Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM REQUISITOS CORTE DE ELECTRICIDADE EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PREJUÍZOS | ||
Data do Acordão: | 09/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 2.º, 2; 302.º A 304.º; 362.º, 1; 368.º, 2 E 3; 381.º E SEG.S E 401.º, DO CPC | ||
Sumário: | I – A alteração da decisão sobre a matéria de facto, exige que os meios probatórios esgrimidos pelo recorrente e a interpretação por ele operada, não apenas sugiram, mas antes imponham, tal censura; o que, por via de regra, e porque ao tribunal ad quem falham os benefícios da imediação e oralidade, não acontece quando a prova invocada é essencialmente pessoal. II – Na providencia cautelar comum, e quanto ao direito acautelado, basta a sua mera probabilidade/verosimilhança/aparência, o chamado "fumus boni juris"; mas quanto à natureza da lesão exige-se a prova de concretos factos que clamem que ela deva ser taxada de grave e de difícil reparação. III – A simples prova de que o corte de eletricidade pela fornecedora dificultou a fruição de escritório de advocacia, sem prova dos concretos prejuízos e do impacto que eles estão a causar e causarão na economia da requerente, bem como a clara dificuldade no seu ressarcimento, não é o bastante para se concluir pela verificação/presença do requisito da lesão grave e de difícil reparação. | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Carlos Moreira Adjuntos: João Moreira do Carmo Fonte Ramos
ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. AA, instaurou procedimento cautelar não especificado contra EDP COMERCIAL, Comercialização de Energia S.A e E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A.
Requereu: Seja ordenado às RR. para efetuarem a ligação da energia elétrica no seu local de trabalho, morada do escritório, com urgência.
Alegou, em síntese: As requeridas procederam à interrupção da energia elétrica que serve o seu escritório de advogada,, sem comunicação escrita prévia e sem que se encontrasse no local. Tal impede-a de atender clientes, o que lhe causa prejuízo.
As Requeridas deduziram oposição, dizendo, em síntese, que a requerente foi avisada do corte e que se recusa a permitir o acesso ao contador para permitir a sua substituição.
A 1ª Requerida invocou ainda a exceção da sua ilegitimidade passiva, tendo sido, por este motivo, absolvida da instância.
2. Prosseguiram os autos os seus trâmites, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Em face do exposto, julgo o presente procedimento cautelar procedente, por provado, e determino que a Requerida E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A. proceda à ligação da energia elétrica no local sito na Rua ..., ... ..., no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da notificação da presente decisão. Custas pela Requerente, a atender na acção principal, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – art. 539º n.º 1 do C.P.C.»
3. Inconformada recorreu a requerida. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I. Da discussão do julgamento da causa e da inspeção judicial realizada ao local, resultaram fatos que absolutamente relevantes para a boa decisão da causa e que não foram levados em consideração na sentença recorrida. II. Conforme resulta da matéria de facto provada, os fundamentos que levaram à realização do corte de fornecimento de energia elétrica (o impedimento perpetrado pela própria Recorrida que impossibilitou à aqui Recorrente o acesso ao equipamento de medição de energia elétrica, instalado no interior do local de consumo em apreço) com vista à sua substituição. III. O facto de a Recorrida reiteradamente impedir que a Recorrente (saliente-se: operadora da rede de distribuição de 39 energia elétrica) tivesse acesso ao equipamento de medição, não permitindo a sua substituição, já em momento anterior à última ação de corte de fornecimento de energia elétrica (14.03.2023) – que está em causa nos autos – já havido levado ao envio de diversas comunicações/avisos prévios à Recorrida, tendo inclusivamente conduzido à interrupções do fornecimento de energia elétrica naquele local de consumo. IV. Não obstante, nunca à E-REDES chegou a ser permitido o acesso ao contador para que o pudesse substituir. V. Mantendo-se a situação de facto que originou as interrupções de energia elétrica que tiveram lugar em momento anterior a 14.03.2023, o que resultou, então, na interrupção definitiva. VI. Todos os factos foram oportunamente comunicados à Recorrida através de diversas comunicações previamente enviadas (e, inclusivamente, nas deslocações técnicas havidas ao local). VII. Recaía sobre a Recorrida possibilitar o acesso ao equipamento de medição, do que tinha conhecimento desde 2015 (ou seja, há mais de 8 anos tal facto era solicitado e alertado pela Recorrente). VIII. Mais, após o referido corte de fornecimento de energia elétrica, a Recorrida submeteu pedido de religação; IX. Nessa esteira, no dia 21.03.2023 a Recorrente promoveu deslocação técnica ao local, contudo, uma vez mais, a Recorrida não permitiu o acesso ao contador com vista à substituição do contador; X. Motivo pelo qual a Recorrente não pôde restabelecer o fornecimento de energia (cfr. doc. 18 junto à oposição e doc. 05 junto ao requerimento inicial (participação PSP)). XI. Ou seja, não só a Recorrida acabou por provocar o corte de fornecimento de energia elétrica (que veio a ocorrer mais do que uma vez e pelos mesmos factos), como conduziu a que o mesmo se mantivesse. XII. A este propósito destaca-se ainda o que em sede de audiência de julgamento foi dito pela testemunha arrolada pela Recorrente, BB (técnico que se deslocou ao local com vista a proceder ao corte em apreço, na impossibilidade de aceder ao contador (o que se veio a observar)) que, perguntado acerca da sua intervenção quanto aos factos em discussão nos autos, referiu que tinha uma ordem de serviço emitida pela Recorrente, em que ou era possibilitado o acesso ao contador instalado no local de consumo da Recorrida, ou, caso contrário, haveria que proceder à interrupção do fornecimento de energia elétrica. Chegado ao local verificou não se encontrar ninguém, tendo estabelecido contacto telefónico com a Recorrida, e que a mesma lhe referiu: [minutos 03:08 da gravação do depoimento desta testemunha] “…simplesmente disse que não estava presente, que nem sequer queria saber do assunto, para eu fazer o meu serviço como eu entendesse…”. [minutos 04:13 a 04:15 do depoimento desta testemunha] “…Ela disse que não ia estar presente e nem sequer nem sequer queria saber disso…”. [minutos 06:16 a 06:22 do depoimento da testemunha] “…Esse serviço já está há muito muito tempo com esse problema…” [minutos 06:55 a 06:58 do depoimento da testemunha] “Porque ela sempre negou a dar acesso ao contador para trocar o contador”. XIII. Ou seja, sem prejuízo comunicações enviadas e ações de corte anteriores, no próprio dia em que foi efetuado corte a que se refere a Recorrida, através de contacto telefónico do técnico, esta soube que o mesmo estava prestes a ser executado, qual a razão e o que poderia fazer para que assim não sucedesse. Podendo, assim, evitar os tais “danos” ou “prejuízos” – cuja existência não se concebe – o que escolheu não fazer. XIV. No que tange à deslocação técnica do dia 21.03.2023 (após o corte) de técnico ao serviço da Recorrente para efeitos de religação da instalação – naturalmente dependendo do acesso ao equipamento de medição – foi gerada uma ordem de serviço a pedido da Recorrida e com a mesma agendada. Circunstância em que a Recorrida se opôs novamente