Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
555/14.2TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
PODERES DA RELAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
GRAVAÇÃO DA PROVA
PROCEDIMENTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 15º/1, 50º, 51º/1 E 58º, TODOS DA LEI Nº 107/09, DE 14/09 (RGCOLSS); 410º DO CPP.
Sumário: I – Decorre directamente do artº 51º/1 da Lei nº 107/09, de 14/09 (RGCOLSS) que em sede de contra-ordenações laborais a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto.

II – Sendo assim, não faz qualquer sentido que se proceda à gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento em primeira instância.

III – Da conjugação dos artºs 15º/1 e 50º do RGCOLSS resulta que devem ser comunicados ao arguido em sede de processo contra-ordenacional, designadamente os factos que lhe são imputados, a sua qualificação jurídica e sanções eventualmente aplicáveis, por forma a que o arguido tome efectivo conhecimento da totalidade dos aspectos relevantes para a decisão a proferir posteriormente, assim se lhe facultando a possibilidade real de se defender.

IV – O artº 58º/1/c do RGCO tem o seu âmbito de aplicação circunscrito à decisão condenatória da autoridade administrativa que em sede da fase administrativa do procedimento de contra-ordenação aplique coimas ou sanções acessórias.

V – O artº 32º/10 da CRP não exige que o processo contra-ordenacional, enquanto processo sancionatório, assegure um conjunto de garantias equivalentes às previstas no processo criminal.

VI – A fase da instrução do procedimento de contra-ordenação tem o seu início no momento imediatamente subsequente à dedução do auto de notícia, que não faz parte da instrução, e prolonga-se até à decisão final por parte da autoridade administrativa.

VII – É jurisprudência uniforme dos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no artº 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.

VIII –O erro notório na apreciação da prova (artº 410º/2/c do CPP) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

A autoridade recorrida condenou a recorrente, no pagamento de uma coima de € 8.730,00 pela prática de uma contra-ordenação muito grave negligente p. e p. no art. 29º/1/4 do CT/09.
Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, sendo que no correspondente articulado requereu a gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento.
Tal requerimento veio a ser indeferido pelo despacho de 13/11/2014, com o teor seguidamente transcrito:
No seu requerimento de impugnação judicial requereu a arguida a documentação das declarações das testemunhas através de gravação, pedido renovado pela arguida /recorrente.
Compulsados os autos verifica-se que no despacho de recebimento do recurso de fls. 194, não se pronunciou o Tribunal sobre tal matéria.
Determina o artº 60º da Lei 107/09 de 14.09, que "sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis (...) os preceitos reguladores do processo de contra ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações".
Estabelece o artº 75 do referido RGCO, no seu nº 1 que " se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito (...)".
Do exposto resulta, que, não sendo admissível recurso, para a 2ª instância da matéria de facto, não haverá lugar ao registo da prova, razão pela qual se indefere o requerido pela arguida.”.
Não se conformando com o assim decidido, recorreu a arguida, tendo apresentado as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
O Ministério Público junto do tribunal recorrido também respondeu a este recurso, pugnando pela sua improcedência (fls. 531 a 559).
Neste tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer pugnando pela inadmissibilidade do recurso intercalar e pela improcedência do recurso final.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
*
II) Esclarecimento prévio

Previamente à apreciação dos dois recursos interpostos pela arguida, importa introduzir um esclarecimento prévio: no recurso interposto da sentença final, a recorrente retoma a questão da ilegalidade do despacho de 13/11/2014 (fls. 231) que indeferiu a documentação dos actos da audiência de julgamento e a gravação da prova oral que nela se produziu, retomando assim o recurso intercalar que em 24/11/2014 (fls. 301 a 310) interpôs daquele despacho e reproduzindo a argumentação ali sustentada.
Assim, independentemente da questão da admissibilidade do recurso intercalar, apreciaremos tal questão, como se a mesma apenas tivesse sido suscitada no recurso da sentença final e tendo por referência a inserção sistemático-formal que a essa questão foi dispensada neste último recurso.
*
III) Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir:
1ª) se ao indeferir o requerimento da recorrente no sentido da gravação da prova oral produzida durante a audiência de julgamento, o tribunal recorrido violou os arts. 101º/1 e 364º do CPP, 155º/1/2 do CPC, em conjugação com os arts. 4º do CPP e 9º do CC, bem assim como os arts. 20º e 32º/1/5/10 da CRP;
2ª) se o auto de notícia elaborado pela autoridade administrativa padece dos vícios determinantes de nulidade que lhe são assacados pela recorrente;
3ª) se o procedimento contra-ordenacional é nulo por violação do art. 58º/1/c do DL 433/82, de 27/10, na sua redacção actual (RGCO), resultante da omissão de identificação no auto de notícia, na proposta de decisão e na decisão da autoridade administrativa do instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação de trabalho entre a recorrente e a sua trabalhadora A... ;
4ª) se o auto de declarações de A... de 1/4/2013 e o depoimento que dele consta padecem dos vícios determinantes de invalidade que lhe são assacados pela recorrente;
5ª) se o prazo de quinze dias estabelecido no art. 17º/1 da Lei 107/09, de 14/9 (RGCOLSS), e se a limitação a duas testemunhas estabelecida no art. 47º/3 do RGCOLSS violam o direito de defesa da recorrente;
6ª) se tinham de constar do processo “notas de visita” referentes às visitas inspectivas realizadas previamente à elaboração do auto de notícia;
7ª) se o tribunal recorrido deveria ter tomado a iniciativa de proceder à inquirição de outras testemunhas, tendo em conta que foi indirecto o depoimento da inspectora que lavrou o auto de notícia;
8ª) se foi cometida qualquer invalidade pelo facto de terem decorrido oito meses entres as duas visitas inspectivas referidas no auto de notícia e de a recorrente não ter recebido quaisquer notificações, instruções ou sugestões da parte da ACT;
9ª) se o procedimento contra-ordenacional é nulo por violação do art. 16º do RGCOLSS;
10ª) se deve ser censurada a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido;
11ª) se só pode ser reconhecida a um trabalhador uma determinada categoria profissional se esta estiver prevista em IRCT aplicável à relação de trabalho entre trabalhador e empregador;
12ª) se a presença nos autos das cartas de 17/8/2012 (fls. 34) e de 25/10/2012 (fls. 35) envolve a violação do sigilo profissional de advogado, devendo as mesmas ter sido desentranhadas;
13ª) se os factos dados como provados na sentença recorrida permitem concluir no sentido de que a recorrente cometeu a contra-ordenação pela qual foi condenada pela ACT em decisão que foi mantida pelo tribunal recorrido.
*
IV) Fundamentação
A) De facto.

Transcrevem-se de seguida os factos dados como provados no tribunal recorrido:
[…]
*
B) De direito
Primeira questão: se ao indeferir o requerimento da recorrente no sentido da gravação da prova oral produzida durante a audiência de julgamento, o tribunal recorrido violou os arts. 101º/1 e 364º do CPP, 155º/1/2 do CPC, em conjugação com os arts. 4º do CPP e 9º do CC, bem assim como os arts. 20º e 32º/1/5/10 da CRP.

