Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3237/21.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PODER DISCIPLINAR ASSOCIATIVO
DIREITO DE AUDIÊNCIA E DE DEFESA
RENOVAÇÃO DA DELIBERAÇÃO SOCIAL
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL RECORRIDO: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 380.º DO CPC, ARTIGOS 32.º, N.º 10 E 46.º, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, ARTIGO 62.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I - É nula, por violação do direito de audiência e defesa do associado, a deliberação que o excluiu de uma associação quando aquele apenas teve conhecimento da proposta de exclusão no próprio dia da assembleia.

II - A expulsão, com a inerente extinção dos direitos associativos, constitui só por si um prejuízo.

III -  Quando a deliberação renovadora padeça de vícios e não seja por isso idónea a produzir os efeitos a que tendia, designadamente, o substitutivo, essa invalidade repercutir-se-á na primitiva deliberação, que, perante a “destruição” da deliberação renovadora, verá os seus efeitos repristinados.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

  I – C..., CRL, veio, ao abrigo do disposto no artigo 380º e ss. do CPC, intentar o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, contra a Associação M... (que se designará daqui em diante como Associação M...), pedindo que  seja ordenada a suspensão da deliberação social tomada pela Requerida no dia 31 de Agosto de 2021, por ter ficado demonstrado que a deliberação é contrária à lei e aos estatutos, a qualidade de associada da Requerente e a existência de um dano apreciável, fazendo-o sem prévia audição da Requerida para não comprometer a sua finalidade.

  Invoca ser associada da Requerida e fazer parte do Clube M ... que constitui uma marca colectiva criada pela Requerida. A 21/6/2021 recebeu por email uma convocatória para a realização da Assembleia Geral da Associação M... no dia 8/7/2021, estando prevista na respectiva ordem de trabalho, no ponto 8, a discussão e deliberação de exclusão e suspensão de associados, não sendo identificados os associados que se ponderava excluir. Efectivamente, nessa Assembleia foi deliberada a expulsão da Requerente da Associação M..., não obstante a mesma ter sempre cumprido todas as obrigações impostas pela Requerida no que respeita ao mercado nacional. Invoca ainda não ter tido conhecimento da Proposta de expulsão, do que decorre que não pôde exercer o seu direito de defesa. Pelos motivos indicados requereu a instauração de procedimento cautelar de suspensão de deliberação social que corre termos, tendo, não obstante, entretanto, recebido convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 31/8/2021, destinada a deliberar a renovação com eficácia retroactiva de exclusão do associado. Também esta deliberação padece de nulidade por se continuar sem se fazer prova de qualquer violação por parte da Requerente, não tendo sido apresentados pela Direcção documentos que comprovem os comportamentos errantes da Requerente nem tendo sido exibidas quaisquer interpelações à mesma, acrescendo que não se circunstanciam no tempo os momentos dos alegados incumprimentos. Alega ainda a Requerente que a manutenção dessa deliberação acarretará para si “dano considerável”, quer a nível reputacional quer a nível monetário.

  Indeferiu-se a dispensa de citação prévia e determinou-se a citação da requerida, a qual se veio a realizar.

  A Requerida apresentou oposição, pugnando pela improcedência da pretensão da Requerente, desde logo entendendo que, por via da deliberação renovatória na Assembleia Extraordinária de 31 de Agosto,  ficou inequivocamente afastado qualquer vicio potencial que existisse na convocatória da Assembleia Geral de 8/7. Entendendo ainda ter sido seguido o procedimento constante do Regulamento Interno da APMA, tendo a Direcção apresentado proposta à Assembleia Geral para exclusão da Requerente, constando da mesma que a Requerente tem comprovada, reiterada e deliberadamente, procedido à utilização de marca própria, fazendo-o em locais estratégicos e de grande visibilidade, concorrendo desse modo com a marca e imagem colectiva M..., tendo assim procedido na Campanha Comercial 2019/2020 e 2020/2021. Por assim ser, a Requerente foi advertida por incumprimento dos Estatutos, requerendo-se nessa admoestação que adoptasse as medidas correctivas necessárias à não continuidade dessa prática, não tendo a Requerente respondido; foi-lhe envida nova advertência  em 10/12/2020, por continuar a utilizar marca própria em fruta por si comercializada, reincidindo na infracção, sendo-lhe de novo solicitado que adoptasse as medidas necessárias  para respeitar os Estatutos e o Regulamento da Requerida, nada tendo a mesma, de novo, respondido; na sequência de um contacto telefónico do Presidente da Direcção da Requerente  em Janeiro de 2021, realizou-se uma reunião,  na qual se tornou evidente que a atitude da Requerente  estava em manifesta dissonância com o defendido pela Requerida e praticado pelos restantes associados, sendo que no seguimento dessa reunião a Requerida lhe enviou nova comunicação contestando varias alegações da Requerente e reiterando que, querendo manter-se na Associação M..., teria que cumprir os Estatutos e o Regulamento em vigor, à qual, e mais uma vez, a Requerente não respondeu Em face da referida dissonância, bem sabia a Requerente estar iminente a sua saída por deliberação, caso não optasse por sair voluntariamente da Associação M... ou passasse a cumprir com os respectivos Estatutos.

            Procedeu-se, seguidamente, à produção de prova em audiência final, com inquirição das testemunhas arroladas e prestação de declarações de parte, tendo vindo a ser proferida sentença, na qual se julgou improcedente o procedimento cautelar, não se decretando a suspensão da deliberação social dele objecto.

  II – Do assim decidido apelou a Requerente que concluiu as suas alegações do seguinte modo:

   1. Vem o Tribunal a quo considerar que “Do singelamente exposto extrai-se que, ao que se perspetiva em face da leitura conjugada dos factos indiciariamente assentes, a aqui requerente bem sabia qual o tipo de comportamento que a requerida tinha em mente aquando da convocatória para a assembleia geral de 31 de agosto de 2021, tendo tido vastos meses para exercer os direitos que tivesse por convenientes acerca da respetiva temática, nomeadamente, em resposta aos emails que lhe foram endereçados, sem que conste que tenha encetado qualquer esforço no sentido de clarificar a situação em litígio. (…) os factos indiciariamente provados não permitem, ao que se julga, concluir que haja uma real e séria probabilidade de a demora da ação declarativa, de que este procedimento é dependente, acarretar a produção de um dano apreciável à requerente, atento, nomeadamente, o teor do facto provado 37. Destarte, conclui-se que a requerente não logrou demonstrar indiciariamente os factos integradores dos pressupostos do deferimento do presente procedimento cautelar, o que conduz, inevitavelmente, à sua improcedência.”

   2. Decisão e conclusões com as quais a Recorrente não se pode conformar, na justa medida em que a razão, a prova produzida e a matéria de facto provada impunha e impõe decisão diversa.

  3. Por esse motivo, impõe-se a alteração do teor da Sentença proferida, na medida em que, não obstante estar em causa uma ação cautelar, que pela sua natureza não impõe um grau de rigor tão elevado no que diz respeito à prova a produzir e a levar em consideração pelo Tribunal a quo, tal não implica nem deve significar o mesmo que ignorar aquilo que foi dito e/ou depreender algo daquilo que não foi dito.

   4. Com efeito, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os factos constantes nos pontos 24, 26, 27, 28, 30 a 32, 34, 35 e 37 dos factos dados como provados na Sentença recorrida, pois a decisão sobre esta matéria de facto não reflete a prova produzida em julgamento.

  5. Relativamente ao facto 24, inexiste qualquer fundamento para que o Tribunal a quo tenha decidido colocar esta afirmação na matéria indiciariamente provada, desde logo porque não existe qualquer elemento probatório que sustente tal decisão, pois nenhuma testemunha conseguiu afirmar com certeza e por conhecimento direto que a Requerente tenha de facto atuado dessa forma, muito pelo contrário.

   6. As testemunhas apresentadas pela requerente em momento algum confirmaram o que consta neste facto dado como provado.

  7. Em segundo lugar, as testemunhas apresentadas pela Requerida, ou nada sabiam, ou sabiam com base em mero “diz que disse”, i.e., naquilo que ouviram dizer, sendo evidente que nenhuma delas presenciou qualquer incumprimento por parte da requerente.

   8. Ora, um facto não pode ser dado como provado com base em ouvir dizer, pelo que não podem estes depoimentos servir como base ou fundamento para a estranha inserção deste alegado facto no elenco da matéria dada como provada.

  9. Em terceiro lugar, a última testemunha da Requerida, a única que referiu ter presenciado o incumprimento da Requerente, demonstrou uma enorme confusão no que se refere a tempo e lugar, nunca tendo conseguido identificar um lugar ou uma data em que tivesse de facto verificado a utilização da marca própria por parte da Requerente no mercado nacional.

  10. Aliás, esta testemunha, para além de confusa, manifestou alguma contrariedade no teor do seu discurso que não podia deixar de ser notada pelo Tribunal a quo.

  11. Relativamente ao exemplo dado, o Mercado Abastecedor do ..., cumpre esclarecer, tal como foi referido pelo depoimento da testemunha AA, que as caixas que a requerida refere que exibem o nome da requerente são apenas de transporte e não para apresentação no mercado.

  12. Acresce que o Mercado Abastecedor do ... é apenas um entreposto, onde a Requerente vende a outros comerciantes que, posteriormente, embalam a fruta conforme mais lhes convém.

  13.Nesta medida e atenta a gritante ausência de prova, considera-se que não existe qualquer elemento probatório que permita dar esta parte da matéria de facto como provada, pelo que se impõe alterar tal decisão, dando-se esta parte como não provada.

   14. Relativamente ao facto 26 também ele não pode ser considerado provado da forma em que foi, porquanto tal afirmação não é válida num contexto geral.

  15. É preciso ser rigoroso e ter em atenção o disposto no artigo 1.º da II Parte do Regulamento, que desde logo, no seu título indica que se restringe ao mercado nacional.

  16.Ora, não pode ser considerado, sem mais, que a requerente está obrigada a não utilizar a marca própria, porquanto, apesar de tal corresponder à verdade, só corresponde no que ao mercado nacional respeita.

   17. Acresce que as testemunhas elencaram essa circunstância amiúde.

  18. Havendo uma clara distinção entre as regras adotadas neste mercado e as regras a prosseguir em caso de comercialização internacional.

  19. Pelo que, andou o Tribunal a quo mal na redação deste facto dado como provado.

   20.No que respeita ao facto 27, também não corresponde à verdade, conforme resulta provado pela ata n.º 42 da Associação M..., datada de 11.08.2020, junta pela Requerida em sede de oposição como Doc. 5.

  21. Pois, consta expressamente da referida ata que a proposta foi aprovada pela maioria dos presentes e com o voto contra da C..., CRL.

  22. Motivo pelo qual não se pode afirmar que foi uma vontade unânime e, como tal, não poderia o facto 27 da decisão ser considerado provado.

   23.Quanto ao facto 28, refira-se que em momento algum foi produzida qualquer prova da existência de reclamações por parte de outros Associados, não existindo qualquer fundamento para que esta alegação conste nos factos dados como provados.

   24. Em momento algum as testemunhas especificaram quem fez essas reclamações, a que propósito e quando.

  25.Nestes termos, salvo o devido respeito, é impossível que o Tribunal a quo possa legitimamente dar como provado um facto nestes termos, não tendo sido produzida qualquer prova que permita sequer considerar a sua existência indiciária.

  26. A acrescer a isto dever-se-á ter em conta a falta de segurança apresentada pelas testemunhas, bem como o facto das mesmas terem demonstrado ser parciais.

  27. Mais, a alegada advertência não só não identifica o alegado incumprimento, como não junta qualquer prova do mesmo, pelo que a Requerente nunca pôde, com base na mesma, exercer o seu cabal direito de defesa, o que determina a sua inequívoca nulidade.

  28. Em relação aos factos 30, 31 e também andou mal o Tribunal a quo, uma vez que a alegada advertência é nula, por mais uma vez não identificar qual o incumprimento, nem no corpo do e-mail dirigido, nem através das imagens que anexa.

