Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
348/22.3T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIOS CONFINANTES
ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ALIENAÇÃO
RENÚNCIA
DEPOIMENTO DE PARTE
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 411.º; 417.º, 1; 452.º, 1; 463.º; 465.º E 466.º, DO CPC
ARTIGOS 342.º, 1; 352.º; 405.º, 1; 416.º; 1380.º, 1 E 4; 1381.º E 1410.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. - No âmbito da ação de preferência de proprietário de prédio confinante (art.º 1380.º, n.ºs 1 e 4, do CCiv.), os “elementos essenciais da alienação” (art.º 1410.º, n.º 1, do mesmo Cód.) traduzem-se no projeto de alienação e cláusulas do respetivo contrato, mormente as referentes à pessoa do proponente e ao preço (seu montante e tempo/condições de pagamento), elementos essenciais de qualquer negócio transmissivo oneroso [cfr., quanto à compra e venda, os art.ºs 874.º, 879.º, n.º 1, al.ª c), e 885.º, todos do CCiv.].

2. - Cabendo ao proprietário alienante um dever de informação sobre tais elementos essenciais da alienação, cujo cumprimento não se presume, e não ao titular do direito de preferência um ónus ou dever de se informar em caso de inobservância daquele dever do alienante (art.ºs 1409.º, n.ºs 1 e 2, e 416.º, ambos do CCiv.), tal dever fica cumprido se o alienante transmite atempadamente a identidade do proponente e o preço estabelecido e mostra total disponibilidade para realização de um “acordo de pagamento”, no sentido de facilitar o mais possível esse pagamento.

3. - Se, perante isso, o titular do direito de preferência opta por não aceitar o negócio proposto, expressando “não querer comprar”, sem propor alternativa, ocorre renúncia, em concreto, ao exercício do seu direito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

A..., Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória ([1]) com processo comum contra

1.ºs - AA e mulher, BB e

2.ª - “B..., Ld.ª”,

estes também com os sinais dos autos,

pedindo:

«A) Que se reconheça à A. o direito de preferência sobre os prédios rústicos identificados no art. º 8 e 9 da P.I., substituindo-se à Segunda Ré na escritura de compra e venda,

B) Que sejam os réus condenados a entregarem os referidos prédios à A., livres e desocupados,

D) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos, ónus ou encargos que a 2ª Ré compradora, haja feito a seu favor em consequência da compra dos supras referidos prédios, designadamente o constante das inscrições AP ...44 de 2019/12/05, que abrange dois prédios, e referentes ás descrições nº ...27 e ...26, da Freguesia ... (…) e outras que esta 2ª Ré venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem.”.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- a A. é proprietária de um prédio rústico, que identifica (prédio inscrito na matriz sob o art.º ...56.º-rústico, da Freguesia ..., do concelho ..., sito em ..., com a área de 0,149000 Ha, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06, daquela freguesia);

- tal prédio confina a sul com um prédio rústico, designado por “...”, com a área de 0,148000 Ha (1480 m2), inscrito na matriz predial sob o art.º ...55.º-rústico, da dita freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...05, com inscrição de aquisição a favor da 2.ª R. (“B...”), prédio esse que, por sua vez, confina pelo lado sul com outro prédio rústico, também designado por “...”, com a área de 0,149000 Ha (1490 m2), inscrito na matriz predial sob o art.º ...54.º-rústico, da dita freguesia, descrito na mesma Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...05, igualmente a favor da 2.ª R.;

- tendo em conta que estes dois prédios foram adquiridos pela 2.ª R. aos 1.ºs RR., em 06/11/2019, sem que tivesse sido dada oportunidade à A. de exercer o seu direito de preferência, vem a demandante exercer tal direito pela presente via judicial.

Os 1.ºs RR. não contestaram nem constituíram mandatário.

A 2.ª R., por seu lado, apresentou contestação e reconvenção.

Em síntese, impugnando diversa factualidade alegada pela contraparte e concluindo pelo naufrágio da ação, alegou que:

- atento o seu objeto social (que não inclui atividade de exploração agrícola), não assiste à A. o direito de preferência sobre os aludidos prédios rústicos, que só podem ser destinados à agricultura;

- o prédio com o art.º ...54.º não confina com qualquer prédio de que a A. seja proprietária, pelo que inexiste, quanto a tal prédio, qualquer direito legal de preferência da A.;

- Só a 2.ª R. é proprietária confinante com direito legal de preferência nesse âmbito (prédio com o art.º ...54.º);

- relativamente ao prédio do art.º ...55.º, que confina com o referido prédio ...54.º, tendo sido ambos adquiridos no mesmo dia, mas em primeiro lugar o prédio do art.º ...54.º, sucede que, no momento subsequente, sempre haveria, igualmente, direito de preferência sobre o outro prédio adquirido (art.º ...55.º);

- ocorre caducidade do direito de ação, bem como renúncia pela A. ao seu direito de preferência.

Em reconvenção, pediu, a título subsidiário, em caso de procedência da ação – referindo que despendeu valores monetários com a aquisição dos referidos imóveis, limpeza e realização de benfeitorias nos mesmos, pelo que deverá ser compensada nos respetivos montantes –, que seja a A./Reconvinda condenada a pagar-lhe «OS VALORES DE € 4.000,00 E, € 9.500,00 REFERENTE AO PREÇO DE AQUISIÇÃO DOS IMÓVEIS NO VALOR DE € 13.500,00 E, AINDA, O VALOR DAS DESPESAS COM A ESCRITURA, REGISTOS E HONORÁRIOS DA SOLICITADORA NO VALOR DE € 612,20, BEM COMO AS DEMAIS DESPESAS EFECTUADAS NOS IMÓVEIS NO VALOR DE € 11.236,74, TUDO NO VALOR TOTAL DE € 25.348,94, DEVENDO AINDA, EM CASO DE PROCEDÊNCIA DA ACÇÃO, SER RECONHECIDA À 2ª RÉ RECONVINTE O DIREITO DE RETENÇÃO SOB OS IMÓVEIS DESCRITOS NOS ARTIGOS 8 E 9 DA P.I. ATÉ QUE LHE SEJA LIQUIDADO O VALOR SUPRA REFERIDO.».

A Autora apresentou réplica, concluindo pela procedência da ação e improcedência da reconvenção.

Dispensada a audiência prévia, saneado o processo, com admissão da reconvenção, e definidos o objeto do litígio e os temas da prova, prosseguiram os autos para julgamento.

Realizada a audiência final, com produção de provas, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo ([2]):

«(…) decide-se julgar a acção totalmente improcedente e a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência:

i) Absolver os Réus AA, BB e B..., Lda. dos pedidos deduzidos pela Autora A..., Lda.;

ii) Não ordenar o cancelamento dos registos, tal como peticionado pela Autora;

iii) Absolver a Autora do pedido reconvencional deduzido pela Ré B..., Lda..» (destaques subtraídos).

Inconformada com tal decisão, vem a A. interpor o presente recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([3])

«

a diferença de valores foi sempre impugnada nas várias peças processuais da Autora, sendo que o prédio referente ao artº ...54 Rústico foi escriturado e vendido por 4.000,00 Euros (quatro mil euros) e o prédio correspondente ao artº ...55 Rústico, ambos da Freguesia ..., foi escriturado e vendido pelo preço de 9.500.00 Euros (nove mil e quinhentos euros ambos são sitos em ..., com solos de idèntica composição e natureza e a divergencia de áreas é apenas de 10 m2 - o artº ...54 tem a área de 1.490 m2 e o artº ...55 tem 1.480m2- tal como resulta dos documentos juntos pelo que devia ter sido dado como não provado tal facto dado que o diferencial de valores nada tem que ver com as alegadas "acessibilidades", basta ver no local e no mapa e plantas juntos, tendo a juiz "a quo" desconsiderado ou ignorado, sem qualquer razão, as provas documentais produzidas a prova documental emanada das competentes instâncias (serviço de finanças e Conservatória do Registo predial) é avassaladora, não foi impugnada por nenhuma das partes e não bastam meras considerações ou expresões populares tais como a "fazenda"

O Tribunal "a quo" considerou, desde logo, o depoimento de parte do Réu AA, porquanto, ao longo de todo o seu depoimento, se referiu aos prédios em apreço – que vendeu – referindo-se a dois artigos com descriminação de preços diferentes para cada um-

dai que a senhora juiz "a quo" não se pudesse substituir ás entidades oficialmente competentes para regular e fiscalizar essas realidades juridicas, no caso o serviço de finanças de ... e a Conservatória do Registo Predial ..., o que surpreendentemente sucedeu "in casu", desconhecendo-se donde foram retiradas tais brilhantes e inauditas conclusões jurídicas ínsitas na sentença de que ora se recorre, aliás, é algo nunca visto na jurisprudência, dado que se faz "tábua rasa" da própria identificação dos prédios que é produzida - e que não foi impugnada

ao juiz "a quo" é-lhe vedado colocar em causa o edificio juridico e institucional pré-estabelecido, como infelizmente sucedeu "in casu", sob pena de a justiça se tornar algo de incompreensível, inseguro, estranho e repugnante até para qualquer cidadão, com o devido respeito.

Pelo que devia ter sido dado como provado o que é facto juridico assente e comprovado documentalmente pelas entidades competentes, que se trata de dois prédios, o que aliás decorre de todo o processo e não tendo sido impugnado por nenhuma das partes,

nem alegado que se tratava de um único prédio, torna-se tal entendimento flagrantemente contraditório com todas as provas produzidas no processo, que tratavam-se de dois prédios, porque o que interessa é a realidade fisica e juridica dos mesmos e o conhecimento que as partes têm dela e que vem plasmada nos autos e disso estas não podem fugir ou tentar iludir o tribunal.

2ª conclusão

Quanto ao facto 13º, é falso que a A. destinasse os prédios a um "projeto turistico", ainda que a testemunha CC dissesse que o lagar dos monges de ... – um outro prédio da Autora – teria de ser recuperado e poderia fazer parte de um projeto turistico, mas os prédios, objeto da preferência, serviriam para a agricultura ou para hortas, daí que devia ter sido dado como provado que os prédios se destinavam á agricultura porque não foi o que resultou do depoimento do CC.