Nos termos do art. 51º/1 da Lei 107/09, de 14/9 (RGCOLSS), “Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”.
Decorre directamente da norma acabada de transcrever que em sede de contra-ordenações laborais a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto.
Sendo assim, como é, então não faz qualquer sentido que se proceda à gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento em primeira instância.
Na verdade, a referenciada gravação visa a conservação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento com o propósito de possibilitar aos sujeitos processuais revisitar tal prova, impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância e, no quadro dessa impugnação, permitir ao tribunal de segunda instância sindicar aquela mesma decisão, designadamente através da reapreciação da prova produzida oralmente no decurso da audiência de julgamento.
Ora, estando vedada, por regra, a intervenção censória do tribunal de segunda instância em sede da decisão sobre a matéria de facto e nessa medida a possibilidade desse mesmo tribunal se socorrer da eventual gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento, não se vê de que utilidade se possa revestir a dita gravação que, nessa medida, representa um acto perfeitamente inútil.
É certo que mesmo em sede de contra-ordenações o Tribunal da Relação deve levar a efeito uma apreciação oficiosa dos vícios enunciados no art. 410º/2/3 do CPP, aplicável ex-vi dos arts. 41º/1 e 74º/4 do DL 433/82, de 27/10, na sua redacção actual (RGCO) – cfr. acórdão do STJ de 19/10/95 (DR, 1ª série, A, de 28/12/95)
Simplesmente, essa intervenção oficiosa do Tribunal da Relação não torna necessária e muito menos obrigatória a gravação da prova oral produzida no decurso da audiência, estando mesmo vedado para esses efeitos o recurso a tal gravação nos casos em que porventura a mesma tenha sido efectuada.
Com efeito, como melhor se demonstrará infra, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
Como assim, também por esta via fica demonstrada a verdadeira inutilidade do acto de gravação da prova oral produzida na audiência de julgamento em sede de recuso de contra-ordenações laborais e contra a segurança social.
De resto, por força da norma remissiva do art. 60º do RGCOLSS, aplica-se em sede de contra-ordenações laborais a norma do art. 66º do RGCO, na sua redacção actual, nos termos da qual “Salvo disposição em contrário, a audiência em 1.ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções, não havendo lugar à redução da prova a escrito.”, sendo certo que de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência que sobre esta temática se tem pronunciado, tal norma proíbe não só a redução a escrito da prova mas igualmente a gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento - António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, p. 241; António Beça Pereira, Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas, 7.ª Edição, p. 142/143; acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/1/2012, proferido no âmbito do processo 1511/10.5TBTNV.C1, e de 30/5/2012, proferido no âmbito do processo 247/11.4TBSEI.C1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/2/2013, proferido no âmbito do processo 786/12.0TBSJM.P1; acórdão da Relação de Lisboa de 28/5/2015, proferido no âmbito do processo 2140/13.7TAPDL.L2-9.
Importa referir, ainda, que não se vislumbra qualquer violação de qualquer garantia constitucional decorrente dos citados 51º/1 e 60º do RGCOLSS e 66º do RGCO na interpretação conjugada que deles se extrai de que não há lugar à gravação da prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento de um processo de recurso de contra-ordenação laboral ou contra a segurança social, uma vez que está vedado ao Tribunal da Relação censurar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, salvo nos casos de verificação dos vícios do art. 410º/2 do CPP a constatar-se e declarar-se sem possibilidade de recurso à prova produzida no decurso da audiência.
Com efeito, o Tribunal Constitucional já teve por diversas vezes oportunidade de se pronunciar sobre a conformidade constitucional das normas dos arts. 66º e 75º do RGCO, naquela mesma interpretação conjugada, em termos perfeitamente transponíveis para o estatuído sobre essa matéria no regime geral das contra-ordenações laborais e contra a segurança social, especialmente nos arts. 51º/1 do RGCOLSS e 66º do RGCO, este último por remição do art. 60º do RGCOLSS – cfr. apenas a título de exemplo, os acórdãos 612/14, 50/99, 632/09, 73/07, 659/06, 189/01, 573/98, bem como a decisão sumária 73/07.
Resta dizer que a matéria da documentação/gravação dos actos da audiência de julgamento em processo de recurso de contra-ordenação está explicitamente regulamentada através das normas anteriormente invocadas do RGCOLSS e do RGCO, com a exclusão legal dessa documentação/gravação supra enunciada, razão pela qual não estamos nesta situação perante uma omissão que justificasse a convocação feita pela recorrente do estatuído nos arts. 101º/1 e 364º do CPP, 155º/1/2 do CPC, em conjugação com os arts. 4º do CPP e 9º do CC.
De tudo se extrai, assim, que deve responder-se negativamente à questão em análise.
*
Segunda questão: se o auto de notícia elaborado pela autoridade administrativa padece dos vícios determinantes de nulidade que lhe são assacados pela recorrente.

Nos termos do art. 10º/1/a do RGCOLSS, no exercício das suas funções profissionais o inspector do trabalho efectua, sem prejuízo do disposto em legislação específica, entre outros, o seguinte procedimento: requisitar, com efeitos imediatos ou para apresentação nos serviços desconcentrados do serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral, examinar e copiar documentos e outros registos que interessem para o esclarecimento das relações de trabalho e das condições de trabalho.
Trata-se, como flui da própria norma acabada de ser referenciada, de documentos e registos que se encontrem da posse de terceiros e cuja requisição, exame e cópia possam relevar para o correcto desempenho da função dos inspectores da ACT.
Refira-se, a respeito desta norma, que a recorrente não identifica em concreto um só documento ou registo na posse de terceiros que relevasse para o correcto enquadramento fáctico e jurídico da situação em apreço e que não foi requisitado, examinado e copiado pela autoridade administrativa, devendo tê-lo sido, com a devida fundamentação do assim sustentado quando à necessidade da requisição, exame e cópia.
Contrariamente ao que a recorrente parece sugerir nas conclusões 5ª) a 11ª), não são documentos do tipo dos que estamos agora a referenciar as notas das visitas, os autos elaborados no final das visitas inspectivas, o auto de declarações da queixosa, os presumíveis documentos referidos pela recorrente, o mesmo sucedendo com a identificação dos elementos da direcção da recorrente, com a norma “jus-laboral” ou contratual e com contactos pessoais e telefónicos aí igualmente referidos, pois não estão em causa documentos na posse de terceiros e cuja requisição a esse terceiro, exame e cópia pudesse revelar-se importante para o correcto enquadramento fáctico-jurídico da situação a que os autos se reportam.
Acresce que o citado art. 10º/1/a constitui um preceito de natureza ordenatória que estabelece determinadas obrigações funcionais do inspector do trabalho, sem que nele ou em qualquer outro preceito se comine a violação desse dever com qualquer vício invalidante do procedimento contra-ordenacional que se inicia com o auto de notícia ou com a participação e no decurso da qual aquela violação se tenha registado – no caso em apreço iniciou-se com o auto de notícia que está documentado a fls. 6 a 15.
Como assim, na situação em apreço não pode reconhecer-se a violação daquela norma, do mesmo modo que não pode reconhecer-se qualquer efeito invalidante do procedimento contra-ordenacional emergente de uma eventual violação da mesma que tivesse ocorrido.
Por seu turno, nos termos do art. 15º/1 do RGCOLSS, o auto de notícia menciona especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante.
Representa este art. 15º/1 uma concretização da exigência legal contida no art. 50º do RGCO, na sua actual redacção e aqui aplicável ex-vi do art. 60º do RGCOLSS, nos termos do qual “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”.
Da conjugação desses dois normativos resulta, pois, que devem ser comunicados ao arguido em sede de processo contra-ordenacional, designadamente, os factos que lhe são imputados, a sua qualificação jurídica e sanções eventualmente aplicáveis, por forma a que o arguido tome efectivo conhecimento da totalidade dos aspectos relevantes para a decisão a proferir posteriormente, assim se lhe facultando a possibilidade real de apresentar os seus pontos de vista quanto às imputações que lhe são feitas, contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas, pedir a realização de outras diligências e debater a questão de direito em causa (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional 537/2011, 352/98, 133/1992 e 172/1992).
Reportando-nos à situação em apreço, constam do auto de notícia os factos ilícitos imputados à recorrente, bem como as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos teriam sido praticados (cfr. capítulos II, IV, V, VII, IX), a infracção em que a recorrente teria incorrido ao ter protagonizado aqueles factos, as normas que a cominam e as coimas aplicáveis (fls. 6), bem assim como os elementos de prova em que assentou a convicção da autora do auto de notícia quando à prática daqueles factos e da correspondente contra-ordenação (v.g. verificações presenciais ocorridas por ocasião de visitas inspectivas, inquirições da trabalhadora visada com os factos ilícitos, reunião com o presidente e secretário da direcção da ré, bem assim como os documentos de fls. 16 a 37).
Ficou a recorrente, assim, em perfeitas condições para tomar consciência da concreta conduta ilícita de que era acusada, dos normativos incriminadores e da moldura abstracta neles cominada, bem assim como dos meios de prova recolhidos pela autoridade administrativa para fundamentar a convicção expressa no auto de notícia no sentido de que tinha sido efectivamente cometida aquela conduta ilícita.
Por isso, e independentemente de todas as omissões invocadas pela recorrente nas suas conclusões 5ª a 11ª para efeitos de invalidação do auto de notícia e de todo o subsequente procedimento contra-ordenacional a que deu origem, ficou a mesma constituída na efectiva possibilidade de exercer o seu direito de defesa em face das imputações contidas no auto de notícia, direito esse que de resto exerceu profusamente na resposta que se encontra documentada a fls. 40 a 56.
É certo que tais omissões poderiam importar outras tantas fragilidades do auto de notícia no que à sua consistência probatória e capacidade de procedência respeitam.
Simplesmente, tais fragilidades não estão legalmente cominadas como causas de invalidade do auto de notícia e do procedimento contra-ordenacional, devendo ser encaradas legalmente como possíveis causas determinantes de insucesso das imputações contidas no auto de notícia.
Por outro lado, importa referir que muitas dessas fragilidades se reportam a diligências (v.g. visitas inspectivas, contactos telefónicos e pessoais, declarações da trabalhadora vítima da conduta ilícita imputada à recorrente, exame de documentos …) levadas a efeito em fase anterior à do auto de notícia e com vista a recolher provas da infracção imputada à recorrente, diligências essas que não estão sujeitas às exigências dos referidos arts. 15º/1 e 50º.
Consequentemente, consideramos, tal como o tribunal recorrido considerou, que os arts. 15º/1 e 50º supra citados, bem assim como os demais enunciados pela recorrente na sua conclusão 12ª, não obrigavam, sob pena de invalidade do auto de notícia que assim não se verifica, à existência de autos referentes às visitas inspectivas de 31/05/2012 e de 08/02/2013 que relatassem o tempo de duração dessas visitas e as diligências nelas realizadas, à identificação dos elementos da direcção da recorrente identificados a fls. 3, linha 4, do auto de notícia (fls. 7 dos autos), à elaboração de autos de declarações da trabalhadora prestadas no decurso das visitas de 31/05/2012 e de 08/02/2013, à concreta identificação dos documentos referidos a linhas 6 de fls. 3 do auto de notícia (fls. 7 dos autos), à indicação da norma “jus-laboral” ou contratual (CCT) que deveria definir o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho celebrado entre a trabalhadora e a recorrente, nem à concreta identificação de contactos pessoais e telefónicos mantidos pela inspectora autuante no decurso da actividade de fiscalização que viria a redundar na elaboração do auto de notícia.
Acresce dizer que o auto de notícia a que se reporta o art. 15º do RGCOLSS e a sua notificação ao arguido destinam-se a cumprir a mesma função prosseguida pela audição escrita prevista no art. 50º do RGCO – fornecer ao interessado, numa peça processual com funções de acusação, todos os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, assim podendo exercer relativamente a todas essas matérias o seu direito de defesa.
Assim sendo, valem para aquele auto de notícia as considerações feitas no Assento nº 1/2003, in DR I-A, nº 21, de 25/1/03, relativamente ao vício de nulidade decorrente da violação daquele art. 50º, ali se firmando o entendimento de que está em causa uma nulidade sanável se, apesar de arguida, o interessado exerceu efectivamente o seu direito de defesa em termos de abranger os aspectos de facto e/ou de direito omitidos na referida audição escrita.
Ali se escreveu que “…Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 120º, n.os 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122º, nº 1, do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações]”.
Ora, apesar de todas as omissões invalidantes que a recorrente imputou ao auto de notícia, o certo é que a mesma exerceu cabalmente o seu direito de defesa, denotando perfeita consciência da conduta ilícita que lhe foi imputada pela autoridade administrativa, seja na resposta de fls. 40 a 56, seja na impugnação judicial de fls. 107 a 156.
Como assim, as supostas invalidades assacadas pela recorrente ao auto de notícia não poderiam deixar de considerar-se sanadas.
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Terceira questão: se o procedimento contra-ordenacional é nulo por violação do art. 58º/1/c do DL 433/82, de 27/10, na sua redacção actual (RGCO), resultante da omissão de identificação no auto de notícia, na proposta de decisão e na decisão da autoridade administrativa do instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação de trabalho entre a recorrente e a sua trabalhadora A... .