   29. Pois a vaga descrição e simples alusão à campanha de 2019/2020 não é suscetível, só por si, de individualizar o alegado incumprimento, porquanto, em cada campanha existem variadas comercializações em simultâneo no mercado interno e externo.

   30. Aliás, as duas fotografias que são anexadas ao referido e-mail não permitem destrinçar nem onde, nem quando as mesmas foram captadas e, como tal a Requerente não percebeu a que incumprimento se aludia, conforme resulta dos depoimentos.

  31. Sendo que, em sede de audiência de julgamento, bem se percebeu este total desconhecimento da Requerente quanto aos alegados motivos da Requerida.

   32.Ora, mais uma vez, não pode, com o devido respeito, o Tribunal a quo considerar este tipo de documento, com as fragilidades supra descritas, como sendo suficiente para considerar os factos indiciariamente provados.

  33. Relativamente ao facto 34, resulta igualmente claro que existiu uma falta de rigor, desde logo porque resultou provado pelo depoimento das testemunhas e pelo teor do documento indicado, que a reunião foi solicitada pelo Presidente da Requerente.

  34. Em segundo lugar, porque aquilo que se discutiu dizia respeito ao mercado internacional, sendo frequentes as referências ao Clube E..., e não ao mercado nacional que era o tema que relevava para o caso.

  35. Assim, não existindo qualquer elemento probatório que permita dar como provada esta parte da matéria de facto, deve este ponto ser retirado da matéria de facto dada como provada.

   36.No que ao facto 35 diz respeito cumpre clarificar que não resulta do documento 9 junto com a oposição o conteúdo do facto 35 dado como provado.

  37. Porquanto, não resulta do mencionado documento que a requerente seria expulsa pelos alegados incumprimentos no mercado nacional, pois só se assim se fosse seria relevante para a causa em apreço.

   38. Sendo o teor da comunicação bem diferente daquilo que vem indicado no ponto 35 dos factos dados como provados.

  39. Pelo que deve o ponto 35 ser retirado dos factos provados.

  40.Quanto ao facto 37 dado como provado, à semelhança do que sucede na restante factualidade erroneamente considerada provada, existe, salvo o devido de respeito, uma grave falta de rigor, na medida em que a Requerente apenas conseguiu cumprir o acordo verbal celebrado com a firma P... meses mais tarde e apenas depois de lhe ter sido emitido um parecer favorável pela DireçãoGeral de Agricultura e Desenvolvimento Rural.

  41.Não corresponde à verdade o que consta do facto 37 dado como provado, na parte em que refere que foi concedida, à Requerente, autorização pelas competentes entidades públicas para o uso da certificação de produto IGP de M....

  42. A autorização para uso da marca é concedida pela Associação M... nos termos do Despacho n.º 5682/2001 (2ª Série), sendo que o controlo e certificação fica a cargo de um organismo privado indigitado pela Associação M....

  43.Nada garante à requerente que a certificação seja renovada, em face das divergências existentes entre requerente e requerida.

   44. Sendo claro que não está em causa qualquer autorização de uma entidade pública, pelo que não podia este facto ter sido considerado provado tal como foi.

  45. Em sede de factos não provados, o Tribunal a quo não deu como provados factos relevantes para a decisão da presente causa, em concreto os factos identificados como a), b) e d), pelo que se impõe corrigir parcialmente a decisão sobre a matéria de facto, alterando-se em conformidade com a prova produzida.

   46. Relativamente ao facto a) erra o douto Tribunal a quo na sua decisão, uma vez que a requerente nunca foi, conforme demonstrado e comprovado, confrontada com a possibilidade de ser expulsa da requerida.

  47. Pelo contrário, ficou demonstrado que a Requerente nunca imprimiu tal sentido às alegadas advertências, porquanto as mesmas não eram capazes de circunstanciar  e provar as afirmações vagas de que a requerente estava a incumprir o regulamento.

  48. A requerente nunca entendeu que existia o entendimento, por parte da Requerida, de que a mesma se encontrava a violar as regras impostas no mercado nacional, tanto mais que não atribuiu a devida importância às comunicações recebidas.

  49. Aliás, independentemente das comunicações endereçadas à Requerente, a mesma só teve conhecimento de que era visada na deliberação de expulsão aquando a própria Assembleia, facto que deveria inequivocamente ter sido dado como provado, até porque é o que resulta até da própria convocatória, na qual não é indicado o nome da(s) entidade(s) cuja expulsão se propunha.

  50. Razão pela qual, o facto a) dado como não provado deveria, ao invés, ter sido dado como provado.

  51. Relativamente ao facto b) dado como não provado, ficou amplamente provado no ponto II.I. das presentes alegações de recurso que a Requerente sempre cumpriu todas as suas obrigações, decorrentes do Regulamento Interno do Clube M ..., no âmbito do mercado nacional, pelo que se escusa a Recorrente de repetir o que já foi dito, dando, nesta sede, por integralmente reproduzido tudo quanto se disse em sede do ponto II.I.

  52.No que ao facto d) dos factos não provados diz respeito, ficou igualmente demonstrada a existência de prejuízos, sobretudo a nível reputacional.

  53. Por outro lado, tornou-se evidente a forma depreciativa como todas as testemunhas da Requerida se referiram à Requerente.

  54. Acresce que a credibilidade da Requerente ficou irremediavelmente afetada pelo simples facto de a mesma ter sido expulsa da Associação Requerida, pois, é inevitável que os clientes questionem o motivo pelo qual foi expulsa e, consequentemente, tenham um sentimento de desconfiança perante a Requerente.

  55. Sendo normal que, aquando da decisão de contratar, os clientes optem, tendencialmente, por um produtor que seja membro da Requerida, porquanto tal confere mais credibilidade.

  56.Ora, é notório que todo o exposto, gera danos reputacionais que dificilmente serão reparados se a decisão de expulsão não se inverter.

  57. E, quanto mais tempo passar sem que a verdade seja reposta, mais difícil será apagar a má imagem da Requerente.

  58. Sendo certo que uma ação principal de anulação não se decida em poucos meses mas, pelo contrário, se prolongue no tempo.

  59. Aliás, conforme resulta da jurisprudência recente, tratando-se de uma deliberação de exclusão e não de uma qualquer deliberação, o requisito de demonstração do dano apreciável encontra-se desde logo preenchido, em virtude da complexidade e gravidade da exclusão.

   60. Com efeito, impõe-se dar como provada a matéria de facto constante das alíneas a), b) e d) dos factos dados como não provados, pois não existem dúvidas que deveriam ter sido julgados como provados, atenta a prova produzida em sede de julgamento.

   61. Face toda a prova produzida, não pode deixar de se considerar que o Tribunal a quo andou mal ao decidir como decidiu, havendo um erro de julgamento grosseiro, sendo patente uma contradição insanável entre a prova levada a cabo e a matéria que Tribunal a quo dá como provada.

  62. A decisão deveria ter sido precisamente o inverso daquela que foi proferida.

  63. Acresce que o Tribunal a quo condicionou a produção de prova, não permitindo à requerente provar os contornos dos prejuízos sofridos, nem tão pouco os contornos da convocatória e da deliberação objeto de impugnação.

   64. Porém, os danos reputacionais estão provados e são severos.

   65. Sendo que, o caso em concreto, só por si, por se tratar de uma expulsão, permite concluir a existência de um dano apreciável com a demora da ação principal, sem ser necessário produzir prova de forma exaustiva.

  66. Tal, decorre aliás da jurisprudência que se invocou e se antes se considerava que a expulsão não consubstanciava um dano, atualmente já se considera como um dano apreciável e capaz de afetar gravemente a nível financeiro e reputacional.

  67. A expulsão da Requerente da Associação é apta a provocar-lhe sérios danos reputacionais, o que se aplica não só aos Clientes com os quais a Requerente já tem relação comercial – que naturalmente questionam-se do motivo pelo qual a Requerente já não fará parte da Associação e poderão até atribuir tal facto a uma falta de cumprimento dos requisitos de qualidade exigidos para o efeito -, como se aplica também aos Clientes que a Requerente pretenda angariar e que, num estudo comparativo entre os vários agentes, com certeza darão prioridade ou preferência àqueles que se encontrem validados pela Associação.

   68. Este dano não é meramente eminente. É presente, é futuro, e é factual.

  69.Neste exato momento a Requerente pode estar a ser descartada do leque de escolhas de um qualquer comerciante por este preciso motivo.

   70.Ou seja, este é um fator não só é prejudicial para as relações já existentes, como é impeditivo da constituição de novas relações.

  71.O bom nome da Requerente ficou colocado em causa face à decisão da Requerida,

  72.Nestes termos, salvo o devido respeito, que é sempre muito, o Tribunal a quo andou mal nos termos em que decidiu, tendo inclusive ignorado por completo a tendência atual que se encontra a ser seguida, e bem, pelos Tribunais Superiores no que a esta matéria diz respeito.

  73. Para além de todos os danos reputacionais que esta situação já criou na Requerente, deveriam ter sido levados em conta os danos patrimoniais e não patrimoniais que decorrem do facto de novos Clientes, perante este facto, decidirem não contratar com a Requerente, e ainda os danos factuais que se  refletem na esfera jurídica da requerente pelo facto de se encontrar totalmente alheada da uma Associação da qual legitimamente fez parte e deve continuar a fazer.

   74.O Tribunal a quo, não só fez um errado enquadramento da matéria de facto, como, em consequência, fez uma errada aplicação do Direito.

  75. Ademais, o Tribunal a quo, até sem bases para o efeito, impôs um juízo apriorístico, não tendo por base a função da própria deliberação, fez um juízo concreto e direto da alegada existência de incumprimentos por parte da Requerente, e recusou qualquer facto que lhe tenha sido exposto sobre os vícios da deliberação.

  76.O Tribunal prestou-se a considerar que existiu incumprimentos por parte da Requerente, fazendo uma apreciação incorreta que só em sede de ação definitiva deveria ser feita, e já quanto ao que diz respeito à forma e validade da deliberação, que era o que deveria ter sido objeto de apreciação nesta ação cautelar, fez tábua rasa.

  77.Na decisão ora recorrida o Tribunal a quo tentou abreviar aquilo que é inabreviável.

  78. Por tudo quanto se expôs supra, não pode deixar de se concluir que o Tribunal a quo andou mal ao decidir nos termos em que o fez, impondo-se alterar a factualidade provada e não provada, devendo, em consequência, a Sentença em crise ser, por isso, substituída por decisão que decrete suspensão da deliberação social ou, no mínimo, por decisão que ordene a repetição da produção da prova, desta feita ordenando expressamente ao Tribunal que permita aquilo que proibiu em sede de audiência, e que consiste na prova concretamente relativa à deliberação aqui em causa e à forma como a mesma foi precedida.

