Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
Descritores: | INCAPACIDADE ACIDENTAL ANULABILIDADE CONTRATO CONVERSÃO DO NEGÓCIO | ||
Data do Acordão: | 12/05/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CBV AVEIRO JGIC J 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.ºS 293.º E 257.º DO CÓDIGO CIVIL, ART.º 287.º E AL. B) DO ART.º 510.º DO CPC | ||
Sumário: | I. O regime da incapacidade acidental consagrado no art.º 257.º do Código Civil é também o aplicável aos negócios celebrados por qualquer incapaz de facto, ainda que ferido de incapacidade permanente, quando não tenha sido proposta a pertinente acção de interdição ou inabilitação. II- A anulabilidade aqui prevista está sujeita ao regime do art.º 287.º do CPC, sendo interessado para este efeito apenas o incapacitado ou o seu representante, por ser no interesse daquele que foi estabelecida a invalidade do negócio. III- A conversão do negócio jurídico prevista no art.º 293.º do Código Civil pressupõe que no negócio inválido existam os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio sucedâneo, e ainda que este tivesse sido querido pelas partes, caso tivessem previsto a invalidade do negócio celebrado. IV- Sempre que o estado do processo o permitir, deve o juiz proferir decisão conhecendo antecipadamente do mérito da causa nos termos da al. b) do art.º 510.º do CPC, o que ocorre, nomeadamente, quando seja indiferente, mesmo considerando as várias soluções plausíveis de direito, a prova dos factos que permaneçam controvertidos. | ||
Decisão Texto Integral: | I. Relatório
Na comarca do Baixo Vouga, A... e mulher, B... , residentes na Rua ..., concelho de Ílhavo, vieram instaurar contra: C..., viúva, residente na Rua ..., Vagos; D..., divorciada, residente na Rua ..., no mesmo lugar de Vagos, e E... e F..., casados entre si no regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua ... Mira, acção declarativa, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final “a) seja declarada a anulação das Escrituras de Doação com base na falta de capacidade de exercício de direitos da doadora e na falta de consciência da declaração negocial, bem como dos seus efeitos; b) seja decretado o cancelamento da Inscrição Registral a favor da D... efectuada na Conservatória do Registo Predial de Vagos sob o nº x.../20081223, da freguesia do y..., pela Ap nº 1977 de 08.04.2010, concelho de Cantanhede, restituindo-se o referido bem ao património da primeira Ré;. c) seja decretado o cancelamento da Inscrição Registral a favor de E... e F... efectuada na Conservatória do Registo Predial de Mira, restituindo-se o referido bem ao património da primeira Ré. d) Subsidiariamente, e caso o douto Tribunal não considere a anulabilidade dos negócios jurídicos efectuados, deve a doação efectuada à Ré D... ser convertida em doação sem qualquer carácter remuneratório.”. Em fundamento alegaram, em síntese útil, que são filho e nora da ré C..., a qual fez doação às 2.ª e 3.ª RR, respectivamente sua filha e sobrinha, em 31 de Março de 2009, dos prédios que identifica nos art.ºs 1.º e 31.º do petitório inicial, tendo ficado a constar da escritura que formalizou o negócio de doação em que foi donatária a ré D...que se destinava a remunerar os serviços por esta prestados à doadora com tratamentos, alimentação, vestuário, medicamentos e alojamento. Sucede, porém, que a doação de que foi beneficiária a dita ré não teve carácter remuneratório, tendo antes constituído um acto gratuito de disposição de bens, sem qualquer reserva, ao que acresce o facto de, por força das referidas doações, ter ficado esgotado o património da doadora, sem que esta tivesse sequer assegurado a futura prestação de cuidados por qualquer uma das donatárias. A doadora sofre de analfabetismo e surdez quase total, estando dependente de terceiros para a realização das suas tarefas diárias, contando 82 anos de idade. Não compreende aquilo que se lhe diz e desinteressou-se das coisas e bens, apresentando falta de discernimento, do que tudo decorre não ter vontade própria nem capacidade de entender o alcance dos actos praticados, o que já se verificava à data da outorga das escrituras aqui em causa. A incapacidade da doadora é fundamento de anulabilidade dos negócios de doação praticados, o que requerem seja reconhecido e declarado ou, quando assim não for entendido, sempre deverá ser declarado que a doação de que foi beneficiária a ré D...não teve carácter remuneratório, podendo assim ser chamada à colação após o óbito da primeira Ré, tudo com assento nos art.