a que a Recorrente acedesse ao contador e precedesse à sua substituição. Facto que a Recorrida sabia que se traduziria na permanência de interrupção de energia elétrica XV. Neste âmbito importa destacar o depoimento da testemunha arrolada pela Recorrente E-REDES CC que (para além de outras deslocações técnicas anteriores que fez à instalação) se deslocou ao local após o corte em apreço para realizar a religação (no dia 21.03.2023), repita-se; caso fosse disponibilizado o acesso ao contador: [00:03:30.00 da gravação do seu depoimento] “…estive com esta senhora mais que uma vez. Sim.” [00:03:44.87 da gravação do seu depoimento] “…não deixava mudar o contador.” [00:04:30.00 da gravação do seu depoimento] “…Fui o último lá ir e entretanto não, já não está religada,…” [00:06:21.05] da gravação do seu depoimento “…Exatamente isso, que assim eu só lhe ligaria a luz porque existia duas ordens de serviço. Existe a ordem de serviço para religar a energia e [00:06:30.00] a ordem de serviço para substituir o contador e onde uma se sobrepõe a outra, onde diz que só substituição iríamos religar energia caso houvesse substituição do contador…”. XVI. O que igualmente demonstra a recusa reiterada e injustificada da Recorrida mesmo após a realização do corte. XVII. Isto dito, preferiu a Recorrida manter a instalação sem energia elétrica do que permitir o acesso ao contador por parte da Recorrente – que é a operadora da rede de distribuição de energia elétrica, explora esse equipamento e a lei lhe confere a prerrogativa de acesso sob pena de corte de fornecimento de energia elétrica - do que franquear o acesso ao equipamento para substituição. XVIII. Face ao que se acaba de expor, pode concluir-se com segurança que a iminência de sofrer a alegada “lesão” perspetivou-se pela Recorrida logo quando recebeu as comunicações enviadas pela Recorrente – tanto através de correio postal, como correio eletrónico –, onde a última oportunamente comunicou a necessidade de acesso e respetiva cominação (e também, no decurso das várias deslocações técnicas havidas ao local, bem sabendo da consequência de tais atos). XIX. Por outro lado, ao contrário do que incumbiria à Recorrida, não foram devidamente alegados (e provados) prejuízos/danos. XX. Desconhece-se, por manifesta falta de alegação e prova, se efetivamente a Recorrida deixou (ou não) de receber clientes no escritório; que impacto é que a ausência do fornecimento de energia elétrica teve – ou não – na sua atividade; se utiliza aquele escritório com regularidade; se durante o período em causa o encontraria a utilizar; se é o único escritório que possui… XXI. Nesta esteira note-se que no artigo 3.º da petição inicial a Requerente confessa que apenas se apercebeu que a eletricidade havia sido cortada dias mais tarde do momento em que foi efetuado o corte. XXII. Por outro lado, do depoimento da primeira testemunha por si arrolada, o Dr. DD, foi referido que a Recorrida não estará no escritório de segunda a sexta-feira (a minutos 03:22 a 03:29 do seu depoimento, afirma o seguinte: “não está, digamos, de segunda a sexta no escritório, vai fora também”). XXIII. Mais, do depoimento desta mesma testemunha, concretamente ao minuto 05:32 a 05:41, é referido o seguinte: “eu disse [testemunha], olhe, quer alguma ajuda? Não eu já liguei, eu já telefonei, vou para Lisboa e depois na segunda feira faço lá a reclamação por escrito”. XXIV. Destaca-se, ainda, que do depoimento da referida testemunha (Dr. DD), é pela mesma expressamente afirmado que colocou à disposição da Recorrida o seu escritório, o que a mesma terá declinado. (ao minutos 10:18 a 10:21 do seu depoimento é dito o seguinte: “Eu disse-lhe, olhe, se quiser o mais que posso fazer é dar-lhe a minha chave do escritório, não vou para lá,…, Ah Dr. Não,…”. XXV. Sem prejuízo, esta mesma testemunha referiu que o escritório da Recorrida era dotado de janelas, tendo, por isso, luz natural (aos minutos 14:13 a 14:22 do seu depoimento). XXVI. Ou seja, forçoso se mostra concluir que nada impediria que a Recorrida pudesse utilizar o espaço livremente para o que lhe bem aprouvesse ou dar consultas. XXVII. É inegável que atualmente é também consabido que a internet está disponível através de um simples telemóvel, não sendo certamente esse o motivo que impediu a Requerente de desenvolver sua atividade profissional. XXVIII. Além do mais, não poderemos deixar de notar eu a Recorrida só deu entrada do procedimento cautelar a 05.04.2023, ou seja, mais de 20 dias após o corte. XXIX. Ainda por outro lado, não poderá considerar-que a que a Recorrente não tenha cumprido os trâmites procedimentais necessários quanto ao corte efetuado. XXX. Com efeito, a emissão desse aviso tem como objetivo notificar o utilizador da instalação sobre a possibilidade de interrupção do serviço em virtude de irregularidades, inadimplência ou qualquer outra causa nos termos regulamentares previstos. XXXI. A partir do momento em que o pré-aviso de corte é enviado ao consumidor, este adquire o conhecimento formal sobre a situação crítica que pode levar à suspensão do fornecimento de energia elétrica (mesmo que ocorra a religação do serviço após a emissão do pré-aviso de corte, é importante ressaltar que os efeitos desse aviso inicialmente emitido não poderão ser considerados como anulados ou suspensos). XXXII. A Recorrida, ao tomar conhecimento do pré-aviso de corte, é responsável por tomar as devidas providências para regularizar a situação e evitar a interrupção definitiva do fornecimento de energia elétrica. XXXIII. A religação do serviço – que sucedeu apenas por uma questão de a Recorrente procurar à regularização da situação de uma forma pacífica – não exime a Recorrida de suas obrigações e não invalida o aviso inicialmente emitido pelo Operador de Rede (a aqui Recorrente). XXXIV. Quanto a este ponto – sem prejuízo das comunicações constantes dos factos provados - permitimo-nos, ainda, remeter para o documento junto à oposição da aqui Recorrente sob o número 22, sendo uma comunicação datada de 18.11.2022, e dirigida à Recorrida (para o seu domicílio pessoal (conforme resulta dos autos), em resposta a uma reclamação pela mesma, em que, além do mais, se renova a informação de que “...Nos termos do disposto no Regulamento de Relações Comerciais, o impedimento de acesso ao equipamento de medição constitui motivo para a interrupção do fornecimento por facto imputável ao cliente.” XXXV. Sendo que anteriormente, através de comunicação enviada à Recorrida, datada de 12.07.2022, havia sido (também) transmitido que: “… conforme é certamente do seu conhecimento, o fornecimento de energia elétrica foi restabelecido no dia 23 de junho de 2022, contudo, salientamos que o fornecimento poderá ser novamente interrompido caso não permita novamente a substituição do contador…”. XXXVI. E certo é que, face ao já notado e sucessivo impedimento de acesso ao contador, o corte definitivo de energia elétrica veio a ser executado a 14.03.2023. XXXVII. Destarte, na sequência do que se acaba de expor, atento o alegado e a prova carreada aos autos, entendemos que: Do elenco de factos provados deveriam ser aditados os seguintes pontos: 1. Desde 2015 tinha a Requerente conhecimento da necessidade de ceder o acesso à Requerida E-REDES para que esta procedesse à substituição do contador; 2. No dia 12.07.2022 pela Requerida E-REDES, foi enviada uma comunicação à Requerente em que, além do mais, alertava que o fornecimento de energia elétrica havia sido restabelecido no dia 23 de junho de 2022, contudo, informando que o fornecimento poderia ser novamente