Comece por dizer-se que o art. 58º/1/c do RGCO tem o seu âmbito de aplicação circunscrito à decisão condenatória da autoridade administrativa que em sede da fase administrativa do procedimento de contra-ordenação aplique coimas ou sanções acessórias.
Consequentemente, a violação desse dispositivo legal nunca poderia gerar a nulidade de qualquer outro acto processual anterior ao momento da prolação daquela decisão, designadamente do auto de notícia ou da proposta de decisão que não são abrangidos pelas exigências formais do citado dispositivo legal.
Por outro lado, o art. 58º/1/c do RGCO não se aplica às contra-ordenações laborais do tipo daquela que está em causa na situação em apreço, pois que a matéria referente às formalidades de que deve revestir-se a decisão condenatória por contra-ordenação laboral está explicitamente regulamentada no art. 25º do RGCOLSS.
Tanto bastaria para se concluir no sentido de que não se regista a violação do referido art. 58º/1/c do RGCO, nem, consequentemente, a nulidade que a recorrente extrai dessa putativa violação.
De resto, cumpre referir, sumariamente, que a decisão condenatória da ACT respeita o comando do art. 25º/1/c do RGCOLSS, correspondente ao referido art. 58º/1/c do RGCO, pois que dela consta, ainda que por remissão para a proposta de decisão: a) o preceito normativo que no entender da ACT comina e pune como contra-ordenação a conduta imputada à recorrente (art. 29º/1/4 do CT/09)[1]; b) a conduta que está suficientemente enunciada do ponto de vista factual nessa mesma decisão como tendo sido protagonizada pela recorrente e que se considerou subsumível àquela norma incriminadora (fls. 87 a 91); c) a fundamentação com base na qual a ACT concluiu no sentido de que com aquela conduta a recorrente incorreu na previsão típica enunciada naquele preceito incriminador (fls. 81 a 87).
Tanto basta para se concluir no sentido de que foram satisfeitas as exigências decorrente do citado art. 25º/1/c do RGCOLSS, mesmo sem identificação do IRCT eventualmente aplicável à relação de trabalho entre a recorrente e a sua trabalhadora A... .
Consequentemente, não se verifica o vício invalidante que a recorrente pretende extrair da pretensa violação dessa norma legal, seja para a própria decisão administrativa condenatória, seja para a decisão judicial recorrida que a confirmou.
Por outro lado, como melhor se desenvolverá infra e neste enquadramento, revela-se como perfeitamente estéril e inútil a discussão suscitada pela recorrente sobre o IRCT aplicável à relação de trabalho entre ela e a sua trabalhadora A... , bem assim como sobre a categoria profissional normativa que deve ser atribuída a tal trabalhadora (secretária administrativa ou secretária de direcção), razão pela qual este tribunal não alimentará tal discussão e não discorrerá o que quer que seja a seu respeito.
Na verdade, o tipo de contra-ordenação que está em causa nestes autos não tem como pressuposto típico o de que esteja em causa uma relação abrangida pelo âmbito de aplicação de um dado IRCT, nem o de que esteja em causa um trabalhador a quem deva reconhecer-se uma categoria profissional normativa, podendo ser perfeitamente consumada em relação a uma relação de trabalho insusceptível de integração em qualquer regulamentação colectiva de trabalho, bem assim como em relação a um trabalhador a que não possa atribuir-se aquele tipo de categoria.
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Quarta questão: se o auto de declarações de A... de 1/4/2013 e o depoimento que dele consta padecem dos vícios determinantes de invalidade que lhe são assacados pela recorrente.