ºs 150.º, 257.º e 287.º, todos do Código Civil, disposições legais que expressamente invocam, justificando a sua legitimidade para a causa pelo facto de ser o demandante marido também filho da 1.ª ré e, nessa medida, prejudicado pelos negócios celebrados e aqui impugnados. Regularmente citada, contestou a ré C..., arguindo a excepção dilatória da ilegitimidade activa, conducente à sua absolvição da instância, uma vez que, à luz do preceituado no art.º 287.º, os demandantes, enquanto detentores de meras expectativas de sucederem à doadora, não têm legitimidade para pedir a anulação dos negócios de doação efectuados. Mais impugnou a demais factualidade alegada pelo que, a não proceder a excepção invocada, sempre deverá ser absolvida dos pedidos formulados. Terminou pedindo a condenação dos demandantes como litigantes de má fé em multa e indemnização a seu favor, que deverá ser fixada em quantia não inferior a 2.500,00€, uma vez que alegaram aqueles em juízo factos que sabiam ser falsos, deduzindo pretensão infundamentada, conforme igualmente bem sabiam. Também as RR D... e E... e marido apresentaram contestação, peça na qual arguiram a ilegitimidade dos AA para a causa, uma vez que apenas a doadora ou os herdeiros desta, após a sua morte, podem revogar as doações efectuadas, como decorre dos art.ºs 969.º, 974.º e 976.º do Código Civil, o que não é manifestamente o caso. Daqui decorreria igualmente, em seu entender, a ilegitimidade passiva das contestantes, a dar lugar à sua absolvição da instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 494.º, al. e) e 493.º, n.º 2, ambos do CPC. Mais impugnaram toda a factualidade alegada pelas AA em adverso da versão por si trazida aos autos, a impor a sua absolvição dos pedidos formulados, isto caso a excepção arguida não proceda. Concluíram igualmente pedindo a condenação dos AA como litigantes de má-fé em multa e indemnização a seu favor, a fixar em quantia não inferior a 2.500,00€. Replicaram os AA, defendendo a sua legitimidade para a causa, atenta a sua qualidade de filhos e herdeiros legitimários da Ré C..., logo, detentores de direitos patrimoniais concretos e protegidos por lei, nomeadamente à herança/legítima, tendo assim um interesse directo em que os bens alienados regressem ao património da primeira Ré, de forma a virem integrar o património da herança, já que não existem quaisquer outros bens. Tendo sido determinado o registo da acção nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 2.º, n.º 1, al. a) e 3.º, n.º 1, als. a) e b), e 8.º-A, n.º 1, al. b), do Código de Registo Predial, veio a constatar-se ter o prédio doado à Ré D... sido objecto de operação de destaque e subsequente alienação da área destacada mediante um negócio de permuta, em consequência do que vieram os AA a desencadear incidente de intervenção provocada, ao abrigo do disposto no art.º 325.º, n.º 2 do CPC, de G... e mulher, H..., enquanto sujeitos activos daquela alienação, por persistir o seu interesse na restituição do prédio com a mesma composição e área que tinha ao tempo da doação cuja anulabilidade foi peticionada. Em conformidade, alteraram o pedido inicialmente deduzido, aditando as als. e) a j), com o seguinte teor: Deve e) Decretar-se a anulabilidade da escritura de permuta efectuada a fls. 20 a 22 do Livro 181-G, no Cartório Notarial em Aveiro a cargo do Notário M...; f) Decretar-se o cancelamento da inscrição registral a que corresponde o n.º 2708, bem como as descrições já inutilizadas a que correspondem os n.