  A Requerida ofereceu contra-alegações que concluiu do seguinte modo:

   a) Propôs a Requerente o presente procedimento cautelar para que fosse ordenada a suspensão da deliberação social renovatória com efeitos retroativos tomada pela Requerida no dia 31 de Agosto de 2021, por a mesma ser alegadamente contrária à Lei e aos Estatutos da Requerida.

   b) Invocou, para tanto que essa deliberação seria nula por violação de regras básicas (art. 33 do RI), especificamente, por não terem sido (alegadamente) apresentadas provas das violações imputadas à Requerente (art. 34º do RI), por alegadamente não se circunstanciar no tempo os momentos desses incumprimentos (art 38º do RI) e por não ser indicado o alcance da pretendida retroatividade (art 38º do RI).

  c) Mais alegava a Requerente que a urgência no decretamento deste procedimento advinha dos pretensos danos irremediáveis que iria sofrer pela sua exclusão de associada, identificando os mesmos como reconduzíveis à inviabilização de celebração de contratos de fornecimento no mercado nacional, em concreto, com a cadeia de supermercados “P...”.

   d) O presente recurso, com os fundamentos apresentados surge numa última e obstinada tentativa de ver alterada uma decisão que foi, quanto aos pontos concretamente atacados nas alegações sob resposta, justa e coerente face à matéria de facto efetivamente indiciariamente provada pelas partes e que dispensaria mesmo a apresentação da presente resposta, não fosse a cautela de patrocínio impor em sentido diverso.

   e) A Recorrente pretende que a resposta dada pelo Tribunal a quo à matéria de facto dos pontos 24, 26, 27, 28, 30, 31, 32, 34, 35 e 37 da sentença recorrida seja reapreciada por este Venerando Tribunal e, em consequência, seja a respetiva resposta alterada de “provado” para “ não provado”. Em contrapartida, pretende ainda que os pontos a), b) e d) da factualidade não provada, sejam reapreciados e passem a ter a resposta de “provados”.

   f) Da análise dos documentos juntos aos autos, bem como da análise dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, resulta óbvio que outras não podiam ter sido as respostas dadas, cuja manutenção na íntegra se pugna.

  g) Decorre da própria natureza do procedimento cautelar que toda a prova produzida é meramente indiciária, seja a produzida pelo requerente, seja a produzida pelo requerido, em sede de oposição, pelo que não se exige a prova segura do facto, como sucede no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade.

   h) A matéria constante do Facto provado 24 foi segundo a sentença recorrida dado como indiciariamente provado tendo por base o depoimento das testemunhas da Recorrente e ainda das testemunhas BB, CC e DD.

  i) Para além destes depoimentos, também o representante legal da Recorrente, EE, em sede de declarações de parte, confirmou que a C..., CRL procedia à venda em mercado nacional, mormente no mercado do ... e na sua loja própria (ou seja na sede/armazéns da Recorrente) de maçã sem as insígnias da M....

   j) A testemunha da Recorrente, AA, confirmou que no Mercado Abastecedor do ... a C..., CRL procede à venda de maçã utilizado a sua imagem própria e não as insígnias da M... – como resulta cristalino do excerto transcrito pela Recorrente.

   k) Esta realidade foi confirmada pelas Testemunhas da Recorrida, que não só fizeram referência às reclamações de vários associados que o comprovaram, como existe ainda prova documental que o atesta – vide prova fotográfica junta com o artigo 62º da oposição.

  l) A testemunha da Recorrida, DD, confirmou, assertivamente, ter verificado a venda pela C..., CRL em mercado nacional de maçã usando a sua marca própria.

  m) É falso que o Mercado Abastecedor do ... – local confesso onde a Recorrente não cumpria os Estatutos – fosse um mercado de menor importância ou irrelevante por não se tratar de “consumidor final”.

  n) A Recorrente pretende aqui insidiosamente fazer crer que os Estatutos apenas se teria que aplicar caso a venda se tratasse de uma venda a um consumidor individual, como se não relevasse a venda feita a supermercados, mercearias, restaurantes e todos aqueles que se abastecessem num mercado abastecedor.

  o) No que se refere à matéria constante do Facto provado 26, o quanto é invocado pela Recorrente em nada altera o quanto ficou dado como indiciariamente provado neste ponto, o qual resulta demonstrado do documento 10 do RI, tal como referenciado na sentença recorrida.

  p) O facto provado 27 refere-.se à aprovação dos Estatutos da Associação M....

  q) A ata referenciada pela Recorrente (Doc 5 da oposição) refere-se à atualização do regulamento interno.

  r) Tal como resultada da restante prova produzida, os Estatutos e sua alteração (que precedeu a atualização do regulamento Interno) para criação e adoção por todos de uma imagem única, foi com a unanimidade de todos os associados presentes, pelo que se deverá manter a redação dada pela Mmª Juiz do Tribunal a quo.

   s) Apenas eivada de ma fé pode a Recorrente pretender concluir que não foi efetuada prova indiciária suficiente para demonstrar a factualidade constante do ponto dos factos provados.

  t) Todas as testemunhas ouvidas confirmaram quer a receção pela C..., CRL das notificações que lhe foram enviadas pela Requerida – tendo, como ficou demonstrado, optado por não dar relevância às mesmas – quer todas as testemunhas da Recorrida, em particular as testemunhas CC e DD, confirmaram que não só a recorrida recebeu várias reclamações dos seus associados no que se refere ao incumprimento dos Estatutos pela Recorrente, como também que essas reclamações eram largamente discutidas em reuniões entre associados.

  u) A matéria constante dos Factos provados 30, 31 e 32 é objetiva e resulta demonstrada da prova documental carreada para os autos (mormente dos documentos 6 a 9 juntos com a oposição) e confirmada por todas as testemunhas ouvidas.

   v) A alegada (mas não aceite) conclusão de direito que a Recorrente pretende extrair destes factos, não infirma a factualidade objetiva dos mesmos constante, em que são referenciadas comunicações enviadas pela Recorrida e o seu teor.

  w) A matéria constante do Facto provado 34 nada é contrariada pelos depoimentos prestados e prova documental existente, nem indica quem requereu a reunião, sendo de resto esse ponto em concreto irrelevante para a discussão dos presentes autos.

   x) O que resulta do documento 9 junto com a oposição é que na sequência de um contacto telefónico do Sr. FF (para solicitar endereço de e-mail), o mesmo foi convidado a participar numa reunião da Direção.

  y) Por outro lado, não é verdade que tenha ficado demonstrado que nessa reunião apenas se discutiu a comercialização de maçã no mercado externo, como resulta evidente do citado documento

   z) No que se refere ao Facto provado 35, o respetivo teor está perfeitamente consentâneo com o teor do documento que o mesmo referencia.

   aa) No que concerne o Facto provado 37, nada do quanto é referenciado pela recorrente ou depoimento transcrito, contraria o teor do facto provado em questão, pelo contrário, confirma a bondade do quanto é no mesmo referenciado.

  bb) Foi confirmado pelas testemunhas arroladas pela recorrente que esta logrou continuar a comercializar para a cadeia P....

  cc) A manutenção ou não da autorização que lhe foi concedida pelas entidades públicas, é pela sua natureza, obviamente passível de continuidade ou não. Tal como sempre seria pela sua natureza, passível de continuidade ou não a manutenção da utilização da insígnia da marca global da Associação M....

  dd) Também os factos dados como não provados terão que manter a resposta dada pelo Tribunal a quo.

  ee) No que se refere ao ponto a) dos factos não provados, ficou demonstrado que ao contrário do alegado pela Recorrente, a discussão e votação para a sua exclusão de associada da Associação M..., não foi um tema novo, nem tão pouco inesperado para a mesma. Todas as comunicações e em concreto os documentos 6 a 9 da oposição assim o demonstram.

  ff) O que resultou das declarações de parte prestadas, é que a Recorrente decidiu não dar relevância a essas comunicações, pese embora o teor das mesmas e o inegável conhecimento que tinha dos Estatutos e Regulamento da Associação M....

   gg) A já referenciada reunião de meados de Janeiro de 2021, bem demonstra igualmente o conhecimento existente para a Recorrente da seriedade da Recorrida nas suas comunicações.

  hh) O que resultou da prova produzida é que a Recorrente nunca cuidou de contrariar as notificações/advertências que lhe foram sendo efetuadas pela Recorrida, tendo optado por uma absoluta conduta voluntária de inércia, mas nunca de desconhecimento.

   ii) É falso que apenas no dia da Assembleia tenha a Recorrente tido conhecimento de que se iria proceder à votação para a sua expulsão, visto a deliberação aqui em causa se trata já de deliberação renovatória, sendo que entre a primeira Assembleia e a Assembleia donde resulta a deliberação aqui impugnada, mediaram quase dois meses.

  jj) No que se refere ao ponto b) dos factos não provados, o mesmo é frontalmente contrariado por toda a prova produzida e, consequentemente, factos dados como provados.

  kk) No que concerne ao ponto d) dos factos não provados, nenhuma prova foi apresentada pela Recorrente que permitisse suportar indiciariamente o alegado dano irremediável a nível reputacional ou prejuízo sofrido.

  ll) Pelo contrário, resultou da prova produzida que a Recorrente continuou a fornecer o seu único cliente nacional do mercado retalhista.

  mm) Ao contrário do pretendido trazer à colação pela Recorrente mediante a invocação do acórdão proferido no âmbito do processo 3553/20...., não resulta deste acórdão que tratando-se de uma deliberação de exclusão de socio ou associado, fique o Requerente dispensado da demonstração de periculum in mora e dano apreciável.

  nn) O que nos diz esse Acórdão é que se deverá atender a todas as circunstâncias do caso e verificar se o Requerente, ao ser arredado da vida societária, invoca danos relacionados com a não participação da vida social que podem revelar-se apreciáveis. E, diz-nos ainda este aresto, que maior cuidado se devera ter na apreciação desse arredar da vida societária como configurador de prejuízo, se estiver demonstrado que estão preenchidos os restantes requisitos de procedência da providência.

   oo) Ora, não é este manifestamente o nosso caso.

   pp) Não só não estão verificados os demais requisitos de procedência da providência – mormente a demonstração indiciária de qualquer ilegalidade da deliberação tomada – como também a Recorrente em momento algum alegou que lhe adviria qualquer dano por não participação na vida societária da Recorrida.

  qq) Resultou da factualidade apurada que, ao contrário do alegado pela Recorrente, a deliberação tomada na Assembleia geral de dia 31 de Agosto de 2021, que culminou com a sua exclusão de associada, não padece de qualquer vício gerador da sua anulação e, muito menos, da sua nulidade.

  rr) Resulta, assim, à saciedade que a deliberação de expulsão da Requerente não foi nem contrária à Lei, nem aos Estatutos, pelo contrário, foi no estrito cumprimento destes que foi tomada.

  ss) Acresce que o incumprimento grave e reiterado pela Requerente dos seus deveres de Associada, foi testemunhado e evidenciado pelos restantes Associados, o que fez com que todos (à excepção da Requerente) tenham votado favoravelmente à exclusão desta.

   tt) A manifesta dissonância entre a Recorrente e todos os restantes membros da Associação M... e da Direção desta era já há vários meses do seu inteiro conhecimento, que bem sabia que estava iminente a sua saída por deliberação, caso não optasse por sair voluntariamente da Associação M... ou passasse a cumprir com os respetivos Estatutos.

  uu) Não se percebe a dúvida quanto à eficácia retroativa da deliberação tomada a 31 de Agosto de 2021, sendo claro e evidente que a mesma pretende retroagir à data da anterior deliberação.

  vv) Nem tão pouco se pode entender a mesma como uma aceitação da existência de um anterior vício.

   ww)No que se refere ao dano apreciável, para além do quanto já se aduziu, sempres e dirá que este é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social e que, por se tratar de conceito indeterminado, impõe a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade, sendo que o ónus de alegação e prova desses factos cabe sempre ao requerente do procedimento cautelar.

  xx) Ora, é inquestionável que dos poucos factos alegados pela Recorrente, a mesma sempre fundamentou o seu prejuízo irremediável na inviabilização de celebração de contrato de fornecimento com o P...: facto esse que se veio a não verificar, tendo continuado a relação comercial com este retalhista, pese embora a deliberação da sua exclusão da Associação M....

  yy) Esta pois arredado qualquer dano irremediável nos termos alegados pela Recorrente.

  zz) Não se pode pois aceitar que pretenda agora a Recorrente invocar alegados prejuízo/danos reputacionais por lhe ser arredada a possibilidade de utilização das divisas “M... IGP”, quando, como visto, optou deliberadamente, pelo menos nos últimos anos, por não as usar na maioria da maçã que comercializa.

   aaa) Apenas agora em sede de alegacões de recurso, que a Recorrente vem tentar desenvolver à medida do seu interesse, uma tese sobre todos os potenciais - mas não verificados, nem demonstrados - possíveis danos que poderá ter na sua reputação, alicerçando-os em possibilidades de “perda de clientela” ou de “falatório” sobre a razão da sua saída da Associação M.... Mas, como não poderia deixar de ser, perante a ausência de qualquer prova nesse sentido, constrói esta sua tese em meras hipóteses, entrando, num campo de mera especulação, sem qualquer suporte fáctico.

   bbb) Termos em que não tendo ficado preenchidos, por não provados, os requisitos de que depende a procedência da presente procedimento, deverá ser mantida a decisão recorrida e considerado totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente.