Quanto ao facto 18, considera-se provado que o Réu AA, telefonicamente, lhe tinha proposto a compra dos prédios identificados em 3) e em 4), pelo preço global de € 13.500,00, correspondente ao valor de € 9.500,00 pelo prédio identificado em 3), e ao valor de € 4.000,00 pelo prédio identificado em 4);

a Autora só soube da venda e do diferencial dos valores quando obteve a cópia da escritura na Conservatoria de ..., e não antes;

o depoimento "de parte" do Réu . revel. AA depôr na qualidade de uma mera testemunha, o que, segundo a lei adjetiva e substantiva é violador do estatuto do depoimento de parte previsto no artº.do CPC que tem em vista a confissão e tem os limites previstos na lei, que obviamente não foram respeitados;

Ora, a lei vigente e as próprias regras da experiência comum ditam que este Réu nunca podia ou devia ser ouvido nessa qualidade, depondo de uma forma ampla, sem outros limites que não fossem a defesa dos seus interesses e dos interesses da 2ª Ré, assistindo-se a um verdadeiro depoimento parcial, viciado e manifestamente instruído e que mereceu toda a atenção e a complacência da senhora "juiz a quo", erradamente, e ao arrepio das normas legais que regem esta matéria, diga-se em abono da verdade

Face ao exposto, que assume alguma gravidade processual, tal depoimento pela forma como foi prestado, não pode deixar de ser considerado e declarado nulo e de nenhum efeito, devendo as declarações proferidas serem declaradas como não escritas, com as legais consequências, o que se requer;

3ªconclusão

Quanto aos factos 19 e 20, considera-se provado que:

o Réu AA disse ao legal representante legal da Autora que poderia ficar com os prédios (…) por tal preço, podendo ser feito um acordo de pagamento;

e que na circunstância descrita em 18), o legal representante da Autora não quis comprar os prédios identificados em 3) e em 4), pelo preço global de € 13.500,00, correspondente ao valor de € 9.500,00 pelo prédio identificado em 3), e ao valor de € 4.000,00 pelo prédio identificado em 4);

Ora, para além de ser falso o vertido nestes dois pontos, que se impugnam também, por nunca ter havido tal conversa com tal teor, nem qualquer proposta de acordo de pagamento - acordo de pagamento secreto houve, sim, entre os 1ºs RR e a Ré B..., que pagou o preço por varias vezes como vem expresso na Escritura pública de compra e venda - e muito menos que a Autora não quisesse comprar, mas curioso se torna sublinhar que afinal a senhora juiz "a quo" considera aqui, expressamente, que sempre havia dois prédios, e não apenas um, quando no ponto 19 expressa: " a Autora poderia ficar com os prédios"!

É para nós algo desconsertante tanta contradição flagrante, sendo que a base de que partiu a juiz "a quo" vai se esmorenando pouco a pouco, vindo a verdade ao de cima, como se diz, e não havendo margem para dúvidas quanto á "qualidade" da prova carreada pelo 1º Réu AA, valendo aqui também "mutatis mutandis" tudo o que se expendeu acima quanto a esse aspeto e quanto á nulidade de tal depoimento, por ser violador das regras do depoimento de parte.

Aliás, o filho do legal representante da Autora, CC disse que nunca presenciou tais conversas com tais conteúdos, quando foi inquirido, sendo que trabalha com o pai no dia-a-dia.

4ªconclusão

Fato impugnado-

(fato 21) No dia 30 de Julho de 2018, o Réu AA, através de chamada telefónica, transmitiu ao legal representante da Autora, através do n.º ...44, que tinha concretizado o negócio nos termos referidos no dia 26.07.2018;

Sobre esta materia pronunciou-se a douta sentença:

Aquando do início da audiência de julgamento, e tal como resulta da respectiva acta, foi determinada a prestação do depoimento de parte dos réus não contestantes, que se realizou de imediato considerando que os mesmos se encontravam presentes nas instalações do tribunal. Sublinhado nosso. Ora estes réus não contestaram a acção e nenhuma das partes na acção requereu o seu depoimento de parte.

Aquando da prestação do depoimento de parte do Réu AA, pelo mesmo foram esclarecidos os contactos telefónicos feitos para o legal representante da Autora, nos dias 26 de Julho e 30 de Julho, ambos de 2018. Os contactos telefónicos foram assumidos pela Autora, em sede de articulado de réplica, encontrando igualmente sustentação no documento n.º 6 junto com a contestação, que se refere à lista de telefonemas efectuados por tal Réu, e de onde constam os dois telefonemas referidos o primeiro com duração de 10 minutos e o segundo com a duração de 1 minuto. Esclareceu tal réu o número telefónico do legal representante da Autora (...44), o que foi corroborado pela testemunha CC, que confirmou tal número de telefone. Porém, o teor depoimento de parte quanto ao conteudo das conversas telefonicas não deve ser considerado provado nos termos em que o foi.

O Réu AA afirmou igualmente dia 09-01-2024, minuto 2,00

A autora tem um terreno que pega com o seu?

-Sim(resposta)

Juiza_ está a qui por causa da venda de dois predios?

Réu- sim,

Juiza- Vendeu a quem ?

Réu- À B.... Eu tenho dois.

Minuto -6,40

Réu- A B... fez proposta de 9500 euros para o terreno que pega com a Estrada (terreno que confina com o terreno da Autora, sublinhado nosso) e terreno que confina com a B... por 4000 euros.

Telefonei ao DD a dizer que tinha essa proposta. Ele levou muito tempo a responder e depois disse que não. Eu até disse se o problema era o dinheiro , podia facilitar , fazes a escritura quando quiseres e depois telefonei ao DD a dizer que a fazenda estava vendida.

O reu disse a pergunta da sra Magistrada- minuto 14.30

São dois predios?

Resposta do Réu- são dois predios encostados um ao outro.

O predio de 4000 euros é o que pega com a B... que não tem serventia o de 9500 é o que pega com a estrada e que confina com o DD.

Afirma que o DD nunca demonstrou interesse pela fazenda e ao minuto 26,00 o réu disse ter recebido uma carta 3 ou 4 meses depois do negocio e negou ter recebido a carta enviada a 18 de Setembro2021 e por ele recepcionada em 23-09-2021, documento nº10 da PI e registo postal junto em audiencia de julgamento.

Diga-se que o depoimento de parte do Réu AA não se mostrou credível, por não ser espontâneo, escorreito e consentâneo com os fatos , pois nega a recepção da carta e diz que a Autora podia pagar quando pudesse, ora tal não faz qualquer sentido.

Fechou o negocio entre o primeiro e o segundo telefonema , num espaço temporal curto e o normal era receber o dinheirinho. Mais se diga que igualmente que não se pode extrair credibilidade ao depoimento pelo fato de não ter contestado e , como é obvio detêm interesse no desfecho do presente processo. As declarações do Réu AA não foram sustentadas pela Ré BB, muito menos pelo filho de ambos, a testemunha EE, ainda que este último, via conhecimento indirecto, na sequência do comunicado pelos pais.

5ªconclusão

A ré BB----

Disse:

Juiza--são dois predios?

-sim.

-em vistas para a compra tinham o sr DD que naquela altura disse que se vendessem falassem. Disse voces tem que vender isto o meu marido disse que não, falou com o meu marido varias vezes (o marido disse apenas duas vezes pelo telefone e a testemunha EE afirma , a muito custo e la diz que houve pelo menos duas conversas pessoais uma delas na casa dos pais)

e ouvi o marido dizer ao DD que tinha uma proposta de 9500 euros por um e 4000 euros por outro, se for por causa do dinheiro agente conversa e passados alguns dias ouvi dizer que tinha vendido a fazenda

O DD passados alguns dias pareceu la em casa para o meu marido desfazer o negocio.

Juiza- nessa altura a escritura estava feita?

Resposta- - nessa altura ainda não.

Juiza – o que sabe sobre o preço?

Minuto 26,00-o pagamento foi 4000 euros duma vez e 9500 euros outra

Adv dos Réus- qual foi o predio dos 4000 euros?

-BB- é o que pega com a B....

(a ré confirma o pagamento em duas vezes um em Março no ano da escritura e outro de 9500 euros na escritura)

6ªconclusão

TESTEMUNHA

EE ( filhos dos réus)

Adv do Réus- esses dois terrenos que seu pai vendeu, conhece.

EE- sim, tinham dois artigos. E disse que houve pelo menos duas conversas pessoais.

Adv da autora- o seu pai falou de ter recebido valor do preço antes da escritura?

EE- Sim.

Destes tres depoimentos nenhum é coincidente, apresentando versões diferentes e contraditorias não merecendo qualquer credibilidade porque partes interessadas e o EE confirma que parte do que diz foi por ter ouvido de seu pai que infirmou tal versão e ocultou os contatos pessoais , um dos quais em sua casa.

Assim , o fato dado como provado em 21, deveria ter dado como não provado ou caso assim se não entenda , provado que o reu tefenou ao legal representante da autora para vender os dois terrenos sem precisar o preço total da escritura e sem informar a autora da escritura de venda.

E conforme resulta do depoimento de parte da ré e de EE seu filho houve vários contatos da autora para com os segundos reus no sentido de adquirir os dois terrenos, conforme vertido pelo legal representante da autor no seu depoimento e pelo filho CC.

Pelo exposto deveria ser considerado provado o fato do artigo 22 , neste sentido:

“o legal representante da Autora referiu por varias vezes querer comprar os dois artigos, tendo havido dois contatos pessoais e dois contatos telefonicos;

Ouvida a gravação de prova não resulta das declarações, tanto pelos Réus AA e BB, como pela testemunha CC, que o legal representante da Autora contactou o legal representante da Ré B..., em Março de 2019, para falar sobre os prédios em apreço.

Falou sim com os segundos réus.

7ªconclusão

Pelo que a materia dada como não provada em a); B); e c tambem deve ser considerada provada pelo teror das alegações supra e pela trancrições da prova gravada,

Da materia dada como não provada : a) Que os preços parcelares mencionados em 7) foram acordados em função de uma eventual acção de preferência;

b) Que a Autora pretendia – e pretende - adquirir, pelo menos o prédio descrito em 3), com o intuito de o juntar ou anexar ao seu prédio – 1) – de modo a tornar a sua propriedade mais rentável do ponto de vista agrícola;

c) Que os Réus AA e BB sabiam de tal intenção porque o sócio-gerente da Autora lhes comunicou que pretendia adquirir os prédios identificados em 3) e em 4), por diversas vezes, nos últimos 2/3 anos;

Deveria ser julgada provada , ao contrario do julgado, com erro na apreciação da prova

Assim como a materia de :

d) Que, apenas em 18 de Agosto de 2021, a Autora teve conhecimento do negócio referido em 6) e 7);

e) Que a Ré B..., Lda. tinha conhecimento do direito de preferência da Autora;

g) Que, em Maio de 2018, o Réu AA propôs a venda dos prédios identificados em 3) e em 4) ao legal representante da Autora;

h) Que os trabalhos realizados pela Ré B..., Lda. nos prédios identificados em 3) ou 4) foram realizados com a intenção de prejudicar a Autora.

