Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOSÉ NOGUEIRA | ||
Descritores: | SENTENÇA LEITURA POR APONTAMENTO DEPÓSITO DA SENTENÇA INEXISTÊNCIA JURÍDICA DA SENTENÇA IRREGULARIDADE | ||
Data do Acordão: | 03/16/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO (COVILHÃ – INST. LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 372.º, N.º 5, E 373.º, N.º 2, DO CPP | ||
Sumário: | I - A circunstância de a sentença não ter sido depositada em acto contínuo ao da sua leitura, por mero apontamento - assim ficou consignado na respectiva acta -, não permite, só por si, o juízo simplista de que aquela peça processual não estivesse, naquele momento, integralmente escrita. II - Assim, neste quadro, quer o acto da leitura, quer a própria sentença, não são juridicamente inexistentes. III - Neste domínio, a inexistência jurídica está reservada a situações inequivocamente reveladoras de não se mostrar a sentença, à data da sua leitura em sede de audiência de julgamento, concebida/escrita. IV - O referido desrespeito dos comandos inscritos nos artigos 372.º, n.º 5, e 373.º, n.º 2, do CPP, enquanto dispõem que o depósito da sentença tenha lugar em ato imediato à respetiva leitura, configura não mais do que uma irregularidade, insusceptível de afetar o valor do acto praticado. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 595/11.3TACVL da Comarca de Castelo Branco, Covilhã – Inst. Local – Secção Criminal – J1, mediante acusação pública, foram os arguidos A... e “ B..., Lda., melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes, então, imputada: (i) ao primeiro arguido a prática, em concurso real, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º 1, 1.ª parte, alínea a) do DL n.º 454/91, de 28.12 e de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT; (ii) à segunda um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 6.º, 7.º e 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT.
2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença datada de 10.07.2015, depositada em 03.09.2015, o tribunal decidiu: «Pelo exposto, julga-se procedente a acusação nos termos expostos e, por via disso: a) Condena-se o arguido A... pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 11º, nº 1, 1.ª parte, alínea a), do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro (Regime Jurídico dos Cheques sem Provisão), com as alterações introduzidas pelo DL nº 316/97, de 19 de Setembro na pena de 100 dias de multa e pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.º, n.º 1, 2 e 4 do RGIT na pena de 150 dias de multa. Em cúmulo, condena-se o arguido na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de 5 euros. b) E julga-se extinto o procedimento criminal contra a sociedade arguida por encerramento do processo de insolvência nos termos do art.º 232 do CIRE. (…)».
3. Inconformado recorreu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões: 1.º A douta sentença em crise foi proferida nestes autos em 10/07/2015 (fls. 272) datada de 10/07/2015 (fls. 282), entregue e depositada em 03/09/2015 (fls. 283 e 286). 2.º Tendo a sentença sido lida por apontamento, sem que tenha havido entrega da mesma na Secção para posterior depósito da mesma após a sua leitura, tal circunstância, por ocorrer ao arrepio da Lei importa a mais gravosa das invalidades processuais – a inexistência jurídica. 3.º Tal vício importa a repetição da leitura da decisão e o seu depósito na Secção, tal como estabelece os art.ºs 372º e 373º, todos do Código de Processo Penal e permite a atual redação do art. 328.º, do Código de Processo Penal. 4.º Caso assim não se entenda, o Ministério Público entende que o Tribunal a quo deveria ter condenado o arguido em penas mais gravosas. 5.º Ao assim não ter decidido, o Tribunal violou os art.ºs 40.º, 70.º e 71.º, n.º 1, todos do C. Penal e, no caso do crime fiscal, do disposto no art.º 13.º, do RGIT, que regem a determinação da pena e da sua medida concreta. 6.