Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | PROVA PERICIAL ERRO NA JUNÇÃO DO DOCUMENTO OBJETO DA PERÍCIA SUPRIMENTO DO ERRO CASO JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 06/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 146.º, N.º 2, 666.º, N.º 3, E 667.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | I – O art. 146.º, n.º 2 do CPC consagra um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes, admitindo, de forma mais abrangente, para além da retificação de erros de cálculo ou de escrita, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa. II – É admissível, a coberto desse normativo, a substituição pela parte do documento sobre o qual foi determinada a realização de uma perícia à assinatura, quando a parte não interveio diretamente na formação desse documento e incorreu, sem dolo nem culpa grave, no erro de considerar que o documento que detinha era o que se encontrava em vigor, só se tendo apercebido que assim não era na sequência das diligências destinadas à localização do original do documento. III - A decisão que admita essa substituição não ofende o caso julgado formado relativamente ao despacho que admitiu a perícia, por o despacho agora proferido não reapreciar a necessidade/legalidade da perícia, tão só a fazê-la incidir sobre o objeto (material) que se tinha como pressuposto da decisão que a ordenou e fixou o seu objeto. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 897/20.8T8ANS-D.C1
Juízo de Execução de Ansião – Juiz ... _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório Banco Bic Português, S.A. intentou ação executiva contra AA e BB para cobrança coerciva da quantia de € 19.285,89, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, com base numa livrança avalizada, entre outros, pelos executados. Constatado o óbito do executado BB, foram habilitados como seus herdeiros “para prosseguir os termos da execução” CC, DD e EE, “limitando-se a responsabilidade destes aos bens que tenham recebido do autor da herança” (cfr. sentença proferida a 21.06.2021 no incidente respetivo). A habilitada CC deduziu oposição à execução, mediante embargos, no essencial negando a aposição da assinatura na livrança por parte do executado BB, não ter a exequente dado conhecimento do preenchimento da livrança, não constar da livrança a aposição da cláusula “sem despesas” (não estando, por isso, dispensada de apresentação e protesto), encontrar-se a livrança prescrita e invocando a anulabilidade do negócio jurídico cambiário por, à data da subscrição da livrança, o executado BB não deter as faculdades mentais, de memória, de inteligência e de vontade necessários à compreensão do teor e do alcance dos documentos que alegadamente assinou. Recebidos os embargos, o Banco exequente contestou mantendo que a assinatura da livrança foi efetuada pelo executado, ter comunicado o preenchimento da livrança e não ter ocorrido a invocada prescrição. Foi saneado o processo, com a indicação do objeto do litígio e fixação dos temas da prova nos termos que constam do despacho respetivo, proferido a 27.10.2022 (ref. 101708820) e cujo teor aqui se dá por reproduzido. Nesse mesmo despacho, para além de ordenada a notificação do Banco exequente para juntar aos autos, entre o demais, o pacto de preenchimento da livrança, foi admitida a realização da prova pericial requerida pela habilitada e convidado o embargado para, querendo, aderir ao objeto proposto, ou propor a sua ampliação ou restrição. Por despacho de 24.11.2022 (ref. 102080146) foi fixado o objeto da perícia. Por despacho de 09.02.2023 (ref. 102843730) foi ordenada a notificação do Banco exequente para juntar aos autos o original do doc. 4 junto com o requerimento executivo (autorização dos avalistas). Na sequência o Banco exequente veio a 03.03.2023 juntar aquilo que referiu como “o original do documento correspondente à autorização dos avalistas”. Em 24.03.2023 a embargante veio, ao demais, referir que a reprodução mecânica do pacto de preenchimento da livrança junta primitiva e originariamente como documento n.º 4 ao requerimento executivo não tinha qualquer correspondência com o documento junto pelo Banco exequente no dia 03.03.2023, requerendo a notificação deste para juntar aos autos o original em suporte físico do pacto de preenchimento da livrança identificado como documento n.