8ªconclusão

Como resulta da certidão de escritura junta com a PI, apenas nessa data a A teve conhecimento concreto e cabal dos elementos da transmissão dos predios e os reus não afastaram tal presunçaõ resultante de documento autentico pelo que a alinea D deve ser dada como provada.

Daí que, só na data de 18 de Agosto de 2021 o socio-gerente teve conhecimento da existência da escritura de compra e venda celebrada entre os Primeiros e a SegundaRé, por informação solicitada na Conservatória do Registo Predial ...,conforme documento que se juntaou, frente e verso e copia da escritura de compra evenda cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr Doc. nº 08 e 09- Pedido de Informação *a CRP ... com data de 17/8 de 2021 e resposta de 18/08/2021), documentos juntos com a PI;

A materia constante da alinea e resulta da lei pois, provado está:

(…)

1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...29, da Freguesia ..., o prédio rústico sito em ..., com a área total de 1490 m2, composto por terra de cultura com oliveiras, inscrito na matriz sob o artigo ...56, a confrontar de Norte com FF, de Sul com AA (actualmente com a Ré B..., Lda.), de Nascente com GG, e de Poente com Rio;

2) A propriedade do prédio identificado em 1) encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ... a favor da Autora, através da AP. ...98 de 2018/03/27;

3) O prédio identificado em 1) confina, do lado sul, com o prédio rústico que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...05, da Freguesia ..., sito em ... (e com tal designação), com a área total de 1480 m2, composto por terra de cultura com oliveiras, tanchoeira, figueira e cerejeira, inscrito na matriz sob o artigo ...55, a confrontar de Norte com HH, Sul com B..., Lda., de Nascente com II, e de Poente com Rio;(…)

Assim, sendo dois predios rusticos confinantes , o ...56 da Autora e o ...55 propriedade que era dos segundos , como se alegou em sede de PI,não restam quaisquer duvidas que existe direito de preferencia e tal direito de preferencia era do conhecimento de todos os reus.

Nos termos do disposto no nº 1, do art. 1380º, do C.Civil “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinantes”.

O art. 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, veio alargar o direito de preferência sobre prédios rústicos confinantes, abolindo o requisito da unidade de cultura como área mínima de qualquer dos prédios para a atribuição desse direito de preferência. Não obstante, in casu, sempre estão reunidos os requisitos porquanto o art. (1) tem área muito inferior à unidade de cultura.

O nº 6 do já referido art. 1380º, enuncia que “É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações”.

Atento o disposto no artigo 416º do mesmo diploma, aplicável por remissão daquele nº 6 do art. 1380º, “Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato”.

E o art. 1410º, atribui ao confinante a quem não se dê conhecimento da venda “(…) o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro do prazo deseis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais daalienação, e deposite o preço devido nos quinze dias seguintes à propositura daacção.”

9ª conclusão

In casu, a A. sempre se encontra a exercer o seu direito – propositura da presente acção - dentro do prazo conferido pelo art. 1410º, uma vez que o conhecimento da celebração da escritura que titulou o negócio ocorreu há menos de seis meses (Ver DOC. 08 e 09 acima juntos), antes da entrada da acção.

São, pois, os seguintes os pressupostos do direito real de preferência do proprietário confinante:

a) que os dois prédios sejam rústicos e destinados a cultura ;

b) que o preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio alienado;

c) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

Ora todos os reus tinham conhecimento do direito de preferencia que resulta da lei que não podem invocar o seu desconhecimento.

È surpreendente o erro grosseiro de fundamentação e julgamento ao dar tal matéria como não provada.

10ªconclusão

Materia não provada.

g) Que, em Maio de 2018, o Réu AA propôs a venda dos prédios identificados em 3) e em 4) ao legal representante da Autora;

Ora vem confessado pelos segundos reus , como acima se trancreveu e resulta do documento nº6 da contestação que em 26 e 30 de Julho de 2018 os segundos réus propuseram a venda dos dois predios a Autora , segundo eles ate descriminaram os preços para cada um dos terrenos e conforme resulta das declaraçoes de JJ e CC , além dos telefonemas hou mais contatos pessoais ante e depois deles.

E assim deveria ser considerado provado que antes de 26 e 30 de Julho de 2018, os segundos reus propuseram a compra dos dois terrenos o artigo ...55 e ...54 a autora.

Materi dada como não provada:

h) Que os trabalhos realizados pela Ré B..., Lda. nos prédios identificados em 3) ou 4) foram realizados com a intenção de prejudicar a Autora.

Entemos que face à materia que deve ser dada como provada , como acima se especificou , resulta claro que a primeira ré tendo conhecimento dos fatos, nomedamente:

Direito de preferencia da autora pelo menos em relação ao predio artigo ...55, que havia conversações entre os segundos reus e a autora e face ao teor das cartas que lhe foram enviadas, a realização de trabalhos foi encetada no proposito de poder , como requereu o pagamento dessas obras , fazendo aumentar o preço que a A teria a pagar, pois, depois de ser notificada pelas missivas referidas na Pi, mandavam as regras da boa prudencia que não realizasse obras sem desfecho do processo judicial.

11ªconclusão

Quanto aos factos 21 e 22, considera-se provado que: No dia 30 de Julho de 2018, o Réu AA, através de chamada telefónica, transmitiu ao legal representante da Autora, através do n.º ...44, que tinha concretizado o negócio nos termos referidos no dia 26.07.2018;

e Na circunstância descrita em 21), o legal representante da Autora não referiu querer comprar tais prédios

impugnam-se também, por nunca ter havido tal conversa com tal teor, nem qualquer recusa ou desinteresse na compra dos prédios, o que o Ré AA disse ao legal representante da Autora foi que "tinha um compromisso" com o "KK", - e disse-o aliás no seu "depoimento de parte" nesses termos- não se sabendo quem era o KK, nem o que era esse compromisso, mas mais tarde soube-se que era um dos sócios gerentes da Ré B..., Lda.

A verdade é que o legal representante da Autora só soube da compra e venda dos prédios após a obtenção da cópia da escritura pública de compra e venda, e vale aqui, novamente, "mutatis mutandis" tudo o que foi explanado acima quanto á qualidade do depoimento do Réu AA e da nulidade de que o mesmo está eivado.

12ªconclusão

Quanto aos factos 31 a 36, consideram-se provados esses factos que consistiram pretensamente em obras de drenagem, terraplanagem, abertuda de valas, colocação de tou venant, etc., sendo que a Autora não conhece nem tem de conhecer a profundidade e o pormenor de tais trabalhos, nem os valores que foram ou não dispendidos, sendo que tais trabalhos além de ilegais, pois careciam dos competentes licenciamentos junto da DRAR LVT, foram pretensamente levados a cabo pela Ré B..., nunca foram sancionadas pela senhora juiz "a quo",

que desprezando a legalidade e legitimidade de tal atuação por parte da Ré B..., e do aproveitamento dos valores das mesmas (que foram reclamados em reconvenção) com o intuito de prejudicar a Autora no caso de vir a sossobrar na ação de preferência,

A juiz "a quo" não devia, quanto a nós, se ter alheado de tais questões legais e de que o julgador deve conhecer e deve pronunciar-se, basta para tal consultar a extensa legislação em termos ambientais, sobretudo quando a Autora, na primeira hora, denunciou a legalidade de tais obras, bastando-se a senhora Juiz a quo com a resposta da Ré B... na sua contestação/Reconvenção que "desconhecia a exigência de licenciamento de tais obras",

Assim sendo a juiz "a quo" omitiu o dever de julgar e decidir esta e outras questões relevantes para a boa decisão da causa, na justa medida em que ao dar como provados tais factos tinha ainda o dever juridico e jurisdicional de sancionar tais obras e tais actuações, nitidamente efetuadas á margem e ao arrepio da lei, quando a prova testemunhal foi unânime da parte da própria Ré B..., nomeadamente as testemunhas por si arroladas todas disseram que tinham umas colaborado, outras, presenciaram, e outras acompanharam os trabalhos, nomeadamente o testemunho de LL, MM, NN e a própria mulher do sócio gerente KK, OO.

13ªconclusão

A douta sentença , na parte dispositiva-DE DIREITO referiu, citamos em sublinhado:

Os Réus AA e BB venderam à Ré B... os prédios rústicos com os artigos matriciais ...55 e ...54, pelo preço global de € 13.500,00, correspondendo ao ...54 o preço parcelar de € 4.000,00, e ao ...55 o preço parcelar de € 9.500,00, em 06.11.2019, através de escritura pública de compra e venda – cfr. factos provados em 6) e 7);

• Os prédios rústicos com os artigos matriciais ...55 e ...54, confinantes entre si, são aptos para o mesmo tipo de cultura e, visualmente, aparentar constituir um prédio único – cfr. factos provados em 10) e em 11).

14ª conclusão

No caso em apreço, os prédios rústicos com os artigos matriciais ...55 e ...54, confinantes entre si e que aparentam constituir um só prédio (materialmente, os dois prédios não se distinguem), foram vendidos, como um todo, à aqui Ré B... que, à data do negócio, era proprietária de um prédio confinante com o prédio rústico com o artigo matricial ...54, a saber, proprietária do prédio rústico com o artigo matricial ...53.

Deverá, então, tal negócio – e tal transmissão – ser apreciada na sua globalidade, desde logo porque foi atribuído um preço global à venda em apreço. Neste âmbito, diga-se igualmente, que os preços parcelares não afastam tal globalidade, tendo em consideração que é a própria lei que impõe que seja atribuído um valor a cada prédio, tal como decorre do artigo 63.º do Código do Notariado.

Destarte, conclui-se que a transmissão de ambos os prédios foi feita a um proprietário de um prédio confinante.

15ª conclusão

Assim, atenta a teleologia do artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, conclui-se que a sua finalidade foi alcançada: com a transmissão de dois prédios, confinantes entre si, em simultâneo, a um proprietário de um prédio confinante – ainda que apenas com um dos prédios transmitidos – evita-se a proliferação do minifúndio.

Forçoso é assim concluir que, perante tal transmissão, inexiste o direito legal de preferência de que a Autora se arroga titular, em virtude de a transmissão ter sido realizada a um proprietário confinante. Não se verifica, assim, um dos requisitos essenciais para a aplicação do regime do preceituado no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, ficando prejudicada a análise dos demais requisitos.

