Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/18.0T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA DA CRIANÇA
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1901, 1906 CC, LEI Nº 61/2008 DE 31/10
Sumário:
1. O regresso da progenitora ao país onde viveu os seus últimos anos – e que correspondeu ao da casa de morada de família das suas filhas, do menor e de ambos os progenitores até virem para Portugal –, por razões relacionadas com a não adaptação das filhas a este país, não pode ser valorado como um mero exercício do direito à “liberdade de residência”.
2. Passando um dos progenitores a residir em Portugal e outro em Inglaterra, na decisão sobre a fixação da residência do menor dever-se-á dar prevalência àquela que se aproxime mais do ambiente a que o menor estava habituado e que não implique a separação do menor dos seus irmãos..
Decisão Texto Integral:
Processo nº 95/18.0T8CNT.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Alberto Ruço
2º Adjunto: Vítor Amaral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

O Ministério Público intentou a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais em representação do menor A (…) contra D (…) e P (…) pais do menor,

Alegando, em síntese, que os requeridos não são casados entre si, encontrando-se separados de facto desde novembro de 2017, não se encontrando de acordo relativamente ao exercício do das responsabilidades parentais referentes ao menor.

Realizada a conferência a que alude o artigo 35º da OTM, na qual, não tendo sido possível obter o acordo de ambos os progenitores – cada qual mantendo as suas posições iniciais, ambos reclamando a fixação da residência deste filho junto de si –, foi determinado um regime provisório com residência do menor junto do pai.

Na audiência de discussão e julgamento, cada um dos pais reclamou a fixação da residência do filho A (…) junto de si. O Ministério Público, ainda que tenha adiantado reconhecer mérito à pretensão da mãe, em nome da segurança conhecida presentemente à criança o seu parecer foi no sentido da conversão do regime provisório em definitivo no que à residência diz respeito, acrescentando – quanto aos contactos com a mãe - que, no seu entender, esta poderia ter o filho na sua companhia durante metade de todos os períodos de interrupção letiva (Natal, Páscoa e verão).

Realizada a audiência de julgamento, o juiz a quo proferiu sentença, regulando as responsabilidades parentais nos seguintes termos:

“1) A residência da criança é fixada junto do pai, que exercerá as responsabilidades parentais referentes ao quotidiano e à vida corrente da criança, salvo quando esta estiver aos cuidados da mãe, que, então, as exercerá;

2) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância na vida da criança serão exercidas por ambos os progenitores;

3) A mãe poderá ver e estar com a criança sempre que se desloque a Portugal, e pelo tempo em que cá permanecer, desde que avise o pai com antecedência mínima de 15 dias, sem prejuízo das obrigações escolares da criança;

4) A mãe pode contactar com a criança, por qualquer meio de comunicação à distância, sempre que quiser, sem prejuízo dos horários de repouso e escolares da criança, devendo o pai viabilizar os meios técnicos necessários à consecução desse propósito, em moldes a combinar entre ambos;

5) A mãe poderá ter a criança na sua companhia em metade dos períodos de interrupção letiva/escolar desta, em termos a acordar com o pai, sendo que, caso opte por fazê-lo no país da sua atual residência, terá que suportar o custo das respetivas viagens.

6) A mãe deverá pagar a título de alimentos à criança a quantia de €115,00 mensais, a entregar ao pai até ao último dia de cada mês.”


*

Inconformada com tal decisão, a mãe da menor dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula Face ao manifesto incumprimento da obrigação de nelas sintetizar os fundamentos do recurso (nº1 do artigo 639º CPC).:

(…)


*

O Ministério Público e o progenitor apresentaram, cada um, as suas contra-alegações, no sentido da manutenção do decidido.

Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:

1. Impugnação da matéria de facto – admissibilidade e relevância.

2. Se é de alterar o decidido quanto à confiança do menor.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A. Matéria de facto
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

A) A requerida é solteira tendo nascido na Ilha da … onde residiu até 2006, ano em que emigrou para Inglaterra em busca de melhores condições de vida, levando consigo as filhas N… e L….