interrompido caso não permita novamente a substituição do contador; 3. No dia 11.11.2022 pela Requerida E-REDES foi enviada uma comunicação à Requerente, onde, além do mais, informa que deveria permitir o acesso ao equipamento de medição com o intuito da sua substituição, sob pena de nova interrupção do fornecimento; 4. A Requerente reiteradamente opôs-se a que a Requerida EREDES acedesse ao contador para efeitos de substituição do equipamento de medição em apreço; 5. No dia em que foi realizado o corte do fornecimento de energia elétrica (14.03.2023) o técnico que se deslocou ao local contactou telefonicamente a Requerente, informando-a acerca do trabalho de interrupção que iria realizar caso o acesso ao contador continuasse a ser negado por aquela, o que veio a verificar-se; 6. O corte de fornecimento de energia elétrica à instalação foi realizado por falta de acesso ao equipamento de medida com vista à sua substituição; 7. No dia 21.03.2023, em cumprimento de ordem de religação, a Requerida E-REDES promoveu uma deslocação técnica ao local com vista a proceder à mesma caso fosse cedido o acesso ao contador; 8. No dia 21.03.2023 a Recorrida negou o acesso ao contador, impedindo a sua substituição, não tendo por isso sido restabelecida a energia elétrica a instalação; 9. O corte de fornecimento de energia elétrico ocorrido no dia 14.03.2023 é legítimo. Do elenco dos factos provados deverá ser suprimido o seguinte ponto: 32 (“A Requerente encontra-se impossibilitada de trabalhar no seu domicílio profissional, de aceder ao seu correio eletrónico, de imprimir documentos e de atender pessoas no escritório (art. 20º da p.i.)).” Do elenco dos factos não provados deverá ser suprimido: O ponto que prevê que “com relevância para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos: - que a 2ª Requerida tenha enviado comunicação escrita à Requerente a agendar deslocação ao local referido em 1) no dia 14-3-2023, com a cominação de interrupção da energia elétrica, caso não fosse facultado o acesso ao contador (arts. 2º e 4º da p.i.)”. XXXVIII. Como resulta da matéria que antecede, a alterar-se a matéria de facto, como se espera, permite concluir-se que não se verificam os requisitos exigidos para a procedência da providência cautelar em apreço. XXXIX. Por um lado, e desde logo, entendemos que inexiste qualquer probabilidade séria da existência do direito invocado e que não está preenchido o requisito “periculum in mora”. XL. Efetivamente, em relação aos factos integradores do “periculum in mora”, a Recorrida teria que alegar e provar o fundado receio de lesão alegadamente grave e dificilmente reparável. XLI. O que significa, por um lado, que não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória. XLII. E, por outro lado, não poderá ser um receio vago (sem a devida concretização fáctica, tão somente abstrata) que justifica a medida provisória; só um receio fundado, isto é, apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade, a seriedade e atualidade da ameaça permitem a tomada duma decisão cautelar. XLIII. Nos presente autos não foram devidamente alegados ou provados quais os concretos prejuízos materiais. XLIV. Mais, da prova produzida (nomeadamente testemunhal e documental) cristalinamente se constata que o corte do fornecimento de energia elétrica encontra o seu fundamento das disposições regulamentares que regem esta matéria (por força de impedimento de acesso a equipamento que integra a rede elétrica à própria Operadora de Rede) e poderia ser evitado, se tal fosse a vontade da Recorrida. XLV. Limita-se a Recorrida a alegar de uma forma genérica e abstrata que estaria “vedada de utilizar o escritório, privada de atender pessoas no mesmo, privada de trabalhar no mesmo, o que lhe causa transtornos e incómodos”. XLVI. O que não se poderá conceber, sendo certo que nenhuma concretização factual – alegada ou provada – se observa. XLVII. Além do que a Recorrida poderia fazer uso do seu escritório, sendo o mesmo inclusivamente dotado de luz natural 48 (conforme decorre da prova testemunhal já assinalada, que foi arrolada pela própria Recorrida). XLVIII. Destarte, a descrição (em nada fáctica) da Recorrida, constante do requerimento inicial, não permite concluir pela impossibilidade ou sequer dificuldade de ressarcimento de danos (ainda que, por mera hipótese académica, através de indemnização substitutiva). XLIX. Assim sendo, entende-se que jamais se poderia concluir pela probabilidade consistente de um perigo sério de que a demora na decisão definitiva lhe acarretaria um dano grave irreparável ou de difícil reparação. L. Para uma lesão poder ser qualificável como grave e dificilmente reparável teria a mesma que ser extraível de comportamentos efetivos e concretos, não podendo resultar apenas da mera privação de energia elétrica (originado pela própria Recorrida). LI. Note-se que os equipamentos de contagem e medição são bens afetos à concessão da rede de distribuição de eletricidade em baixa tensão e a E-REDES, enquanto concessionária, detém a sua propriedade até à extinção do contrato de concessão. LII. É da responsabilidade da E-REDES a gestão dos contadores e a sua substituição. LIII. Não cabe à Recorrida aferir da pertinência e oportunidade da substituição do contador, não sendo sua propriedade, tal incumbência é, antes, foro da Recorrente, no âmbito da atividade que desenvolve. LIV. Assim, considerando que a Requerente sucessivamente obstaculizou o acesso ao equipamento, não permitindo a sua substituição, certo é que lhe é exclusivamente imputável o corte de fornecimento de energia elétrica. LV. Sem prejuízo das demais previsões legais aplicáveis, salienta-se que consagra a alínea c), n.º 1, do artigo 79.º do Regulamento das Relações Comerciais dos Setores Elétrico e 49 do Gás, que o fornecimento de energia elétrica pode ser interrompido pelo operador de rede por facto imputável ao utilizador da instalação em caso de impedimento de acesso ao equipamento de medição. LVI. Mais, nos termos do n.º 4, artigo 7.º, do citado Regulamento, é da responsabilidade do operador da rede a substituição dos equipamentos de medição. LVII. Destaca-se ainda que, nos termos do n.º 2, do artigo 7.º do Regulamento n.º 610/2019 de 02/08, que o Operador de Rede tem o direito de aceder aos equipamentos de medição alojados nas instalações dos clientes, sendo que caso os clientes impeçam o acesso ao equipamento de medição ao respetivo ORD BT, aplicam-se as regras previstas no RRC relativas às interrupções por facto imputável ao cliente (supra citado). LVIII. Por último salienta-se ainda o disposto no n.º 1, do artigo 8.º, do Regulamento n.º 610/2019 de 02/08: “Aos ORD BT cabe a responsabilidade pela instalação dos equipamentos de medição e da restante infraestrutura tecnológica, bem como a disponibilização de serviços que permitam uma utilização eficaz e completa das potencialidades das redes inteligentes, designadamente pelos comercializadores e pelos clientes”. LIX. Destaca-se que, por um lado, caso existisse algum dano – o que não se concebe e apenas se refere por mera exposição de raciocínio – o mesmo é única e exclusivamente imputável à Recorrida. LX. Tendo a mesma – Recorrida – dado causa à interrupção do fornecimento de energia elétrica. LXI. O que nos leva a concluir, atendendo à situação exposta, ao alegado pela Recorrida e à prova produzida, que estamos perante uma situação de abuso de direito (334.