Cumpre ter em atenção que estão em causa declarações prestadas e reduzidas a escrito num momento anterior (1/4/2013 – fls. 24 a 30) àquele em que foi lavrado o auto de notícia (8/5/2013 – fls. 6 a 15).
Como assim, num momento em que nem sequer ainda existia formalmente processo de contra-ordenação e em que apenas se estavam ainda a realizar diligências no sentido de se averiguar se existiam ou não indícios da prática de uma infracção e, na afirmativa, da sua autoria e das circunstâncias de tempo, de modo e de lugar em que a mesma teria sido cometida.
Estava-se, ainda, numa fase que pode denominar-se de aquisição de notícia da infracção, levada a efeito unilateralmente pelo inspector do trabalho no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 11º/1/c/k do DL 102/2000, de 2/6, no âmbito das atribuições que competem à ACT de promover, controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às relações e condições de trabalho (art. 2º/2/a do Decreto Regulamentar 47/12, de 31/7), e com vista à concretização da missão da ACT de promoção da melhoria das condições de trabalho, designadamente através da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral (art. 2º/1 do Decreto Regulamentar 47/12, de 31/7).
Nessa fase, a aqui recorrente não tinha ainda o estatuto formal de arguida e não estava acusada da autoria de qualquer infracção, sendo que nessa medida nem sequer estava constituída no direito ao contraditório e à defesa que, por definição, apenas pode ser reconhecido após aquela constituição como arguida e, em especial, após aquela acusação.
Por isso, não vislumbramos fundamento constitucional ou legal para reconhecer à recorrente o direito a ter estado presente na tomada de declarações que estão em causa e de no decurso delas ter exercido um contraditório que rigorosamente não lhe competia.
É certo que nos termos do art. 61º/1/a do CPP invocado pela recorrente, o arguido tem o direito de estar presente nos actos processuais que directamente lhe disserem respeito, devendo tais actos ser entendidos como todos aqueles relativamente aos quais vale em geral o princípio da contraditoriedade entre os vários intervenientes; institui-se por este meio o instrumento adequado para, a todo o tempo, assegurar ao arguido a possibilidade de tomar posição sobre o material probatório que contra ele possa ser feito valer e, do mesmo passo, facultar-lhe uma relação de imediação quanto aos meios de prova e à entidade que procede à sua recolha (Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª ed., p. 204; Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 1981, pp. 160/161).
Como assim, o arguido terá direito a estar presente em todos os a actos de produção probatória realizados no âmbito do processo e que possam relevar para o apuramento e a definição do ilícito pelo qual possa ser responsabilizado o arguido de cuja presença se trate – José António Barreiros, Inquérito e instrução, I Congresso de Processo Penal - Memórias, Almedina, 2005, p. 145.
Simplesmente, no caso em apreço e mesmo que pudesse admitir-se, em tese, a aplicação daquele art. 61º/1/a do CPP ao processo contra-ordenacional, à data em que foram tomadas e formalizadas as declarações que ora estão em causa nem sequer ainda existia processo de contra-ordenação, por inexistência do auto de notícia que necessariamente lhe dá origem, razão pela qual não pode sustentar-se que a recorrente tivesse já o estatuto de arguida e que beneficiava já do direito ao exercício do contraditório relativamente a tais declarações, em consequência do que aquela norma não pode ter-se por aplicável à concreta situação em apreço, nem pode ter-se por violada pelo facto de a recorrente não ter estado presente no acto de tomada das declarações em questão.
Por outro lado, tratando-se de declarações prestadas mesmo antes da instauração formal do processo de contra-ordenação e numa fase que o antecedeu de realização de diligências com vista à eventual aquisição da notícia da infracção, não estava a correspondente declarante ao dever de juramento ou compromisso enunciado no art. 91º do CPP que, por isso, não pode ter-se por aplicável e por violado.
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Quinta questão: se o prazo de quinze dias estabelecido no art. 17º/1 da Lei 107/09, de 14/9 (RGCOLSS), e se a limitação a duas testemunhas estabelecida no art. 47º/3 do RGCOLSS violam o direito de defesa da recorrente.

Importa referir, antes de mais, que estamos no âmbito deste processo no domínio do direito contra-ordenacional, diferente do direito penal, sendo de natureza distinta a tutela conferida por cada um desses ramos do direito: enquanto o ilícito penal empresta uma protecção jurídico-penal, o ilícito de mera ordenação social limita-se a proporcionar uma tutela mais administrativa.
Por outro lado, enquanto no ilícito penal
se exige sempre a intervenção judicial, quem aplica as coimas no ilícito de mera ordenação social é a administração e só em caso de não conformação ou de concurso de crime e contra-ordenações  é que poderá haver a intervenção jurisdicional.

Além disso, são de natureza distinta as sanções correspondentes a esses dois tipos de ilícito: a sanção típica do ilícito penal é a pena, sendo a coima aquela que corresponde ao ilícito de mera ordenação social.
O direito de mera ordenação social está ligado historicamente à concretização do princípio da subsidiariedade do direito penal e ao movimento de descriminalização, tendo-se pretendido construir, através dele, um modelo de protecção de interesses eticamente neutros, de natureza eminentemente administrativa, mas cuja violação ainda assim justificaria reacções que devam exprimir uma censura de natureza social levada a cabo através da previsão e aplicação de sanções de natureza administrativa.
Estão aqui em causa comportamentos humanos igualmente ilícitos, mas merecedores de uma censura com menor ressonância que as condutas criminais.
Tendo em consideração as diferenças acabadas de apontar, bem se compreende que normas processuais contra-ordenacionais tenham uma dimensão não tão marcadamente garantística como as congéneres penais, sem prejuízo de deverem assegurar os direitos de audiência e de defesa (art. 32º/10 da CRP).
Note-se, apesar disso, que o art. 32º/10 da CRP não exige que o processo contra-ordenacional, enquanto processo sancionatório, assegure um conjunto de garantias equivalentes às previstas no processo criminal; o que essa norma implica é, apenas, a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional  n.°´s 43/2015, 612/2014, 659/06; Assento n.º 1/2003 do STJ (DR 21, SÉRIE I-A, de 25/1/2003; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo 1, Coimbra, 2005, p. 363), tendo sido inclusivamente rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar a extensão, ao arguido nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios, de “todas as garantias do processo criminal” (...) - artigo 32º‑B do projecto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cfr. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série-RC, nº 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 541/544, e I Série, nº 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466.
Tudo a significar, assim, que conquanto o processo contra-ordenacional tenha de subordinar-se ao reconhecimento de um conjunto de garantias inerentes à respectiva natureza sancionatória, tal não o equipara ao processo penal, não conduzindo, por isso, no plano da aplicação do direito ordinário, à directa transposição para o primeiro de todas e quaisquer garantias expressamente previstas para o segundo.
É justamente nesse âmbito de menores garantias conferidas pelo processo de contra-ordenação que surge a limitação imposta pelo art. 47º, nº 3, da Lei 107/09, de 14/9, ao determinar que o MP e o arguido podem arrolar, apenas, duas testemunhas por cada infracção.
Em tese e abstractamente, não vislumbramos que essa norma seja de molde a ofender o direito de defesa do arguido em processo contra-ordenacional, contanto que se conjugue devidamente esse direito de arrolar duas testemunhas com a possibilidade de o arguido poder requerer a produção de outros meios de prova, designadamente documental e, mesmo, pericial.
Na situação concreta em apreço, também não vislumbramos que ocorra essa ofensa.
Na verdade, logo no requerimento de interposição de recurso e face à limitação legal do número de testemunhas acima mencionada, a recorrente nada alegou para justificar a circunstância de ter arrolado mais do que duas testemunhas; em especial, nada alegou quanto à limitação do seu direito de defesa decorrente do facto de estar limitada quanto ao número de testemunhas que poderia arrolar.
Por outro lado, notificada do despacho de 9/6/2014 (fls. 200) que, pela segunda vez, limitou nestes autos a duas as testemunhas a ouvir pelo Tribunal no decurso da audiência, de entre as por si alegadas, a recorrente acabou por acatar tal despacho, indicando as duas testemunhas que pretendia que fossem ouvidas (fls. 202), tudo levando a crer, pois, que a própria recorrente considerou que poderia assegurar integralmente a sua defesa mediante a inquirição de apenas duas testemunhas de entre as que tinha anteriormente arrolado.
Além disso, a recorrente nem sequer sugeriu ao Tribunal a importância de que porventura se pudesse revestir, para sua defesa, a inquirição de outras testemunhas para lá daquelas que o foram, de molde a que o Tribunal pudesse tomar, no exercício do seu poder-dever de realizar as diligências necessárias à descoberta da verdade material, a iniciativa de inquirir outras testemunhas importantes para a realização daquele desiderato.
A tudo acresce que a limitação ora em apreço se aplica não apenas à recorrente, como também ao Ministério Público, com estrita observância, nessa matéria, da igualdade de armas entre acusação e defesa que deve ser respeitada.
Não se vislumbra, assim, que a limitação em questão viole o direito de defesa por parte da recorrente ou que seja determinante de qualquer causa invalidante do procedimento contra-ordenacional.
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A crítica constante das conclusões 25ª e 26ª à forma como foram ponderados e desvalorizados pela primeira instância os depoimentos prestados por parte das testemunhas arroladas pela recorrente não pode aqui ser ponderada e decidida no sentido do seu acerto ou desacerto, já que: a) este Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, de matéria de direito, sendo que a ponderação daquela crítica envolveria ilegal interferência na decisão sobre a matéria de facto e na convicção do tribunal recorrido que lhe esteve subjacente; b) a crítica em causa e os fundamentos aduzidos como seu fundamento não são susceptíveis de evidenciarem qualquer dos únicos vícios que em sede de decisão da matéria de facto poderiam ser conhecidos e declarados por este tribunal – os enunciados no art. 410º/2 do CPP que, como infra se demonstrará, não tem margem de aplicação na situação a que os autos se reportam.
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Importa também referir que a limitação a quinze dias do prazo para a recorrente exercer o seu direito de defesa em face da acusação que lhe foi dirigida pela ACT no auto de notícia documentado a fls. 6 a 15 não envolve qualquer limitação desproporcionada do seu direito de defesa, nem qualquer causa invalidante do procedimento contra-ordenacional que está em apreciação.
Comece por recordar-se e aplicar-se aqui, devidamente adaptado, tudo quanto supra se expôs sobre a menor densidade garantística que deve admitir-se no âmbito direito processual contra-ordenacional no confronto daquela que deve ser assegurada no âmbito do processo criminal, bem assim como sobre os termos restritivos que devem prevalecer nesse âmbito quanto às exigências garantísticas decorrentes do art. 32º/10 da CRP por referência ao direito de audiência e defesa em sede de processo administrativo sancionatório de contra-ordenação.
Tudo para dizer que, em tese e abstractamente, não se vislumbra que a fixação em quinze dias do prazo para a recorrente responder ao auto de notícia da ACT redunde numa qualquer limitação desproporcionada e por isso inadmissível do direito de audiência e defesa que tem de ser assegurado.
Por outro lado e agora em concreto, importa atentar em que apesar daquela limitação de prazo a recorrente exerceu profusamente o seu direito de defesa na resposta que está documentada a fls. 40 a 56, dando conta nessa resposta de estar completamente inteirada da situação de facto invocada para justificar a acusação que lhe foi dirigida pela ACT de ter cometido a contra-ordenação pela qual subsiste ainda condenada.
Além disso, nessa concreta resposta e nas suas intervenções processuais subsequentes, a recorrente nunca invocou um qualquer meio de defesa que não pudesse ter exercitado por causa daquela limitação de prazo, sem o que dificilmente se percebe em que medida tal limitação restringiu, muito menos desproporcionadamente, o direito de defesa da recorrente.
Atente-se, por outro lado, em que como claramente resulta do próprio auto de notícia, designadamente de fls. 11 e 13, a recorrente foi tendo intervenção nalgumas diligências levadas a efeito pela ACT previamente à elaboração do auto de notícia, estando, assim, perfeitamente familiarizada com a situação de facto em torno da qual se gerou a intervenção da ACT que viria a redundar da elaboração do auto de notícia de que os presentes autos emergiram.
Resulta desse mesmo auto de notícia que foram levadas a efeito tentativas de se encontrar uma solução consensualizada para a divergência instalada entre a recorrente e a sua trabalhadora, as quais se goraram definitivamente a partir do momento em que a recorrente assumiu a recusa referida a fls. 13, capítulo VIII, in fine.
De resto, essa situação de facto e as divergências que em torno da mesma se geraram entre a recorrente e a trabalhadora identificada no auto de notícia foram até denunciadas à recorrente pela própria trabalhadora mesmo antes de qualquer intervenção da ACT, como claramente evidencia o teor documental de fls. 20 e 21.
Acresce que o próprio auto de notícia e o conteúdo de que dele consta são, até, de fácil apreensão quanto aos factos de que a recorrente é nele acusada e quanto ao enquadramento sancionatório que deles se faz.
Não se vislumbra, assim, que a limitação a quinze dias do prazo para a recorrente responder ao auto de notícia viole o direito de defesa por parte da recorrente ou que seja determinante de qualquer causa invalidante do procedimento contra-ordenacional.
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Sexta questão: se tinham de constar do processo “notas de visita” referentes às visitas inspectivas realizadas previamente à elaboração do auto de notícia.