B) N (…) nasceu a … de 2001, e L (…) nasceu a … de 2004, sendo ambas filhas da requerida.

C) A requerida beneficiou, desde a sua chegada a Inglaterra, de todos os apoios e benefícios sociais que o Estado inglês concede a famílias monoparentais, tal como era a sua, razão pela qual beneficiou desde sempre da atribuição de subsídio de renda de casa e dos demais “benefits” atribuídos a título de abono de família em favor de cada uma das menores que sempre frequentaram os estabelecimentos de ensino adequados.

D) Também se encontram emigradas em Inglaterra a mãe e duas irmãs da requerida, com quem esta, as suas filhas L (..:) e N (…) , o requerido e a criança A (…) conviveram quando se encontravam em Inglaterra e com quem a requerida e as filhas continuam a conviver.

E) Em fevereiro de 2014, a requerida travou conhecimento com o requerente P (…), também ele solteiro, emigrante e residente naquela mesma localidade de C…, dando início a uma relação amorosa, que se manteve até novembro de 2017.

F) A relação entre o casal sempre se pautou por um bom relacionamento e um convívio feliz do requerido com as filhas da requerida, o mesmo já não acontecendo com a restante família da requerida com quem o requerente não simpatizava especialmente, sendo motivo de algumas pequenas discórdias embora sem comprometer a sua boa relação.

G) O A (…) é o primeiro (e muito desejado) filho do requerido, tendo nascido na cidade de C..., onde sempre residiu até junho de 2017.

H) Os avós paternos do A… passaram a visitar ainda mais frequentemente o casal para verem o filho e o neto.

I) A mãe do requerente, numa das suas visitas a Inglaterra começou a exercer pressão sobre o requerente para que regressasse a Portugal para junto de si no lugar de …, área da comarca de …, levando toda a família consigo.

J) A pressão do requerente em vir para Portugal começou a ser e foi motivo de conflito e de discussões entre o casal.

K) A filha mais velha da requerida (N (…)), antes de julho de 2017, atravessou uma fase complicada da adolescência devido aos baixos índices de autoestima, que a colocaram à beira da depressão.

L) A requerida, antes de julho de 2017, aceitou vir residir em Portugal continental na expetativa de a filha N... melhorar do seu estado depressivo.

M) Na Inglaterra, até junho de 2017, para que a requerida pudesse receber o máximo de «benefits», nunca comunicou à Segurança Social inglesa que o requerido integrava o seu agregado familiar, mantendo o seu registo, em termos de estrutura familiar, como agregado monoparental.

N) Por forma a não perder parte dos ditos «benefits», o requerido escondia-se sempre que tinham lugar ações inspetivas por parte da Segurança Social inglesa.

O) No dia 27 de junho de 2017, toda a família se mudou para Portugal, tendo fixado a sua residência na aldeia de ….

P) Em Portugal, o casal fixou a residência numa casa de renda em …, matriculou as menores N (…) e L (…) na escola em ..., arranjou trabalho (ele no BricoMarché em ... e ela inicialmente num café e depois no Lar de Idosos de ...).

Q) As menores filhas da requerida, em especial a N (…) não se adaptaram à vida em Portugal.

R) A requerida pedia insistentemente ao requerente para voltarem para Inglaterra.

S) A requerida arrependeu-se e arrepende-se de ter vindo residir para Portugal, por se não ter habituado à vida neste país.

T) A frustração sentida pela requerida passou a dar origem a novas discussões entre o casal uma vez que as filhas da requerida logo após o início do ano escolar em setembro começaram a dizer que não gostavam de Portugal, que não entendiam a língua, que não gostavam da escola e das pessoas e que queriam voltar para Inglaterra o quanto antes.

U) As menores N (…) e L (…), de 14 e 16 anos de idade, não se adaptaram à sua nova realidade social, à escola e à língua escrita e falada uma vez que, desde os seus 2 e 4 anos, viveram em Inglaterra, onde sempre frequentaram escolas inglesas.