º CC). LXII. Sendo patente a intenção de comprometer o direito de a Recorrente aceder a um equipamento que, na qualidade Operadora de Rede, explora (nesta medida impedindo que 50 desenvolva normalmente a sua atividade e explore um equipamento que integra a rede elétrica pública). LXIII. Por último, na douta sentença refere-se que o corte de fornecimento de energia elétrica não legítimo, porquanto, não teria preenchido os respetivos pressupostos substantivos e procedimentais. LXIV. Quanto a este ponto consta na douta sentença que “pese embora se tenha verificado que o processo de tentativa de substituição do contador pela 2ª Requerida já se arrasta há vários anos, o que resulta de todas as cartas e e-mails dirigidos por esta à Requerente, certo é que nenhuma carta, e-mail ou outra forma de comunicação escrita constante dos autos respeita ao concreto dia 14 de Março de 2023 (foi invocado e provado pela 2ª Requerida a ocorrência de outras interrupções no fornecimento de energia elétrica, no local de consumo, no decurso do ano de 2022 e de subsequentes restabelecimentos), data em que foi interrompido o fornecimento de eletricidade que está em discussão nos presentes autos., contudo, salvo o devido respeito, que é muito, não poderá a Recorrente concordar com esta posição. LXV. A partir do momento em que o pré-aviso de corte é enviado à Recorrida, esta adquire o conhecimento formal sobre a situação crítica que pode levar à suspensão do fornecimento de energia elétrica. LXVI. Mesmo que ocorra a religação do serviço após a emissão do pré-aviso de corte, é importante ressaltar que os efeitos desse aviso inicialmente emitido não poderão ser considerados como anulados ou suspensos. LXVII. A Recorrida, ao tomar conhecimento do pré-aviso de corte, é responsável por tomar as devidas providências para regularizar a situação e evitar a interrupção definitiva do fornecimento de energia elétrica (aliás, a mesma foi alertada para tanto). LXVIII. A religação do serviço – que sucedeu apenas por uma questão de a Recorrente procurar que a situação fosse resolvida de uma forma pacífica (o que não logrou alcançar) – não exime a Recorrida de suas obrigações e não invalida o aviso inicialmente emitido pelo Operador de Rede. LXIX. Parece-nos evidente que esta não poderia ser negligenciado o pré-aviso de corte, mesmo que o serviço tenha sido temporariamente restabelecido, sendo certo que a Recorrida tinha consciência – ou assim lhe seria exigível – que o mesmo ocorreria a qualquer instante se continuasse a impedir o acesso ao equipamento. LXX. Portanto, os efeitos do pré-aviso de corte são contínuos até que que a situação esteja regularizada, não obstante a religação havida. LXXI. Dispõe o artigo 80º do Regulamento n.º 1129/2020, de 30 de dezembro, que a interrupção do fornecimento nas condições previstas no caso em apreço (n.º 1, c), artigo 79.º do mesmo diploma), só pode ter lugar após pré-aviso, por escrito, com uma antecedência mínima relativamente à data em que irá ocorrer. LXXII. Tudo isso foi cumprido, sendo que, além dos pré-avisos constantes dos pontos 13 e 16 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, foram enviadas as comunicações a que se fazem referência no ponto III, do presente recurso no que tange à matéria de facto, em que igualmente se altera a Recorrida sobre a possibilidade de execução do corte de fornecimento de energia elétrica em caso de novo impedimento de acesso ao contador. LXXIII. Ou seja, com uma antecedência bem superior aos 20 dias em relação ao dia a partir do qual pode ocorrer a interrupção previstos na lei, a Recorrida tinha conhecimento de que seria interrompido o fornecimento de energia elétrica em caso de oposição ao acesso ao contador. LXXIV. Pelo que, na nossa modesta ótica e nesta medida, na douta sentença de que se recorre é patente erro na aplicação de direito, devendo considera-se cumpridos os pressupostos previstos regulamentares previstos que legitimam o corte realizado (nomeadamente artigos 79.º, 1.º, c), e 80.º do Regulamento n.º 1129/2020, de 30 de dezembro). LXXV. Em suma: atenta a matéria de facto e de direito, inelutável é concluir que não estão reunidos os pressupostos indispensáveis à procedência do procedimento cautelar e, por outro lado, que o corte de fornecimento de energia elétrica realizado foi legítimo e em cumprimento das citadas disposições regulamentares aplicáveis. LXXVI. Destarte, inexiste obrigação de a Recorrente proceder à ligação da instalação da Recorrida, atento todo o enquadramento factual e jurídico do diferendo em discussão.
Contra alegou a requerente pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:
1. O Recurso apresentado pela Requerida não cumpre o ónus de identificação do objecto do Recurso, nem ónus da concreta identificação dos pontos da matéria de facto dada como provado, nem o ónus do sentido das normas que deveria ser aplicado, nem os ónus previstos nos Arts. 639º nºs 1 e 2 e 640º nº 1 als. a,b,e c) ambos do C.P.Civil. 2. Assim, atento o não cumprimento do ónus Recursório pela Recorrente, deve o recurso apresentado ser indeferido e rejeitado, pela violação dos Arts. 639 nº 1 als. a) e b), e do Art. 640 nº1 als. a),b) e c) ambos do CPCivil, 3. pelo que não tem cabimento o convite ao aperfeiçoamento do requerimento recursivo, uma vez que o presente recurso não poderá ser conhecido por falta de objecto, circunstancialismo este que se apresenta como prejudicial a qualquer julgamento de mérito do mesmo. 4. Da análise do recurso apresentado verifica-se que por parte da Recorrente inexiste um esforço na identificação do objecto de recurso, não procedendo a Recorrente a qualquer síntese do referido nas alegações, reproduzindo integralmente do corpo das alegações nas conclusões. 5. Assim, a Recorrente apresenta conclusões vagas, imprecisas e repetidas na sua totalidade com o corpo das alegações, fazendo copypast para o referido em I a LXXVI, o que equivale a falta de conclusões, pelo que o Recurso deverá ser rejeitado nos termos do Art. 641º nº 2 al.b) do CPCivil, o que se requer. 6. O Recurso apresentado traduz-se numa repetição/reprodução do das alegações nas conclusões, o que conduz à falta de conclusões, pelo que deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento, Cfr. entendimento seguido no Ac. TRPorto de 09/11/2020 disponível in www.dgsi.pt. 7. Constata-se ainda da análise do Recurso não consta qualquer norma violada pelo Tribunal a quo, nem refere o sentido das normas da que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ser aplicadas, pelo que se impõe a Improcedência do Recurso, e deverá a Sentença de 1ª Instância ser Confirmada in totum. 8. A Recorrente no Recurso faz referência a algumas passagens das Testemunhas, mas não as contextualiza, nem indica o sentido das frases, pelo que não indica as passagens de forma completa, apresentando fases soltas sem contexto, sem sentido e efectua uma distorsão dos factos, o que não se mostra em consonância com a prova produzida, pelo que deverá o Recurso ser julgado improcedente por não provado. 9. Atenta a prova produzida pelas declarações da Testemunha BB, resultou que a Autora não se conformou que lhe desligassem a luz, sendo claro pelas declarações da testemunha, esta é que não iria ficar à espera nem da Autora, nem da polícia. 10. Ainda pelas declarações da testemunha BB resultou que não estava ninguém no escritório da Autora e que a testemunha não ía ficar à espera de uma pessoa que não sabe quem é, Cfr. declarações gravadas a mins. 06:03 a 06:09. 