ºs 2706 e 2707; g) Decretar a manutenção registral e validade legal da descrição nº x..., a que corresponde o artigo urbano n.º 713, com a área e composição que apresentava ao tempo da doação cuja anulabilidade é pedida nos presentes autos; h) Serem os ora intervenientes, G... e mulher H..., condenados à restituição de uma parcela com a área de 384,00 m2, que actualmente ocupam, por forma a que o prédio objecto dos presentes autos, com a descrição nº x..., recupere a mesma configuração e área. Esta parcela deverá ser restituída livre e devoluta de pessoas e bens, procedendo os interessados à demolição de um muro que aí efectuaram. De igual modo, deverá a Ré D... ser condenada na devolução aos intervenientes da área de 60,00m2 que lhe foi cedida na permuta, bem como da quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros); i) Subsidiariamente, e na hipótese de não ser decretada a anulação da escritura de permuta, mas, exclusivamente, a escritura de doação, deverá ser decretado o cancelamento da inscrição a que corresponde a descrição n.º 2708, mantendo-se a descrição x..., com a área e composição actualmente existentes, fruto da permuta. j) Decretar-se a alteração registral e fiscal em termos de área do prédio dos intervenientes, descrito sob o artigo 2709 e inscrito matricialmente pelo artigo 4309, rústico da freguesia de y..., por forma a que o mesmo venha a restar com a área que detinha ao tempo da escritura de permuta, isto é, pela diminuição da área de 384,00 m2 que lhe foi anexada e pelo adicionar da área de 60,00 m2 que incidiu sobre a cedência de uma parcela do mesmo versada na referida escritura de permuta, ou, se assim não se entender e subsidiariamente, na hipótese de procedência da anulação da doação inicial e improcedência da anulação da escritura de permuta, proceder-se à anulação da descrição a que cabe o n.º 2709, permanecendo a inicial (2412) com a composição e área que actualmente apresenta, fruto da escritura de permuta outorgada. (…)” Os RR deduziram oposição ao chamamento e também à requerida alteração do pedido, defendendo o entendimento de que o chamamento deduzido não se enquadra, face ao alegado pelos AA., no normativo do artigo 31.º-B do CPC, devendo por isso ser indeferido e julgada consequentemente prejudicada a pretendida alteração. Foi então proferido despacho, no qual foram liminarmente indeferidos, quer o incidente de intervenção suscitado, quer a requerida alteração do pedido, com fundamento na inutilidade da sua admissão, dada a decisão que se perspectivava, isto sem embargo de se reconhecer que os factos aduzidos pelos demandantes eram passíveis de constituírem fundamento para as pretendidas alteração do pedido e intervenção principal provocada. Fixado valor à causa, afirmada a competência do Tribunal e a inexistência de nulidades que o afectem na sua globalidade, foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade dos AA quanto aos pedidos deduzidos em via principal e todos os RR absolvidos da instância, tendo ainda sido emitido juízo de improcedência quanto ao pedido subsidiário, relativamente ao qual se considerou não se verificar a excepção dilatória invocada. Desavindos com o assim decidido, vieram os AA interpor tempestivo recurso, o qual remataram com as seguintes conclusões: “1.ª Efectivamente, têm os Recorrentes, na qualidade de filho e nora da doadora, um interesse directo em agir, uma vez, que os actos praticados pela doadora C..., representam uma diminuição do património da mesma, no sentido de representar um desfavorecimento objectivo em relação a seus irmãos; 2.ª As doações efectuadas pela C..., sua mãe e sogra, na prática constituem uma forma indirecta de deserdar o Recorrente, o que de outra forma não seria possível; 3.ª O seu interesse em agir é um interesse directo, e não indirecto, já que o mesmo é prejudicado e lesado com os negócios jurídicos de sua mãe; 4.ª Nas situações em que a lei nada diz, o que é o caso, o critério para aferir da legitimidade, ou não, deve ser encontrado pela interpretação da norma contida no artigo 287.