º 4 junto com o requerimento executivo (cfr. ref. 9600038). A 29.03.2023 o Banco exequente veio dizer que aquando da contratação do empréstimo subjacente à livrança executada foi assinada inicialmente a autorização do seu preenchimento pelos avalistas correspondente ao doc. 4 junto ao requerimento executivo, mas ter esse documento sido substituído na altura pelo documento original que agora juntaram, terminando requerendo que a perícia incida sobre o documento original junto aos autos “por corresponder ao que esteve na origem do preenchimento da livrança executada” (ref. 9615228). A esse requerimento respondeu a embargada no dia imediato, manifestando o entendimento, pelas razões que aí avançou, que o documento original junto no dia 03.03.2023 não pode ser objeto de qualquer exame pericial (ref. 9616379). Foi então, a 30.03.2023 (ref. 103396993), proferido despacho com o seguinte teor: “Referência 9600038 de 24 de março, referência 9615228 de 29 de março e referência 9616379 de 30 de março: O Embargado referiu que a cópia do documento junto sob n.º 4 se deveu a lapso, já que este documento foi substituído pelo que agora juntou sob referência 9528236 de 03 de março, tendo permanecido, porém, cópia no processo de crédito do documento substituído. Indicou ainda testemunha que tem conhecimento funcional do referido Diante do exposto, mostra-se inútil o requerido pelos Embargantes – de junção do original do documento n.º 4 pois, reitera-se, o Embargado já referiu não ter. Os Embargantes impugnaram o documento sob referência 9528236 de 03 de março. Acontece que, no essencial – conteúdo, data e intervenientes – o documento sob referência 9528236 de 03 de março é igual à cópia junta sob documento n.º 4. Assim, Admito a substituição do documento n.º 4 pelo documento sob referência 9528236 de 03 de março”. * Irresignada, a habilitada embargante CC interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever: “1 – O presente recurso é interposto do despacho de fls. de 30/03/2023 com a referência 103396993 que ordenou a substituição do pacto de preenchimento da livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo inicial pelo pacto de preenchimento de livrança junto com o requerimento do Banco Embargado de 03 de Março de 2023 com a referência 96528236 e bem assim que a perícia à letra e assinatura do falecido BB requerida pela Recorrente e deferida pelo Tribunal com nota de trânsito em julgado sobre o supra citado documento nº 4 passasse a incidir agora sobre aquele segundo pacto de preenchimento de livrança; 2 - Não temos dúvidas que o Tribunal “a quo” não decidiu com acerto ao proferir tal despacho que admitiu a referida substituição de documentos e ordenou que a perícia versasse sobre um documento completamente distinto daquele sobre o qual a perícia foi inicialmente requerida pela Recorrente e deferida pelo Tribunal com nota de trânsito em julgado; 3 – Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou em toda a linha o princípio processual basilar e fundamental do caso julgado, concretizado no decidido quer no douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820 transitado em julgado em 16/11/2022, quer no douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146 transitado em julgado em 15/12/2022; 4 – O pacto de preenchimento da livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo não tem qualquer correspondência com o alegado pacto de preenchimento original junto aos autos pelo Banco Embargado no dia 03/03/2023 com a referência 9528236 no que à representação das correspondentes assinaturas e dizeres manuscritos diz respeito, conforme resulta das diferenças gráficas exaustivamente explanadas no corpo das presentes alegações o que, aliás e de imediato, foi constatado e observado em primeiro lugar pelo Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto; 5 – De onde e com toda a certeza se infere que o suposto pacto de preenchimento original junto aos autos pelo Banco Embargado em 03/03/2023 não é o original do pacto de preenchimento junto como documento nº 4 ao requerimento executivo pelo mesmo Banco Embargado; 6-E não o sendo, não pode, tal pretenso pacto de preenchimento junto aos autos a 03/03/2023 ser objecto de qualquer exame pericial!!!; 7 - Porquanto, não só no douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820, transitado em julgado em 16/11/2022, foi definitivamente decidido inserir nos temas da prova (b.i) a concreta questão de saber se, além do mais, a concreta letra e assinatura do falecido BB apostas no concreto pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo inicial (e não em qualquer outro documento) foram da autoria do mesmo BB; 8 - Como também no douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146, transitado em julgado em 15/12/2022, foi definitivamente ordenada a realização da perícia nos termos inicialmente requeridos pela Recorrente em sede da p.i. de embargos à concreta letra e assinatura do falecido BB apostas no mesmo pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo inicial (e não em qualquer outro documento) para determinar se a dita letra e assinatura foi ou não da autoria do falecido BB; 8 - Dito de outro modo, foi sempre sobre a alegada e concreta assinatura do falecido BB constante do concreto e exacto pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo inicial que a ora Embargante/Recorrente requereu ao Tribunal “a quo” que fosse efectuada a correspondente perícia à respectiva letra e assinatura; 9 - E foi também precisamente sobre aquela alegada e concreta letra e assinatura de BB aposta naquele concreto, exacto e preciso documento identificado sob o nº 4 junto com o requerimento executivo que o Tribunal considerou e decidiu para efeitos de fixação dos concretos temas da prova e ordenou posteriormente de forma expressa que a perícia requerida pela aqui Recorrente incidisse especificamente sobre a mesma letra e assinatura, conforme resulta definitivamente decidido quer no douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820 transitado em julgado em 16/11/2022, quer no douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146 transitado em julgado em 15/12/2022; 10 - De onde resulta manifestamente evidente que o Banco Embargado faltou ostensivamente à verdade no seu requerimento de 03/03/2023 com a referência 9528236 ao requerer expressamente a junção aos autos e sem dar qualquer outro tipo de explicação do “original do Doc. 4 junto ao requerimento executivo e correspondente à autorização dos avalistas”, quando bem sabia que o documento cuja junção requeria aos autos não era, de todo, o original do documento nº 4 junto ao requerimento executivo sobre o qual incidiram, com nota de trânsito em julgado, o douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 e do douto despacho de fls. de 24/11/2022; 11 – De resto, os presentes autos correm os seus termos desde, pelo menos 04 de Maio de 2022, sem que em momento algum o Banco Embargado tenha vindo de forma espontânea alegar tempestivamente uma qualquer inutilização do Pacto de Preenchimento de Livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo inicial; 12 - Sendo certo que, a admitir-se a hipotética possibilidade de se poder retratar, naturalmente que teria de ter sido o próprio Banco Embargado a vir invocar espontaneamente tal alegada inutilização quando no dia 03/03/2023 aquando da junção aos autos da alegada segunda versão do alegado original do Pacto de Preenchimento da Livrança; 13-Todavia e conforme se alcança dos autos, o Banco Embargado nesse seu requerimento de 03/03/2023 com a referência 9528236 nada disse, informou, alegou, requereu ou esclareceu sobre essa matéria; 14 - E não o tendo feito nesse momento hipoteticamente tempestivo, não o podia, obviamente, vir fazer mais tarde, nem mesmo a convite do Tribunal; 15 - De resto, o argumento segundo o qual o referido documento nº 4 terá sido, alegadamente, substituído e inutilizado não tem qualquer coerência lógica credível; 16 - Em primeiro lugar porque o Banco Embargado não alega um único facto ou uma única razão minimamente séria e credível pela qual terá sido alegadamente necessário inutilizar o referido documento nº 4, sendo certo que, como resulta da normalidade do acontecer, não se inutilizam documentos só porque sim ou só porque não; 17 - Por outro lado e uma vez que do confronto dos dois Pactos de Preenchimento resulta por demais evidente que os respectivos conteúdos redigidos em letra de imprensa são exactamente iguais, não existindo sequer qualquer erro ortográfico ou lapso de escrita, não se vislumbra qualquer razão minimamente atendível e credível para que se tivesse operado uma qualquer alegada inutilização do documento nº 4 junto ao requerimento executivo inicial; 18 – É, pois, evidente que o suposto pacto de preenchimento original junto aos autos a 03/03/2023 pelo Banco Embargado não pode ser objecto de qualquer exame pericial; 19 - E não pode pelo simples facto de no douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820 transitado em julgado em 16/11/2022 e no douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146 transitado em julgado em 15/12/2022 ter sido expressamente decidido não só a inserção nos temas da prova da questão de saber se a concreta letra e assinatura alegadamente da autoria do falecido BB constantes do pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo foram ou não efectivamente da autoria do falecido BB, como também ter sido ordenada a realização de exame pericial à concreta letra e assinatura alegadamente da autoria do falecido BB constante no pacto de preenchimento de livrança identificado comodocumentonº 4no requerimento executivo nos termos, aliás, requeridos pela Recorrente em sede de embargos; 20 – Tendo presente o estatuído no nº 1 do artigo 620º e nos nºs. 1 e 2 do artigo 625º, ambos do Código de Processo Civil, conjugado com todo o supra explanado, dúvidas não pode haver quanto ao facto de o despacho de fls. de 30/03/2023 com a referência 103396993, ainda nem sequer transitado em julgado, ao admitir a substituição do pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo pelo pacto de preenchimento de livrança