V) Dificuldades que agravaram ainda mais o estado depressivo da filha mais velha da requerida (N (…)), sobretudo após o início das aulas em setembro de 2017, fruto da sua inadaptação à sua nova vida e ao desenraizamento que dizia sentir, tendo atentado contra a sua própria vida ingerindo álcool e medicamentos, o que justificou o seu internamento hospitalar em Coimbra e acompanhamento psicológico.

W) O assente em V) causou sofrimento à requerida.

X) A insatisfação e inadaptação das filhas e o seu permanente estado de infelicidade contribuíram para que também a requerida não se sentisse bem em Portugal.

Y) Chegado o mês de novembro de 2017, para não fazer perigar irremediavelmente o ano escolar das filhas, a requerida decidiu regressar com as mesmas à Inglaterra, embora na convicção de que o menor A (…) as acompanharia.

Z) A requerida não comunicou à sua entidade patronal a sua partida para Inglaterra, a 17 de novembro de 2017.

AA) Em novembro de 2017, o ora requerido trabalhava por conta de uma empresa de trabalho temporário, a K (…), como motorista de pesados.

BB) Com a transformação da vida familiar, o Requerido procurou e conseguiu um emprego mais perto de casa, no caso, na Firma, (…) para poder acompanhar o seu filho, bem como a nova entidade patronal e os seus colegas de trabalho lhe possibilitaram a flexibilização do seu horário de trabalho, para poder assumir em pleno as suas obrigações parentais.
CC) A criança A (…) encontra-se bem inserido na creche que frequenta durante o dia.

DD) A requerida, desde 17 de novembro de 2017 até março de 2018, ambos inclusive, não contribuiu para o sustento da criança.

EE) A criança não recebe abono de família.

FF) A requerida não tem raízes (familiares ou outras) na zona de residência do requerido.

GG) Desde novembro de 2017, é o pai (requerido) que assume integralmente todas as despesas com o menor, designadamente a creche, cuja mensalidade ascende a €115,50 mensais.

HH) No pretérito dia 21 de dezembro de 2017, pelas 9:03 horas, após contacto telefónico com a secretaria deste tribunal, a requerida D (…) enviou através do endereço de correio eletrónico (…) pertencente a sua filha L (…) , um email dirigido aos Serviços do Ministério Publico – Tribunal de Menores, expondo em breves palavras a sua situação de vida e o pesadelo em que se encontra a viver desde que saiu de Portugal rumo a Inglaterra, onde reside, por se encontrar privada da companhia do seu filho menor, A (…), em virtude de o progenitor se ter oposto a que o filho a acompanhasse na sua deslocação para Inglaterra com as duas filhas menores, concluindo a solicitar informações para obter a guarda do menor.

II) Nesse mesmo dia, o requerido P (…) dirigiu-se aos serviços de atendimento ao público do MINISTÉRIO PÚBLICO junto deste tribunal, na sequência do que preencheu um formulário requerendo a regulação das responsabilidades parentais do menor A (…).
JJ) Na posse de tais elementos e em representação da criança, o MINISTÉRIO PUBLICO instaurou os presentes autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
KK) A partir de 17 de novembro de 2017, a mãe do A (…) passou a residir, de novo, em Inglaterra.

LL) O requerido não foi ter com a requerida a Inglaterra e recusou-se a que o filho A(…)fosse viver com a mãe e as irmãs para esse país.

MM) A requerida com irregularidade ao requerente para se inteirar da vida do filho e para estar com ele falar um bocadinho ao telefone apesar da sua tão tenra idade.

NN) Após o regresso a Inglaterra em novembro último e após um período de maior instabilidade a requerida trabalhou em diversos locais, entre os quais um café, até que em 31 de Janeiro último celebrou um contrato de trabalho como empregada de limpeza por conta da (…), prestando serviço na Universidade de …, ou outro local a indicar pela entidade patronal, e auferindo 7,50 libras à hora e trabalhando 20 horas por semana.

OO) Após um período de adaptação quando chegou novamente a Inglaterra, em que a requerida viveu num “flat” com as filhas, a requerida arrendou uma casa com dois quartos, cozinha, sala e casa de banho, fixando a sua residência (…), …, que fica a cerca de 5 minutos da casa da mãe da requerida.