º do C.C conjugada com o preceito do artigo 26.º do C.P.C; 5.ª Sem prejuízo do referido, e caso o Douto Tribunal da Relação assim não o entender, diga-se que, conforme estipula o artigo 493.º n.º 2 do C.P.C, a procedência de alguma excepção dilatória obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância; 6.ª Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, se o Senhor Juiz a quo considerou procedente a ilegitimidade dos Recorrentes, não podia conhecer, nem do mérito, nem do pedido subsidiário formulado pelos mesmos. Pois tal questão está claramente prejudicada pela procedência da ilegitimidade; 7.ª Por fim, por mera cautela e sem prescindir do supra referido, acrescente-se que, contrariamente ao plasmado na Douta Decisão, os Recorrentes alegaram factos concretos para fundamentarem o pedido de conversão da doação remuneratória em doação simples, nomeadamente nos articulados 17 a 22 da petição inicial; 8.ª Pelo que, atento aos articulados transcritos, não se entende a argumentação do Senhor Juiz a quo, devendo a Douta Decisão ser alterada nessa parte, não se prescindindo do facto de considerarmos que o Tribunal nem tão pouco podia apreciar este pedido subsidiário, por se tratar de uma questão nitidamente prejudicada pela procedência da ilegitimidade; 9.ª Há por isso Erro na Interpretação e aplicação do Direito; 10.ª Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou o artigo 287.º do C.C, conjugado com o preceito do artigo 26.º do C.P.C, e 493.º n.º 2 do C.P.C. entre outros”. Com tais fundamentos pretendem a revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que julgue improcedente a excepção da ilegitimidade e determine o prosseguimento dos autos ou, quando assim se não entenda, sempre deverá ser revogada na parte em que apreciou o pedido formulado em via subsidiária e os recorridos absolvidos da instância. Se assim não for decidido, deverá ser considerado que foram alegados factos, em ordem a ser decretada a conversão da doação em doação sem carácter remuneratório. É consabido, e corresponde a jurisprudência uniforme, o entendimento de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, ao Tribunal superior só caberá pronunciar-se sobre as questões ali contidas, como resulta do preceituado nos art.ºs 684.º n.º 3 e 685.º-A do CPC. São assim questões a decidir: II- O Direito Começando pela primeira das questões suscitadas, haverá que convocar o art.º 26.º do CPC, disposição legal nos termos da qual “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, definindo-se tal interesse pela utilidade derivada da procedência da acção (para o autor) ou do prejuízo que para o réu advenha dessa procedência (vide n.ºs 1 e 2 do preceito). Dado que o critério assente no interesse directo em demandar ou em contradizer se presta a sérias dificuldades na sua aplicação prática, o legislador fixou uma regra supletiva para determinação da legitimidade, esclarecendo no n.º 3 do referido art.º 26.º que: "Na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.[1] Temos assim como critério aferidor da legitimidade do autor o interesse directo em demandar, a propósito do qual importa considerar que: "À legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico (não apenas moral, científico ou afectivo), na procedência ou improcedência da acção. Exige-se que as partes tenham um interesse directo, seja em demandar, seja em contradizer; não bastando um interesse indirecto, reflexo ou derivado.". [2] Pretendem os AA a anulação dos negócios jurídicos de doação celebrados pela doadora C..., com fundamento na incapacidade desta, conhecida das donatárias. Dispõe o art.º 257.º do Código Civil que “A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário. 2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar”. O regime da incapacidade acidental é assim, e também, aplicável aos negócios celebrados por qualquer incapaz de facto, ainda que ferido de incapacidade permanente, quando não tenha sido proposta a pertinente acção de interdição ou inabilitação. A anulabilidade aqui prevista está sujeita ao regime do art.