º Da conjugação destes normativos legais entende-se que a pena deve ser determinada através da ponderação de todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica e, por outro lado, as exigências de prevenção geral e especial da prática de futuros crimes, balizadas pelo limite inultrapassável da culpa do agente e do prejuízo causado ao estado com a conduta criminosa. 7.º Pois bem, quanto a este ponto, o Tribunal a quo entendeu muito sumariamente (penúltimo parágrafo de fls. 281), que “há que ponderar, dolo na sua forma direta e os montantes apropriados, conexão entre a emissão do cheque e o crime fiscal, antecedentes criminais”, tendo por adequado fixar a pena de 150 dias de multa quanto ao crime fiscal e 100 dias de multa quanto ao crime de emissão de cheque sem provisão, juízo este com que o Ministério Público não concorda por, repita-se, violar o grau de ilicitude do agente, ser manifestamente inferior ao grau de culpa com que o arguido atuou e não satisfazer minimamente as exigências de prevenção que o caso requer, sendo o entendimento seguido pelo Tribunal contrário ao estabelecido nas supra citadas normas legais. 8.º Assim, quanto ao crime de emissão de cheque sem provisão, a moldura legal abstrata da pena de multa varia entre os 10 dias e os 600 dias. 9.º Apesar de o arguido ser primário relativamente à prática deste crime, o mesmo atuou de forma adequada para prosseguir a sua intenção criminosa – não pagar os tributos devidos ao Estado, mesmo depois de o estado lhe ter permitido fazer o pagamento do valor titulado em prestações até Setembro de 2012, sem que o arguido tenha liquidado a quantia. 10.º Deste modo, o Ministério Público entende que as finalidades preventivas quanto a este crime impõem a condenação do arguido em pena de multa não inferior a 200 dias. 11.º Já quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, as finalidades da prevenção geral são muito elevadas, sendo igualmente muito elevadas as de prevenção especial, na medida em que o arguido tem antecedentes criminais pela prática deste mesmo crime, tendo sido condenado, cf. C.R.C. a fls. 240 e segs., na última condenação por este crime por factos praticados em 2012, na pena de multa de 140 dias à taxa diária de 05,00 euros. 12.º Tendo presente que o crime em causa é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, o Ministério Público entende que as finalidades preventivas quanto a este crime impõem a condenação do arguido em pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, mediante a entrega nesse período ao Estado de, pelo menos, metade da quantia devida a título de imposto que o arguido não entregou ao Estado, ou, caso se entenda que a pena de multa ainda salvaguarda as finalidades da punição, de multa não inferior a 300 dias. 13.º O Ministério Público em todo o caso aceita a determinação do quantitativo diário já que se apurou que o arguido foi declarado insolvente, não tendo atualmente rendimentos.
Termos em que, pelos fundamentos e nos termos expostos, com o douto suprimento de Vossas Excelências, se requer seja declarada a inexistência jurídica da leitura e elaboração da sentença, devendo ser ordenada a repetição de tal diligência ou, caso assim se não entenda, devem ser agravadas as penas em que o arguido foi condenado nos termos do disposto no acima peticionado. Vossas Excelências, porém, e como sempre, farão Justiça.
4. Por despacho exarado a fls. 306 foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.
5. Ao recurso respondeu o arguido, concluindo: A medida concreta das penas em que o arguido foi condenado deve ser confirmada por esse Venerando Tribunal, assim fazendo, mais uma vez, Justiça.
6. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer acompanhando a posição defendida em 1.ª instância quanto à alegada inexistência da sentença, defendendo, contudo, para o caso de assim não ser considerado, a adequação das penas aplicadas.
7. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP não houve reação.
8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.
II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões, sem prejuízo das questões que oficiosamente importe conhecer ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995]. Importa, assim, decidir se: a. A sentença é inexistente; b. As penas encontradas pecam por defeito.