junto pelo Banco Embargado com o seu requerimento de 03/03/2023 com a referência 9528236 e ao ordenar que a perícia requerida e deferida sobre o pacto de preenchimento junto como documento nº 4 com o requerimento executivo seja agora substituída por uma outra perícia sobre a letra e assinatura alegadamente apostas pelo falecido BB no pacto de preenchimento junto pelo banco Embargado em 03/03/2023, está em manifesta contradição quer com o douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820 transitado em julgado em 16/11/2022, quer com o douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146 transitado em julgado em 15/12/2022 nos termos dos quais foi decidido não só a inserção nos temas da prova da questão de saber se a concreta letra e assinatura alegadamente da autoria do falecido BB constantes do pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo foram efectivamente da autoria do falecido BB, mas também ordenada a realização de exame pericial à concreta letra e assinatura alegadamente da autoria do falecido BB constante no pacto de preenchimento de livrança identificado como documento nº 4 no requerimento executivo; 21 - Ora e verificando-se tão ostensiva contradição de julgados, impõe-se que seja corretamente observado e consequentemente se dê cumprimento às disposições conjugadas do nº 1 do artigo 620º e dos nºs 1 e 2 do artigo 625º, ambos do Código de Processo Civil, das quais resulta que devem ser cumpridas as decisões que passaram em julgado em primeiro lugar, ou seja, o douto despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820 transitado em julgado em 16/11/2022 e bem assim o douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146 transitado em julgado em 15/12/2022 nos termos dos quais foi especificamente decidida a inserção nos temas da prova da questão de saber se a concreta letra e assinatura alegadamente da autoria do falecido BB constantes no concreto pacto de preenchimento de livrança junto como documentonº4 ao requerimento executivo foram efectivamente da autoria do falecido BB, e especificamente ordenada a realização de exame pericial a requerimento da Recorrente em sede de embargos à concreta letra e assinatura alegadamente da autoria do falecido BB constante no concreto pacto de preenchimento de livrança identificado como documento nº 4 no requerimento executivo; 22 - E em consequência da correcta aplicação e interpretação dos referidos normativos legais, ser, por um lado, declarada a nulidade e/ou ilegalidade do despacho de fls. de 30/03/2023 com a referência 103396993, bem como a nulidade e/ou ilegalidade de todos os actos praticados nos autos subsequentemente à prolação do referido despacho, e por outro ser ordenado que seja dado efectivo cumprimento ao decidido no despacho saneador de fls. de 27/10/2022 com a referência 101708820 transitado em julgado em 16/11/2022 e no douto despacho de fls. de 24/11/2022 com a referência 102080146 transitado em julgado em 15/12/2022, por forma a que a perícia seja realizada nos termos inicialmente requeridos pela Recorrente em sede de embargos e deferida pelo Tribunal nos termos dos dois despachos acima referidos há muito transitados em julgados; 23 - O douto despacho sob recurso violou, por isso, por erro de interpretação e/ou aplicação o nº 1 do artigo 620º e os nºs 1 e 2 do artigo 625º, ambos do Código de Processo Civil. Rematou pedindo “deve o despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro que, dando provimento ao Recurso: a) declare a nulidade e/ou ilegalidade do despacho de 30/03/2023 com a referência 103396993 e em consequência ordene que a perícia à alegada letra e assinatura do falecido BB incida sobre a alegada e correspondente letra a assinatura constantes do pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo inicial nos termos, aliás, requeridos pela Recorrente em sede da petição de embargos e deferidos pelo Tribunal com nota de trânsito em julgado, devendo, em consequência, ser expressamente ordenada a notificação do Banco Embargado para no prazo de 10 dias improrrogáveis juntar aos autos o original em suporte físico de papel daquele concreto pacto de preenchimento de livrança junto como documento nº 4 ao requerimento executivo; b) determine a anulação de todos os actos processuais praticados no processo posteriormente à prolação do despacho recorrido e que dele derivem directa ou indirectamente”. * Respondeu o Banco exequente, sintetizando nas conclusões: (…). * Dispensados os vistos, foi realizada conferência, com obtenção dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se o despacho proferido a 30.03.2023 que, no âmbito da perícia à letra e assinatura do falecido BB, decidiu admitir a substituição do documento n.