  III – O Tribunal da 1ª instância julgou indiciariamente provados os seguintes factos:

   1. A requerida é uma Associação que tem por objeto, entre outros, «a gestão, administração, divulgação e promoção da “M... IGP”».

   2. A requerente é uma Cooperativa que tem como objetivo “A) efetivar quaisquer que sejam os meios e as técnicas por si utilizadas as operações respeitantes à natureza dos produtos provenientes das explorações dos cooperadores sendo: - natureza dos produtos: frutas e produtos hortícolas; - natureza das operações: - aproveitamento, valorização e comercialização dos produtos; b) a título subsidiário, poderá a cooperativa efetuar o aprovisionamento e serviços relacionados com o objeto principal; c) a título complementar poderá a cooperativa efetuar atividades próprias de outros ramos e as necessárias à satisfação das necessidades dos seus membros, desde que aprovado em assembleia geral.”

   3. No cumprimento do seu objeto, a requerente tornou-se associada da requerida.

  4. A M... é a denominação da maçã qualificada como IGP – Indicação Geográfica Protegida – de diversas variedades. Foi qualificada pela União Europeia e pelo Ministério da Agricultura em 1994, sendo que estas entidades reconhecem que as maçãs produzidas nesta região possuem características distintas que reúnem condições ímpares para a produção de maçãs de elevada qualidade.

  5. A M... é um produto nacional, produzido nos concelhos do litoral Oeste, obtido por um sistema designado por produção integrada e cujos requisitos, em termos de segurança alimentar, são controlados, em permanência, por uma entidade independente, de modo a salvaguardar a saúde humana e a qualidade do meio ambiente.

  6. A Associação aqui requerida pretendeu criar uma marca coletiva e integra o conceito de um clube numa das suas seções, do qual são membros várias entidades ligadas à fruticultura, incluindo consumidores, produtores, parceiros, técnicos e associados.

  7. A face mais visível da atividade da Associação M... é o Clube M ..., de que a requerente também faz parte.

  8. Em 21 de junho de 2021, a requerente recebeu, por email, uma convocatória para a realização da Assembleia Geral da requerida, no dia 8 de julho de 2021.

   9. Na referida convocatória, entre os vários pontos da ordem de trabalhos, estava previsto um ponto, o número 8, para a discussão e deliberação de exclusão e suspensão de associados, sem que aí fosse identificado quem iria ser ponderado excluir.

  10. Na data marcada, teve lugar a Assembleia Geral da Associação M..., tendo em consequência da mesma, a requerida deliberado expulsar a requerente da Associação M....

  11. A requerente requereu instauração de Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberação Social, a que foi atribuído o nº2814/21...., que corre termos no Juízo Central Cível ...– J... – Comarca ....

  12. A requerida procedeu a uma convocatória para Assembleia Geral Extraordinária, a realizar no dia 31 de agosto de 2021 pelas 11:00 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: “- Deliberar a renovação com eficácia retroativa da deliberação de exclusão do associado (perda da qualidade de associado) C..., CRL tomada na Assembleia Geral de 8 de julho de dois mil e vinte e um correspondente à ata nº43, nos termos e com os fundamentos previstos na alínea B. e D. do número cinco do artigo 4º e do número onze do artigo 6º dos Estatutos da Associação, bem como do disposto nos artigos 1º a 4º do III Parte (infrações e sanções) do Regulamento Interno da Associação.”

  13. No âmbito desta Assembleia, foi deliberada a renovação da deliberação com eficácia retroativa, tendo esse ponto sido aprovado pela maioria dos Associados presentes ou representados, com um único voto contra da própria requerente.

  14. Dos Estatutos da requerida consta que visa a gestão, administração, divulgação e promoção da “M... IGP”, a representação dos interesses dos produtores de maça e a defesa dos direitos económicos e sociais dos seus Associados.

  15. Mais consta desses Estatutos, no ponto 4º, sob a Epigrafe de “Associados”, que um associado perde esta qualidade, mediante proposta da Direção à Assembleia Geral, com posterior ratificação em Assembleia Geral, quando, entre outros motivos, pratique atos contrários aos fins da Associação ou suscetíveis de afetar gravemente o seu prestígio, bem como, se comprovadamente violar e desrespeitar os estatutos e o regulamento interno.

  16. Os estatutos da Associação M... especificam as condições de admissão, saída e exclusão dos associados.

  17. A requerente conhece o teor dos Estatutos.

  18. O Regulamento Interno na Associação M... define os objetivos, modos e financiamento, órgãos, direitos e deveres de todos os associados produtores e embaladores da área geográfica da M... IGP que integram o Clube M ... IGP, secção que regula a conduta de certificação e utilização comum da Indicação Geográfica Protegida e da imagem associada para o mercado do território nacional.

  19. Encontra-se, também, definido neste regulamento o regime de sanções aplicáveis aos associados que não cumpram e/ou desrespeitem o Caderno de Especificações da M... IGP, os Estatutos, o Caderno de Normas e o próprio Regulamento.

  20. Os incumprimentos poderão dar origem a diferentes tipos de infrações classificadas de ligeiras, graves e muito graves, sendo previsto que as infrações graves que sejam reiteradas podem culminar com a exclusão do associado.

   21. Os tipos de não conformidades praticadas pelos Associados e metodologia das sanções a aplicar consoante as várias situações estão devidamente identificadas e discriminadas no Regulamento Interno da APMA.

   22. Este Regulamento é também do inteiro conhecimento da requerente.

  23. A Direção da requerida apresentou a proposta à Assembleia Geral para exclusão da requerente como associada que consta do documento 2 junto com a oposição.

  24. A aqui requerente, nomeadamente, desde o ano de 2019, tem procedido à utilização de marca própria na venda de maçã do tipo da M..., sem fazer qualquer referência à marca e imagem coletiva M... IGP, designadamente, num mercado de revenda localizado na cidade ..., onde tem um ponto fixo de venda.

  25. Em feiras internacionais, concretamente na ..., em ..., na ..., a requerente apresentou-se com a sua marca própria, mesmo perante a visita das entidades oficiais e dos agentes económicos portugueses.

  26. Nos termos dos Estatutos da Associação M..., para que um associado pertença à Associação M... ou ao denominado Clube M ... IGP, o mesmo terá que, entre outros requisitos cumulativos, não utilizar marca própria que prejudique, confunda ou gere parecença com a M... IGP.

  27. Esta foi uma das vontades unânime de todos os associados, de acordarem não utilizar as suas marcas individuais, mas sim exclusivamente a imagem coletiva M... IGP, tendo essa alteração sido proposta e aprovada, em 2019, por unanimidade dos associados.

  28. Após reclamações de outros associados e nos termos do Regulamento Interno, em 14 de julho de 2020, a direção da Associação M... dirigiu à requerente uma advertência por incumprimento dos Estatutos, requerendo que fossem adotadas as medidas corretivas necessárias à não continuidade dessa prática, conforme documento 7 junto com a oposição.

  29. A requerente não respondeu, não repudiou ou suscitou qualquer questão quanto a esta advertência que lhe foi efetuada.

  30. A direção da Associação M... enviou-lhe nova advertência, por comunicação datada de 10 de dezembro de 2020, conforme documento 8 junto com a oposição, expondo que, pese embora a anterior advertência, a ora requerente continuava a utilizar marca própria em fruta por si comercializada, o que era entendido consubstanciar uma prática profundamente lesiva dos princípios e interesses da Associação M... e a reincidência de uma infração grave.

  31. A direção da requerida advertiu expressamente a requerente para terminar imediatamente com tais práticas que reputava como abusivas e prejudiciais do modelo associativo a que voluntariamente aderira.

  32. Igualmente, foi, de novo, solicitado à aqui requerente que adotasse as medidas necessárias para respeitar os Estatutos e o Regulamento da Associação M....

  33. Mais uma vez, a requerente nada respondeu a esta nova advertência da direção da requerida.

   34. Em meados de janeiro de 2021, foi acordada a realização de uma reunião entre a direção da requerente e a direção da requerida, que se realizou e em que foi discutida (em termos não concretamente apurados) a utilização pela requerida de marca própria na comercialização de maçãs.

  35. Em resultado dessa reunião, a direção da requerida endereçou nova comunicação à requerente, datada de 15 de fevereiro de 2021, contestando várias das suas alegações e reiterando que, querendo aquela manter-se na Associação M..., teria que cumprir os Estatutos e Regulamento da Associação M... em vigor (conforme documento 9 junto com a oposição).

   36. Relativamente a esta missiva, mais uma vez a requerente não respondeu.

  37. A requerente tem acordada a venda à rede de distribuição que usa a firma P..., pertencente ao Grupo ..., de quantidade não concretamente apurada de maçã da marca "M..."”, acordo esse que manteve (e mantém), apesar da deliberação objeto destes autos, uma vez que lhe foi concedida autorização, pelas competentes entidades públicas, para o uso da certificação de produto IGP de M..., autorização essa delimitada no tempo, mas suscetível de renovação.

   O Tribunal da 1ª instância julgou não se mostrarem indiciariamente provados quaisquer outros factos alegados no requerimento inicial e suscetíveis se assumir relevância direta para a decisão do mérito da causa, nomeadamente:

  a) - Que a requerente nunca tenha tido conhecimento da proposta da sua exclusão, apenas tendo sido confrontada com a hipótese de expulsão no próprio dia da assembleia.

  b) - Que a requerente “sempre cumpriu todas as obrigações impostas pela requerida, no que respeita ao mercado nacional” e que não compreenda o fundamento da deliberação tomada.

   c) - Que haja um conluio para excluir a requerente do mercado específico da “M...”.

   d) - Que a deliberação em apreço prejudique “irremediavelmente a requerente”, quer a nível reputacional, quer ao nível monetário, nomeadamente, que venha obstando à comercialização da sua maçã com a mencionada referência geográfica denominada IGP e que o facto de a requerente não pertencer à Associação da requerida inviabilize por completo a concretização de qualquer contrato de fornecimento a celebrar.

  IV – Confrontadas as conclusões das alegações com a decisão objecto de recurso resultam para apreciação no mesmo, correspondendo ao seu objecto, as seguintes questões:

  -a reapreciação da matéria de facto a cuja impugnação a Requerente procedeu;

  - na procedência dessa impugnação, a reponderação a respeito da presença dos requisitos para o decretamento da suspensão da deliberação social tomada pela Requerida no dia 31/8/2021.

  Pretende a Apelante que os factos a que se reportam os pontos 24, 26 a 28, 30 a 32, 34, 35 e 37 sejam julgados não provados, ou pelo menos alguns, provados apenas em parte, e que os factos julgados não provados, a que se reportam as alíneas a), b) e d) sejam, ao invés, julgados provados.

  Na reapreciação da prova em questão, mostra-se nuclear a matéria do ponto 24,  relativamente ao qual o Tribunal da 1ª instância julgou provado, que «a aqui Requerente, nomeadamente, desde o ano de 2019, tem procedido à utilização  de marca própria na venda de maça do tipo da M..., sem fazer qualquer referência à marca e imagem colectiva M...  IGP, designadamente num mercado de revenda localizado na cidade ..., onde tem um ponto fixo de venda».

  Vejamos a prova gravada no que lhe respeita.

  A prova produzida pela Requerente, para além das declarações de parte de GG, sócio integrante da Direcção, restringiu-se à produzida pelas testemunhas HH, funcionário da Requerente, responsável pelo sector comercial para o mercado nacional dos produtos pera e maçã, e AA, integrante do departamento comercial  da Requerente, que referiu acompanhar mais o mercado internacional do que o nacional. 