º 287.º do CPC, nos termos do qual “Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece (…)” (vide o n.º 1). A propósito, esclarece o Prof. Castro Mendes, que interessados para este efeito serão apenas o incapacitado ou o seu representante[3], por ser no interesse daquele que foi estabelecida a invalidade do negócio. Deste modo, e como certeiramente se observa na decisão proferida, não tendo sido declarada a interdição da doadora e sendo esta viva, não reconhece a lei legitimidade ao herdeiro legitimário para pedir judicialmente a anulação do negócio celebrado, com fundamento em alegada incapacidade de exercício ao tempo da celebração do negócio por banda daquela, ainda que se sinta potencialmente lesado, assim improcedendo as conclusões 1.ª a 4.ª. Defendem ainda os recorrentes a tese de que, face à absolvição dos demandados da instância, por via da procedência da excepção dilatória da ilegitimidade activa, vedado estava o conhecimento do mérito do pedido formulado a título subsidiário, por prejudicado. Sem razão, todavia, desde já se antecipa. A lei prevê a formulação de pedidos subsidiários, definindo o pedido desta natureza como aquele que é apresentado ao Tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (vide n.º 1 do art.º 469.º do CPC). Na formulação dos pedidos subsidiários (ou em alternativa aparente, no dizer do Prof. Castro Mendes), o autor formula dois pedidos, mas reconhece que só um deles pode ou deve ser julgado procedente, ficando a apreciação do pedido subsidiário dependente da improcedência do pedido prioritário. Tal possibilidade “Justifica-se (…) como forma de, com economia de processos, acautelar melhor os interesses prosseguidos pelo autor, colocando-o, por exemplo, a coberto das excepções peremptórias de caducidade ou de prescrição. (…) A utilidade desta fórmula adjectiva mais se evidencia quando se permite ao autor que deduza pedidos substancialmente incompatíveis sem correr o risco de indeferimento liminar ou de absolvição da instância com base em ineptidão da petição inicial”.[4] Assim sendo, logo se conclui que a circunstância de ao autor não ser reconhecida legitimidade para a acção atendendo ao pedido formulado em via principal, com a consequente absolvição dos RR da instância, não acarreta a sua ilegitimidade para a causa quando se considere o pedido subsidiário, tanto mais quando, como é o caso, assentam em causas de pedir diversas; pelo contrário, as mesmas razões de economia processual impõem antes que, face à absolvição da instância proferida em relação ao pedido principal, se entre na apreciação do pedido subsidiário[5], com o que improcedem as conclusões 5.ª e 6.ª. Finalmente, pretendem os autores recorrentes terem alegado factos concretos para fundamentarem o pedido de conversão da doação remuneratória em doação simples, devendo a acção prosseguir para o respectivo apuramento. Em suporte do pedido assim formulado em via subsidiária, alegaram os AA que: “17.º- Para além destes valores, a donatária, recebia e recebe, a pensão de viuvez, a pensão de velhice e uma pensão de França a que a sua mãe tem direito, tudo num valor total de cerca de € 1.016,00, sendo as duas primeiras de € 416,00 e última de cerca de € 600,00. Sem prestar quaisquer contas aos AA e irmãos, que continuaram a pagar a mensalidade indicada. 18.º- A donatária, nunca prestou qualquer serviço ou pagou despesas de tratamentos, alimentação, vestuário, medicamentos e alojamento à doadora, sendo completamente falso o que consta na escritura. 19.º- A mesma recebia um valor de € 420,00 por mês dos seus irmãos, por ter a mãe em sua casa, acrescido das pensões da própria doadora, pelo que os tratamentos e despesas com os cuidados da primeira Ré eram suportados pelos AA e seus irmãos e cunhados e pela própria doadora com o dinheiro que recebia mensalmente. 20.º- A doação não teve qualquer carácter remuneratório. 21.