11. Conforme resultou da prova produzida atentas as declarações da testemunha BB esclareceu que não tinha informação se a Autora foi informada da sua deslocação Cfr. Depoimento gravado a mins. 08:39 a 08:44 12. Da prova produzida atentas as declarações da Testemunha EE ficou demonstrado que desconhece se os clientes são notificados da deslocação dos técnicos ao local de fornecimento de energia, Cfr. depoimento gravado a mins. 11:54 a 12:19 13. Ainda pelas declarações da Testemunha EE o mesmo esclareceu que desconhecem se os clientes são avisados, e que se ninguém abrir a porta, efectua o corte de eletricidade Cfr. depoimento gravado a mins. 12:27 a 12:34 14. Ainda pelas declarações da Testemunha CC ficou demonstrado que a Autora lhe transmitiu que não foi notificada para mudarem o contador da eletricidade, Cfr. depoimento gravado a mins. 08:44 a 09:43 15. Pelo que, o Tribunal a quo fundamentou bem ao considerar na matéria de facto não provada “-que a 2ª Requerida tenha enviado comunicação escrita à Requerente a agendar deslocação ao local referido em 1) no dia 14/03/2023, com a cominação de interrupção da energia elétrica, caso não fosse facultado o acesso ao contador”, atenta a ausência de prova sobre tal factualidade. 16. Conforme consta da fundamentação da matéria de facto na sentença proferida, resultou da prova que “Efectivamente, não obstante a profusão de documentos juntos pela 2ª Requerida, nenhum se reporta ao agendamento da deslocação ao local de consumo no dia 14-03-2023.” 17. Não se compreende que a Recorrente refira a pág. 15 e 16, que devia ter sido dado como provado, referindo os pontos 1. a 6., sem fundamentos probatórios, inexistiu pré aviso, e face à ausência de prova e atenta a prova produzida em sentido diferente do alegado pela Recorrente, impõe-se julgar improcedente o recurso por não provado e em consequência a Douta Sentença ser confirmada. 18. A Recorrente limita-se a indicar passagens da Testemunha Dr. DD, sem as contextualizar, sem explicitar o sentido completo das suas declarações, ignorando o esclarecimento prestado da Testemunha sobre o facto da Autora se encontrar transtornada devido ao corte de eletricidade, Cfr. depoimento gravado a mins. 02:59 a 05:10 19. Resultou da prova produzida pelas declarações da Testemunha Dr. DD que devido ao corte de energia elétrica a Autora não pôde trabalhar e ficou sem internet Adsl no escritório, Cfr. depoimento gravado a mins. a 08:53 a 10:11, o que se mostra em consonância com o facto 32 dado como facto provado. 20. A Recorrente no recurso apresentado ignora a prova produzida, sobre os esclarecimentos prestados pela Testemunha Dr. DD, resultou que a Autora devido ao facto de não ter energia elétrica no escritório não se conseguia concentrar, Cfr. depoimento gravado a mins. 10:12 a 10:17 21. De igual modo, a Recorrente no recurso apresentado ignora a prova produzida pelas declarações da Testemunha Dra. FF, da qual ficou demonstrado que a Autora lhe transmitiu que estava sem energia elétrica e não tinha como atender uma cliente, o que se mostra em consonância com o facto 32 dado como facto provado. 22. De igual modo, da prova produzida pelas declarações da Testemunha Dra. FF, resultou que devido ao facto da Recorrente efectuado o corte de energia elétrica no escritório da Autora, constatou que a Autora estava nervosa e não conseguia trabalhar, Cfr. depoimento gravado a mins.02:02 a 02 :14, o que se mostra em conformidade com o facto 32 dado como provado. 23. Ainda pelas declarações da Testemunha Dra. FF , a mesma esclareceu que a Autora estava sem energia elétrica, devido ao corte de eletricidade efectuado pela Recorrente e que a mesma não tinha como trabalhar, não funcionava nada, Cfr. depoimento gravado a mins. 02:30 a 02:42., o que se mostra em conformidade com facto descrito no ponto 32 dado como provado, pelo que se impõe a revogação do Recurso e a Douta Sentença ser confirmada integralmente. 24. Da análise da Douta Sentença consta na sua fundamentação que “As Testemunhas DD e FF, advogados colegas da Requerente, revelaram terem conhecimento dos factos em causa nos presentes autos, pelo que lhes foi relatado por esta, tendo igualmente conhecimento que o local de consumo corresponde ao escritório da Requerente e as consequências do corte de eletricidade na respectiva actividade profissional” o que se mostra em conformidade com a prova produzida, pelo que a Douta Sentença deverá ser confirmada na íntegra. 25. Concluiu o Tribunal a quo na fundamentação da sentença da providência Cautelar que “Daqui resulta que a referida interrupção de fornecimento de energia elétrica não foi precedida do pré-aviso exigido pela norma aplicável.Conclui-se, portanto, pela verificação de uma possibilidade muito séria da existência do direito a que a Requerente se arroga.”, pelo que a Douta Sentença deverá ser confirmada na íntegra. 26. Quantos aos pontos referidos e que a Requerente menciona aditamento de 1. a 9., B. E C., verifica-se que não apresenta fundamentos, e carece de elementos probatórios para tal aditamento, pelo que deve o Recurso ser julgado improcedente, por não provado, e a Douta Sentença ser confirmada in totum 27. a prova produzida mostra-se em consonância com a decisão proferida de decretamento da providência Cautelar, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente por não provado e a decisão recorrida deverá ser confirmada. 28. Quanto aos factos não provados, e porque não foi produzida prova, deverão tais factos não provados, manterem-se conforme descritos na Douta Sentença. 29. A Recorrente apresenta conclusões vagas, imprecisas e repetidas na sua totalidade com o anteriormente referido no recurso nas indicadas de I a LXXVI, o que equivale a falta de conclusões, em consequência deverá ser rejeitado nos termos do Art. 641º nº 2 al.b) do CPCivil, o que se requer. 30. Contrariamente ao referido, não existiu impedimento por parte da Autora, a Recorrente ignora as chamadas gravadas estabelecidas entre a Autora e a E Redes, com os dois supervisores da E -redes que garantiram que efectuavam a ligação da eletricidade no dia 21/03/2023, conforme solicitadas pela Autora, gravação solicitada na Reclamação efectuada no dia 22/03/2023 no livro de Reclamações, balcão da E-Redes em ..., Cfr. Doc. 6 junta à P.I. 31. Da prova produzida resultam demonstrados danos e prejuízos alegados, pelo que o referido nos pontos XIX a XXVII, do Recurso não tem suporte probatório, nem corresponde à verdade dos factos, pelo que o Recurso deverá ser julgado improcedente por não provado. 32. Conforme consta na fundamentação da Sentença “Ora, considera-se, estarem verificadas as lesões graves e dificilmente reparáveis, considerando que a Requerente, advogada, está privada de energia eléctrica no escritório, onde desempenha a sua profissão, o que a impede de aceder ao correio eletrónico, de imprimir documentos e de atender pessoas no escritório.” 33. Ora no caso sub judice, e conforme consta na douta sentença, “Conclui-se pela verificação de uma possibilidade muito séria da existência do direito que a Requerente se arroga” e “verifica-se a existência do“periculum in mora, devendo ser deferida a providência pretendida, já que se mostram preenchidos os requisitos legais” mostrandose preenchidos todos os requisitos legais previstos nos Arts. 362 nº 1 e 368º ns 1 e 2 ambos do C.Civil 34. Assim, a decisão proferida mostra-se em conformidade com a prova produzida, existindo obrigação para a E-Redes efectuar a ligação da energia elétrica na instalação da Requerente/Recorrida, mantendo-se a Sentença proferida. 35. O Recurso apresentado não respeita as regras, nem os ónus processuais Recursórios, pelo que viola os Arts. 639º nsº 1 e 2 al.a) e b), 640 nº 1 als. a),b), e c), 641º nº 2 al.b) todos do CPCivil, e viola os Arts. 362 nº 1 e 368º nºs 1 e2 ambos do C.Civil.