2. A decisão recorrida Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]: Produzida a prova e discutida a causa, provou-se que: 1. No dia 16.08.2011, o primeiro arguido deu a pagamento no Serviço de Finanças da Covilhã o cheque de fls. 3 dos autos, sacado sobre o BPN, com o montante inscrito de 6.410,69 euros (seis mil quatrocentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos), o qual, apresentado a pagamento, no dia seguinte, foi devolvido por motivo de falta de provisão”. 2. As Finanças vieram informar que o arguido requereu e foi-lhe concedida a faculdade de pagar em 10 prestações o montante do cheque, acrescido de juros de mora e custas, segundo um plano de pagamentos prestacional devidamente autorizado, o qual terminou em 30 de Setembro de 2012 (cf. fls. 61). 3. Até hoje o arguido não procedeu ao pagamento daquela quantia às Finanças, sendo que já foi proposta a suspensão provisória do processo e o mesmo não cumpriu. 4. Aquando da sua emissão e colocação em circulação, o que fez de forma livre, voluntária e consciente, bem sabia o arguido que não dispunha – nem iria dispor nos oito dias a contar da data aposta no mesmo, na sua conta, os necessários fundos para integral pagamento do valor inscrito em tal cheque. 5. Sabia, além disso, que a sua conduta era proibida e punida por lei e, não obstante isso, não se absteve de a praticar, além de saber que causava prejuízo patrimonial ao tomador do cheque. 6. Em virtude da devolução do cheque, ficou a ofendida prejudicada patrimonialmente no montante inscrito em tal título e respetivos juros. 7. A segunda arguida “ B..., Lda” sociedade comercial de responsabilidade limitada que tem por objeto a atividade de recolha, transporte e entrega de documentos, encomendas e mercadorias por meio de veículos automóveis ligeiros com peso inferior a 3,5 toneladas – empresa de courrier, reparação, conservação e lavagem de automóveis. 8. Esta arguida iniciou atividade em 12 de Janeiro de 2006. 9. Foi declarada insolvente nos autos no processo n.º 234/15.3T8FND e o processo encerrado por insuficiência da massa insolvente com os efeitos do disposto no art.º 232 do CVIRE. 10. O arguido A..., enquanto sócio gerente da arguida, exercia funções de gerente desde o início da atividade da arguida até que esta foi declarada insolvente em 04.02.2013. 11. Em virtude da sua atividade, a sociedade arguida, é sujeito de IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado), no regime de periodicidade normal – trimestral desde o seu início de atividade até 04.02.2013, data esta em que a arguida foi declarada insolvente. 12. A sociedade arguida entregou as declarações periódicas do IVA respeitantes ao primeiro trimestre de 2012, das quais tendo declarado como imposto a entregar ao Estado o montante de € 10.565,43. 13. Até à presente data, os arguidos não entregaram ao Estado qualquer montante de IVA devido nos termos dessas declarações periódicas apesar de terem recebido esses valores. 14. O arguido A... atuou em nome e no interesse da primeira arguida, e reteve a quantia supra referida a título de IVA que, no decorrer do serviço efetuado pela primeira arguida, liquidou e recebeu no decurso da atividade comercial da arguida, de acordo com os elementos contabilísticos da empresa. 15. Os arguidos não entregaram à administração fiscal as importâncias retidas e liquidadas a título de IVA, no montante de € 10.565,43, no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo previsto para a entrega, apesar de notificados pessoalmente para o efeito. 16. Os arguidos agiram com a intenção de obter, para si, vantagens patrimoniais ilegítimas, como efetivamente obtiveram, não ignorando que, ao mesmo tempo, diminuíam as receitas tributárias da Fazenda Nacional, em igual valor. 17. Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, com o intuito de fazer suas, as supra mencionadas quantias em dinheiro, referentes a IVA, que efetivamente recebeu a sociedade arguida, para delas dispor em proveito próprio, a qual não lhe pertencia e que estava obrigado a entregar aos Serviços da Administração Fiscal, Fazenda Pública. 18. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal como crime. 19. O arguido tem antecedentes criminais pela prática de crimes fiscais. 20. Encontra-se imigrado, desconhecendo-se os seus rendimentos.
Motivação: Os factos dados como provados colhem a sua demonstração no depoimento da testemunha C...., Inspetor Tributário N 2, que relatou de forma clara e objetiva os factos atinentes ao ilícito; depoimento suportado também pelos documentos juntos aos autos e, ainda, sobre a insolvência e encerramento do processo da sociedade nos documentos de fls. 252 a 262 dos autos e, ainda, no CRC do arguido.