PP) Por sua vez, as filhas retomaram as suas atividades escolares estando muito felizes com o seu regresso a Inglaterra onde têm e criaram as suas raízes, sentindo-se a filha mais velha N (…)mais calma, otimista e feliz por ter regressado ao país tal como era a sua vontade.

QQ) A criança A (…)frequentou o infantário em Inglaterra até finais de Junho de 2017.

RR) A criança reside numa moradia dotada de confortáveis condições s de habitabilidade, com o pai, onde igualmente pernoitam com regularidade os avós paterno da primeira.

SS) Os avós paternos do A (…)convivem diariamente com este neto e ajudam o requerido na prestação dos cuidados que lhe são devidos.

TT) O A (…) também beneficia da ajuda e convívio – na creche e fora dela - de uma das funcionárias do Centro Social Polivalente de ..., que já trazia a criança da creche sempre que os pais e os avós paternos não tinham essa possibilidade, pelas 18 horas, na altura em que a requerida ainda residia em ....

UU) O requerido aufere €760, 00 mensais ilíquidos.
VV) A requerida celebrou contrato de trabalho como empregada de limpeza, em Inglaterra, com efeitos a partir de 31.01.2018, sendo o local de trabalho a Universidade de … ou outro a definir pela entidade patronal, com a duração semanal de 20 horas, e mediante a retribuição mensal de 600 libras.

WW) Também em Inglaterra, a requerida encontra-se a trabalhar num café desde14.12.2017, com uma carga horária semanal de 40 horas e mediante a retribuição mensal de 1200 libras.

XX) O horário de trabalho da requerida no café é o seguinte:
11h – 17.30 h;
18h30 – 20.30 (sextas e sábados).

ZZ) A requerida, antes de partir para Inglaterra a 17.11.2018, dirigiu-se ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em Coimbra e ao Tribunal Judicial de ..., a fim de saber como poderia levar o filho A (…).


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1. Impugnação da matéria de facto.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


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Insurge-se a Apelante contra a decisão proferida relativamente aos factos dados como provados sob as alíneas N), O) e MM), requerendo a introdução de alterações mínimas e que, em nosso entender se afiguram perfeitamente irrelevantes para a decisão da questão em apreço – determinação da residência do menor junto do pai (em Portugal), ou junto da mãe (em Inglaterra).

Assim sendo, não se conhecerá de tal impugnação, por inútil.


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B. O Direito

1. Fixação da residência do menor, residindo cada um dos progenitores em países diferentes

A Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, que procedeu à última reforma ao Código Civil em matéria do Direito da Família, introduziu importantes alterações às regras que estabelecem o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores em caso de dissociação familiar.

A primeira alteração consistiu, desde logo, na substituição da expressão “poder paternal”, por “responsabilidades parentais”, consagrando a igualdade de direitos e de deveres de ambos os pais relativamente à pessoa e ao património dos filhos menores Ou, como se afirma no Acórdão do TRL de 28-06-2012, com os progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor, seu filho, nos termos preceituados nos artigos 1901º e ss., do CC – Acórdão relatado por Ana Luísa Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt. .

Do percurso pelas alterações introduzidas aos artigos 1901º a 1912º do Código Civil (CC), surge realçada a funcionalidade dos poderes que integram as responsabilidades parentais, colocando a criança e o seu interesse no centro do exercício de tais responsabilidades.
Mais se salienta a imposição legal, em caso de dissolução familiar, que o regime fixado garanta “uma grande proximidade da criança com ambos os progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades” – artigo 1906º, nº7.
E, como se afirma no acórdão do TRL de 28-06-2012 Relatado por Ana Luísa Geraldes, disponível in www.dgsi.pt. , com a publicação e alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, não mais serão admissíveis ou defensáveis teorias ou práticas que desconsiderem ou menosprezem a realidade jurídica subjacente e vertida neste novo modelo, com a instituição da mudança de paradigma.