º 4 pelo documento sob referência 9528236 junto a 03 de março é nula/ilegal por violação do caso julgado. * III-Fundamentação Uma nota prévia justificativa da superação das dúvidas inicialmente equacionadas no tocante à admissão do recurso, tendo-se presente que o recurso admissível ao abrigo do disposto no art. 644.º, n.º 2, d), do CPC incide sobre o despacho de admissão ou rejeição de algum meio de prova e não sobre o despacho que regule a execução/produção do concreto meio de prova admitido (o qual já não admite recurso imediato, tão só nos termos do n.º 4 desse normativo). Sem se ignorar que, no caso, a decisão acaba por se refletir também sobre os termos em que deve ser efetuada a perícia (o concreto documento sobre que incide a análise comparativa das assinaturas), acaba por ter a sua principal incidência na substituição autorizada e, consequentemente, na admissão ou não da perícia quanto à falsidade da assinatura aposta no documento junto pelo Banco exequente a 03.03.2023). Daí que se imponha o conhecimento do mesmo, de que se passa a tratar, e que tem como pressupostos os elementos exaustivamente enunciados em sede de relatório e que, por isso mesmo, só irão ser renovados na estrita medida em que se mostre necessário à fundamentação da decisão. * Com o requerimento executivo, destinado à cobrança coerciva da quantia titulada em livrança, foi, ao demais, junto como documento n.º 4, uma cópia de uma comunicação efetuada ao BPN, com data de 27.09.2010, subscrita (ou alegadamente subscrita) pelas pessoas aí identificadas, dizendo remeter uma livrança em branco, destinada ao pagamento dos valores que se mostrarem em dívida e autorizando o BPN a preenchê-la (designadamente quanto à data do vencimento e valor a pagar) e apresentá-la a pagamento. Nos embargos deduzidos a habilitada CC (em substituição processual do avalista BB[2], defendeu-se, ao demais, negando as assinaturas (ou, dito em termos mais rigorosos, dizendo “estar convencida” que o seu falecido marido não efetuou as assinaturas - cfr. art. 8.º da p.i.) apostas quer na livrança, quer na referida autorização de preenchimento. Nessa mesma peça processual requereu, entre outros meios de prova, “a realização de prova pericial à assinatura e caligrafia do falecido BB por comparação com as assinaturas e a caligrafia apostas nos originais em suporte físico de papel da livrança e da autorização de preenchimento junta como documentos n.ºs …4 … ao requerimento executivo”. Essa perícia foi admitida no despacho a que se refere o art. 593.º do CPC, proferido em 27.10.2022, sendo que no despacho de 24.11.2022 foi fixado o seu objeto nos seguintes termos: “autoria das assinaturas apostas na livrança e autorização de preenchimento (…) apurar (…) Se a assinatura infra (…) aposta no documento com o assunto garantia de responsabilidade, envio de livrança – autorização de preenchimento datada de 2010-09-27 são da autoria do falecido BB”. Assim, dúvidas não restam que uma parte do objeto do processo se centrava na questão de saber o falecido BB tinha aposto a sua assinatura na autorização de preenchimento da livrança dada à execução junta, como cópia simples, com o requerimento executivo. Ocorre que à perícia interessava o original dessa autorização de preenchimento e que o Banco exequente persistia em não apresentar. Apresentação que veio a ocorrer (em 03.03.2023), não relativamente a esse, mas a outro documento (embora igual nos seus dizeres). É então (a 29.03.2023), e só então, ante a denúncia de se tratarem de documentos diferentes, que o Banco exequente veio dizer que o documento inicial (autorização de preenchimento) tinha sido substituído por outro (aquele que agora juntou), tendo o anterior sido inutilizado e que a autorização que está em vigor e ter sido considerada pelo Banco aquando da formalização do empréstimo o junto a 03.03.2023, terminando requerendo que a perícia incida sobre o documento original junto aos autos “por corresponder ao que esteve na origem do preenchimento da livrança executada”. O Sr. Juiz, entendendo que, no essencial (conteúdo, data e intervenientes), os documentos eram iguais, admitiu a substituição. Substituição que, levada em todas as consequências (como ressalta desse despacho ao ordenar a comunicação ao perito), implica que a perícia tenha como objeto outro documento. Na essência, sem acrescentar qualquer apoio normativo, o Sr. Juiz considerou estarmos em presença de um lapso da parte cometido em ato processual e autorizou que o mesmo fosse sanado com a substituição de um documento pelo outro. Como é sabido, os erros de escrita apenas podem ser retificados a coberto dos arts. 249.º e 295.º do Código Civil e 146.º, n.