Salvo melhor entendimento, não nos parece de acordo com a lógica do sistema, tendo presente, igualmente, a ratio legis subjacente ao preceituado no artigo 417.º do Código Civil, considerar a existência de um direito legal de preferência sobre um dos prédios, face à globalidade da transmissão e respectivas confinâncias. Tal poderia culminar com uma aplicação da lei, de forma formalista e literal, olvidando o espírito do legislador e teleologia subjacente ao preceituado no artigo 1380.º do Código Civil.

Inexiste, à luz da legislação vigente e em confronto com os contornos da transmissão em apreço, fundamento para limitar a liberdade contratual quando a referida transmissão, vista na sua globalidade, respeita o espírito subjacente à limitação prevista no identificado artigo 1380.º do Código Civil.

Face ao supra expendido, tendo-se concluído pela inexistência do direito legal de preferência de que a Autora se arroga titular, por inexistência de, pelo menos, um dos requisitos exigidos pelo artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, forçoso é concluir que a pretensão da Autora deverá improceder, com a absolvição dos Réus.

Nessa sequência, fica prejudicada a apreciação das demais questões de direito, a saber, a caducidade do direito de acção, da renúncia ao direito legal de preferência, face ao preceituado no artigo 416.º do Código Civil, e a inexistência do direito legal de preferência na esteira do preceituado no artigo 1381.º do Código Civil, em confronto com a matéria de facto dada como provada – cfr. factos provados em 13), 15), 19) a 23), 28 e

Nestes termos e nos melhores de direito que o Venerando Tribunal apreciara

Deve a douta sentença recorrida ser anulada e proferido novo acordão, apreciando-se todas as conclusões do recurso interposto para o douto Tribunal da relação e conforme ora alegado nas conclusões, julgando-se a acção totalmente procedente face aos elementos e documentos existentes no processo e seja anulada a sentença da primeira instância , reapreciando-se toda a prova que os recorrentes alegam e ainda toda aprova que o Venerando tribunal julgue pertinente.

Razão pela qual pode e deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que corrija e julgue a matéria de facto nos termos acima enunciados e, consequentemente, revogue a solução jurídica adotada pelo Tribunal a quo.

a douta sentença em crise enferma de uma errónea interpretação da matéria provada que conduziu a um consequente erro na respectiva fundamentação de direito, vindo a culminar numa decisão final, a qual salvo o devido respeito, é injusta e ilegal

Pelo que deverão V. Exas. Venerandos Desembargadores mandar ampliar a matéria de facto dada como provada, com os factos atrás descritos, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil. e anular naquela parte a matéria dada como provada.

Sem prejuízo do exposto e ressalvado o devido respeito, consideramos que a Mmª Juiz a quo fez uma errada subsunção do direito aos factos, pela errada apreciação da prova produzida, quer da prova por depoimento de parte dos reus, quer da restante prova testemunhal, quer da prova documental carreada aos autos, impondo-se, por tudo o acima dito, decisão diversa da recorrida que considerasse totalmente procedente a acção Criticando-se e não se aceitando a forma injusta e a nosso ver parcial, como a meritissima juiza do processo conduzia a produção de prova, nomeadamente pelos comentários ínsitos na transcrição do depoimento dos segundos reus , e não dando credibilidade ao testemunho de CC., ( minuto 10,00 e seguintes)

Deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a sentença recorrida e proferido Acórdão que considere a acção procedente

i) Condenar os Réus AA, BB e B..., Lda. nos pedidos deduzidos pela Autora A...,Lda.;

ii) Ordenar o cancelamento dos registos, tal como peticionado pela Autora;

iii) Condenar a Ré B... -Sociedade de Agricultura de Grupo, Lda. em multa considerada adequada face á gravidade das infrações ambientais e outras praticadas, com fundamento em obras ilegais e não licenciadas nos prédios objeto da ação de preferência.

Assim, farão Vossas Exas a costumada justiça».

A contraparte, contra-alegando, pugna pela total improcedência do recurso.


***

Tal recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa saber, quanto ao pretendido direito de preferência, mas em matéria de facto e de direito:

a) Se é de “mandar ampliar a matéria de facto dada como provada, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil”, com decorrente anulação;

b) Se, ocorrendo erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder a respetiva impugnação recursiva, com a inerente alteração pela Relação – quanto aos indicados factos dados como provados (pontos 9, 10, 13, 18, 19, 20, 21, 22, 31, 32, 35 e 36) e outros dados como não provados (al.ªs A a E, G e H);

c) Se estão verificados os pressupostos do direito legal de preferência invocado pela A./Recorrente;

d) Se ocorre caducidade do direito;

e) Se ocorre renúncia ao direito.


***

III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

1. - Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como apurada:

«(Da petição inicial e da contestação)

1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...29, da Freguesia ..., o prédio rústico sito em ..., com a área total de 1490 m2, composto por terra de cultura com oliveiras, inscrito na matriz sob o artigo ...56, a confrontar de Norte com FF, de Sul com AA (actualmente com a Ré B..., Lda.), de Nascente com GG, e de Poente com Rio;

2) A propriedade do prédio identificado em 1) encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ... a favor da Autora, através da AP. ...98 de 2018/03/27;

3) O prédio identificado em 1) confina, do lado sul, com o prédio rústico que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...05, da Freguesia ..., sito em ... (e com tal designação), com a área total de 1480 m2, composto por terra de cultura com oliveiras, tanchoeira, figueira e cerejeira, inscrito na matriz sob o artigo ...55, a confrontar de Norte com HH, Sul com B..., Lda., de Nascente com II, e de Poente com Rio;

4) O prédio identificado em 3) confina, do lado sul, com o prédio rústico que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...05, da Freguesia ..., sito em ... (e com tal designação), com a área total de 1490 m2, composto por terra de cultura com oliveiras, inscrito na matriz sob o artigo ...54, a confrontar de Norte e Sul com B..., Lda., de Nascente com II, e de Poente com Rio;

5) As propriedades dos prédios identificados em 3) e 4) encontram-se registadas na Conservatória do Registo Predial ... a favor da Ré B..., Lda., através da AP ...44 de 2019/12/05;

6) As propriedades dos prédios identificados em 3) e 4) foram adquiridas pela Ré B..., Lda. aos Réus AA e mulher BB, através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 06.11.2019, no Cartório Notarial ...;

7) No âmbito do acordo identificado em 6), o preço global acordado foi de € 13.500,00, correspondendo ao prédio identificado em 4) o preço parcelar de € 4.000,00, e ao prédio identificado em 3), o preço parcelar de € 9.500,00;

8) Na escritura pública referida em 6), consta, entre o mais, o seguinte:

Pelos primeiros outorgantes foi dito:

(…)

- Que o preço foi pago da seguinte forma:

- i) três mil e quinhentos euros no dia vinte e sete de Março último através do cheque número ...04 sobre a Banco 1..., ..., ..., ... e ...; -

ii) dez mil euros no hoje através do cheque número ...97 sobre a mesma Caixa.;

9) A diferença de valores atribuídos aos prédios identificados em 3) e em 4) deveu-se às acessibilidades aos mesmos (existência de acesso à estrada no prédio identificado em 3));

10) Os prédios identificados em 3) e em 4), confinantes entre si, são aptos para o mesmo tipo de cultura;

11) Os prédios identificados em 3) e em 4), confinantes entre si, visualmente aparentam constituir um prédio único;

12) A Autora é uma sociedade comercial por quotas, que tem como objecto social Industria da construção civil e obras públicas, estudos e projectos, compras e vendas de propriedades, urbanizações, empreendimentos turísticos, arrendamento de propriedades;

13) A Autora, com a aquisição dos prédios identificados em 3) e em 4) pretende destiná-los a um projecto turístico;

14) A Ré B..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social Exploração agrícola;

15) A Ré B..., Lda. comprou os prédios identificados em 3) e em 4) para, em conjunto com o prédio identificado em 16), os cultivar (expandir o pomar que existe no prédio identificado em 16));

16) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...11, da Freguesia ..., o prédio rústico sito em ..., denominado ..., com a área total de 7420 m2, composto por terra de semeadura, inscrito na matriz sob o artigo ...53, a confrontar de Norte com AA (actualmente com a própria Ré B..., Lda. e prédio identificado em 4)), de Sul com PP, de Nascente com GG, e de Poente com Rio;

17) A propriedade do prédio identificado em 16) encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ... a favor da Autora, através da AP. ...60 de 2015/03/26;

18) No dia 26 de Julho de 2018, o Réu AA, através de chamada telefónica, transmitiu ao legal representante da Autora, através do n.º ...44, que a Ré B..., Lda. lhe tinha proposto a compra dos prédios identificados em 3) e em 4), pelo preço global de € 13.500,00, correspondente ao valor de € 9.500,00 pelo prédio identificado em 3), e ao valor de € 4.000,00 pelo prédio identificado em 4);

19) Na circunstância descrita em 18), o Réu AA disse ao legal representante legal da Autora que poderia ficar com os prédios por tal preço, podendo ser feito um acordo de pagamento;

20) Na circunstância descrita em 18), o legal representante da Autora não quis comprar os prédios identificados em 3) e em 4), pelo preço global de € 13.500,00, correspondente ao valor de € 9.500,00 pelo prédio identificado em 3), e ao valor de € 4.000,00 pelo prédio identificado em 4);

21) No dia 30 de Julho de 2018, o Réu AA, através de chamada telefónica, transmitiu ao legal representante da Autora, através do n.º ...44, que tinha concretizado o negócio nos termos referidos no dia 26.07.2018;

22) Na circunstância descrita em 21), o legal representante da Autora não referiu querer comprar tais prédios;

23) Pelo menos em Março de 2019, o legal representante da Autora entrou em contacto telefónico com o legal representante da Ré B..., Lda. por causa dos prédios identificados em 3) e em 4);

24) O sócio-gerente da Autora trabalha no Algarve, em ..., e, por vezes, passa cerca de quinze dias sem vir à sua casa e propriedades sitas em ...;

25) No dia 21.08.2021, a Autora enviou duas missivas de igual teor ao Réu AA e à Ré B..., Lda., através de correio registado com aviso de recepção, por estes recepcionadas, com o seguinte teor:

Para CONHECIMENTO da sociedade B..., LDA, pessoa coletiva nº ...13, com sede em ..., ..., ... ...

A..., Lda,

Estrada ...,

Caixa Postal ...48...,

... ...,

Assunto: INTERPELAÇÃO

(carta registada com AR)

Exmº Senhor:

AA

Rua ...

...

... ...