º- A escritura em causa, constituiu um acto gratuito de disposição de bens, gratuita e sem reservas, do qual a doadora não tinha consciência e implicou a dissipação do seu património. 22.º- Ré D..., não permite e dificulta a possibilidade de convívio e visitas entre a Ré C... e os AA e seus outros filhos, não tendo estes qualquer possibilidade de estar com a sua mãe a sós, ou de a levar sequer para sua casa, seja para visita ou almoço ou jantar. (…) 44.º- Subsidiariamente, face ao alegado, e na hipótese de não se provar a incapacidade da doadora C..., mantém-se a questão suscitada pelo facto de não corresponder à verdade o carácter remuneratório da doação atribuído pela referida escritura. 45.º- Pelo que, nessa circunstância deverá decreta-se que a doação foi efectuada sem carácter remuneratório, podendo, assim, ser chamada à colação após o óbito da primeira Ré.”. Face a tal alegação, e apreciando o pedido formulado a título subsidiário, ponderou-se na decisão recorrida que, pressupondo o “instituto da conversão do negócio jurídico um juízo de prognose póstuma a extrair da vontade hipotética das partes e alicerçado nas posições previstas e queridas pelas mesmas, (…) podendo haver lugar a conversão caso se conclua que as partes, quanto ao fim pretendido pelo negócio primário, teriam em vista o negócio sucedâneo que porventura queriam que se tivessem previsto a invalidade daquele”, e constatando não terem os AA alegado quaisquer factos, em ordem a sustentar que “a primeira e a segunda rés, caso tivessem previsto a invalidade do negócio, pretenderiam efectuar e aceitar uma doação simples”, concluiu pela manifesta improcedência da pretensão deduzida. Nos termos do art.º 293.º do Cód. Civ. “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.”. “A conversão do negócio consiste, fundamentalmente, em admitir que um negócio totalmente nulo ou anulado passe a valer como negócio de conteúdo ou de tipo diferente”[6]. Segundo o mesmo autor, é necessário que no negócio inválido existam os requisitos essenciais de substância e de forma do negócio sucedâneo, e ainda que este tivesse sido querido pelas partes, caso tivessem previsto a invalidade do negócio celebrado. Faz-se aqui apelo à vontade hipotética ou conjectural das partes, a averiguar face às circunstâncias de cada caso concreto, mandando a lei atender ao fim visado pelas partes com o negócio jurídico inválido. Por último, é necessário ter presente, “que o negócio resultante da conversão é sempre outro negócio, de tipo ou conteúdo diferente do negócio inválido. Deste modo, o negócio inválido qua tale não é admitido na ordem jurídica. O mais que esta permite é que com tais elementos aproveitáveis desse negócio, se construa um outro para o qual tais elementos sejam suficientes.”[7]. Do exposto resulta que, assacando os AA ao negócio de doação um desvio no processo formativo da vontade da doadora que é causa de anulabilidade, tal invalidade estende-se ao negócio presumido, que assim seria, também ele, inválido, a obstaculizar a pretendida conversão. Acresce, como bem se assinala na decisão recorrida, que nenhum facto foi alegado no sentido de corresponder à vontade hipotética das partes a celebração do negócio com a conformação agora pretendida pelos recorrentes[8] pelo que, também por esta via, impedida estaria a conversão do negócio. Sempre que o estado do processo o permitir, deve o juiz proferir decisão conhecendo antecipadamente do mérito da causa nos termos da al. b) do art.º 510.º do CPC, o que ocorre, nomeadamente, quando seja indiferente, mesmo considerando as várias soluções plausíveis de direito, a prova dos factos que permaneçam controvertidos. Tal é precisamente o caso dos autos uma vez que, mesmo a fazerem os AA prova positiva de todos os factos alegados, não obteriam ganho de causa, com o que improcedem as conclusões 7.ª a 10.ª, assim se mantendo a decisão recorrida. III- Decisão Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo integralmente a douta sentença recorrida. Custas a cargo dos AA recorrentes. Notifique.
|