3. Apreciação a. [A inexistência da sentença] Em função de não ter sido depositada em ato seguido ao da respetiva leitura defende o recorrente a inexistência da sentença. Não se reportando, embora, a lei a semelhante vício de essência, a figura tem sido objeto de atenção, desde logo, por parte da doutrina. A propósito escreve José Alberto dos Reis: O conceito de sentença inexistente constrói-se desta maneira: a sentença inexistente é o ato que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria duma sentença. A sentença inexistente é um mero ato material, um ato inidóneo para produzir efeitos jurídicos, um simples estado de facto com a aparência de sentença, mas absolutamente insuscetível de vir a ter a eficácia jurídica da sentença - [cf. “Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 114]. Traçando a dicotomia entre a ineficácia e a invalidade dos atos processuais, adianta Cavaleiro de Ferreira: Os atos processuais para produzirem efeitos jurídicos, obedecem a certo número de requisitos. A falta ou insuficiência destes afeta o ato na sua validade ou na sua eficácia (…). Num e noutro caso a consequência é a falta de efeitos jurídicos. Mas enquanto o ato inválido não produz efeitos, porque não tem, em si mesmo, consistência jurídica, pela falta de elementos essenciais que o deveriam constituir, o ato ineficaz não tem efeitos jurídicos, por falta de requisitos exteriores ao próprio ato (…) se à ineficácia corresponde a nulidade, à invalidade pode corresponder a nulidade ou, em certos casos, a inexistência jurídica do próprio ato (…). Germano Marques da Silva refere-se aos vícios de essência, como sendo aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais dão lugar à inexistência, assim exemplificando a patologia: (…) se na ausência do juiz, o chefe da secretaria elabora um escrito a que dá a forma de uma sentença, pretendendo resolver desse modo uma questão pendente no tribunal, é evidente que tal ato, ainda que tenha a forma de sentença, não vale como tal. Do mesmo modo não vale como sentença a decisão proferida por um grupo de cidadãos que se arrogam o poder popular de julgar criminosos, ou de jornalistas que se arroguem a representação da opinião pública, ainda que elaborem um escrito em forma de sentença. Mas não vale também como sentença a decisão do juiz, proferida com todas as formalidades da sentença, quando o juiz não tenha jurisdição penal. Assim, a decisão de um tribunal administrativo, fiscal ou arbitral, que em forma de sentença decida uma questão penal, não pode ter a eficácia jurídica própria duma sentença, é inidónea para produzir os efeitos jurídicos próprios da sentença. A sentença é também inexistente quando condena arguido que não tenha sido acusado ou por facto que não constitua objeto do processo – [cf. Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2009, pág. 293/294]. Também Manuel Simas Santos, Leal-Henriques e João Simas Santos, em “Noções de Processo Penal”, Rei dos Livros, 2010, pág. 439, falam de inexistência jurídica a propósito da sentença (condenatória ou absolutória) a que falte o dispositivo, já que sem essa parte aquilo a que se chama sentença não passa de um simples texto incorporado no processo em que se descreve apenas o que é imputado ao arguido e as inferências probatórias que se extraíram da audiência de julgamento relativamente aos respetivos factos, concluindo Sentenciar é, na verdade, decidir e onde não há decisão não há sentença, casos em que, prosseguem, nem sequer há … que declarar essa inexistência, já que não se declara o que não existe. Como causas de inexistência da sentença apontava Castro Mendes a falta de poder jurisdicional do judicante; a falta de forma em termos de não haver sequer aparência social de sentença (sentença proferida por um juiz no café, ou verbalmente fora do processo) oposição entre o conteúdo da decisão e a lei (sentença contra direito, de objeto impossível); absoluta ininteligibilidade da sentença – [cf. Direito Processual Civil, II Vol., pág. 797]. Resulta, assim, insofismável reconduzir-se a inexistência àqueles casos de deficiências processuais mais graves «em que verdadeiramente se pode dizer que para o direito não há nada» (…). Tanto assim que os casos de inexistência da sentença se resumem a estas três hipóteses: a) não provir a sentença de pessoa investida do poder jurisdicional; b) ser o ato emitido a favor de ou contra pessoas fictícias ou imaginárias, c) não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico – [cf. o acórdão do STJ de 07.12.2006, proc. n.