Como corolário dos princípios citados, o artigo 1906º estabeleceu como regime regra, em caso de divórcio ou separação dos pais, o exercício em comum por ambos os progenitores quanto às questões de particular importância na vida do filho.
O exercício conjunto, porém refere-se unicamente aos atos de particular importância, pois a responsabilidade pelos “atos da vida corrente” cabe exclusivamente ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente – nº 3 do artigo 1906º.

A abandonando o conceito de “guarda”, e partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita (artigos 1906º, ns. 5 e 6, do Código Civil e artigos 180º e 177º da OTM), o legislador aponta alguns elementos concretizadores de tal conceito: “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais da criança com o filho” (artigo 1906º, nº 5); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores (artigo 1906º, nº7).

No caso em apreço, e sem que qualquer um deles alegue expressamente qualquer falta de capacidade do outro para cuidar e educar o menor André, ambos os progenitores sustentam que a residência do menor deverá ser fixada junto de si.

Apontando os estudos mais recentes como solução “preferencial” a denominada “residência alternada” Neste sentido, entre outros, Jorge Duarte Pinheiro, “Estudos de Direito das Famílias e das Crianças”, AAFDL Editora 2015, p. 338-339, e Ana Teresa Leal, “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho de 2014, Ebook do CEJ p.372, disponível na net in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf, e Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.10, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. – a única que garante um mesmo grau de oportunidades a cada um dos progenitores junto dos filhos e uma vivência mais aproximada com cada um dos progenitores com aquela que o menor usufruiria se não fosse a separação dos progenitores –, neste caso tal hipótese surge inviabilizada, desde logo, pelo facto de a mãe se encontrar a residir em Inglaterra e o pai residir atualmente em Portugal.

Não haverá, assim, no caso em apreço, qualquer solução legal alternativa à fixação da residência do menor com um, ou com o outro, dos progenitores, impondo-se ao tribunal a ingrata posição de optar por um ou por outro, independentemente de ambos aparentarem ser progenitores extremosos e interessados.

Vejamos os traços mais marcantes do circunstancialismo de facto que rodeou o nascimento do menor quando os pais viviam ainda juntos em Londres, a vinda do agregado para Portugal, seguida do regresso da mãe, poucos meses após, permanecendo o pai em Portugal com o menor:

- o progenitor e a progenitora viviam ambos em Inglaterra, na localidade de (…) quando aí se conheceram e aí viveram juntos na casa da progenitora, para onde o progenitor foi morar;

- a progenitora já aí vivia com as suas duas filhas, N (…) e L (…) de 14 e 16 anos de idade, desde 2006, onde se encontram igualmente emigradas a sua mãe e duas irmãs da progenitora;

- o menor A(…) nasceu a … de 2016, em C…, onde residiu, juntamente com ambos os progenitores e as irmãs, até junho de 2017;

- o A (…) frequentava aí o infantário;

- o casal e o seu agregado familiar (composto também pelas duas filhas da progenitora e pelo A (…)) vieram para Portugal, fixando a sua residência em ..., ..., essencialmente por pressão dos pais do progenitor, aí residentes;

- as filhas da progenitora, N (…) e L (…) não se adaptaram a viver em Portugal, nomeadamente à escola e à língua (a L (…) que, já antes sofria de depressão, atentou contra a sua própria vida ingerindo álcool e medicamentos, o que justificou o seu internamento nos HUC e acompanhamento psicológico;

- em novembro de 2017, a progenitora, para não fazer perigar irremediavelmente o período escolar, decidiu regressar com as duas filhas a Inglaterra, na convicção de que o menor A (…)também a acompanharia;

- progenitora reside desde então em …, Inglaterra com as suas filhas, onde vive numa casa com dois quartos, que fica a 5 minutos da casa da Requerida;

- o A(…) continua a residir em ..., numa moradia, com o pai e onde os avós paternos pernoitam com regularidade;

- o menor frequenta uma creche onde se encontra bem inserido;

- ambos os progenitores trabalham e auferem rendimentos.