As vistas inspectivas referidas pela recorrente foram realizadas em 31/5/2012 e 8/2/2013, como se depreende do próprio auto de notícia, antes da elaboração deste (28/5/2013), logo mesmo antes da instauração formal do procedimento de contra-ordenação e na já referenciada fase de realização de diligências tendentes à aquisição da notícia da infracção.
Nesse enquadramento, não se vislumbra – e a recorrente não o indica – dispositivo legal que impusesse a documentação dessas visitas, muito menos com o teor sugerido pela recorrente, do mesmo modo que se não vislumbra – com idêntica omissão por parte da recorrente – qualquer dispositivo legal que associe qualquer género de invalidade à omissão dessa documentação.
Como assim, a resposta a esta questão tem de ser negativa, não podendo extrair-se da omissão das “notas de notícia” denunciada pela recorrente qualquer efeito que lhe aproveite.
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Sétima questão: se o tribunal recorrido deveria ter tomado a iniciativa de proceder à inquirição de outras testemunhas, tendo em conta que foi indirecto o depoimento da inspectora que lavrou o auto de notícia.

A prova oral produzida no decurso da audiência de julgamento não foi gravada.
Tal circunstância, associada à inexistência de qualquer regra de experiência comum do tipo da sustentada pela recorrente (conclusão 29.ª) com base na qual possa sustentar-se o carácter indirecto dos depoimentos prestados por inspectores do trabalho que sejam autores de autos de notícia, obsta a que possa qualificar-se como indirecto o depoimento prestado pela inspectora B... .
Tanto basta para, sem necessidade de outras considerações, não acolher a pretensão da recorrente no sentido de que este tribunal reconheça aquele carácter indirecto e, nesse pressuposto, censurasse o tribunal recorrido por não ter procedido a outras inquirições, nem ter complementado aquele mesmo depoimento com outra documentação para lá daquela que foi junta aos autos.
De resto, vistas as actas de audiência de julgamento, verifica-se que: a) o tribunal recorrido tomou a iniciativa de juntar aos autos diversos documentos que deles não constavam e que no seu entender poderiam contribuir para a correcta decisão da causa, prova de que o tribunal recorrido exerceu os poderes inerentes ao dever de descoberta da verdade material, sem evidências de que o exercício desse dever se devesse ter estendido a outro tipo de provas; b) a recorrente não indicou outra prova documental que deveria ser junta aos autos na sequência do depoimento da inspectora do ACT e que o não tenha sido, tendo sido junta aos autos a prova documental por si requerida em 9/12/2014; c) a recorrente não requereu a inquirição de outras testemunhas para lá das que foram efectivamente inquiridas, tendo-se limitado a requerer a inquirição do seu próprio legal representante, o que foi deferido.
Neste enquadramento fica sem se perceber que outras concretas testemunhas deveriam ter sido inquiridas, bem como as concretas razões de relevância pelas quais tal inquirição deveria ter ocorrido, e que outros documentos deveriam ter sido juntos aos autos e as correspondentes razões de relevância.
Por isso, nenhuma censura se nos oferece dirigir à decisão recorrida a propósito da questão que está em apreço.
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Oitava questão: se foi cometida qualquer invalidade pelo facto de terem decorrido oito meses entres as duas visitas inspectivas referidas no auto de notícia e de a recorrente não ter recebido quaisquer notificações, instruções ou sugestões da parte da ACT.

Não conhecemos e a recorrente também não o indica, um só dispositivo legal de onde se extraia a obrigação da ACT ter procedido a notificações, instruções ou recomendações do tipo das apontadas pela recorrente, ou a proibição de entre as referenciadas visitas inspectivas decorrer o período de tempo que entre elas intercedeu sem a realização de diligências[2].
Consequentemente, não pode reconhecer-se qualquer invalidade associada à omissão das ditas notificações, instruções ou recomendações, nem à intercorrência daquele período de tempo entre as vistas inspectivas.
É negativa, assim, a resposta à questão em apreço.
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Nona questão: se o procedimento contra-ordenacional é nulo por violação do art. 16º do RGCOLSS.