º 06P4583] Isto dito, vejamos a situação em apreço. Como já acima se adiantou fundamenta o recorrente a inexistência da sentença na circunstância de, ao arrepio do disposto nos artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2 do CPP, não haver sido a mesma depositada em ato seguido ao da sua leitura. Não ignorando, embora, diferente posição, designadamente ao nível dos tribunais superiores [cf. vg. os acórdãos do TRL de 12.01.2005 (proc. n.º 8439/2004 – 3.ª), de 23.06.2005 (proc. n.º 4544/05 – 9.ª), do TRP de 05.02.2003 (proc. n.º 0242573), de 13.07.2011 (proc. n.º 49/08.5GCVFR.P1), do TRE de 25.02.1997 (CJ, Ano XXII, tomo I, pág. 311 e segs) de 15.12.2015 (proc. n.º 468/09.0GDSTB.E1)], na qual o entendimento que vem defendido encontra arrimo, com o respeito devido, não a acompanhamos, ou melhor entendemos não colher aplicação no caso sub judice. A posição adversa pode sintetizar-se com recurso ao que consignado ficou no identificado acórdão do TRE de 15.12.2015, em cujo sumário se lê: A falta de leitura de uma sentença existente é um vício claro de nulidade insanável. A leitura de algo” que não é sentença é um vício de inexistência, quer da sentença, quer da leitura. Não se pode tornar público o que não existe. Ora, a sentença, conforme consta da ata de fls. 272, foi lida, na presença dos sujeitos processuais interessados, em sede de audiência de julgamento, ocorrida no dia 10.07.2015, tendo o julgador feito consignar [em ata] que tal leitura se processou por apontamento, circunstância que, então, não suscitou a reação de nenhum dos presentes, incluindo do ora recorrente. Porém, a mesma sentença, com data de 10.07.2015, só veio a ser depositada no dia 03.09.2015 - [cf. declaração de depósito de fls. 286, donde ficou a constar: Declaro que hoje depositei na Secretaria deste Juízo, a presente sentença proferida nos presentes autos de Processo 595/11.3TACVL, Processo Comum (Tribunal Singular), em que são: Autor: (…) Arguido: (…) Que para tal me foi entregue pelo Mmº(ª) Juiz de Direito, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 372º, nº 5 do C. P. Penal]. Neste quadro, afigura-se-nos, pois: (i) Não ser possível, sem mais, concluir que, tendo o juiz, em sede de audiência de julgamento, lido a sentença, fazendo consignar que a tal procedeu por apontamento, a mesma ainda não existisse, ou seja que não estivesse integralmente escrita, não se vislumbrando, sequer, alegação nesse sentido, tão pouco de falta de correspondência entre a peça processual lida e a depositada; (ii) Com vista a contrariar semelhante asserção, não nos parece razoável contrapor constituir inequívoca demonstração de que a sentença não se encontrava integralmente elaborada a circunstância de não haver sido, em ato contínuo, depositada; (iii) Quod erat demonstrandum! Basta recordar as, não pouco frequentes, contrariedades informáticas, a necessidade de corrigir, do ponto de vista ortográfico, a peça, para afastar a relação de causa a efeito; (iv) Relevante, ainda, o facto de não haver evidência de falsidade, desde logo por a data da leitura da sentença e da própria sentença preceder a do respetivo depósito; (v) A ponderar, ainda, a natureza não urgente do processo, revelando-se, como tal e em função das férias judiciais [no decurso das quais, apenas podem ser praticados os atos urgentes – artigo 103.º do CPP] que se interpuseram, o lapso temporal que mediou entre a leitura/elaboração da sentença e o respetivo depósito compatível com a sua completude já aquando da leitura.
Concluindo, dir-se-á: a. Não ocorrer, no caso, evidência de que na data da respetiva leitura a sentença não se mostrasse integralmente elaborada, existisse, portanto, como tal; b. A circunstância de não ter sido em ato contínuo ao da sua leitura depositada não permite, só por si, o juízo simplista de que assim não tivesse sido; c. Não se revelando, pois, nem o ato da leitura, nem a sentença em causa inexistentes; d. Consequência extrema que, a nosso ver, neste domínio, se mostra reservada às situações em que resulta inequívoco não se mostrar a mesma, à data da sua leitura em sede de audiência de julgamento, concebida/escrita; e. Estado insuscetível de ser contrariado, apenas pela circunstância de o respetivo depósito ter acontecido para além do tempo legalmente previsto, tanto mais que no decurso do lapso temporal decorrido entre a leitura e o depósito da sentença se interpuseram as férias judiciais, com reflexos sobre os atos que nesse período, à margem dos processos urgentes – e este não o era – podiam ser praticados; f. Como tal, o desrespeito – verificado, é certo! - dos comandos inscritos nos artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2 do CPP, enquanto dispõem que o depósito da sentença tenha lugar em ato imediato à respetiva leitura, configurará não mais do que uma irregularidade – como se viu nunca invocada -, não suscetível de afetar o valor do ato praticado.