Da materialidade acima descrita e do demais circunstancialismo fáctico dado como provado ressalta que a Inglaterra é o ambiente natural do menor e do agregado familiar em que se insere – não só, corresponde ao país onde os progenitores residiram mais tempo enquanto casal (apenas residiram em Portugal durante cerca de 4 meses), como é lá que se mantém o grosso do seu agregado familiar nuclear – a mãe e as duas irmãs do menor, quando em Portugal apenas ficou a residir o pai (os respetivos avós acabam por não contar para o “desempate”, pois ambos os progenitores gozam do apoio da respetiva família alargada, nomeadamente do apoio dos avós maternos e paternos do menor).
O regresso da progenitora a Inglaterra surge, não só, como justificado pelo circunstancialismo de facto que o rodeou – clara inadaptação, não só da sua parte (sendo natural da ilha da …, onde residiu até 2006, quando emigrou para Inglaterra, nunca vivera no “continente”), mas sobretudo, das suas duas filhas mais velhas ao país e à língua, com o agravamento dos estados depressivos de uma delas –, como configura a atitude que se impunha para o bem dos seus filhos, em especial das suas duas filhas mais velhas.
Desconhecemos por que motivo(s) o pai do menor não colocou a hipótese ou não se decidiu a acompanhá-las.

Não se subscreve a posição assumida na sentença recorrida relativamente à avaliação que aí é feita da ida da progenitora para Inglaterra – a progenitora não decidiu unilateralmente, e por um eventual e mero capricho, ou sobrepondo a sua vontade aos demais interesses do agregado familiar, ir viver para Inglaterra. Ela limitou-se, depois de uma curta e falhada estadia em Portugal (tentativa que resultara da pressão dos pais do progenitor), a regressar ao país que considerava o seu, onde vivia há mais de 10 anos com o seu agregado familiar (composto, primeiro pelas suas duas filhas e depois pelo o progenitor e o menor A (…)) e onde residem também a sua mãe e irmãs (da progenitora).

É certo que – pelo facto de o progenitor, à última hora, não ter dado o seu consentimento a que a mãe levasse consigo o filho de ambos – o menor se encontra a residir com o pai desde novembro de 2017 (e que, face ao facto de até agora não ter existido uma decisão definitiva do tribunal, tal situação já se prolonga desde há cerca de 9 meses) – e que o menor se apresenta bem cuidado.

O facto de o menor ser o único filho do requerido (pelo desgosto que lhe poderá causar a separação, a si e aos avós paternos) não deverá pesar na decisão respeitante à fixação da residência do menor (sendo que, igual desgosto acarretará para a mãe e respetiva família alargada, a solução inversa), devendo tal decisão dar primazia à solução que, na situação em concreto, poderá ir de encontro aos interesses do menor.

Partindo da ideia de que ambos os progenitores – no sentido da figura do pai e da mãe – têm um papel fundamental, insubstituível e complementar, no desenvolvimento saudável de uma criança, e sem que, por princípio, se dê prevalência a algum deles –, uma das circunstâncias que, no caso em apreço, se nos afigura apresentar um peso acrescido na terrível decisão de escolher a residência junto do pai ou da mãe – quando a distância física que os separa implica que o menor só em períodos específicos, tais como férias escolares, tenha a hipótese de ter contacto direto com o outro progenitor a quem não for confiado – reside na circunstancia de que a fixação da residência junto do pai o privará não só, de crescer junto de um dos progenitores, mas também junto das suas irmãs.

Também o facto de que, sendo o pai solteiro e sem qualquer outra pessoa ao seu cargo, mais facilmente se poderá deslocar a Inglaterra para visitar o menor fora dos períodos escolares deste, poderá constituir um ponto a favor da fixação da residência do menor junto da mãe; assim como, o constituirá o facto de, tendo as suas irmãs já 14 e 16 anos, com cuja ajuda a mãe poderá contar nos cuidados a prestar ao menor, quando o pai apenas poderá contar com os avós paternos (ajuda a que recorrerá com frequência, e não só para o substituir nas suas ausências derivadas dos seu horário de trabalho, uma vez que foi dado como provado pernoitarem estes muitas vezes para o efeito em casa do progenitor).