Nos termos do art. 16º RGCOLSS, “O autuante ou o participante não podem exercer funções instrutórias no mesmo processo.”.
A fase da instrução do procedimento de contra-ordenação tem o seu início no momento imediatamente subsequente à dedução do auto de notícia, que não faz parte da instrução, e prolonga-se até à decisão final por parte autoridade administrativa recorrida.
Consultado o presente processo de contra-ordenação, dele não se extrai qualquer intervenção, na qualidade de instrutora, da inspectora que lavrou o auto de notícia, pelo que não se vislumbra qualquer violação daquela norma legal.
Não resulta de fls. 38 que tenha sido por determinação da inspectora autuante que foi lavrada a notificação do auto de notícia que está documentada a fls. 38, não podendo aceitar-se, assim, que nesse âmbito aquela inspectora tivesse exercido quaisquer funções de instrução.
Após a resposta da recorrente, a instrução foi formalmente confiada à instrutora C... (fls. 58), sendo que desde então não se verificou qualquer intervenção instrutora da inspectora autuante.
Todas as intervenções da inspectora autuante que antecederam a dedução do auto de notícia, incluindo a recolha, em 1/4/2013, das declarações da trabalhadora A... que está documentada a fls. 24 a 30, não podem ser qualificadas como actos de instrução[3], mas apenas como diligência tendentes a adquirir eventual notícia de infracção, pelo que tais intervenções não impedem o autor das mesmas de ser o autor do subsequente auto de notícia.
Não se verifica, assim, a causa de invalidade arguida pela recorrente e que está em apreço no âmbito da questão em análise.
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Décima questão: se deve ser censurada a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido.

Nos termos do art. 51º/1 da Lei 107/09, de 14/9, “Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”.
Decorre directamente da norma acabada de transcrever que em sede de contra-ordenações laborais a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de matéria de facto.
Sendo assim, como é, logo se compreende, sem necessidade de considerações adicionais, que a resposta à questão em análise deve ser negativa, com a consequente impossibilidade de se serem valorados os múltiplos argumentos, comentários, críticas aduzidas pela recorrente em relação à matéria de facto tal qual a mesma foi fixada pelo tribunal recorrido que, assim, deve permanecer inalterada, ressalvada a eventual verificação de qualquer dos vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP.
Com efeito, nos termos do art. 410º/2/3 do CPP:
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”.
Não sendo caso de aplicação do nº 3 acabado de transcrever, por não se vislumbrar qualquer inobservância do tipo da nela enunciada, a sentença recorrida também não padece de algum dos vícios enunciados no transcrito nº 2.
Diga-se, antes de mais, que os vícios em questão não podem ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pela recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos do art. 127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125º do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos.
Por outro lado, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito – v.g. acórdãos do STJ de 30/10/2013, proferido no âmbito do processo 40/11.4JAAVR.C2.S1, de 21/3/2013, proferido no âmbito da revista 321/11.7PBSCR.L1.S1, de 15/11/2012, proferido no âmbito da revista 5/04.2TASJP.P1.S1., de 8/11/2006, proferido no âmbito da revista 3102/06, de 5/3/97, BMJ 465º, p. 407, de 8/1/97, BMJ 463º, p. 189, de 11/6/92, BMJ 418º, p. 478, de 31/1/90, BMJ 393º, p. 333.
Trata-se de jurisprudência pacífica e consolidada, não se vislumbrando fundamento suficiente para dela divergir.
Cumpre, assim, exclusivamente com base na sentença recorrida, conjugada com as regras de experiência comum, indagar se aquela decisão padece dos apontados vícios.
Comece por referir-se que este Tribunal não divisa qualquer regra de experiência comum que, conjugada com a sentença, permita concluir no sentido da verificação dos vícios em questão.
Lida a sentença recorrida, também não se descortina em que parte enferma ela de tais vícios.
Na verdade, começando pelo da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º/2/a CPP), é sabido que o mesmo só tem lugar quando da factualidade vertida na decisão se retira faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – acórdãos do STJ de 14/10/2013, proferido no âmbito do processo 1759/07.0TALRA.C1.S1, de 27/5/2010, proferido no âmbito do processo 18/07.2GAAMT.P1.S1, de 6/4/00, BMJ 496, p.169, e de 17/4/2013, proferido no âmbito do recurso 138/09.9JELSB.L1.S2.
Por outras palavras, este vício só tem lugar quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação, pronúncia ou, no caso das contra-ordenações, da decisão da autoridade administrativa – cfr. acórdãos do STJ 4/10/2006, proferido no âmbito do processo 06P2678, de 05/9/2007, proferido no âmbito do processo 2078/07, de 14/11/2007, proferido no âmbito do processo 3249/07, e de 17/4/2013, proferido no âmbito do processo 138/09.9JELSB.L1.S2.
Na verdade, como escreve o Prof. Germano Marques da Silva “É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.” - Curso de Processo Penal, Verbo, 2000, III Vol., pp. 339 e 340.
Assim, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo delimitado pela decisão da autoridade administrativa, mas vinculado ao dever da descoberta da verdade material (art. 340º do CPP), desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos que deveria ter desenvolvido e indagado, concluindo-se pela verificação do vício em apreço quando houver factos relevantes para a decisão, alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão, mas que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver – acórdão da Relação do Porto de 6/11/1996, proferido no âmbito do processo 9640709.
Ora, analisando a sentença recorrida não se detecta na mesma qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito tomada.
Por outro lado, não se descortina qualquer outra diligência que devesse ter sido realizada ou qualquer outra matéria de facto relevante para a decisão que devesse ter sido indagada e que, indevidamente, o tribunal recorrido não realizou ou não indagou.
Como assim, não se verifica na sentença recorrida o vício em apreciação.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a factos decisão (art. 410º/2/b), distintas da falta de fundamentação, respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto, podendo existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, assim como entre a fundamentação probatória da matéria de facto - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pp. 341/342.
Este vício ocorre, pois, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Nenhuma situação desse tipo se regista na situação em apreço.
Aliás, como já dito, a divergência da recorrente relativamente ao sentido com que foi valorada a prova produzida e aos factos que com base nela foram dados como provados não evidencia qualquer contradição do tipo da que apreciamos neste momento.
Refira-se, a propósito, que a divergência assinalada pela recorrente entre um determinado facto que foi dado como provado – a designação da trabalhadora como Secretária da Direcção –  e o documento de suporte da convicção subjacente à decisão de dar esse facto como provado  – doc. nº 2 de fls. 17; acta nº 1 de 88/01/05 – não pode ser enquadrado no vício de contradição acabado de enunciar, posto que a sua verificação implicaria para o tribunal a necessidade de prescindir da exclusiva análise do texto da decisão recorrida e de se socorrer de prova documental constante dos autos, o que, como visto, é inadmissível.
De resto, a invocação desse documento feita na sentença recorrida está em plena conformidade com o que nela se deu como provado no ponto 32º dos factos provados relativamente à categoria de “Secretária Administrativa” referida ali e aqui.
Acresce que ao contrário do sugerido pela recorrente, a fls. 502 dos autos não está dado como provado pelo tribunal recorrido que do documento de fls. 17 resultasse que a trabalhadora A... tinha a categoria de “Secretária de Direcção”; o que aí se enuncia é, apenas, a convicção que a testemunha A... adquiriu em face da análise de documentos, particularmente desse, da apresentação da trabalhadora A... que lhe foi feita e da ausência de divergências sobre essa temática, no sentido de que que a dita trabalhadora era “Secretária de Direcção”.
Não se divisa pois, e a recorrente não se encarrega de concretamente o demonstrar, que exista na sentença recorrida qualquer a contradição do tipo da que está em análise.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova (art. 410º/2/c) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, p. 341, Maria João Antunes, Conhecimento dos Vícios Previstos no art. 410.º/2 do CPP, RPCC, ano 4, nº 1, p. 120), e acórdãos do STJ de 25/2/2015, proferido no âmbito do processo 804/03.2TAALM.L.S1, de 4/7/2013, proferido no âmbito do processo 1243/10.4PAALM.L1.S1 , de 3/7/02, proferido no âmbito do processo 1748/02, e de 10/2/05, proferido no âmbito do processo 3207/04.
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., p. 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão da recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cfr. acórdão do STJ de 9/7/1998, proferido no âmbito do processo 1509/97).
Diga-se, ainda, que não traduz qualquer erro notório o facto de o tribunal ter dado credibilidade a determinadas declarações e/ou meios de prova produzidos, em detrimento de outras.
Ora, lida a sentença recorrida, não vislumbramos nela qualquer erro do tipo acabado de apontar.
O facto de a recorrente valorar a prova produzida em audiência em termos diversos daqueles em que a mesma foi valorada pelo tribunal recorrido não é suficiente para se concluir no sentido de que se regista o erro notório que se vem apreciando.
Por outro lado, a decisão da matéria de facto não se revela ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, do mesmo modo que dela não emerge ter sido dado como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou que é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo.
Concluindo, dir-se-á que no caso em apreço não estamos perante qualquer dos vícios previstos no art. 410º/2 do CPP, bem como não ocorre qualquer nulidade do tipo das previstas no nº 3 do mesmo artigo
Como assim, subsiste intocada a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.
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Décima-primeira questão: se só pode ser reconhecida a um trabalhador uma determinada categoria profissional se esta estiver prevista em IRCT aplicável à relação de trabalho entre trabalhador e empregador.