Neste como noutros casos parece-nos recomendável uma leitura parcimoniosa dos preceitos normativos, mas sobretudo das circunstâncias de cada caso, por forma a evitar converter em regra uma patologia, como vimos, extrema.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
b. [A medida da pena] Não se conforma o recorrente com as penas, encontradas em violação – diz - do disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, n.º 1 do C. Penal e, bem assim, do artigo 13.º do RGIT, defendendo, ao invés, o arguido/recorrido a respetiva adequação. A aplicação das penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Como ensina o Professor Figueiredo Dias Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (…). Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à ressocialização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime (…) limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção – [cf. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 215]. A moldura de prevenção comporta ainda abaixo do ponto ótimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos. – [cf. Figueiredo Dias, “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, pág. 117]. No presente caso, teve o tribunal por adequadas as penas de 100 e 150 dias de multa, respetivamente pelo crime de emissão de cheque sem provisão e de abuso de confiança fiscal imputados ao arguido, e, em cúmulo jurídico, a pena de 200 dias de multa. Sem negar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no que respeita aos crimes fiscais em geral, por conseguinte, também, quanto ao crime de abuso de confiança fiscal, bem como as exigências de prevenção especial que, em função das condenações já sofridas pelo arguido, não podem deixar de ser ponderadas, ainda assim não nos repugnam as penas encontradas considerando, atendendo ao montante inscrito no cheque (€ 6.410,69) e ao montante da quantia não entregue à administração fiscal (€ 10.565,43), o grau de ilicitude, o dolo – não sua modalidade mais intensa -, mas também à relativa proximidade dos factos, perpassando da decisão haverem ocorrido numa conjuntura de evidente dificuldade da empresa, culminando, mesmo, na respetiva insolvência, declarada em Fevereiro de 2013. Não será demais realçar que, não certamente por acaso, tendo iniciado a sua atividade em Janeiro de 2006, exercendo, desde então, o arguido as funções de gerente, as duas condenações por este sofridas pelo crime de abuso de confiança fiscal [outras inexistem] aconteceram em Junho de 2013 e Maio de 2014 [data do respetivo trânsito], posteriores, portanto, à data dos factos em apreço nos presentes autos, ocasião em que o mesmo não registava antecedentes criminais. Será, ainda, de notar, no que respeita à condenação transitada em 05.06.2013, ter sido o arguido, à luz do disposto no artigo 22.º, n.º 1 do RGIT, dispensado da pena, o que, naturalmente só foi possível, além do mais, por via da satisfação da prestação tributária e legais acréscimos. Do que se deixa dito, nenhuma dúvida de maior se nos coloca no sentido de não estarmos perante uma pessoa particularmente propensa à prática de crimes, tudo levando a crer que os ilícitos típicos em questão, de certo modo imbrincados, se ficaram senão exclusivamente, pelo menos em parte significativa a dever a uma conjuntura económica difícil, que conduziu ao encerramento de muitas pequenas e médias empresas. É, assim, possível intuir dos factos não terem saído arguido e a empresa, que então geria, imunes à crise, com as consequências que são do domínio público. Neste quadro, tem-se por adequadas as penas parcelares e, considerando a conexão entre os factos e a circunstância de não ser de concluir por se estar perante uma personalidade acentuadamente contra o direito, por conseguinte propensa ao crime, única encontradas, as quais, ainda constituem resposta adequada às exigências de prevenção geral e especial que o caso impõe. Não resultam, assim, violadas as normas convocadas.
III. Decisão Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso. Sem tributação
Coimbra, 16 de Março de 2016 [Processado e revisto pela relatora]
(Maria José Nogueira - relatora)
(Isabel Valongo - adjunta) |