Quanto ao facto de a mãe trabalhar fora e ter dois empregos – valorado negativamente pela sentença recorrida e retirando daí a ilação de que a mãe teria menos disponibilidade para o menor no seu dia-a-dia – encontra-se, nesse ponto específico, em situação similar à do progenitor: também ele trabalha no Bricomarché de ..., onde dificilmente escapará à realização de um trabalho por turnos e por vezes também ao fim de semana. Quer viva com o pai, quer viva com a mãe, o menor passará o dia na creche (frequenta a creche em Portugal, como antes frequentava em Inglaterra), dispondo, em ambos os casos, de apoio familiar de retaguarda se necessário (a mãe do apoio direto das irmãs do menor e, ainda, da avó materna que reside nas proximidades, e o progenitor o apoio dos avós paternos do menor). Por outro lado, a circunstância de os avós paternos, vivendo em ..., pernoitarem com regularidade na moradia do progenitor (dados como provados sob o ponto RR e SS), dá-nos a entender que o papel que representam nos cuidados a prestar ao A(…) irá bem para além do necessário a preencher os períodos em que o progenitor se encontrará impedido por razões laborais.

Pouco mais haverá a acrescentar para fundamentar uma decisão que, mais do questões jurídicas, levanta questões cuja resolução envolverá essencialmente uma grande dose de bom senso, e uma leitura dos dados disponíveis à luz do estado atual do pensamento dominante em sede de direito de família, nacional e europeu.

Colocados perante o grave dilema e a, sempre penosa, decisão se de ter de optar por um dos progenitores, quando ambos amam o seu filho e se apresentam como bons cuidadores, no caso em apreço a residência junto da mãe e das irmãs surge-nos – assim divergindo do decidido na sentença recorrida – como a solução que, em nosso entender, melhor corresponderá aos interesses do menor André, atualmente com cerca de dois anos e meio de idade.


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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, e regulando-se o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

1. A residência da criança é fixada junto da mãe, que exercerá as responsabilidades parentais referentes ao quotidiano e à vida corrente da criança, salvo quando esta estiver aos cuidados do pai, que, então, as exercerá;

2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância na vida da criança serão exercidas por ambos os progenitores;

3. O pai poderá ver e estar com a criança sempre que se desloque a Inglaterra, e pelo tempo em que lá permanecer, desde que avise a mãe com antecedência mínima de 15 dias, sem prejuízo das obrigações escolares da criança;

4. O pai pode contactar com a criança, por qualquer meio de comunicação à distância, sempre que quiser, sem prejuízo dos horários de repouso e escolares da criança, devendo o pai viabilizar os meios técnicos necessários à consecução desse propósito, em moldes a combinar entre ambos;

5. O pai poderá ter a criança na sua companhia em metade dos períodos de interrupção letiva/escolar desta, em termos a acordar com a mãe, sendo que, caso opte por fazê-lo no país da sua atual residência, terá que suportar o custo das respetivas viagens.

6. O pai deverá pagar a título de alimentos à criança a quantia de €115,00 mensais, a entregar ao pai até ao último dia de cada mês.”

Custas da apelação a suportar pelo progenitor (o Ministério Publico encontra-se delas isento).

Coimbra, 25 de setembro de 2018

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. O regresso da progenitora ao país onde viveu os seus últimos anos – e que correspondeu ao da casa de morada de família das suas filhas, do menor e de ambos os progenitores até virem para Portugal –, por razões relacionadas com a não adaptação das filhas a este país, não pode ser valorado como um mero exercício do direito à “liberdade de residência”.

2. Passando um dos progenitores a residir em Portugal e outro em Inglaterra, na decisão sobre a fixação da residência do menor dever-se-á dar prevalência àquela que se aproxime mais do ambiente a que o menor estava habituado e que não implique a separação do menor dos seus irmãos.

Maria João Areias ( Relatora)

Alberto Ruço

Vítor Amaral