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2ª- Improcedência da providência.
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC. Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro. Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114. Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1. 5.1.2. Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos. A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida. Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova. Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz e não a parte. Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando - objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida. E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt; 5.1.3. In casu pretende que se aditem os seguintes factos: 1. Desde 2015 tinha a Requerente conhecimento da necessidade de ceder o acesso à Requerida E-REDES para que esta procedesse à substituição do contador; 2. No dia 12.07.2022 pela Requerida E-REDES, foi enviada uma comunicação à Requerente em que, além do mais, alertava que o fornecimento de energia elétrica havia sido restabelecido no dia 23 de junho de 2022, contudo, informando que o fornecimento poderia ser novamente interrompido caso não permita novamente a substituição do contador; 3. No dia 11.11.2022 pela Requerida E-REDES foi enviada uma comunicação à Requerente, onde, além do mais, informa que deveria permitir o acesso ao equipamento de medição com o intuito da sua substituição, sob pena de nova interrupção do fornecimento; 4. A Requerente reiteradamente opôs-se a que a Requerida EREDES acedesse ao contador para efeitos de substituição do equipamento de medição em apreço; 5. No dia em que foi realizado o corte do fornecimento de energia elétrica (14.03.2023) o técnico que se deslocou ao local contactou telefonicamente a Requerente, informando-a acerca do trabalho de interrupção que iria realizar caso o acesso ao contador continuasse a ser negado por aquela, o que veio a verificar-se; 6. O corte de fornecimento de energia elétrica à instalação foi realizado por falta de acesso ao equipamento de medida com vista à sua substituição; 7. No dia 21.03.2023, em cumprimento de ordem de religação, a Requerida E-REDES promoveu uma deslocação técnica ao local com vista a proceder à mesma caso fosse cedido o acesso ao contador; 8. No dia 21.03.2023 a Recorrida negou o acesso ao contador, impedindo a sua substituição, não tendo por isso sido restabelecida a energia elétrica a instalação; 9. O corte de fornecimento de energia elétrico ocorrido no dia 14.03.2023 é legítimo. Mais pretende que seja dado como não provado o ponto 32, com o seguinte teor: 32 (“A Requerente encontra-se impossibilitada de trabalhar no seu domicílio profissional, de aceder ao seu correio eletrónico, de imprimir documentos e de atender pessoas no escritório (art. 20º da p.i.)).” E deseja ainda que seja suprimido o seguinte facto não provado: que a 2ª Requerida tenha enviado comunicação escrita à Requerente a agendar deslocação ao local referido em 1) no dia 14-3-2023, com a cominação de interrupção da energia elétrica, caso não fosse facultado o acesso ao contador (arts. 2º e 4º da p.i.)”. Perscrutemos. A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não é um modelo a seguir, pois que não cumpre com o rigor legalmente exigido, ou seja, não reporta a cada facto, -ou, ao menos, a cada núcleo factual homogéneo - os concretos meios probatórios com a respetiva análise crítica. Porém, tal decisão alicerça-se nos meios probatórios, pessoais e documentais, que genericamente invoca. Pelo que, podendo tais meios serem analisados no tribunal ad quem, não se pode concluir que ela seja totalmente infundamentada, insindicável, e, consequentemente, nula. Mas do mesmo vício padece a insurgência recursiva, não cumprindo ela, outrossim, discriminada e especificamente por reporte a cada concreto facto impugnado, a exigência do artº 640º nº1 al. a) do CPC, o qual estatui que o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição, «Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;». Não obstante, e tal como para a decisão factual, também entendemos que, quanto ao recurso, o caso não clama tão gravoso efeito. Pelo que passaremos a apreciar. Assim. Os pontos 1 a 4 e 6 são um «mais», algo repetitivo, do que já consta em certos pontos dos factos provados – vg. 9 a 29 – sendo pois inócuos para a boa decisão da causa. Os pontos 7 e 8 são irrelevantes pois que se reportam a factos posteriores ao corte em causa. O ponto 8 é meridianamente inamissível, porque conclusivo quanto ao desfecho da causa, sendo certo que provados e não provados apenas podem ser factos concretos, precisos e concisos. Já quanto ao ponto 5 a sua prova é de conceder. Tal asseverou a testemunha que esteve no local em 14.03.2023 BB e, até pelo modo assertivo e convincente como depôs, inexiste motivo para não se acreditar no que verbalizou. Quanto ao ponto 32. Certo é que a eletricidade é essencial para uma cabal e plena fruição de um espaço de trabalho, tal como um escritório profissional de advocacia. Mas a tecnologia atingiu patamares de desenvolvimento tal que, faltando aquela, tal fruição pode não fenecer de todo em todo. Os computadores têm bateria que, carregada em qualquer local, pode durar várias horas. A internet móvel pode substituir a internet adsl, fixa ou Wireless. Tendo o escritório uma fonte de luz externa, como é suposto ter, as pessoas ou clientes podem ser recebidos nas horas de expediente em que tal luminosidade existe. Acresce que como dimana dos depoimentos citados pela recorrente, os colegas da ilustre advogada prontificaram-se para minimizar os inconvenientes do corte da eletricidade. De tudo ressuma que, sendo inequívoco que o corte prejudicou/dificultou/diminuiu a fruição do escritório, esta não foi, completa e totalmente, impedida. Destarte, tal ponto terá a seguinte redação:
32 -“A Requerente ficou com dificuldades em trabalhar no seu domicílio profissional, de aceder ao seu correio eletrónico, de imprimir documentos e de atender pessoas no escritório (art. 20º da p.i.)).” Finalmente o facto não provado. A recorrente lavra num lapso de simples lógica jurídica. É que não se pode eliminar um facto não provado. Um facto não provado, por via de regra – e salvo certas exceções atinentes à distribuição do ónus da prova em certo tipo de ações ou pedidos - é completamente irrelevante; é um «nada» jurídico. Não faz assim qualquer sentido pedir a eliminação de um facto não provado, pois que a sua não prova já a acarreta em termos de relevância jurídica. O que a recorrente quereria significar é que se deveria dar como provado que comunicou por escrito à requerente a sua deslocação ao local no dia 14.03.2023 para a interrupção da eletricidade. Mas neste conspeto, e para além do já provado quanto à comunicação via telefone no momento da deslocação, nada mais se provou, pois que nenhuma prova documental – prova normal e idónea neste particular – foi feita. 5.1.4. Decorrentemente, e no parcial deferimento desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os alterados: 1- A Requerente é titular do contrato de eletricidade, serviço de eletricidade pela EDP Comercial, S.A. no local sito na Rua ..., ... ..., contrato que teve o seu início em dezembro de 2012 (art. 1º da p.i.). 2- A 2ª Requerida exerce as funções de operadora de rede de distribuição de eletricidade (art. 19º da oposição da 2ª Requerida). 