Se bem percebemos a posição da recorrente, a um dado trabalhador só pode ser reconhecida uma categoria profissional se esta estiver prevista em IRCT aplicável à relação de trabalho entre empregador e trabalhador – reporta-se a recorrente, assim, à correntemente denominada categoria-normativa.
Partindo deste enquadramento da posição da recorrente, tem de ser negativa a resposta à questão em apreço.
Com efeito, a denominada categoria-normativa define a posição do trabalhador pela correspondência das suas funções a uma determinada categoria cujas tarefas típicas se encontram descritas num dado instrumento normativo que pode o instrumento de regulamentação colectiva, mas que também pode ser a lei (v.g., acórdão do STJ de 3/2/2010, proferido no âmbito do processo 436/06.3TTSTS.S1, Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, 2006, p. 372)) ou o regulamento interno da empresa (art. 111º/2 do CT/2003; art. 118º/2 do CT/09).
Como assim, pode reconhecer-se a um dado trabalhador o direito a uma dada categoria profissional normativa mesmo que a relação de trabalho entre ele e o empregador não seja abrangida pela normatividade instituída por qualquer instrumento de regulamentação colectiva.
Por outro lado, mesmo a entender-se que a recorrente não pretendia reportar-se à categoria-normativa, mas sim à categoria-função, a resposta à questão em análise tinha de permanecer negativa pois que esta última corresponde à actividade a que o trabalhador se encontra adstrito (Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1994, p. 665), por exemplo através da descrição do correspondente conteúdo funcional no próprio contrato de trabalho ou através da afectação do trabalhador ao desempenho efectivo de um dado conjunto de funções essenciais.
Face a quanto se referiu ficam sem suporte as afirmações da recorrente no sentido de que “A categoria profissional do trabalhador tem de ser definida no I.R.C.T. que regula a relação jurídico-laboral entre trabalhador e empregador” e  que “Se não for conhecido o I.R.C.T. que se aplica ao contrato de trabalho em causa não pode ser, sequer, enunciada a categoria profissional do trabalhador”.
De resto, sem bem interpretamos a sentença recorrida, foi a categoria-função e não a categoria-normativa aquela que relevou para efeitos de se concluir no sentido de que a recorrente introduziu unilateralmente nela determinadas alterações susceptíveis de serem valoradas para efeitos do preenchimento da tipicidade objectiva do tipo de contra-ordenação referido naquela sentença.
É o que se extrai, por exemplo, da seguinte passagem da sentença recorrida: “A PRT e respetiva BTE nº 26 de 1979 de 15-07 e a BTE nº 31 de 1985 de 22-08 … acaba por não constituir o seu elemento essencial, no contexto de todos os documentos acima mencionados, documentos estes internos da Associação, nos quais se foi descrevendo ao longo do tempo, quais as funções efetivamente desempenhadas pela trabalhadora, constando essa categoria das folhas de vencimento da trabalhadora, vindo a provar-se que desde Janeiro de 2012 houve uma total inversão das suas tarefas, numa clara atitude intimidatória.”.
Como assim, estando em causa para efeitos de preenchimento daquela tipicidade objectiva alterações introduzidas na categoria-função da trabalhadora A... , de nada releva a discussão que a recorrente insiste em manter sobre a categoria-normativa que deve ou não ser efectivamente reconhecida à dita trabalhadora.
O que realmente releva são o conjunto de funções que realmente a trabalhadora vinha executando até Janeiro de 2012 no cumprimento do exercício pela recorrente do denominado poder determinativo da função, bem assim como as alterações nelas unilateralmente introduzidas pela recorrente a partir de então em termos de que possa extrair-se a conclusão de que as mesmas envolveram uma violação do princípio da invariabilidade da prestação (arts. 151º/1 do CT/03 e 118º/1 do CT/09).
Como assim, do ponto de vista da questão ora em análise, nenhuma censura deve ser dirigida à sentença recorrida e de nada relevam as considerações feitas pela recorrente sobre a categoria-normativa que deve ou não reconhecer-se à trabalhadora identificada na sentença recorrida.
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Décima-segunda questão: se a presença nos autos das cartas de 17/8/2012 (fls. 34) e de 25/10/2012 (fls. 35) envolve a violação do sigilo profissional de advogado, devendo as mesmas ter sido desentranhadas.

A questão ora em apreço e que a recorrente suscita nos autos é de todo irrelevante para a correcta decisão a proferir nos mesmos, razão pela qual dela não deve conhecer-se.
Com efeito, mesmo a proceder a pretensão da recorrente sustentada a propósito da questão em análise, o efeito  prático que daí poderia emergir seria o de ficar sem suporte probatório bastante a matéria de facto dada como provada nos pontos 22º, 23º e 24º dos factos provados que, assim, deveria ser eliminada do elenco dos factos a considerar para efeitos do enquadramento jurídico da situação a que os autos se reportam.
Ora, a matéria em questão é de todo em todo irrelevante para efeitos de se saber se a recorrente cometeu ou não a contra-ordenação pela qual foi condenada, sendo que a resposta afirmativa a tal questão podia e pode perfeitamente ser mantida mesmo no caso de no elenco os factos provados não constarem os factos descritos naqueles pontos.
O que verdadeiramente releva para estes efeitos são apenas as alterações que a recorrente introduziu unilateralmente na categoria-função da trabalhadora, no seu posto de trabalhado e no seu enquadramento organizacional, sendo que desse ponto de vista a matéria dos pontos 22º a 24º dos factos provados é absolutamente irrelevante, não devendo, em rigor, ter constado dos factos provados.
Ora, dada a irrelevância dessa matéria para o correcto enquadramento jurídico da situação em apreço, de nada adianta, por totalmente inútil, a discussão que a recorrente suscita sobre a questão em apreço, da qual, por isso, não deve tomar-se conhecimento, com a contrapartida de que a matéria dos pontos 22º) a 24º) dos factos provados não será minimamente valorada para efeitos de se saber se a recorrente cometeu ou não a contra-ordenação pela autoria da qual foi condenada.
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Décima-terceira questão: se os factos dados como provados na sentença recorrida permitem concluir no sentido de que a recorrente cometeu a contra-ordenação pela qual foi condenada pela ACT em decisão que foi mantida pelo tribunal recorrido.