  EE referiu, no essencial, que teve conhecimento dos emails que a Requerida enviou à Requerente, “não se recordar já bem deles”, lembrando-se, no entanto  que um deles “vinha acompanhado de uma fotografia  de uma caixa com marca da Cooperativa”, mas “o email não era especifico a respeito do que é que estava em causa, o que tinham infringido, pelo que não deram muita importância aos emails”. Afinal, “não sabiam onde tinha sido tiradas as fotos e se eram maças nossas”. Mais referiu que na primeira Assembleia Geral de 8/7/202  não sabia que estava em causa a expulsão, e que na segunda, obviamente sabia, mais referindo que nunca teve acesso à acta daquela primeira Assembleia.  

  As testemunhas HH e AA desde o início dos respectivos depoimentos empenharam-se em tornar claro que a Requerente “vendeu no mercado nacional com as insígnias e no mercado internacional sem as insígnias” – a expressão é de HH - porque a Requerente não era associada do Clube E..., “nem tinha que ser porque essa inscrição era livre, sendo-lhe por isso legitimo usar a marca própria no mercado internacional”. HH referiu que tiveram conhecimento dos emails “a dizerem que não cumpriam os procedimentos”, mas essas comunicações “não eram específicas, não diziam se o incumprimento era no mercado nacional ou estrangeiro, pelo que continuaram a fazer as vendas como faziam”, mais referindo que “a Direcção não deu  informação em contrário”.

  A testemunha AA chamou a atenção, no tocante à acusação da Requerente da Requerida ter vendido no Mercado Abastecedor do ... maçãs com a marca própria, a circunstância de a caixa onde se refere C..., CRL – tendo por referência as fotos que acompanharam uma das advertências - ser meramente uma caixa de transporte e não de venda, salientando que o que lá esta “não é uma marca, mas sim o nome da empresa”.

  No que respeita às testemunhas da Requerida, BB, Director ...,  que referiu “ter estado na génese” da mesma, limitou-se a referir genericamente que a Requerente incumpriu o Regulamento e os Estatutos, não comercializando a maçã com a marca colectiva com que em 2019/2020 a Associação deliberou comercializar , fazendo-o com a marca própria, “C..., CRL” , situação que referiu ter conhecimento, “não ao vivo”,  mas “por fotos tiradas por outros Associados, uma delas no mercado do ...”.

  A testemunha II, técnica de qualidade, de útil para a matéria dos autos limitou-se a referir “ter verificado uma vez caixas C..., CRL , mas não sabe a que mercado se destinavam”.

  JJ, agricultor e sócio de uma empresa que pertence à Associação  Requerida, de relevante, apenas referiu que “só conhece incumprimentos da C..., CRL em mercado internacional”.

   DD, engenheiro agrónomo, comercial da F..., referiu ter estado presente na Assembleia Geral, designadamente naquela “em que se pôs termo à telenovela que vem sendo discutida”, e onde foi votada a exclusão da Requerente, por a mesma ter vindo a fazer a “divulgação da marca C..., CRL em proveito próprio prejudicando os demais associados”, tendo referido ter “verificado isso diversas vezes”, sem que, no entanto, se percebesse, se, no mercado interno ou no exterior.

  Deixou-se o depoimento de CC, secretária Técnica da Associação, para o fim, na medida em que foi, apesar de tudo, o depoimento mais circunstanciado dos das testemunhas da Requerida.

  Referiu que a C..., CRL vem utilizado a marca própria e não a da M..., o que fez em 2019/2020 no Mercado do ..., onde tem um posto fixo de venda, havendo fotografias que o demonstram, bem como se tem furtado a utilizar a marca colectiva na respectiva frota, ao contrário do que o fizeram  os demais associados da Requerida, não obstante o que designou por “...” vigorar desde 2018. Referiu ter assistido em Fevereiro de 2020 na feira de ... à comercialização pela Requerente de marca própria, explicando que nessas feiras estão presentes, além de compradores estrangeiros, representantes de compradores internos, designadamente os das grandes superfícies. Sublinhou “haver reportes frequentes de associados” dando conta “de forma indignada” de incumprimentos por parte da Requerente. Fez menção às admoestações de que aquela foi alvo e que constam dos autos, acentuando que de nenhuma houve resposta ou sequer pedido de esclarecimentos, e que, na reunião que se seguiu às referidas admoestações,  a Requerente “tornou claro  que não concordava com os Estatutos  e com a obrigação de utilização da marca colectiva”,  não tendo negado a utilização da marca própria”, mais referindo, ter-lhe sido reportado que o Presidente da Cooperativa em reuniões referiu que nunca iria abdicar da sua marca própria. A propósito da ordem de trabalhos constante da Convocatória para a Assembleia Geral de 8/7,  salientou que a “documentação está disponível para consulta na Associação”, e admitiu que a Requerente não é membro do Clube E.... Tendo-lhe sido perguntado se em função do “dossier” que naturalmente existiria a respeito dos incumprimentos da Requerente não lhe era possível localiza-los no tempo e espaço, nada disse de útil dando a entender que tal não lhe era possível.

Se se confrontar o que acaba de se relatar a respeito do conteúdo dos depoimentos das testemunhas, com o que, a esse mesmo respeito, resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, verificar-se-á que dessa motivação não resulta maior consistência relativamente à prova produzida pela Requerida do que aquela de que se  acaba de se deixar nota.

Vejamos o que aí se refere:  

«Foi junta prova documental ao presente procedimento cautelar, foram prestadas declarações de parte por um dos diretores da requerente e foram ouvidas, como testemunhas:

1. HH, que disse ser funcionário da requerente, sendo, nomeadamente, responsável pelo setor comercial, para o mercado nacional, dos produtos pera e maçã, tendo-se revelado ciente da situação em litígio e nela envolvido, direta e pessoalmente.

2. AA, que referiu ser colaborador e sócio da requerente, tendo manifestado, também, conhecimento pessoal e direto da situação em litígio, assim como o seu envolvimento em parte dos factos.

3. BB, que disse prestar os seus serviços para o departamento financeiro da requerida, tendo-se referido às normas internas desta, assim como ao que ouviu dizer e às fotografias que viu referentes à venda, pela requerente, das suas maçãs sob marca própria.

4. CC, a qual afirmou ser secretária técnica da requerida e, nessa qualidade, participar e acompanhar as comunicações que foram sendo trocadas entre as partes, acerca da situação em litígio, as quais descreveu, mais se tendo referido às informações que foram chegando à direção respeitantes à atuação da requerente.

 5. KK, que afirmou prestar o seu trabalho, como técnica de qualidade, para a requerida e nada soube esclarecer com interesse para a prova da matéria controvertida nos autos.

 6. JJ, que esclareceu ser sócio e gerente de uma das empresas associadas da requerida, tendo manifestado nada saber, por conhecimento pessoal e direto, com relevância para a decisão de mérito da causa.

7. DD, o qual disse que representou, em reuniões e assembleias gerais, uma cooperativa de produtores que é uma das associadas da requerida, o qual afirmou já ter presenciado, várias vezes, o incumprimento por parte da requerente consistente na venda de maçã sob a sua marca própria, nomeadamente, no mercado nacional, tendo esse assunto sido “muito documentado” em assembleias gerais.

Todas as testemunhas manifestaram o seu envolvimento com uma das partes e a clara tomada de partido por uma delas (as duas primeiras, com a requerida e as restantes com a requerente), nenhum dos depoimentos se tendo valorado como absolutamente isento e havendo, todos eles, sido sopesados conjunta e criticamente, entre si e em confronto com os demais meios de prova, nomeadamente, de cariz documental.

 EE prestou declarações de parte, tendo-se limitado a referir ter estado nas assembleias gerais referidas nos autos, assim como a confirmar que a direção a requerente recebeu os emails juntos pela requerida, os quais foram valorados como muitos genéricos, não lhes tendo sido dada importância (nem resposta). Em sede de prova documental, atendeu-se, com especial relevo, às atas das assembleias gerais da requerida e aos documentos a elas anexos (v.g., proposta da direção, convocatória, resposta à convocatória), ao regulamento interno da requerida, aos seus estatutos, bem como às missivas trocadas entre as partes.

Mais especificadamente:

 - Consideram-se indiciariamente provados os factos 1. a 7., desde logo, pela ausência da sua impugnação (confissão).

- Também os factos 8. e 9. não foram objeto de impugnação, resultante ainda indiciariamente demonstrados pelo documento 9 junto com o requerimento inicial. –

 Os factos 10., 12. e 13. são, igualmente, aceites por ambas as partes e mostram-se corroborados, respetivamente, pelos documentos 3, 2 e 1 juntos com a oposição.

- O facto 11. é do conhecimento oficioso do tribunal, bem como de ambas as partes, que o aceitaram. –

 A convicção indiciária acerca dos factos 14. a 16. tem sustentação no documento 10 junto com o requerimento inicial, o que conduziu à demonstração do facto 17.

 - No referente aos factos 18. a 21., considerou-se o documento 4 junto com a oposição para a sua prova indiciária, emergindo do subsequente documento 5 a comprovação do facto 22.

 - Para prova indiciária do facto 23., considerou-se o documento nele aludido.

10 - A veracidade dos factos 24. e 25. resultou indiciariamente afirmada dos depoimentos das próprias testemunhas arroladas pela requerente (testemunhas 1 e 2) e foi ainda confirmada pelos depoimentos das testemunhas 3, 4 e 7.

- Atendeu-se, mais uma vez, ao documento 10 junto com o requerimento inicial para prova indiciária dos factos 26. e 27.

- Consideraram-se indiciariamente provados os factos insertos sob os números 28. a 36. com base na valoração conjunta dos depoimentos das testemunhas 1, 2, 3, 4 e 7, bem como nas declarações de parte da requerente. e dos documentos que a respeito de cada um foram sendo referidos. –

 A confirmação (sempre indiciária) do facto 37. decorreu dos depoimentos das testemunhas 1. e 2.

            O factualismo a que respeita a alínea a) dos factos não provados foi infirmado pelo conjunto de provas que conduziu à demonstração dos factos inversos, nomeadamente, os factos 28. a 36. - O factualismo inserto sob b) não foi minimamente confirmado pela prova produzida, segundo o modo como se fez a sua valoração, antes se tendo ficado com convicção da realidade inversa. - Também quanto ao facto a que respeita a alínea c) se valorou a prova produzida como manifestamente insuficiente para a sua demonstração, mesmo que apenas na forma de prova indiciária, o mesmo sucedendo no que concerne à matéria da alínea d).»

  Em função da apreciação geral da prova produzida a que se procedeu, passemos à impugnação da matéria de facto, desde logo à referente ao ponto 24, já acima referido como fulcral.

  Como é evidente, a Requerente/apelante defendeu-se essencialmente, no que a este ponto respeita, com a falta de rigor temporal e espacial dos incumprimentos que lhe são imputados, evidenciando que não fazendo parte do Clube E... não tem utilizar a marca colectiva no mercado estrangeiro, bem pelo contrário, “tal estar-lhe-á vedado”,  como o acentuou a testemunha HH e como resulta do ponto 25 da matéria de facto, que não foi impugnado. Na verdade, a Requerida, nas contra-alegações, terá optado por não fazer quaisquer referências aos incumprimentos da Requerente no estrangeiro, parecendo ter abandonado essa matéria. Atitude que necessariamente enfraquece as imputações globalmente feitas à Requerente, sendo que, precisamente as referentes ao mercado nacional não estão situadas no tempo, apenas se falando em comportamentos tidos  genericamente a partir de 2019. Por outro lado, as fotografias juntas aos autos, no que as caixas de maça se reporta, parecem todas provindas da Fruit Logistica 2020/ ... – consequentemente, aos incumprimentos internacionais – sendo que relativamente às caixas de fruta cujas fotografias estão juntas à segunda admoestação, não pode deixar de se acompanhar a Apelante quando refere, na conclusão 30ª, que «as duas fotografias que são anexadas ao referido e-mail não permitem destrinçar nem onde, nem quando as mesmas foram captadas».

  Pelo que, o que se deixa provado relativamente ao ponto 24 dos factos é, apenas, o seguinte:

  Tem vindo a ser imputado à aqui requerente, pela Requerida e alguns seus Associados, que, nomeadamente, desde o ano de 2019, aquela tem procedido à utilização de marca própria na venda de maçã do tipo da M..., sem fazer qualquer referência à marca e imagem coletiva M... IGP, designadamente, num mercado de revenda localizado na cidade ..., onde tem um ponto fixo de venda.