DD, casado, titular do C.C. nº ..., com validade até ../../2031, NIF: ...34, residente na Estrada ..., ..., ... ..., vem por este meio, na qualidade de sócio-gerente e em representação da sociedade A..., Lda, pessoa coletiva nº ...51, com sede na Estrada ..., ..., ... ..., sendo esta dona e legitima proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artº ...56 Rústico, da Freguesia ..., do concelho ..., INTERPELAR V.ª Ex.ª para, em 05 (cinco) dias proceder á outorga da escritura a favor da sua representada A... Lda, acima identificada, do prédio inscrito na matriz rústica sob o artº ...55, sito em ..., da Freguesia ..., uma vez que V. Exª- procedeu á venda do referido prédio, na data de 06/11/2019, á sociedade B..., Lda com sede em ..., ..., concelho ..., em violação do direito de preferência previsto no artº 1.380 do Código Civil, bem sabendo que tal obrigação de comunicação da preferência é legalmente exigível atendendo a que o prédio de que é proprietária a sociedade A..., Lda, inscrito na matriz sob o artº ...56, Rústico, da Freguesia ... confina a Sul com o prédio que foi vendido por V. Ex.º á aludida Sociedade B..., enquanto que o prédio que esta última possui não confina com o prédio vendido por V. Ex.ª, como V. Ex.ª bem sabia.

Fica assim, por este meio, notificado para, no prazo de cinco dias, a contar da data da presente notificação, a qual se considera efetuada na data da receção/assinatura do aviso de receção, de harmonia com o disposto no artigo 1380º do Código Civil, proceder á outorga da Escritura de compra e venda a favor da sociedade A..., Lda, do prédio inscrito na matriz rústica sob o artº ...55, da Freguesia ..., sito em ..., sob pena de, não o fazendo, ser intentada contra V. Ex.ª e contra a sociedade adquirente, com fundamento em violação ostensiva do direito da preferência legal, a competente ação judicial, com os inerentes custos e incómodos que tal ação irá acarretar para as partes envolvidas.

Sem outro assunto e na expectativa das V/ noticias, e com os melhores cumprimentos.

..., 18 de Setembro de 2021.

O Sócio gerente:

(assinatura)

(carimbo da sociedade);

26) Em resposta à missiva identificada em 25), a Ré B..., Lda. remeteu missiva dirigida à Autora e datada de 08.10.2021, com o seguinte teor:

Exmºs Senhores

Tendo esta firma tomado conhecimento da carta por V. Exªs. enviada ao Sr. AA, vem apenas informar V. Exªs., que esta empresa é proprietária do terreno confinante ao que foi por nós adquirido, além de que V. Exªs. tiveram perfeito conhecimento da venda aquando da realização da mesma, terreno esse no qual já efetuamos diversas benfeitorias de elevado valor.

Acresce ainda que, o objeto social da v/ firma nada tem a ver com a agricultura. Face ao exposto, nenhum direito de preferência tem a v/ firma sobre o imóvel por nós adquirido.

Sem outro assunto.

Com os n/ cumprimentos;

27) Em resposta à missiva identificada em 26), a Autora remeteu, em 27.10.2021, (nova) missiva dirigida à Ré B..., Lda., com o seguinte teor:

Com os meus cumprimentos, e em resposta á V/ carta datada de 08/10/2021, tenho a dizer, na qualidade de sócio-gerente, e em representação da sociedade A..., Lda, pessoa coletiva nº ...51, com sede na Estrada ..., ..., ... ..., que quem confina com o prédio que foi vendido é efetivamente a minha sociedade, e não a sociedade de V. Ex.ª., que nunca confinou com o mesmo.

Depois deste esclarecimento importante, acresce um outro igualmente importante, ou seja, nem o proprietário senhor AA, nem os legais representantes dessa sociedade B..., alguma vez me comunicaram, quer por escrito, com é de lei, ou sequer verbalmente, o projecto da venda do prédio, isto é, o preço real da venda, as condições de venda e a data da venda, ou seja a data da Escritura de compra e venda, em violação frontal daquilo que a lei impõe, como é do perfeito conhecimento dos senhores, porque o "desconhecimento da lei a ninguém aproveita", pelo que, dúvidas não subsistem que foi negado ostensivamente é minha sociedade o exercício do direito de preferência, que era devido na compra desse prédio, o que tem consequências legais nos termos do artº 1.380 do Código Civil.

Quanto ás alegadas benfeitorias, desconheço quaisquer benfeitorias no local, nem vi nenhuma, apenas visualizei um monte de brita colocado em cima do prédio há cerca de 15 dias atrás, de resto o prédio está de poesia, isto é, está cheio de erva e não está amanhado ou agricultado.

Por fim, e quanto ao objeto social da minha sociedade, esta é uma questão registral e judicial que é totalmente alheia a V. Ex.ª.

Sem outro assunto e reiterando tudo o que disse na minha carta com data de 18 de Setembro de 2021, dirigida ao sr AA e á V/ sociedade, por carta registada, os melhores cumprimentos,

..., 26 de Outubro de 2021.

O Sócio gerente;

28) A presente acção deu entrada em juízo no dia 10.02.2022;

29) A Autora depositou, à ordem dos presentes autos, o montante de € 14.055,75, no dia 25.02.2022;

(Da reconvenção e da réplica)

30) A Ré B..., Lda., com a escritura pública respeitante à compra dos prédios identificados em 3) e em 4), despendeu o valor de € 215,20;

31) A Ré B..., Lda., com o registo da propriedade dos prédios identificados em 3) e em 4) e com a Sra. Solicitadora que lhe prestou os respectivos serviços, despendeu o valor de € 400,00;

32) Em data não concretamente apurada, mas entre 06.11.2019 e 2021, a Ré B..., Lda. procedeu, nos prédios identificados em 3) e em 4), à limpeza do mato e terraplanagens, melhoramento de caminhos e construção de um muro de suporte de terras junto ao rio;

33) Na realização dos trabalhos identificados em 32), a Ré despendeu um valor não concretamente apurado com os trabalhadores e utilização de uma minigiratória;

34) Na realização dos trabalhos identificados em 32), a Ré despendeu o valor de € 1.783,50 com a colocação de manilhas de drenagem nos prédios identificados em 3) e em 4);

35) Na realização dos trabalhos identificados em 32), a Ré despendeu o valor de € 1.223,24 com a colocação de tout-venant nos caminhos dos prédios identificados em 3) e em 4);

36) Na realização dos trabalhos identificados em 32), a Ré despendeu o valor de € 2.280,00 com a abertura de valas de drenagem para colocação de manilhas através de utilização de uma máquina giratória grande nos prédios identificados em 3) e em 4).».

2. - E foi julgado como não provado:

«a) Que os preços parcelares mencionados em 7) foram acordados em função de uma eventual acção de preferência;

b) Que a Autora pretendia – e pretende – adquirir, pelo menos o prédio descrito em 3), com o intuito de o juntar ou anexar ao seu prédio – 1) – de modo a tornar a sua propriedade mais rentável do ponto de vista agrícola;

c) Que os Réus AA e BB sabiam de tal intenção porque o sócio-gerente da Autora lhes comunicou que pretendia adquirir os prédios identificados em 3) e em 4), por diversas vezes, nos últimos 2/3 anos;

d) Que, apenas em 18 de Agosto de 2021, a Autora teve conhecimento do negócio referido em 6) e 7);

e) Que a Ré B..., Lda. tinha conhecimento do direito de preferência da Autora;

f) Que, salvaguardada a factualidade exposta em 6), a Ré B..., Lda. adquiriu a propriedade do prédio identificado em 4) em primeiro lugar e, após, a do prédio identificado em 3);

g) Que, em Maio de 2018, o Réu AA propôs a venda dos prédios identificados em 3) e em 4) ao legal representante da Autora;

h) Que os trabalhos realizados pela Ré B..., Lda. nos prédios identificados em 3) ou 4) foram realizados com a intenção de prejudicar a Autora.».


***

B) Da necessidade de ampliação da matéria de facto

Sob a conclusão 12.ª e com referência aos “factos 31 a 36”, quanto a “obras de drenagem, terraplanagem, abertura de valas, colocação de tou venant, etc.”, defende a A./Apelante, para além do mais, que “tais trabalhos além de ilegais, pois careciam dos competentes licenciamentos junto da DRAR LVT, foram pretensamente levados a cabo com desprezo pela legalidade e legitimidade” de tal atuação.

Por isso, entende a Recorrente que o Tribunal de 1.ª instância não devia «se ter alheado de tais questões legais e de que o julgador deve conhecer e deve pronunciar-se, basta para tal consultar a extensa legislação em termos ambientais, sobretudo quando a Autora, na primeira hora, denunciou a legalidade de tais obras», tendo sido omitido um “dever de julgar e decidir esta e outras questões relevantes para a boa decisão da causa, na justa medida em que ao dar como provados tais factos tinha ainda o dever juridico e jurisdicional de sancionar tais obras e tais actuações, nitidamente efetuadas á margem e ao arrepio da lei”.

Em conformidade, conclui que «Deve a douta sentença recorrida ser anulada (…), apreciando-se todas as conclusões do recurso (…)», mandando-se «ampliar a matéria de facto dada como provada, com os factos atrás descritos, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º» do NCPCiv..

A contraparte, conclui, como visto, indistintamente, pela improcedência do recurso.

Apreciando, dir-se-á que é sabido que a seleção dos factos a discutir tem de assentar num critério de relevância para a decisão da causa, segundo as diversas soluções possíveis/plausíveis da questão de direito, tendo em conta que, no caso, estamos no âmbito de uma ação de preferência.

Controvertidas, à partida, são as matérias – e respetiva factualidade integrante – referentes aos pressupostos legais do direito de preferência, tal como as exceções deduzidas quanto a tal direito.

Em suma, tem de haver, para boa decisão da causa, julgamento sobre a materialidade de facto alegada referente a tais pressupostos e exceções, em matéria de ação, se não prejudicada, bem como sobre os factos referentes ao enriquecimento sem causa – e direito de retenção – invocado em plano reconvencional (também no caso de não ficar prejudicada a pretensão reconvencional).

Ora, neste horizonte não foram descritos factos, que devessem ser objeto de ampliação, quanto à dita “ilegalidade” dos trabalhos – matéria conclusiva/valorativa/jurídica –, nem quanto à falta dos necessários licenciamentos administrativos (“com desprezo pela legalidade e legitimidade”).

E cabia à parte recorrente o ónus de identificar os factos que devessem ser aditados.

Acresce que «tais questões legais» dizem respeito ao foro administrativo, não sendo esta ação a sede adequada, por isso, para delas conhecer e as sancionar.