3- A atividade de distribuição de eletricidade é exercida em regime de concessão de serviço público, em exclusivo, mediante a exploração da Rede Nacional de Distribuição (RND) e das redes de distribuição de eletricidade em baixa tensão (art. 20º da oposição da 2ª Requerida). 4- Na qualidade de concessionária, a 2ª Requerida efetua a ligação à rede elétrica de serviço público das instalações de consumo, cujos titulares tenham celebrado um contrato de fornecimento de energia elétrica com um comercializador que opere no mercado regulado ou no mercado livre (art. 21º da oposição da 2ª Requerida). 5- Aquando da ligação das instalações de consumo à rede elétrica, a concessionária instala equipamentos de medição, destinados a registar os consumos efetuados, e procede à selagem dos referidos equipamentos para evitar a sua violação e adulteração dos registos por parte de pessoas não autorizadas (art. 22º da oposição da 2ª Requerida). 6- O equipamento de mediação instalado pela ora 2ª Requerida na instalação vertida nos presentes autos, encontra-se no interior da mesma, sem acesso através da via pública (art. 25º da oposição da 2ª Requerida). 7- Tal equipamento - contador nº ...85, marca ..., - encontra-se instalado no local desde 30.08.1993 (art. 26º da oposição da 2ª Requerida). 8- No âmbito de projeto de implementação de redes inteligentes, foi promovida ao longo do território nacional a substituição de equipamentos de contagem tradicionais, por contadores inteligentes (art. 27º da oposição da 2ª Requerida). 9- Em 10.12.2015 a 2ª Requerida enviou uma missiva à Requerente informando que iria proceder à substituição do equipamento (art. 28º da oposição da 2ª Requerida). 10- Em 15.10.2018 foi enviada nova missiva informando da pretensão da substituição do contador (art. 30º da oposição da 2ª Requerida). 11- Não foi possível proceder à substituição por ausência da Requerente (art. 31º da oposição da 2ª Requerida). 12- Foram posteriormente realizadas mais duas deslocações ao local nas seguintes datas para efeitos de acesso e substituição do equipamento de medição: ➔ 22.01.2021 ➔ 15.03.2022 (art. 32º da oposição da 2ª Requerida). 13- No dia 16.03.2022 foi enviada comunicação à Requerente dando nota que: “No dia 15-03-2022, pelas 16:49, uma equipa técnica ao serviço da E-REDES deslocou-se à sua instalação para verificar o contador de eletricidade, no entanto, não foi possível o acesso.” “A intervenção vai ser realizada no próximo dia 05-05-2022, no período das 13:00 às 15:30 horas. A sua presença, ou a de alguém que o represente, é indispensável para nos facultar o acesso ao contador.” “Se a data e hora que lhe propomos não lhe é conveniente ligue-nos pelo 218 100 100 (custo de chamada definido pelas condições do seu tarifário): . Esclareça as suas dúvidas; . Marque a visita do técnico à sua instalação. Evite a interrupção do fornecimento de energia à instalação Se o acesso à instalação continuar a não ser possível, de acordo com a regulamentação em vigor, iremos interromper o fornecimento de energia à mesma. Evite as despesas associadas ao corte e religação de eletricidade, que podem variar entre 24,24 e 116,32 euros (mais IVA à taxa legal), em função dos meios utilizados para sua realização.” (art. 34º da oposição da 2ª Requerida). 14- Esta comunicação foi enviada por correio postal para a Rua ..., ... ... e por e-mail, entregue no dia 16.03.2022 (art. 35º e 36º da oposição da 2ª Requerida). 15- No dia 05.05.2022, houve nova deslocação técnica e não foi possível aceder ao contador, por ninguém se encontrar no local (art. 38º da oposição da 2ª Requerida). 16- No dia 18.05.2022 foi enviada comunicação à Requerente informando o seguinte: Não conseguimos aceder ao contador da sua instalação No dia 05-05-2022, pelas 15:23, uma equipa técnica ao serviço da E-REDES deslocou-se à sua instalação para verificar o contador de eletricidade, no entanto não foi possível o acesso. Lembramos que o acesso ao contador é obrigatório De acordo com as disposições legais e regulamentares do setor elétrico, sempre que a E-REDES o solicite. A intervenção vai ser realizada no próximo dia 20-06-2022, no período das 10:30 às 13:00 horas. A sua presença, ou a de alguém que o represente, é indispensável para nos facultar o acesso ao contador. Se a data e hora que lhe propomos não lhe é conveniente ligue-nos pelo 218 100 100 (custo de chamada definido pelas condições do seu tarifário): . Esclareça as suas dúvidas; . Marque a visita do técnico à sua instalação. Evite a interrupção do fornecimento de energia à instalação Se o acesso à instalação continuar a não ser possível, de acordo com a regulamentação em vigor, iremos interromper o fornecimento de energia à mesma. Evite as despesas associadas ao corte e religação de eletricidade, que podem variar entre 24,24 e 116,32 euros (mais IVA à taxa legal), em função dos meios utilizados para sua realização. (art. 39º da oposição da 2ª Requerida). 17- Esta comunicação foi enviada por correio postal para a Rua ..., ... ... e por e-mail, entregue no dia 18.05.2022 (art. 40º da oposição da 2ª Requerida). 18- No dia 20.06.2022 foi efetuada nova visita técnica (art. 42º da oposição da 2ª Requerida). 19- A Requerente impediu a substituição do contador (art. 43º da oposição da 2ª Requerida). 20- Naquela data (20.06.2022) foi interrompido o serviço de fornecimento de energia elétrica à instalação em causa (art. 44º da oposição da 2ª Requerida). 21- No dia 21.06.2022 foi gerada ordem de serviço para efeitos de religação da instalação na sequência de pedido submetido pela utilizadora da instalação (art. 45º da oposição da 2ª Requerida). 22- No dia 23.06.2022 houve mais uma deslocação técnica ao local, tendo havido nova oposição pela Requerente à substituição do contador (art. 51º da oposição da 2ª Requerida). 23- Por insistência da Requerente junto da equipa técnica, esta procedeu à religação da instalação (art. 52º da oposição da 2ª Requerida). 24- Seguiram-se novas comunicações enviadas à Requerente e deslocações técnicas (art. 54º da oposição da 2ª Requerida). 25- No dia 02.11.2022 foi efetuado novo corte do serviço de fornecimento de energia elétrica (art. 56º da oposição da 2ª Requerida). 26- Após novo pedido religação submetido por parte da Requerente, no dia 03.11.2022 ocorreu nova deslocação técnica (art. 57º da oposição da 2ª Requerida). 27- Nessa circunstância foi vedado à 2ª Requerida o acesso ao contador (art. 58º da oposição da 2ª Requerida). 28- A equipa técnica procedeu à religação (art. 59º da oposição da 2ª Requerida). 29- No dia 14 de Março de 2023, a E-Redes procedeu à interrupção da energia elétrica no local identificado em 1) (arts. 2º da p.i. e 63º da oposição da 2ª Requerida). 29-A -.Neste dia o técnico que se deslocou ao local contactou telefonicamente a Requerente, informando-a acerca do trabalho de interrupção que iria realizar caso o acesso ao contador continuasse a ser negado por aquela. 30- No dia 17 de Março de 2023, a Requerente apercebeu-se que o local de fornecimento se encontrava sem energia elétrica, e contactou via telefónica a linha da E-Redes, a qual lhe transmitiu que a E-Redes pretendia mudar o contador e que devido a tal facto interromperam a eletricidade no dia 14 de Março de 2023 (art. 3º da p.i.). 31- A Requerente é advogada e o local referido em 1) é um escritório de advogados (art. 17º da p.i.). 32- A Requerente ficou com dificuldades em trabalhar no seu domicílio profissional, de aceder ao seu correio eletrónico, de imprimir documentos e de atender pessoas no escritório (art. 20º da p.i.).