  Quanto ao ponto 26, a Apelante apenas pretende que se restrinja o aí referido ao mercado nacional, chamado a atenção para a circunstância de que a II Parte do Regulamento se intitula “Regras de Produção e Comercialização da M... IGP no mercado nacional”, surgindo essa referência ao mercado nacional  no art 2º/2, onde se refere que «a autorização de integração no Clube M ... IGP, só poderá ser concedida  aos associados que, cumulativamente: 1 (…) 2. Produzam, embalem e comercializem M... IGP de acordo com o Caderno de Normas de utilização da imagem promocional da M... IGP para o mercado nacional  (…)». Refira-se que também o art 4º dos Estatutos  se restringe ao mercado nacional, daí constando que «Para comercialização da M... IGP no mercado nacional é obrigatório …» (os sublinhados são nossos).

  Por isso, é perfeitamente legítimo que se refira no ponto 26 da matéria de facto que:

   «Nos termos dos Estatutos da Associação M..., para que um associadopertença à Associação M... ou ao denominado Clube M ... IGP, o mesmo terá que, entre outros requisitos cumulativos, não utilizar no mercado nacional marca própria que prejudique, confunda ou gere parecença com a M... IGP.

  Relativamente ao ponto 27 da matéria de facto,  chama a atenção a Apelante para o facto de não ser correcto que aí se afirme que foi em função da «vontade unânime de todos os associados» que ficou a constar dos Estatutos de Associação M...  a não utilização por todos das suas marcas individuais, mas sim exclusivamente a imagem coletiva M... IGP, na medida em que, como resulta inequivocamente da acta nº 42 datada de 11/8/2020, referente à aprovação do Regulamento Interno do Clube M ... IGP, a proposta em causa foi aprovada (apenas) pela maioria dos presentes e com o voto contra dela, C..., CRL .

  Constata-se efectivamente dessa  acta -  doc 5 da oposição (os autos não estão paginados)- relativamente ao  ponto 4 da respectiva ordem de trabalhos referente à aprovação daquele  regulamento interno, que o mesmo «foi aprovado pela maioria dos presentes e com voto contra da C..., CRL » .

  E assim sendo, passará a constar do ponto 27 que:

   «Foi por vontade da maioria dos presentes e com o voto contra da C..., CRL  que, na Assembleia Geral que teve lugar em  11/8/2020, em que foi aprovado o Regulamento Interno do Clube M ... IGP, os associados não utilizassem  as suas marcas individuais, mas sim exclusivamente a imagem coletiva M... IGP»

  Relativamente ao ponto 28, onde se refere que «Após reclamações de outros associados e nos termos do Regulamento Interno, em 14 de julho de 2020, a direção da Associação M... dirigiu à requerente uma advertência por incumprimento dos Estatutos, requerendo que fossem adotadas as medidas corretivas necessárias à não continuidade dessa prática, conforme documento 7 junto com a oposição», entende a Apelante que, porque não se provaram as «reclamações de outros associados», essa expressão devia ser retirada desse ponto de facto.

  Não se concorda aqui com a Apelante.

  Já acima no controverso ponto 24 se deixou provado que tem vindo a ser imputado à aqui requerente, pela Requerida e alguns seus Associados, que, nomeadamente desde o ano de 2019, aquela tem procedido à utilização de marca própria na venda de maçã do tipo da M..., sem fazer qualquer referência à marca e imagem coletiva M... IGP (…)

  Não se tem dúvidas que houve reclamações dos Associados relativamente àquela prática por parte da Requerente, nisso sendo muito clara e convincente – ao contrário do que o pretende a Apelante – a testemunha CC. O facto desta testemunha não ter sido precisa, como deveria, relativamente ao tempo e local a que essas reclamações se referiam, não retira a existência das mesmas.

  Improcede, pois, a impugnação a esse ponto de facto.

  Improcede igualmente, no referente aos pontos 30, 31 e 32, que se reportam a factos incontroversos nos autos – a existência das admoestações e os seus termos – porque  constantes de documentos nele juntos.  As questões que a Apelante levanta em seu redor são questões de direito e não de facto.         

   No tocante ao ponto 34 da matéria de facto, as objecções da apelante situam-se na circunstância de se omitir que a reunião que aí se refere decorreu da solicitação do Presidente da Requerente, e de pretender que nessa reunião (apenas) foi discutida, (em termos não concretamente apurados), a utilização pela Requerida de marca própria na comercialização internacional de maçãs.

  No tocante à primeira dos referidas objecções, assistir-lhe-á razão, por ter sido por iniciativa da Requerente que a reunião em causa acabou por ter lugar. Repare-se que a  própria Requerida refere no art 48 da oposição que «Posteriormente, já em meados de Janeiro de 2021, na sequência de um contacto telefónico  do Presidente da Direcção da Requerente  para a Direcção da Requerida, foi a Direcção daquela convidada  a participar  numa reunião com a Direcção da APMA (…)». É igualmente o que consta do Doc junto pela Requerida intitulado «Respostas às questões levantadas na reunião de Direcção de 19/1/2021». Desse documento resulta que «houve um contacto telefónico do Sr FF para o Presidente da APCA (a solicitar-lhe o email deste)», que terá sido aproveitado por este para convidar a Requerente a participar numa reunião no dia seguinte.

  No tocante à segunda das objecções, o dito documento é insuficiente para se afirmar, como o pretende a Apelante, que aí apenas foi discutida a utilização pela Requerida de marca própria na comercialização internacional de maçãs.  E do depoimento da testemunha CC também não resultou essa restrição da discussão.

  Assim o ponto 34 da matéria de facto passará a ter a seguinte redacção:

    Em meados de janeiro de 2021, em função de um telefonema do Presidente da Direcção da Requerente, foi acordada a realização de uma reunião entre a Direção da Requerente e a Direção da Requerida, a qual se realizou e em que foi discutida (em termos não concretamente apurados) a utilização pela Requerente de marca própria na comercialização de maçãs.

  No tocante ao ponto 35, entende a Apelante que não resulta do documento 9 junto com a oposição, o conteúdo deste facto, para tanto chamando a atenção para as respectivas conclusões. Que foram as seguintes: «9 - Em conclusão e na ausência de propostas concretas para o universo dos membros, perante tamanho ruído e tamanha insatisfação, informamos que enquanto líderes deste projeto continuaremos firmes a defender aquilo que a nossa experiência entende serem os legítimos interesses de uma IGP dinâmica e ambiciosa, e de uma imagem coletiva, sem vacilações, com consonância com os poderes que os membros nos conferem e com as propostas, projetos, ações e orientações apresentadas e aprovadas pela maioria dos nossos membros associados. Nada faremos contra a vontade ou em desalinhamento dessa mesma maioria que nos apoia e muito respeitamos.10 – Para finalizarmos e em pleno respeito pelas entidades que todos legitimamente representamos, sem mais danos aos associativismo frutícola aqui em causa, solicitamos de forma encarecida que espontaneamente optem pelo caminho a seguir, se integrados num movimento associativo legal e legítimo cumprindo as regras e os estatutos que os membros legitimamente aprovam e cumpre á exceção de Vossas Excelências, ou seguirem o caminho e as opções que legitimamente defendem, de modo a evitarem se desgaste imerecidos ao projeto que ambos dirigimos, ou em alternativa apresentarem por escrito das propostas de alteração que entenderem oportunas e as aprovem para nos órgãos soberanos desta Associação».

  Na verdade, não se vê que embora muito cordialmente a Requerida não tenha afirmado à Requerida «que, querendo  manter-se na Associação M..., teria que cumprir os Estatutos e Regulamento da Associação M... em vigor», como resulta da expressão, «solicitamos de forma encarecida que espontaneamente optem pelo caminho a seguir, se integrados num movimento associativo legal e legítimo cumprindo as regras e os estatutos que os membros legitimamente aprovam e cumpre á exceção de Vossas Excelências, ou seguirem o caminho e as opções que legitimamente defendem, de modo a evitarem se desgaste imerecidos ao projeto que ambos dirigimos». Mas também é verdade que a Requerida sugere à Requerente, «em alternativa», que apresente «por escrito das propostas de alteração que entenderem oportunas e as aprovem para nos órgãos soberanos desta Associação».

  Por isso, dá-se diferente redacção ao ponto fáctico em causa (o 35º), de que passará a constar que:

  Em resultado dessa reunião, a Direção da Requerida endereçou nova comunicação à Requerente, datada de 15 de Fevereiro de 2021, contestando várias das suas alegações e reiterando que, querendo manter-se na Associação M..., teria que cumprir os Estatutos e Regulamento da Associação M... em vigor, a menos que viesse por escrito apresentar as propostas de alteração que entendesse como oportunas e  conseguisse a sua aprovação  nos órgãos soberanos da Associação.

  Relativamente ao ponto 37, de que consta que, «A requerente tem acordada a venda à rede de distribuição que usa a firma P..., pertencente ao Grupo ..., de quantidade não concretamente apurada de maçã da marca "M..."”, acordo esse que manteve (e mantém), apesar da deliberação objeto destes autos, uma vez que lhe foi concedida autorização, pelas competentes entidades públicas, para o uso da certificação de produto IGP de M..., autorização essa delimitada no tempo, mas suscetível de renovação», objecta a Apelante a circunstância de não ser rigoroso dizer-se que «foi concedida autorização, pelas competentes entidades públicas, para o uso da certificação de produto IGP de M...», quando essa autorização, e apenas para um ano, não adveio de uma «entidade pública» mas da Co... que é a  Entidade Certificadora Independente ou Organismo de Controlo, que é um organismo privado e é  indigitado pela própria Associação M....

  Essa realidade foi circunstanciada e credivelmente  referida pela testemunha HH, importando, pois corrigir, aquela referência, dando-se ao ponto 37 a seguinte redacção :

  A Requerente tem acordada a venda à rede de distribuição que usa a firma P..., pertencente ao Grupo ...,  quantidade não concretamente apurada de maçã da marca "M..."”, acordo esse que manteve (e mantém), apesar da deliberação objeto destes autos, uma vez que lhe foi concedida autorização, pela Co..., Entidade Certificadora Independente  indigitada pela própria Associação M..., para o uso da certificação de produto IGP de M..., autorização essa delimitada no tempo, mas suscetível de renovação.

  Finalmente, no que respeita aos factos não provados nas alíneas A, B e D, pretende a Apelante que todos esses factos passem a ser julgados provados.

  O que está dado como não provado nas referidas alíneas, é que:

  -  a Requerente nunca tenha tido conhecimento da proposta da sua exclusão, apenas tendo sido confrontada com a hipótese de expulsão no próprio dia da assembleia.

  -  a Requerente “sempre cumpriu todas as obrigações impostas pela requerida, no que respeita ao mercado nacional” e que não compreenda o fundamento da deliberação tomada.

  -  A deliberação em apreço prejudique “irremediavelmente a requerente”, quer a nível reputacional, quer ao nível monetário, nomeadamente, que venha obstando à comercialização da sua maçã com a mencionada referência geográfica denominada IGP e que o facto de a requerente não pertencer à Associação da requerida inviabilize por completo a concretização de qualquer contrato de fornecimento a celebrar.

  Entende-se, efectivamente que se deve julgar provado que a Requrente não teve conhecimento da proposta da sua exclusão e que foi confrontada com a mesma no próprio dia da assembleia.