Por fim, não se trata de matéria que constitua questão essencial para a decisão da causa, não funcionando como pressuposto inarredável no iter decisório: disso não depende a procedência da ação de preferência, nem o invocado enriquecimento sem causa, não cabendo, na economia dos autos, apurar da falta de licenciamento de da possibilidade, ou não, de ainda o vir a obter.

Se a A. entende que foram cometidas infrações/ilegalidades perante a ordem jurídica administrativa, então deverá desencadear os mecanismos adequados para o efeito, na sede própria.

Em suma, improcede a pretensão da ampliação da matéria de facto, não se notando que o Tribunal de 1.ª instância devesse ter conhecido de questões legais de âmbito administrativo.

C) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Como visto, a Recorrente empreendeu uma ampla impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importando, por isso, verificar, em caso de cumprimento dos ónus legais imperativos a que alude o art.º 640.º do NCPCiv., se outro deveria ter sido o julgamento da 1.ª instância, por as provas produzidas – as convocadas no recurso, se necessário na sua conjugação com as demais a que se reporta a sentença – imporem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Para tanto, neste exercício de sindicância da decisão recorrida, não pode olvidar-se, por um lado, que a Relação deverá formar a sua própria e autónoma convicção, de que não poderá demitir-se, mas também, por outro lado, que é o Julgador em 1.ª instância quem detém a total imediação perante a prova pessoal produzida e objeto de simples gravação áudio, sabido ainda que a convicção do julgador não pode assentar em padrões de verdade absoluta – nunca atingível no caso de valoração da prova pessoal –, mas de probabilidade séria de ocorrência de factos que o Tribunal não presenciou e de que, por isso, apenas tem acesso indireto, através do que lhe é relatado, por pessoas também, por seu lado, compreensivelmente limitadas, porventura, na capacidade de perceção/captação dos fenómenos reais, de conservação dos mesmos na memória e de comunicação/transmissão cabal do que foi percecionado.

Por isso, importa também verificar se o juízo do Tribunal recorrido, perante os elementos disponíveis, se situa ainda dentro de uma adequada margem de razoabilidade/aceitabilidade que deve ser conferida pela Relação, sabido – insiste-se – que é a 1.ª instância quem beneficia da total imediação perante a prova pessoal.

Termos em que cabe à parte recorrente mostrar que, efetivamente, as provas convocadas impõem decisão diversa, por ser manifesto que deveria ter sido outro o sentido decisório sobre os factos, tornando claro/seguro/incontornável – e não meramente possível/eventual/duvidoso – o erro de julgamento.

Apreciando, em concreto.

Começa a impugnante por visar o ponto 9 dos factos julgados provados – que pretende ver dado como não provado –, com a seguinte redação: «9) A diferença de valores atribuídos aos prédios identificados em 3) e em 4) deveu-se às acessibilidades aos mesmos (existência de acesso à estrada no prédio identificado em 3);».

Trata-se, então da diferença de valores/preços de venda (a que alude o facto 7), por um dos imóveis ter sido escriturado pelo montante de € 4.000,00 [prédio identificado em 4), o do art.º matricial ...54.º] e ou outro pelo preço de € 9.500,00 [prédio identificado em 3), o do art.º matricial ...55.º], perfazendo o montante global, assim, de € 13.500,00.

O Tribunal recorrido justificou assim a sua convicção positiva a respeito:

«Aquando da outorga da escritura pública de compra e venda foi atribuído um valor global ao negócio, de € 13.500,00, correspondendo ao prédio identificado em 4) o preço parcelar de € 4.000,00, e ao prédio identificado em 3), o preço parcelar de € 9.500,00. Em depoimento de parte, foi inquirido o Réu AA que esclareceu, de forma espontânea e escorreita, que a diferença de valor se prende com as diferentes acessibilidades (uma estrada pública e uma serventia), sendo que, para o próprio, ambos os prédios configuram uma fazenda. Tal explicação foi igualmente sustentada pela testemunha EE, filho dos Réus AA e BB, e pela testemunha OO que, casada com um dos sócios gerentes da Ré B..., conhece os terrenos e respectivas acessibilidades. Inexistiu nos autos qualquer prova – ainda que indiciária – que a atribuição de tais valores se prendeu com a antevisão de uma eventual acção de preferência por parte da Autora. Deste modo, resultou como provado o facto exposto em 9), ficando por provar a factualidade vertida em a).».

Contrapõe a Apelante, em sede alegatória e, do mesmo modo, no âmbito conclusivo, que:

«(…) a diferença de valores foi sempre impugnada nas várias peças processuais da Autora», sendo que ambos os prédios «são sitos em ..., com solos de idèntica composição e natureza e a divergencia de áreas é apenas de 10 m2 - o artº ...54 tem a área de 1.490 m2 e o artº ...55 tem 1.480m2- tal como resulta dos documentos juntos pelo que devia ter sido dado como não provado tal facto dado que o diferencial de valores nada tem que ver com as alegadas "acessibilidades", basta ver no local e no mapa e plantas juntos, tendo a juiz "a quo" desconsiderado ou ignorado, sem qualquer razão, as provas documentais produzidas a prova documental emanada das competentes instâncias (serviço de finanças e Conservatória do Registo predial) é avassaladora, não foi impugnada por nenhuma das partes e não bastam meras considerações ou expressões populares tais como a "fazenda".

O Tribunal "a quo" considerou, desde logo, o depoimento de parte do Réu AA, porquanto, ao longo de todo o seu depoimento, se referiu aos prédios em apreço – que vendeu – referindo-se a dois artigos com descriminação de preços diferentes para cada um - dai que a senhora juiz "a quo" não se pudesse substituir ás entidades oficialmente competentes para regular e fiscalizar essas realidades juridicas, no caso o serviço de finanças de ... e a Conservatória do Registo Predial ..., o que surpreendentemente sucedeu (…)».

Que dizer?

Dir-se-á que a Recorrente não mostra pôr em causa as provas em que se baseou a sentença, não ilustrando onde tenham os respetivos depoimentos divergido da verdade ou dos dados da realidade.

O valor de cada um de dois prédios rústicos pode não depender apenas da respetiva área (fator quantitativo), podendo divergir em função de outros fatores, como as ditas acessibilidades (ou outros elementos qualitativos), o que a Recorrente não logra infirmar.

Assim, não se demonstra que outro tivesse sido – ou devesse ter sido, em termos de razoabilidade – o preço real para cada um desses imóveis, termos em que não se impõe um julgamento diverso sobre esta factualidade, conforme, aliás, com o escriturado quanto a preços.

Improcede, pois, esta vertente impugnatória.

Passando ao ponto 10, tem este o seguinte teor: «10) Os prédios identificados em 3) e em 4), confinantes entre si, são aptos para o mesmo tipo de cultura;».

Na sentença, justificou-se que «O facto exposto em 10) resultou assente por acordo das partes», enquanto a Recorrida adverte que «O ponto 10 dos factos provados, corresponde ao alegado pela A. Apelante nos artigos 42 e 49 da douta P.I. e aceite pela Ré Apelada, tendo assim sido assente por acordo das partes e, consta ainda do documento 3 junto à contestação» (cfr. conclusão 26.ª da contra-alegação do recurso).

E de tais “artigos 42 e 49 da douta P.I.” é precisamente isso que se retira, ou seja, que a A. afirmou, em articulado, que esses prédios, “confinantes entre si, são aptos para o mesmo tipo de cultura” /dito art.º 49.º).

Não se entende, pois, este segmento da impugnação da Recorrente, porventura devido a lapso manifesto.

Como quer que seja, esta parcela impugnatória terá de improceder, como se torna manifesto.

Já o impugnado ponto 13 tem a seguinte redação: “A Autora, com a aquisição dos prédios identificados em 3) e em 4) pretende destiná-los a um projecto turístico;”.

Expressou a respeito o Tribunal recorrido:

«(…) foi inquirida a testemunha CC, filho do legal representante da Autora e assistente de construção civil na autora. Durante o seu depoimento, e questionado, referiu que a Autora pretende adquirir os prédios em apreço com vista a um projecto turístico (que inclui a reabilitação de um lagar existente no prédio que já é da propriedade da Autora). Tal é igualmente consonante com o objecto social da Autora, que resulta da sua certidão de registo comercial. Do ora exposto resultou a prova do facto vertido em 13). Ficou, assim, por provar, o facto exposto em b), pela inexistência de qualquer prova nesse sentido.» (itálico aditado).

Refere a impugnante, na sua alegação, que «(…) é falso que a A. destinasse os prédios a um "projeto turistico", ainda que a testemunha CC dissesse que o lagar dos monges de ... – um outro prédio da Autora – teria de ser recuperado e poderia fazer parte de um projeto turistico, mas os prédios, objeto da preferência, serviriam para a agricultura ou para hortas, daí que devia ter sido dado como provado que os prédios se destinavam á agricultura porque não foi o que resultou do depoimento do CC.».

Ora, ao assim esgrimir, a Recorrente mostra não cumprir o ónus legal imperativo a que alude o art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv., ao não indicar – o que é motivo, insuprível, de rejeição liminar/imediata – as passagens da gravação da prova pessoal a que se reporta e em que funda esta parte do seu recurso, nem sequer apresentando transcrição dos excertos da gravação áudio que considerasse relevantes.

Por isso, rejeita-se esta parte da impugnação da decisão de facto.

Os pontos 18 a 22, também impugnados, têm – recapitulando – o seguinte teor:

«18) No dia 26 de Julho de 2018, o Réu AA, através de chamada telefónica, transmitiu ao legal representante da Autora, através do n.º ...44, que a Ré B..., Lda. lhe tinha proposto a compra dos prédios identificados em 3) e em 4), pelo preço global de € 13.500,00, correspondente ao valor de € 9.500,00 pelo prédio identificado em 3), e ao valor de € 4.000,00 pelo prédio identificado em 4);

19) Na circunstância descrita em 18), o Réu AA disse ao legal representante legal da Autora que poderia ficar com os prédios por tal preço, podendo ser feito um acordo de pagamento;

20) Na circunstância descrita em 18), o legal representante da Autora não quis comprar os prédios identificados em 3) e em 4), pelo preço global de € 13.500,00, correspondente ao valor de € 9.500,00 pelo prédio identificado em 3), e ao valor de € 4.000,00 pelo prédio identificado em 4);

21) No dia 30 de Julho de 2018, o Réu AA, através de chamada telefónica, transmitiu ao legal representante da Autora, através do n.º ...44, que tinha concretizado o negócio nos termos referidos no dia 26.07.2018;

22) Na circunstância descrita em 21), o legal representante da Autora não referiu querer comprar tais prédios;».