º 1 do CPC, se forem ostensivos, evidentes e devido a lapso manifesto e se revelem no contexto da peça processual apresentada “é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer” e, por isso “os lapsos materiais cometidos nos articulados que a lei permite corrigir devem resultar do teor dos próprios articulados, não se podendo alegar a existência de lapso quando se pretende provar o mesmo através de elementos de prova que nem sequer constavam do processo” (cfr., por todos, o acórdão do TRL de 15.01.2013, proferido no processo n.º 493/09.0TCFUN.L1-1[3]). Cremos que, no caso, não é disso que se trata. Todavia, o art. 146.º, n.º 2 do CPC consagra um regime de suprimento de deficiências formais dos atos das partes, admitindo de forma mais abrangente, para além da retificação de erros de cálculo ou de escrita, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa. Esse regime, como se refere no Ac. do STJ de 03.06.2015 (processo 3937/09.8TTLSB.L1.S1) assenta nos “grandes princípios enformadores do CPC, como é o caso dos do processo equitativo, do direito à tutela judicial efetiva, da boa-fé processual, da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma, para além, num plano mais concreto, do disposto nos arts. 666.º, n.º 3, e 667.º, em matéria de correção de inexatidões e lapsos manifestos constantes de sentenças e despachos, regime que traduz o afloramento de um princípio mais geral de aproveitamento dos atos processuais que deve considerar-se aplicável aos atos das partes”. A situação dos autos tem total enquadramento nesse âmbito normativo. O Banco exequente, a quem de resto foi transmitida a posição contratual de credor, que não interveio na celebração dos contratos, incorreu no erro de considerar que o registo que detinha sobre o pacto de preenchimento era o que se encontrava em vigor. Apercebe-se, na sequência das diligências destinadas à localização do documento para a realização da perícia que, afinal, esse documento havia sido substituído por outro e, na sequência da denunciada divergência, requereu o suprimento desse erro. Não há qualquer fundamento para considerar ter existido da sua parte dolo ou culpa grave (apresentando-lhe totalmente indiferente um ou o outro documento, umas vez que o seu conteúdo é idêntico). A correção desse erro não implica prejuízo relevante para o regular andamento da causa nem, de resto, para a contraparte, que teve a oportunidade de exercer o seu contraditório e impugnar o conteúdo e a assinatura (se os documentos são iguais não vemos razões para ter assumido posição diferenciada caso o documento agora apresentado tivesse sido junto com o requerimento executivo). Assim, até por força do respeito aos princípios ligados à tutela judicial efetiva e à prevalência de fundo sobre a forma, bem andou o Sr. Juiz ao admitir a substituição, porque a coberto do art. 146.º, n.º 2 do CPC. O que repugnaria ao mais elementar sentido de justiça seria, à míngua de uma troca de documentos (em tudo idênticos) relativos a um negócio em que não interveio diretamente, numa lógica estritamente formal, privar o credor do direito ao recebimento do crédito. E, contrariamente ao avançado em sede de recurso, essa decisão em nada colide com o caso julgado. O caso julgado formal que se formou respeita à perícia determinada relativamente ao documento que, de acordo com o alegado, o falecido BB subscreveu, autorizando o preenchimento da livrança. Documento esse que, como se veio a revelar, não era o que então constava do processo mas um outro junto posteriormente, não podendo dizer-se que a nova decisão contradiga, em termos substanciais, a decisão anterior, mantendo-se a estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito (a perícia sobre o documento que autorizou o preenchimento da livrança). Não se está a reapreciar a necessidade/legalidade da perícia, um “voltar atrás” ou uma nova ponderação, tão só a fazê-la incidir sobre o objeto (material) que se tinha como pressuposto da decisão que a ordenou e fixou o seu objeto – a autorização que, de acordo com o Banco exequente, consentiu o preenchimento da livrança nos termos como foi feito. Relativamente ao fixado objeto da perícia “autoria das assinaturas apostas na livrança e autorização de preenchimento (…) apurar (…) Se a assinatura infra (…) aposta no documento com o assunto garantia de responsabilidade, envio de livrança – autorização de preenchimento datada de 2010-09-27 são da autoria do falecido BB” nada foi decidido em divergência no despacho recorrido. Deve o recurso, como tal, ser julgado improcedente.
Sumário[4]: (…).
IV - DECISÃO Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. * Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 13 de junho de 2023
(Paulo Correia) (Helena Melo) (Emídio Francisco Santos) [1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Helena Melo e Emídio Francisco Santos [2] - Em rigor, a execução não foi proposta contra o herdeiro, mas contra o devedor. [3] - Todos os acórdãos citados encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt [4] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). |