A sentença recorrida respondeu afirmativamente a esta questão, com a fundamentação que resumidamente passa a transcrever-se:
No presente caso, a arguida recorrente entende que não praticou a referida contra-ordenação, além do mais, por, a ter existido algumas alterações nas funções agora atribuidas à trabalhadora A... estas devem-se às conclusões decorrentes da auditoria realizada na Previdência tendo em vista a sua reestruturação interna.
Ora, tal conduta, que se prolongou, pelo menos desde Janeiro de 2012 até à atualidade, envolveu a prática de actos, levados a cabo de forma aparentemente inócua, porque prolongadas no tempo e dentro do descrito circunstancialismo fáctico teve como principal efeito, humilhar a trabalhadora perante os restantes trabalhadores, ao apresentar-lhe públicamente, as suas novas tarefas, com o esvaziamento de algumas das suas funções e inversão de outras, retirando-lhe poderes de que antes dispunha (nomeadamente no controlo da assiduidade dos restantes trabalhadores que tinham de lhe dar conta de qualquer alteração à hora de entrada e saída da associação…).
Todas as diferenças de tratamento assinaladas, sejam elas sob a forma de por a trabalhadora a acumular funções nunca antes exercidas (por ex servir “beberetes”, ajudar a colocar quadros na Casa da Mutualidade, passar a atender telefonemas para quem nunca foi admitido como telefonista, colocá-la no atendimento do público em geral, para quem antes secretariava a Direção etc) a pretexto de que o volume do seu serviço tinha diminuído e que havia, por assim dizer que rentabilizar a sua mão de obra, – sobretudo se atentarmos que a arguida iniciou essa forma de tratamento relativamente à trabalhadora muito antes das conclusões da referida auditoria realizada tendo em vista vir a iniciar a reestruturação da empresa, tudo isto, tendo em conta que, em momento algum a arguida deu formação à trabalhadora para acompanhar as inovações, mormente informáticas – tudo isto ainda, porque não se tratou de um ato isolado, e porque se prolongou no tempo, de forma reiterada e abrangendo áreas onde a trabalhadora viu as suas anteriores condições de trabalho progressivamente degradar-se, tudo isto, tem como efeito afetar a trabalhadora na sua dignidade pessoal, humilhando-o perante os restantes trabalhadores.
Com efeito, a trabalhadora que, conforme ficou provado, tinha pelo menos a partir de Fevereiro de 2001 a categoria profissional de “Secretária de Direção” vê agora reduzidas as suas funções a 20% de um dia de trabalho, sente esses comportamentos, na sua globalidade, como uma conduta visando compeli-la a despedir-se, por sua iniciativa.
A PRT e respetiva BTE nº 26 de 1979 de 15-07 e a BTE nº 31 de 1985 de 22-08 que a ACT entendeu serem aplicáveis à categoria profissional de “Secretária de Direção” da trabalhadora em referencia, cujas cópias foram juntas aos autos, ainda que relevante para a presente decisão, acaba por não constituir o seu elemento essencial, no contexto de todos os documentos acima mencionados, documentos estes internos da Associação, nos quais de foi descrevendo ao longo do tempo, quais as funções efetivamente desempenhadas pela trabalhadora, constando essa categoria das folhas de vencimento da trabalhadora, vindo a provar-se que desde Janeiro de 2012 houve uma total inversão das suas tarefas, numa clara atitude intimidatória.
A reestruturação da empresa visava atingir todas as áreas da associação e, verificando-se que, em conreto, apenas sobre esta trabalhadora se provou esta forma de pressão, tanto verticalmente, no seio da estrutura hierárquica da própria instituição, como horizontalmente, quando a mesma viu que foram admitidos novos trabalhadores, ao mesmo tempo que se foram esvaziando as suas funções, publicamente, á frente dos restantes trabalhadores sobre os quais antes exercia algum controlo, passando para um plano inferior a alguns deles, entendemos assim estarem preenchidos os pressupostos do “mobbing” tal qual se encontra regulado no Código de Trabalho, atenta a situação concreta do caso.
Parece-nos assim, ter havido por parte da arguida uma conduta intencionalmente dirigida a esse fim, com a prova da materialidade do assédio moral, sem que a arguida tenha logrado, atentos os factos não provados, demonstrar que o seu comportamento era justificado pela posição tomada pela reestruturação da associação.”.
Lidas as alegações de recurso verificamos que a recorrente não esgrime um só argumento que vise contrariar a subsunção jurídica efectuada pelo tribunal recorrido dos factos que o mesmo deu como provados, sinal de que a manter-se a decisão sobre a matéria de facto e a improcederem os demais vícios da decisão recorrida anteriormente apreciados a própria recorrente acaba por não colocar em causa o entendimento sustentado pelo tribunal recorrido no sentido de que os factos provados integram a previsão típica objectiva e subjectiva do tipo de contra-ordenação por cuja autoria a recorrente foi condenada.
Por outro lado, de todo o enquadramento das alegações de recurso resulta à evidência que a recorrente não ataca propriamente aquele entendimento do tribunal recorrido.
O que a recorrente pretende é: a) por um lado, ver reconhecido um determinado vício emergente da falta da documentação dos actos produzidos na audiência de julgamento, com a consequente anulação e repetição desta; b) por outro lado, ver reconhecidos um conjunto de vícios de natureza formal que no seu entender estão presentes na decisão administrativa condenatória e na sentença que a confirmou, com a consequente anulação de ambas as decisões e a dela decorrente absolvição da recorrente determinada por essas razões de natureza formal; c) num terceiro plano, ver reconhecidos um conjunto de vícios que teriam sido cometidos pelo tribunal recorrido na apreciação da prova produzida na audiência e na decisão de facto que produziu com fundamento nessa apreciação, com a consequente alteração da decisão da matéria de facto, dela se retirando determinados factos e a ela se aditando outros em termos de, conjugadamente, a renovada decisão de facto poder deixar de suportar a conclusão no sentido de estarem preenchidas aquelas tipicidades objectiva e subjectiva.
De nenhuma passagem das alegações de recurso se extrai qualquer argumentação da recorrente no sentido de que independentemente do reconhecimento dos vícios acabados de referir e mesmo sem ele a sentença recorrida teria feito um indevido enquadramento jurídico dos próprios factos que deu como provados e que, por isso e mesmo permanecendo inalterados tais factos, deveria reconhecer-se que a recorrente não preencheu com o seu comportamento todos os elementos típicos objectivo e subjectivo da contra-ordenação pela qual foi condenada.
Como assim, improcedendo a pretensão da recorrente no sentido do reconhecimento daqueles vícios e no sentido da alteração da decisão sobre a matéria de facto, outra solução não resta que não seja a de se manter a conclusão sustentada pelo tribunal recorrido de que a recorrente cometeu efectivamente, com a sua conduta descrita nos factos dados como provados e que não foram objecto de qualquer alteração, a contra-ordenação pela qual foi condenada.
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V) Decisão

Termos em que deliberam os juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com 4 UC´s .
Coimbra, 25/6/2015.
 
(Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)


[1] A exigência legal contida na primeira parte do art. 25º/1/c do RGCOLSS basta-se com a indicação da norma que prevê e pune como contra-ordenação um determinado comportamento tipicamente descrito e que se considere ter sido protagonizado na decisão administrativa condenatória de um dado processo contra-ordenacional que igualmente descreva factualmente o comportamento subsumível à descrição típica, sem necessidade de serem indicados os normativos legais ou convencionais que regem uma dada relação de trabalho no âmbito da qual foi assumido tal comportamento.
Por exemplo, aquela exigência legal satisfaz-se com a indicação da norma do art. 266º/4 do CT/09, que prevê e pune como contra-ordenação muito grave a violação do estatuído no nº1 dessa mesma norma legal, acompanhada da descrição factual da prestação de um dado trabalho susceptível de qualificar-se como nocturno, bem assim como de uma omissão do pagamento desse trabalho de acordo com o estatuído naquele nº 1, mesmo sem indicação expressa da norma legal que sustente tal qualificação (v.g. art. 223º/1 do CT/09).
Concretamente e no que toca à situação dos autos, a satisfação daquela exigência normativa basta-se com a invocação do 29º/1/4 do CT/09, onde se prevê e pune como contra-ordenação muito grave um determinado comportamento da recorrente que se considerou subsumível àquela previsão típica e que igualmente se descreve na decisão condenatória, não sendo necessária a indicação das normas legais e convencionais a partir das quais se considere que à trabalhadora identificada na decisão deveria corresponder uma dada categoria profissional com um dado conteúdo funcional cuja degradação e esvaziamento também vem invocado factualmente para se ter por preenchida a previsão típica da contra-ordenação pela autoria da qual a recorrente foi condenada.
[2] Diga-se em abono da verdade que dos autos não resulta que entre as datas das visitas inspectivas não tenham sido realizadas pela ACT quaisquer diligência, ficando assim sem suporte factual demonstrativo a alegação da recorrente referente à inexistência de tais diligências, bem assim como o efeito surpresa que a recorrente associa à dedução e subsequente notificação do auto de notícia.
Aliás, do capítulo III de fls. 8, bem assim como do capítulo IV de fls. 8 a 10, resulta claro que a senhora inspectora autuante foi realizando outras diligências relacionadas com a matéria em causa nestes autos, algumas delas com participação de elementos da direcção da recorrente – v.g., análise de documentos apresentados pessoalmente por elementos da direcção da recorrente, proposta de regularização voluntária de algumas irregularidades detectadas, audição da trabalhadora A... .
Finalmente, tendo em conta a participação dos elementos da direcção da recorrente referida nos capítulo III de fls. 8, VI de fls. 11 e VIII de fls. 13, não pode reconhecer-se a surpresa com que a recorrente refere ter encarado a dedução do auto de notícia e a sua notificação.
[3] À data em que foram recolhidas essas declarações (1/4/2013) ainda nem sequer tinha sido lavrado o auto de notícia e, por isso, nem sequer existia formalmente procedimento de contra-ordenação que se iniciou com a dedução daquele auto. Por isso, não faz qualquer sentido identificar tal recolha de declarações como um acto de instrução de um processo que ainda nem sequer existia.