É a seguinte a fundamentação exarada na sentença:

«Quanto à factualidade vertida nos factos provados em 18) a 23) e nos factos não provados em c), d), e), g) e h), cumpre tecer algumas considerações.

Os Réus AA e BB não deduziram contestação, nem constituíram mandatário.

Aquando do início da audiência de julgamento, e tal como resulta da respectiva acta, foi determinada a prestação do depoimento de parte dos réus não contestantes, que se realizou de imediato considerando que os mesmos se encontravam presentes nas instalações do tribunal.

Aquando da prestação do depoimento de parte do Réu AA, pelo mesmo foram esclarecidos os contactos telefónicos feitos para o legal representante da Autora, nos dias 26 de Julho e 30 de Julho, ambos de 2018. Tais contactos telefónicos foram assumidos pela Autora, em sede de articulado de réplica, encontrando igualmente sustentação no documento n.º 6 junto com a contestação, que se refere à lista de telefonemas efectuados por tal Réu, e de onde constam os dois telefonemas referidos. Esclareceu tal réu o número telefónico do legal representante da Autora (...44), o que foi corroborado pela testemunha CC, que confirmou tal número de telefone. O Réu AA afirmou igualmente que o primeiro telefonema teve a duração de dez minutos porquanto o mesmo disse que já tinha uma proposta – pela Ré B... – pelos dois prédios, pelo preço global de € 13.500,00, sendo o preço de um de € 4.000,00 e outro de € 9.500,00 – e que podia ficar com tais prédios pelo mesmo preço, sendo que, se existissem problemas de pagamento, ele (legal representante da Autora) poderia pagar quando pudesse. Mais acrescentou que o legal representante não quis comprar tais prédios – presumindo o Réu que tal se devesse a um outro negócio que a Autora tinha em vista, num prédio vizinho. Assim, voltou ao contacto no dia 30 de Julho de 2018 apenas para informar que tinha vendido os prédios à Ré B... – e por isso é que o telefonema foi rápido, apenas de um minuto - não tendo o legal representante da Autora mostrado qualquer interesse em tal aquisição.

Diga-se que o depoimento de parte do Réu AA se mostrou credível, por espontâneo, escorreito e consentâneo com o aposto no documento n.º 6. Mais se diga que igualmente se extrai tal credibilidade considerando que os Réus não contestantes não detêm qualquer interesse no desfecho do presente processo. As declarações do Réu AA foram sustentadas pela Ré BB, bem como pelo filho de ambos, a testemunha EE, ainda que este último, via conhecimento indirecto, na sequência do comunicado pelos pais.

Por sua vez, o depoimento da testemunha CC, filho do legal representante da Autora, não arredou tal credibilidade, porquanto, se por um lado por esta testemunha foi referido estar constantemente a ouvir os telefonemas recebidos e efectuados pelo pai, ainda que confirmando o contacto telefónico do pai, afirmou desconhecer a existência de telefonemas entre o Réu AA e o seu pai durante o Verão de 2018, o que é documentalmente comprovado pelo extracto junto com a contestação sob o n.º 6.

Do ora exposto resulta, desde já, a factualidade vertida em 18) a 22).».

Afirmando que o conteúdo da conversa telefónica foi outro, contrapõe, quanto ao facto 18, a A./Recorrente:

«o depoimento "de parte" do Réu revel AA vem depôr na qualidade de uma mera testemunha, o que, segundo a lei adjetiva e substantiva é violador do estatuto do depoimento de parte previsto no artº.do CPC que tem em vista a confissão e tem os limites previstos na lei, que obviamente não foram respeitados;

Ora, a lei vigente e as próprias regras da experiência comum ditam que este Réu nunca podia ou devia ser ouvido nessa qualidade, depondo de uma forma ampla, sem outros limites que não fossem a defesa dos seus interesses e dos interesses da 2ª Ré, assistindo-se a um verdadeiro depoimento parcial, viciado e manifestamente instruído e que mereceu toda a atenção e a complacência da senhora "juiz a quo", erradamente, e ao arrepio das normas legais que regem esta matéria, diga-se em abono da verdade

Face ao exposto, que assume alguma gravidade processual, tal depoimento pela forma como foi prestado, não pode deixar de ser considerado e declarado nulo e de nenhum efeito (…)».

Ora, cabe dizer que os 1.ºs RR. foram ouvidos, em depoimento de parte, em ata de 10/01/2024 (cfr. fls. 162 a 164 do processo físico), sendo que nada confessaram.

O respetivo depoimento (de parte) foi determinado, como tal, pelo Tribunal, oficiosamente. Fê-lo o Julgador ao abrigo do disposto no art.º 452.º, n.º 1, do NCPCiv., que permite ao juiz a audição das partes, para prestação de depoimento confessório, bem como “informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”.

É certo que, por regra, a prova por depoimento de parte, uma vez requerida pela contraparte, se destina a obter confissão (de factos, assim, desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária), como resulta da conjugação dos art.ºs 452.º, n.ºs 1 e 2, 463.º e 465.º, todos do NCPCiv, e 352.º do CCiv..

Porém, se for o Tribunal – como no caso – a determinar, oficiosamente, a prestação do depoimento pessoal, então parece poder pedir todas as “informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”, tudo o que entenda, desde que relevante, caso em que o respetivo material probatório ficará sujeito à regra da livre apreciação do Julgador.

A sentença funda-se nos depoimentos de parte destes RR., quanto a esclarecimentos que prestaram, sem conteúdo confessório, na conjugação com outras provas.

Ora, é certo que a prova por depoimento de parte é diversa da prova por declarações de parte (cfr. art.º 466.º do NCPCiv.), não se tratando, obviamente, em qualquer dos casos de depoimentos testemunhais.

O art.º 466.º do NCPCiv. prevê que as partes possam requerer a (sua) prestação de declarações de parte (portanto, a requerimento da parte e, à partida, sem dimensão confessória, mas com vista a oferecer esclarecimentos), a serem apreciadas livremente, desde que não consubstanciem confissão.

Diversamente, o art.º 411.º do NCPCiv. atribui ao juiz o poder-dever de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe seja lícito conhecer.

E o art.º 417.º, n.º 1, estabelece o dever que todas as pessoas, incluindo as partes, têm de cooperação com a justiça em matéria probatória, designadamente prestar esclarecimentos, respondendo ao que lhes for perguntado.

Foi o que aconteceu nos autos: os 1.ºs RR. prestaram esclarecimentos ao que lhes foi perguntado, com observância do contraditório e por iniciativa do Tribunal.

E não foi consignado, aquando da respetiva prestação de depoimento pessoal, que os esclarecimentos seriam considerados/valorados em sede de sentença (decisão da matéria de facto) como declarações de parte, ao abrigo do art.º 466.º do NCPCiv., mas no âmbito do dito art.º 452.º, n.º 1.

Ou seja, o Tribunal, oficiosamente, podia ouvir os 1.ºs RR. em depoimento/declarações de parte, com vista à obtenção de esclarecimentos ou informações relevantes, para o que deveria proferir despacho fundamentado nesse sentido, de modo a que todas as partes percebessem que se transitava da produção de prova pessoal (depoimento de parte).

Ora, houve um despacho proferido: foi o Tribunal, oficiosamente, a determinar (cfr. ata mencionada). Por isso, não restam dúvidas de que podia, nesse âmbito, o juiz pedir todas as “informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa”, tudo o que entendesse, desde que relevante, caso em que o material probatório obtido ficaria sujeito à livre apreciação do Julgador.

Assim, não procedem as críticas da parte recorrente quanto à invocada prestação de um depoimento de pendor testemunhal por parte revel.

Quanto ao mais, visto o sentido probatório assim captado pelo Tribunal recorrido, cabia à Recorrente mostrar o erro de julgamento de facto, por o pendor das provas impor decisão diversa. Para tanto, teria a Apelante de analisar criticamente a prova em que se baseou a sentença, tratando-se de prova pessoal gravada, pelo que não se poderia demitir, desde logo, de cumprir o ónus legal imperativo a que se reporta a al.ª a) do n.º 2 do já referido art.º 640.º do NCPCiv., o que, também aqui, não fez, determinando a imediata rejeição da impugnação neste específico segmento.

Quanto aos factos 19 e 20, argumenta a Recorrente não ser verdade o ali vertido, nunca ter ocorrido uma conversa com semelhante teor, nem proposta de acordo de pagamento, invocando ainda contradição, pois que “sempre havia dois prédios, e não apenas um”.

Ora, cabe dizer que não basta, nesta fase dos autos, negar/infirmar/impugnar o que consta dos pontos fácticos da sentença, esta com explicitação dos motivos da convicção probatória.

É necessário, a mais disso, como se reitera, evidenciar o erro de julgamento da matéria de facto implicada, para o que a parte recorrente tem de proceder à sua própria análise crítica das provas – as que convoca e aquelas em que se baseou a sentença –, e, tratando-se de prova pessoal gravada, não pode demitir-se, desde logo, de cumprir o ónus legal imperativo a que se reporta aquela al.ª a) do n.º 2 do art.º 640.º do NCPCiv., o que, também aqui, não fez, logo determinando a imediata rejeição da impugnação neste particular.

Resta dizer que, relativamente à dita contradição – já que “sempre havia dois prédios, e não apenas um” –, que a sentença, na sua parte fáctica (a que agora importa) deixou bem claro que se trata de dois prédios rústicos, autónomos, como logo se tem de retirar dos factos provados – estes, aliás, não objeto de impugnação recursória – com os n.ºs 3 a 6 (art.ºs ...55 e ...54, com as respetivas descrições prediais n.ºs ...05 e ...05).

Improcede, assim, esta vertente da impugnação.

Passando ao ponto/facto 21 – comunicação de já ter sido concretizado o negócio –, invoca a Recorrente falta de credibilidade do depoimento do R. AA, por não se mostrar “espontâneo, escorreito e consentâneo com os factos”, por negar a receção de carta e afirmar que a A. podia pagar quando quisesse, o que, a seu ver, “não faz qualquer sentido”, para além de nem sequer ter contestado a ação, quando tem interesse no desfecho do processo.

Acrescenta – apresentando excertos da transcrição da gravação de depoimentos – que tais declarações não foram sustentadas pela outra R. (BB), nem pelo filho de ambos (testemunha EE).

Ora, apreciando, dir-se-á que o excerto/transcrição da gravação do depoimento do R. AA – tal como apresentado na alegação da Recorrente ([5]) – corresponde ao que dele se refere na sentença, relatando a existência e o conteúdo da conversa telefónica em questão.