  Já acima, quando se apreciou a impugnação do ponto 37 dos factos provados, se constatou que no escrito entre as partes que antecedeu a realização da Assembleia Geral  de 8/7/2021, a Requerida deu a entender  claramente à Requerente, que, das duas uma: ou cumpria o Regulamento e os Estatutos da Associação M... e continuaria a ser associada da mesma,  ou não querendo fazê-lo por não se rever naquele projecto associativo, deveria apresentar  por escrito as propostas de alteração que tivesse como oportunas de modo a promover a sua aprovação pelos órgãos próprios da Associação. Depreende-se que a Requerente, nos cinco meses que medeiam entre as referidas datas, não apresentou as suas propostas de alteração, mas desconhece-se se incumpriu o Regulamento utilizando na comercialização interna das maças a marca própria em vez da marca colectiva. O que se sabe é que os termos utilizados pela Requerida no documento dito “Respostas às questões levantadas na Reunião da Direcção de 19/1/2021”, embora deixem bem clara a tensão muito significativa entre as partes, as suas conclusões não dão a entender que o que imediatamente se seguiria seria a expulsão da Requerente de membro da Associação. O tom utilizado é  demasiado cortês e cuidadoso para qualquer destinatário ter a percepção dessa imediata consequência.

  Por outro lado, e ao contrário do que se entende que deveria ter acontecido, a convocatória para a Assembleia Geral em causa, datada de 21/6/2021, pese embora contenha na sua ordem de trabalhos um ponto – o 8º - referente à «Discussão e deliberação de exclusão e suspensão de associados», não enuncia a quem se refere essa expulsão ou suspensão. Se é certo que os documentos necessários à preparação pelos Associados dessa Assembleia Geral estariam depositados na sede da Associação M... para consulta - no que nos interessa, a Proposta da Direcção à Assembleia referente à dita Expulsão - talvez não fosse tão perceptível assim para a aqui Requerente que era a ela que se dirigia aquele ponto da ordem dos trabalhos. Afinal, falava-se de associados no plural, e em exclusão ou suspensão, o que poderia dar ideia, em último caso, de que a possível expulsão seria contornável em favor de uma mera suspensão. 

  Diga-se de passagem que essa menor perceptibilidade do assunto a que se reportava o ponto 8 da ordem de trabalhos não releva apenas no tocante à aqui Requerente  mas a todos os Associados, sendo certo que a todos importava que em função da indicação precisa dos assuntos objecto de deliberação, ficassem cientes da natureza e importância dos assuntos em questão, de modo a melhor poderem decidir se participariam (pessoalmente ou por representante) na assembleia e, decidindo participar, estudarem os assuntos sobre que se deliberaria [1].

  Como adiante melhor se verá, entende-se que deveria ter sido dado conhecimento à Requerente da referida Proposta de expulsão antecedentemente ao próprio envio da convocatória.

  Por isso, se dá como provado que a Requerente não teve conhecimento da proposta da sua exclusão, tendo sido confrontada com a mesma no próprio dia da assembleia.

  Já não pode, obviamente, dar-se como provado que a Requerente sempre cumpriu todas as obrigações impostas pela Requerida no que respeita ao mercado nacional e que não compreenda o fundamento da deliberação tomada.

  Pela simples razão, acima enunciada, de que houve reclamações de associados relativamente ao comportamento de comercialização da Requerente, ficando sem se perceber, se, com razão ou sem ela, se, referentes ao mercado nacional ou internacional .

  No que se reporta ao facto da alínea D), atinente ao prejuízo da Requerente com a deliberação em apreço, tem-se como seguro que esse prejuízo existiu, e existe, a nível reputacional, com as incidências futuras não facilmente mensuráveis de prejuízo económico.

  Abrantes Geraldes [2]  refere que «a suspensão de deliberações não está delimitada pela patrimonialidade da situação de perigo (...). Quer na perspectiva do sócio requerente, quer na da sociedade cujos interesses se pretendem acautelar com a suspensão da deliberação podem, por vezes, sobrelevar os danos de natureza não patrimonial em relação a outras situações potenciadoras de prejuízos materiais». Acrescentando: «Dúvida alguma se pode suscitar de que os danos ligados à “imagem” da empresa, ao “bom nome no mercado”, à defesa de uma marca ou à manutenção de um certo grau de prestigio, ao mesmo tempo que afectam a personalidade da pessoa colectiva, podem também ser causa de danos de natureza patrimonial, reduzindo os lucros da actividade».

  Estas considerações, se bem que tenham em vista as sociedades, são inteiramente aplicáveis às associações, cujos fins, como a presente, são económicos.

  A testemunha HH afirmou-o - à margem de critérios especificamente económicos - tendo referido:

Ao dia de hoje poderíamos dizer que está tudo normal, mas está tudo longe de normal, porque naturalmente, o P... ficou surpreendido como é que a C..., CRL com a dimensão que tem, foi expulsa duma associação, o que é que estaria a fazer de menos próprio, portanto, todo este processo foi … foi estranho e não foi digno, julgamos nós, fundamentalmente se continuarmos a fazer a venda, sim, devido à paciência do P..., cerca de um mês para que nós resolvêssemos todos esses assuntos legais para o fazer correctamente, passado este tempo estamos a vender normalmente, mas não é bom uma cooperativa como a nossa ter sido expulsa duma associação, ainda para mais da forma como foi e com todos os problemas que eu já disse que criou, portanto, neste  momento parece que não, mas claramente que houve um grande desgaste que … que atingiu a cooperativa desde a sua exclusão”.

  Também AA acentuou este prejuízo reputacional, bem como o risco futuro de não conseguirem a certificação pela já referida Co... para o ano seguinte, para assegurarem o contrato com o P..., referindo:

“Como é obvio há um risco futuro e, enfim, e presente nem que seja pela questão da nossa, da nossa imagem e reputação da, da empresa que, enfim, eu estou lá há 21 anos mas a empresa tem 52, e a empresa tem impacto assim, na ali na, na nossa zona socioeconómica na nossa, nossa região, e, portanto, muitas pessoas nem seja por isso ,muitas pessoas acabaram por perguntar o que é que nós tínhamos feito e enfim, e nós não conseguimos de certa forma esclarecê-las o que é que se tinha passado, quer dizer … “.

 Já HH tinha evidenciado que, o facto de terem conseguido junto da Co... a certificação necessária para a comercialização das maças com o uso da certificação de produto IGP de M... para o ano em causa- de 2021 -, e desse modo terem conseguido manter o contrato com o P..., não lhes assegurava que tal certificação fosse conseguida para o ano seguinte.

  Deste modo, da matéria de facto não provada constante da alínea D), dá-se como provado o seguinte:

  A deliberação em apreço prejudica a Requerente a nível reputacional e a nível económico, podendo o facto de não pertencer à Associação contribuir para a não concretização de futuros contratos de fornecimento.

  Vista a matéria de facto, vejamos se as alterações que nela se fizeram permitem a procedência da providência cautelar em apreço, tal como é pretensão da Requerente/Apelante.

  Refere Abrantes Geraldes [3] que «a suspensão de deliberações sociais constitui uma providência específica que permite antecipar certos efeitos derivados da sentença declarativa da nulidade ou da anulabilidade, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida, mas que, apesar disso, poderia ter repercussões negativas na esfera do sócio ou da pessoa colectiva». Acrescentando [4], que «a providência de suspensão exerce uma função instrumental relativamente às acções de invalidade de deliberações sociai.  Por isso apenas faz sentido o seu uso quando a situação litigiosa tenha origem numa deliberação e se pretenda evitar a sua execução, com a alegação dos prejuízos que daí possam decorrer».

  Assinala Menezes Cordeiro [5] que «contra deliberações inválidas (das associações)  – nulas ou anuláveis- pode reagir-se de imediato, pedindo a sua suspensão, nos termos previstos  nos arts 380º  e ss CPC, medida que é comum às sociedades e as associações».

  È costume evidenciar que o decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais (art 380º do CPC) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:  justificação, por parte do requerente, da qualidade de sócio ou de associado da pessoa coletiva em questão; estar em causa uma deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social; e poder resultar da execução imediata dessa deliberação a produção de dano apreciável.[6]

  Por isso, importa saber se a deliberação da Requerida de expulsão da Requerente de sua associada se mostra contrária à lei ou aos estatutos, e se, assim sendo, se, da  execução imediata dessa deliberação pode resultar a produção de «dano apreciável» para a mesma.

  Não se mostra questionável que as deliberações de destituição ou expulsão são de execução continua ou permanente [7] .

  A Requerente defende a nulidade da deliberação  em apreço em função da violação de regras básicas e por não terem sido apresentadas provas das violações que lhe foram imputadas em função da não circunstanciação no tempo desses incumprimentos.

  Importa-nos agora e aqui a violação das ditas regras básicas - cfr art 33 º da petição – em que se integra a circunstância de não lhe ter sido permitido o cabal  exercício do contraditório, por não ter tido conhecimento da Proposta de expulsão senão  no próprio  dia da Assembleia -  art 19º a 22º da petição .

  Dispõe o art 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu nº 10, que, «Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa».

  A propósito desta norma, comentam Jorge Miranda/Rui Medeiros: «O nº 10 garante aos arguidos em quaisquer processos de natureza sancionatória os direitos de audiência e de defesa. Significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações  que lhe são feitas. A defesa pressupõe a prévia acusação, pois que só há defesa perante uma acusação. A Constituição proíbe absolutamente a aplicação de qualquer sanção sem que ao arguido seja garantida a possibilidade de se defende . O direito de se defender é por muitos considerado um principio natural de qualquer tipo de processo, uma exigência fundamental do Estado de Direito Material».

  Menezes Cordeiro, especificamente no referente ao poder disciplinar associativo, refere [8]: «A proibição de arbítrio leva a que as sanções disciplinares devam ser aplicadas dentro de certas regras. Designadamente: antes de qualquer sanção, deverá ser comunicado ao visado o facto ou factos de que ele é acusado, dando-se oportunidade de se defender. No fim, qualquer decisão terá de ser justificada. Podemos isolar, no exercício do poder disciplinar associativo, os seguintes momentos: a iniciativa disciplinar: pode competir ao órgão de disciplina, à administração ou à assembleia geral; equivale à indicação do agente acusado e da matéria relevante, fazendo-se prosseguir o processo;  processo disciplinar: simples ou complexo , terá de haver sempre uma fase de acusação e de instrução, com a audição do acusado; eventualmente, a associado poderá ser suspenso preventivamente do exercício dos seus direitos: explicando-se porquê e ouvindo-o, subsequentemente- a fixação dos factos: concluída a instrução, há que indicar os factos considerados apurados; a aplicação da sanção.
Pergunta-se se os estatutos podem prescindir de tudo isto, prevendo, apenas, a aplicabilidade de sanções, sem qualquer justificação. Entendemos que não. A hipótese de alguém aderir a uma associação contribuindo para ela com bens ou serviços e, depois, colocar-se totalmente nas mãos dela, admitindo uma exclusão ad nutum, equivaleria à constituição de obrigações naturais sem base legal».

  Do que se terá de considerar que, da circunstância de, comprovadamente, a Requerente não ter tido conhecimento da Proposta de expulsão senão no dia da própria Assembleia Geral, implica, com a necessária segurança, que o exercício do poder disciplinar associativo no caso dos autos não comportou qualquer dos momentos a que se reporta Menezes Cordeiro, com a violação clara e indiscutível do direito de audiência e de defesa.

  Sem que a circunstância de os Estatutos da Requerida e o Regulamento Interno da mesma nada dizerem quanto ao procedimento disciplinar  – pois que se limita  a elencar os tipos de infracção, ligeira, grave e muito grave, os tipos de sanção, avisos, advertências, suspensão temporária, indemnização e exclusão, e a estabelecer uma metodologia básica da aplicação das sanções, cfr art 2º 3º e 4 da III Parte do Regulamento – obste à exigência da utilização de um procedimento disciplinar relativamente ao infractor, que comporte, ainda que mitigadamente, todos os momentos atrás referidos, em que sobressai, no que aos autos respeita, a fixação dos factos, que necessariamente haveriam de ter sido suficientemente circunstanciados em termos de tempo e espaço para permitirem uma cabal e eficaz defesa da Associada aqui Apelante.

  Do nosso ponto de vista, a circunstância da clara violação desses direitos, implica a nulidade da deliberação da expulsão da Requerente e não a mera anulabilidade da mesma, na medida em que o direito à defesa e audiência se configura constitucionalmente como direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e o próprio direito de associação, como resulta da sua inserção sistemática na Constituição – cfr art 46º -  um direito, liberdade e garantia pessoal, sobretudo quando está em causa uma associação de fim económico, que se crê lucrativo,  e a aplicação da mais severa das infracções – a expulsão[9].

