da sucumbência, ou seja aquele em que o recorrente decaiu, seja superior a € 2.500,00. Só se não for possível quantificar este valor de sucumbência, seja quando se formulem vários pedidos sem clara tradução monetária, ou quando se formule um pedido ilíquido ou a condenação seja numa quantia ainda a liquidar, deve atender-se apenas ao critério principal que é o do valor da causa. Sendo certo que o valor da causa admite recurso, quanto ao valor da sucumbência alega o recorrente que, existindo dúvida fundamentada acerca do seu valor, deve atender-se ao primeiro critério: o valor da causa. Não existe, no entanto, qualquer dúvida fundamentada sobre o valor da sucumbência que depende de uma simples operação aritmética. Vejamos. O Agente de Execução calculou os juros compulsórios devidos desde 15/12/2016 até 30/11/2023, sobre a quantia de € 16.516,58, apurando o valor global de € 5.578,12, dos quais € 2.784,06 devidos ao exequente, sendo assim o saldo final a favor do exequente de € 22.946,87. A decisão recorrida decidiu que estes juros seriam devidos desde a data de citação da executada, promovida pelo Agente de Execução em 07/02/2022, o que perfaria um montante de juros compulsórios de cerca de € 1495,54€, dos quais caberia ao exequente cerca de € 747,77. A sucumbência do exequente por via da decisão proferida, uma vez que não tendo reclamado conformou-se com o valor global constante desta nota ainda que se pudesse entender que poderia este esgrimir, a título de defesa, outros fundamentos respeitantes à forma da liquidação (mas mantendo intocado este valor como o próprio reafirma), é assim inferior ao mínimo previsto no artº 629, nº1 do C.P.C., pois que da decisão proferida resultou para o exequente uma sucumbência de €2.036,39. Neste sentido, o recurso não é admissível, por o valor de sucumbência o não permitir.
*** DECISÃO Custas pelo apelante que se fixam em 2 Ucs (artº 7 do RCP). Coimbra 12/11/24
[2] FREITAS, José Lebre de,Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 6ª edição, pág.. 30/31. [6] De 23.01.2024, proc. 771/10.6TBACB-A.C1, de que foi relator Vítor Amaral. |