Perante o que, salvo o devido respeito, sendo esse conteúdo coerente e plausível, não se descortina qualquer falta de credibilidade, a qual também não poderia decorrer do facto de esse R. não ter deduzido contestação, situação que apenas tem efeitos processuais, e sabido, por outro lado, que foi deduzida contestação pela co-R. sociedade (a adquirente e, por isso, quem tem maior interesse na manutenção do negócio), com as legais consequências.

O excerto/transcrição da gravação do depoimento da co-R. BB – tal como apresentado na alegação da Recorrente – não infirma o invocado conteúdo do contacto telefónico, termos em que não o deixa posto em causa, afirmando até a mesma R. que ouviu “o marido dizer ao DD que tinha uma proposta de 9500 euros por um e 4000 euros por outro, se for por causa do dinheiro agente conversa e passados alguns dias ouvi dizer que tinha vendido a fazenda”.

Quanto à testemunha EE (filho desses RR.), é oferecido o seguinte excerto/transcrição da gravação áudio:

«Adv do Réus- esses dois terrenos que seu pai vendeu, conhece.

EE- sim, tinham dois artigos. E disse que houve pelo menos duas conversas pessoais.

Adv da autora- o seu pai falou de ter recebido valor do preço antes da escritura?

EE- Sim.».

Nada, pois, a infirmar a existência e o conteúdo da dita conversa telefónica entre o R. AA e o aludido DD.

A Recorrente invoca ainda o depoimento da testemunha CC (filho do legal representante da A.), de cuja transcrição segmentada resulta ter a testemunha referido que o R. AA “não falou em preços”.

Ora, estamos no âmbito da prova pessoal, objeto de valoração segundo a livre convicção julgador, o qual, perante afirmações de pendor contrário, terá (deverá) de conferir maior credibilidade a uma das versões apresentadas, a que lhe parecer mais coerente, lógica e plausível, em detrimento da outra, por menos convincente.

Foi o que fez o Tribunal a quo, no exercício da sua total imediação perante a prova pessoal, não se vendo que se tenha equivocado ou, menos ainda, que tais provas, vistas/analisadas conjugadamente, imponham decisão diversa daquela que foi adotada.

Daí que nada deva alterar-se ao decidido nesta parte, o que vale também, por identidade de razão, para o impugnado ponto/facto 22 – com o seguinte teor: «Na circunstância descrita em 21), o legal representante da Autora não referiu querer comprar tais prédios» –, cuja impugnação assentou no mesmo quadro de fundamentos.

E, assim sendo, também nada deverá alterar-se quanto aos factos dados como não provados, cujo elenco se conforma com a versão fáctica a que foi dada maior credibilidade, tal como plasmado – positivamente – nos factos dados como provados (os anteriormente sindicados).

Doutro modo, haveria incoerência/contradição entre aqueles factos provados e as alterações pretendidas pela Recorrente quanto aos impugnados factos julgados não provados.

Em suma, improcede, salvo sempre o respeito devido, a empreendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a qual, por isso, subsiste inalterada e, assim, tornada definitiva, sendo a ela – e somente a ela – que haverá, então, de atender-se para decisão de direito.

 

D) Substância jurídica do recurso

Dos pressupostos do direito de preferência e seu (não) preenchimento ou renúncia de exercício

Dispõe o art.º 1380.º, n.º 1, do CCiv., em matéria de direito de preferência: “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.” (destaques aditados).

Na sequência, estabelece o art.º 1381.º (com a epígrafe “Casos em que não existe o direito de preferência”):

«Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar”.

Tendo por finalidade o emparcelamento de terrenos com área inferior à unidade de cultura, no intuito de se obter uma exploração agrícola tecnicamente rentável, obstando à proliferação do minifúndio – tido como desvantajoso com um aproveitamento fundiário eficiente –, o direito de preferência assenta nos seguintes pressupostos:

«a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;

b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;

c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura;

d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante» ([6]).

Também é incontroverso que o ónus da prova de tais requisitos – factos constitutivos do direito de preferência – impende sobre o demandante (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Entre eles contam-se, pois, o requisito positivo traduzido em o preferente ser dono de prédio confinante e, por outro lado, o negativo, referente a não ser o adquirente proprietário confinante.

Em caso de existência de direito de preferência, o dono do prédio rústico confinante tem o direito de haver para si o prédio a vender/alienar, nos moldes a que alude a norma aplicável do art.º 1410.º, n.º 1, do CCiv. (ex vi art.º 1380.º, n.º 4, do mesmo Cód.), pelo que lhe terá de ser dado conhecimento (pelo alienante) dos “elementos essenciais da alienação”.

A estes se refere o art.º 416.º do mesmo Cód., prescrevendo que “o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato”.

Tal implica, logicamente, que se dê conhecimento ao titular do direito de preferência da identidade da pessoa a adquirir na projetada alienação, do preço da venda (tratando-se de uma venda, como no caso), das condições de pagamento, ou seja, de todos os elementos «que possam influenciar a sua decisão de exercer ou não a preferência» ([7]).

Quanto ao modo/forma de comunicação, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela:

«Caso a celebração do contrato dependa de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham, importa distinguir:

a) Se a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente forem feitas em documento assinado (…), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (…), com as legais consequências;

b) Não constando a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente de documento assinado, não pode aplicar-se o regime do contrato-promessa, mas nasce, de qualquer modo, para ambos, a obrigação de contratar.» ([8]).

No caso dos autos, ressuma da factualidade provada – a quedar-se inalterada, com as inerentes consequências, não obstante a oferecida impugnação da decisão de facto vertida na sentença – que a A. é dona do prédio do art.º ...56.º, que confronta, a sul, com o prédio do art.º ...55.º, que os 1.ºs RR. declararam vender à 2.ª R. por escritura de compra e venda datada de 06/11/2019.

Este último (...55.º) – mas não o prédio da A. (...56.º) – confronta, pelo sul, com o prédio do art.º ...54.º, o outro que os 1.ºs RR. declararam vender à 2.ª R. através da mesma escritura de compra e venda datada de 06/11/2019.

Ou seja, a A. somente é proprietária confinante relativamente ao prédio do art.º ...55.º, razão pela qual só em relação a este poderia exercer o direito de preferência.

Não assim, quanto ao prédio do art.º ...54.º, perante o qual não é confinante, sendo confinante, nesta parte, a 2.ª R., visto ser dona do prédio que confronta com o lado sul do prédio ...54.º – esta R. é proprietária do prédio do art.º 4953.º, que confina, pelo seu lado norte, com aquele prédio ...54.º.

Quem, pois, podia exercer o direito de preferência na compra do prédio ...54.º era, então, a 2.ª R., como exerceu, enquanto proprietária confinante (dona do prédio ...53.º) e sem concurso de confinantes.

Donde que, nesta parte, afastado logo fique o pretendido direito de preferir da A. (não confinante).

Por sua vez, quanto à preferência na venda do prédio ...55.º, em relação ao qual a A. é, efetivamente, proprietária confinante (dona do prédio ...56.º), não o sendo, por seu lado, a 2.ª R. (adquirente), também o pretendido direito de preferência não poderá prevalecer, como se verá de seguida.

É que vem provado [factos 18 e 19] terem os 1.ºs RR. (vendedores) dado conhecimento à A. dos elementos essenciais do negócio: identidade da pretendida adquirente/proponente (a 2.ª R.), preço da venda (€ 9.500,00) e demais condições relevantes, ao ponto de ter sido manifestado, telefonicamente, à parte aqui demandante (através do seu legal representante) que poderia ser efetuado (com a A.) um “acordo de pagamento” (ou seja, em condições que lhe fossem favoráveis, mormente, no essencial, quanto ao tempo de realização da escritura de venda e do decorrente pagamento do preço, de modo a que tal tarefa de pagamento pudesse ser facilitada).

Foi a A. quem não aceitou o negócio proposto: esta “não quis comprar os dois prédios” [facto 20], nem propôs comprar apenas, pelo preço comunicado, o prédio do art.º ...55.º, ou seja, pelo preço da respetiva venda (de € 9.500,00).

Perante tal não aceitação da A., restava aos 1.ºs RR. a possibilidade de venderem, como venderam, ambos os imóveis à 2.ª R., que legitimamente os adquiriu ([9]).

Donde que não tenha havido violação do direito de preferência da A., na parte em que o mesmo existia, por esta ter optado – como também podia – por não aceitar comprar, no âmbito da sua liberdade contratual (art.º 405.º, n.º 1, do CCiv.). Assim, renunciou, em concreto, ao exercício do seu direito ([10]).

Em suma, a ação de preferência tem de improceder, in totum, deixando prejudicada a apreciação das demais questões recursivas suscitadas, apenas restando manter o dispositivo absolutório impugnado da sentença recorrida – sem que esta mostre ter incorrido em violação de lei –, embora com fundamentação não totalmente coincidente.

Vencida na ação e no recurso, cabe à A./Recorrente suportar as custas da apelação (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

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(…)

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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, por isso, a decisão recorrida.

Custas da apelação pela A./Apelante (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 08/10/2024

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Interposta em 10/02/2022.
([2]) Corrigido nos termos exarados no despacho datado de 18/03/2024 (ref. 106651307).
([3]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([4]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Ali se pode ler: «Réu- A B... fez proposta de 9500 euros para o terreno que pega com a Estrada (terreno que confina com o terreno da Autora, sublinhado nosso) e terreno que confina com a B... por 4000 euros. // Telefonei ao DD a dizer que tinha essa proposta. Ele levou muito tempo a responder e depois disse que não. Eu até disse se o problema era o dinheiro, podia facilitar, fazes a escritura quando quiseres e depois telefonei ao DD a dizer que a fazenda estava vendida.».
([6]) Cfr., inter alia, o Ac. STJ de 19-12-2023, Proc. 1303/20.3T8VRL.G1.S1 (Cons. Jorge Leal), em www.dgsi.pt.
([7]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 392, bem como vol. III, 2.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, ps. 372 e seg.
([8]) Op. cit., vol. I, p. 391.
([9]) Não parece, com todo o respeito devido, que possa falar-se, no caso, em “alienação de um conjunto de prédios que formem uma exploração agrícola de tipo familiar”, para o que não basta que os dois imóveis alienados “visualmente aparentem constituir um prédio único” (mero aspeto visual, desligado de elementos funcionais) e sejam “aptos para o mesmo tipo de cultura” (factos 10 e 11), o que nada nos diz sobre o modo de exploração (que fosse conjunto) em termos de se tratar de uma exploração agrícola de tipo familiar [cfr. art.º 1381.º, al.ª b), do CCiv.].
([10]) Cfr. ainda Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 392.