   Não se duvidará também que da execução imediata da deliberação de expulsão da aqui apelante da Associação M... resulte a produção de dano apreciável, visto o acima referido em sede de danos.

  Repare-se que não estão em causa na providência cautelar em apreço danos «irreparáveis ou de difícil reparação», como se prevê no procedimento cautelar comum.

  Salienta Abrantes Geraldes [10], neste contexto do periculum in mora na providência em apreço, que o legislador «não prescindiu da demonstração, em concreto, de um certo perigo de ocorrência de consequências prejudiciais. Ou seja, não dispensou a verificação de danos, nem presumiu a sua existência, antes impôs ao requerente o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável” - está em causa um «prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade».

  Ora, uma expulsão, com a inerente extinção dos direitos associativos, constitui só por si um prejuízo. Mas não é só esse, nem primacialmente esse, o prejuízo que está em causa mas os económicos decorrentes da perda da qualidade de associado, configurando-se aqueles que se deram como provados -  a nível reputacional e ao nível económico, -  como dano apreciável susceptível de justificar, no conjunto dos demais requisitos referidos, o deferimento do procedimento cautelar.

  Há, no entanto, que fazer aqui referência ao facto de não estarmos no âmbito puro e simples de uma providência cautelar de suspensão de deliberação social – a tida na Assembleia Geral de 8/7 - mas de uma providência de suspensão da deliberação de renovação com eficácia retroativa da deliberação de exclusão do associado – tida na Assembleia Geral Extraordinária de 31/8/2021.

  Estatui o art 62º do CSocCom, no seu nº 1, que «uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do art 56º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retractiva, ressalvados osdireito de terceiros», e o nº 2 referea que «a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício antecedente».

  Foi ao abrigo desta disposição que a aqui Requerida convocou uma Assembleia Geral Extraordinária  a realizar no dia 31/8/2021, tendo em vista expurgar a deliberação de exclusão da C..., CRL, como alega  no art 9º da sua oposição, «de qualquer eventual falha, em prol da certeza e seguranças jurídicas que se impõem em matérias deste cariz».

  E essa Assembleia Geral Extraordinária teve lugar na referida data,  tendo sido aprovado pela maioria dos Associados  presentes ou representados, e com o único voto contra da C..., CRL,  a renovação com eficácia retroactiva da deliberação de exclusão de associado  (perda  da qualidade de associada ) da C..., CRL , tomada na Assembleia Geral de 8 de Julho  de 2021, correspondente à Acta nº 42º, com os fundamentos previstos na al A e D do nº 5 do art 4º  e do nº 11 do art 69º dos Estatutos da Associação, bem como do disposto nos arts 1º a 4º da III Parte  (infracções e sanções) do regulamento interno da Associação. 

  A ideia do procedimento em causa é a de obviar ou à invalidade da deliberação ou à circunstância da sua validade ser posta em causa com as inerentes desvantagens para a sociedade e para os sócios.

  Diz a propósito deste tipo de deliberações Coutinho de Abreu[11]: «A renovação de uma deliberação consiste na substituição da deliberação (inválida ou cuja validade foi posta em causa), por outra de conteúdo idêntico mas sem os vícios (de procedimento), reais ou supostos, que tornam aquela inválida ou de validade duvidosa».

Acrescentando que, «sendo possível renovar deliberações nulas, essa renovação tem de resultar de vícios de procedimento. As deliberações nulas por vícios de conteúdo não são renováveis. A renovação implica que a deliberação renovadora não enferme dos vícios da renovada, mantendo (no essencial) o conteúdo desta. Ora, uma (pretensa) deliberação renovadora de uma nula por vicio de conteúdo, para não repetir o vicio, teria de apresentar conteúdo diverso, regulamentação diferente (seria uma deliberação substituta, mas não substituta-–renovadora)».

Escreve Pinto Furtado[12] que a renovação pressupõe que a nova deliberação seja substancialmente idêntica à anterior, reiterando, pelo menos no fundamental, o conteúdo desta  - cuja parte sã se visa repetir a fim de obter a eficácia jurídica a que a mesma tendia – e envolve, ao menos quando lhe seja atribuído efeito retroactivo, uma substituição , já que a nova deliberação irá ocupar a primeira.  

Lendo-se no recente Ac STJ de 22/9/2021 [13]: «Em termos substantivos, a deliberação renovadora é uma nova deliberação que se pretende extirpada dos vícios da primitiva deliberação, passando os efeitos, idênticos aos da deliberação primitiva, a ser imputáveis e reportados à deliberação renovadora, ou seja, a regra é a deliberação renovadora repetir e substituir a deliberação primitiva, ocupando “por defeito” retroativamente o seu lugar. II - Assim, havendo um ato da sociedade (a deliberação renovadora) que deste modo retira valor à primitiva deliberação, a decisão do juiz que se debruce sobre um pedido de impugnação da primitiva deliberação, debruça-se sobre um ato que não é já sequer uma manifestação da vontade social. III - Pode, porém, dar-se o caso da própria deliberação renovadora padecer de vícios e não ser por isso idónea a produzir os efeitos a que tendia (designadamente, o efeito substitutivo), hipótese em que a sua invalidade se repercutirá na primitiva deliberação, que, perante a “destruição” da deliberação renovadora, verá os seus efeitos repristinados».

Considerações que aqui se trazem – apelando-se especificamente à contante do ponto III do sumário referido - para se pôr em evidência que, do nosso ponto de vista, a deliberação sobre que incide o presente procedimento cautelar – a renovadora – está precisamente nessas condições, não sendo idónea a produzir os efeitos a que tendia, desde logo, o efeito substitutivo, como se passa a explicar.

  Nos termos do art 56º/1 al d) do CSoc Com a violação de normas legais imperativas pelo conteúdo das deliberações, provoca, em regra, a nulidades destas – estarão em causa, nessas circunstâncias, deliberações de conteúdo ofensivo a preceitos legais imperativos.

  Voltando a seguir Coutinho de Abreu, no lugar citado, em anotação ao preceito em causa, refere o mesmo a respeito das  deliberações de conteúdo ofensivo a preceitos legais imperativos: «Postulam-se preceitos legais (de leis, decretos-leis, decretos legislativos regionais, regulamentos ) …  societários … ou não … de regime infrangível, que não pode ser afastado ou derrogado, nem pela colectividade dos sócios  (ou o sócio único), nem por outros orgãos socais». Mais adiante refere: «Aquilatar da imperatividade de certa norma é tarefa interpretativa. Tarefa muitas vezes facilitada pelo próprio texto normativo, com signos linguísticos denotando estar absolutamente vedada a derrogação da disciplina respectiva. Prescrutando os interesses protegidos pelas normas com aqueles sinais textuais, verifica-se serem, fundamentalmente, interesses de terceiros umas vezes, interesses indisponíveis dos sócios, outras vezes, ou a garantia de certo esquema organizativo –funcional».

  Do nosso ponto de vista, o direito à audiência e à defesa constitui um direito indisponível do associado e constitui garantia de um «esquema organizativo funcional», em função do inerente e necessário processo disciplinar, pelo que na situação dos autos sempre se deverá entender estar-se na presença de uma deliberação nula por vicio de conteúdo, e por isso, como dissemos, não renovável.

  Mas, ainda que se entendesse estar em causa uma deliberação nula resultante de vicio de procedimento – a omissão de processo disciplinar -  e por isso susceptível de renovação por outra deliberação, para que essa deliberação fosse validamente renovada sempre teria sido necessário que não enfermasse do vício da precedente.

   O  nº 2 do art 62º di-lo para a deliberação anulável, mas não há motivo – bem pelo contrário - para não se aplicar esse mesmo principio à deliberação nula por vicio de procedimento.

  Ora, desde o momento em que a deliberação (pretensamente) renovadora não foi precedida da observância de um, ainda que mínimo, processo disciplinar, susceptivel de permitir à Requerente o direito de defesa e audiência, não será válida a renovação da deliberação.

Como é posto em evidência no Ac do STJ atrás referido[14] quando a deliberação renovadora padeça de vícios e não seja por isso idónea a produzir os efeitos a que tendia, designadamente, o substitutivo, essa invalidade repercutir-se-á na primitiva deliberação, «que perante a “destruição” da deliberação renovadora, verá os seus efeitos repristinados».

Haverá, pois, que, nos processos que se mostrem pendentes a respeito da primitiva deliberação, retirar as consequências do entendimento aqui alcançado, caso o mesmo seja  secundado na acção de invalidação da  deliberação renovatória.

  Essa circunstância não interfere, no entanto, no resultado da presente providência cautelar que ter-se-á que ter como procedente.

V- Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação, revogar a decisão recorrida, suspendendo a deliberação social da Requerida referente à expulsão da Requerente que teve lugar na Assembleia Geral Extraordinária daquela, ocorrida no dia 31/8/2021.

Custas pela Requerida. 

                                                                      

                                                                       Coimbra, 10 de Maio de 2022
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Pires Robalo)

(…)


               [1] - Cfr, neste sentido, Jorge M. Coutinho de Abreu, «CSC em Comentário», IDET, Almedina, vol. VI, 2013, pág. 78, onde o mesmo  defende que sendo a destituição de administrador objecto de deliberação em AG convocada, deve o assunto constar da ordem do dia da convocatória, tal como o faz em «(Destituição de Administradores de Sociedade», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXXIII, págs. 90/92).

            Pinto Furtado, em anotação ao art. 58º do CSC, diz que se trata da “identificação do thema deliberandum de forma directa e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar.” (Deliberação dos sócios”, Comentário ao CSC, Almedina, 1993, pág. 416) – referências estas retiradas do Ac R L 3/05/2018 (PedroMartins).

               [2] -«Temas da Reforma do Processo Civil», IV Vol , Set de 2000, p 89
               [3] - Obra referida, p. 68
               [4] - Obra referida, p. 71
               [5] - «Tratado de Direito Civil Português I – Parte Geral», Tomo III, Pessoas, 2004 p. 688
               [6] - No Ac R G de 13/9/2018 assinala-se que Alberto dos Reis sustenta que são apenas dois os requisitos da suspensão: a) que a deliberação respetiva seja ilegal [(tomando essa expressão no seu sentido mais amplo, de modo a abranger tanto a deliberação contrária à lei geral, como a que violar os estatutos ou o pacto social (lei especial da sociedade)]; b) que da sua execução imediata possa resultar dano apreciável (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 677). Lopes do Rego sustenta igualmente que são apenas dois os requisitos de que depende o deferimento desta providência cautelar: a qualidade atual de sócio e a ilegalidade da deliberação, suscetível de gerar dano apreciável com a sua execução (cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 365). Por sua vez, Marco Filipe Carvalho Gonçalves (obra citada, p. 264) sustenta que são quatro os requisitos para que seja decretada a providência cautelar em causa, pelo que aos três requisitos supra elencados acrescenta um outro, que se traduz no facto de a deliberação cuja execução se pretende suspender não ter sido já executada.

               [7] - Nesse sentido, por exemplo, Ac STJ 16/5/95 CJSTJ Tomo II -85 e Ac STJ  29/6/93 CJSTJ Tomo II, p 169
               [8] - Obra citada, p. 673
               [9] - Veja-se a este propósito o Ac R P  de 25/10/2016 ( Cecília Agante) e Ac R L 1/6/2006 (Salazar Casanova)
               [10] - Obra referida, p 87 e 88
               [11]Código das Sociedades Comerciais em Anotação», do IDET, p 707
               [12]Renovação de Deliberações Sociais, o art 62º do C. das Sociedades Comerciais», Boletim da FDL , Vol LXI, 1985 , p 289-290
               [13] - Relator, Barateiro Martins
               [14] - Não chegando a resultado diferente, o Ac R L 3/3/2009 (Rosa Ribeiro Coelho)