5.2. Segunda questão. A julgadora decidiu, de jure, aduzindo o seguinte, sinótico e essencial, discurso argumentativo:
«Nos termos do artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento n.º 1129/2020, de 30 de Dezembro (Regulamento das Relações Comerciais dos Setores Elétrico e do Gás), é da responsabilidade do operador da rede a substituição dos equipamentos de medição. E dispõem os n.ºs 1 e 2 do artigo 7.º do Regulamento n.º 610/2019 de 02/08, que o Operador de Rede tem o direito de aceder aos equipamentos de medição alojados nas instalações dos clientes, sendo que caso os clientes impeçam o acesso ao equipamento de medição ao respetivo ORD BT, aplicam-se as regras previstas no Regulamento das Relações Comerciais relativas às interrupções por facto imputável ao cliente. Por seu turno, a alínea c), n.º 1, do artigo 79.º do mencionado Regulamento prevê que o fornecimento de energia elétrica pode ser interrompido pelo operador de rede por facto imputável ao utilizador da instalação em caso de impedimento de acesso ao equipamento de medição. Contudo, para validamente proceder à interrupção do fornecimento de electricidade, nos termos do art. 80º do Regulamento n.º 1129/2020, de 30 de Dezembro, tinha a 2ª Requerida que observar o pré-aviso aí estabelecido. Ou seja, apesar de a 2ª Requerida poder estar materialmente legitimada para proceder à interrupção do fornecimento de electricidade aos clientes em casos em que estes impeçam o acesso ao equipamento de mediação (designadamente para efeitos de substituição desse mesmo equipamento) – art. 79º, n.º 1, alínea c) do Regulamento n.º 1129/2020, de 30 de Dezembro – não o pode fazer sem, previamente, observar o disposto no art. 80º desse mesmo Regulamento. E a forma de dar cumprimento ao mencionado pré-aviso é: - que o mesmo revista a forma escrita (n.º 1), - que seja enviado ao cliente pelo operador da rede (n.º 12), - com os elementos de informação previstos no respectivo n.º 2 e - com a antecedência mínima de 20 dias (n.º 3).
…a Requerente invoca o corte ilegítimo de energia eléctrica, “sem qualquer comunicação escrita” (art. 2º da p.i.), impunha-se à 2ª Requerida, para justificar a legitimidade de tal interrupção, invocar e provar, além do mais, o envio do mencionado pré-aviso, o que não fez. Embora tenha junto aos autos profusa documentação consubstanciada, além do mais, em cartas e e-mails dirigidos à Requerente, nenhuma se traduz no mencionado pré-aviso. Daqui resulta que a referida interrupção de fornecimento de energia eléctrica não foi precedida do pré-aviso exigido pela norma aplicável. Conclui-se, portanto, pela verificação de uma possibilidade muito séria da existência do direito a que a Requerente se arroga. Quanto ao fundado receio da lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, não é toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes da decisão definitiva que pode justificar o decretamento da medida provisória: só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de imporem ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que coloque os seus interesses a coberto da previsível lesão. ...para que seja possível a concessão da tutela cautelar, tem que ocorrer a verificação cumulativa destes requisitos. Ora, considera-se, estarem verificadas as lesões graves e dificilmente reparáveis, considerando que a Requerente, advogada, está privada de energia eléctrica no escritório onde desempenha a sua profissão, o que a impede de aceder ao seu correio eletrónico, de imprimir documentos e de atender pessoas no escritório. Termos em que deverá a 2ª Requerida repor a energia eléctrica no local de consumo, sem prejuízo de, cumpridos que sejam todos os requisitos materiais e procedimentais, poder vir a interromper…» Dilucidemos. Com as providências cautelares visa-se alcançar uma decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, o efeito útil da ação definitiva a que se refere o artigo 2.° n° 2, do CPC. Ou seja, visam prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na ação principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica - A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 23 e Ac. da Relação de Coimbra de 18-10-2005, dgsi.pt, p. 2692/05 Efetivamente, casos há em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, admite-se a emanação de uma providência provisória, destinada a durar enquanto se não profere julgamento definitivo. Em suma, o que, essencialmente, justifica esta figura jurisdicional é o “periculum in mora”, o prejuízo da demora do processo. Assim, para o decretamento da providência cautelar comum, exigem-se três requisitos principais: a) - a probabilidade séria da existência do direito alegadamente ameaçado; b) -o fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação; c) - adequação da providência solicitada para evitar a lesão - artº 362º nº1 do CPC. E um requisito secundário: d) Não resultar da providência prejuízo superior ao dano que ela visa evitar – artº 368º nº2. Urge ainda não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares nominados (subsidiariedade) - Cfr., entre outros, AC. do STJ de 19.12.2001, p.01A2731., in dgsi.pt. Quanto aos requisitos principais e no que respeita à prova da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente - direito alegadamente ameaçado – , não é exigível uma completa e aprofundada produção probatória, por incompatível com o princípio da celeridade das providencias, bastando uma prova mais aligeirada, a designada "summaria cognitio". No que tange ao direito acautelado, não é exigível uma verificação exaustiva e definitiva, sendo suficiente a sua mera probabilidade ou verosimilhança, isto é a sua aparência, o chamado "fumus boni juris". No concernente ao fundado receio exige-se, em regra, que na altura da instauração do procedimento cautelar esteja em curso uma situação de lesão do direito ainda não integralmente consumada ou, apenas, ocorra uma situação de lesão iminente, isto é, que ainda não tenha ocorrido. Assim, neste ponto, não exige a lei que se verifique, ao tempo da apresentação do requerimento do procedimento em juízo, um prejuízo concreto e atual, certo ser suficiente o fundado receio que outrem cause ao requerente, antes da instauração da ação principal ou durante a sua pendência, lesão grave e de difícil reparação. O que pode verificar-se através da simples prova de factos preparatórios que permitam prever a ocorrência de um evento objetivamente idóneo a prejudicar o direito. Já no atinente à lesão entende-se que apenas as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem a tutela provisória. Consequentemente, ficam afastadas do círculo de interesses acautelados por ele, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves mas facilmente reparáveis - Cfr. Abrantes Geraldes, Temas de Reforma do Processo Civil - III Vol. 3ª ed. pág. 101. O requisito do justo receio de lesão grave e de difícil reparação do direito é matéria de facto, pressupondo a ocorrência de um fundado receio de prejuízos reais e certos, relevando de uma avaliação objetiva e ponderada da realidade e não de uma apreciação subjetiva e emocional. Para justificar o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação não basta um ato qualquer, mas sim aquele que é capaz de gerar uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito. Ora para se aferir desta realidade, certeza e objetividade, é necessário provarem-se factos concretos que apontem nesse sentido, como sejam, v.g., o montante minimamente aproximado do prejuízo invocado e a repercussão que o mesmo poderá ter na esfera jurídica do interessado. Para o que importa apurar das condições económicas do requerente e requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou do ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados – - Cfr. Manuel Rodrigues in Lições de Processo Preventivo e Conservatório, coligidas por Adriano Borges Pires e Ernesto Pereira de Almeida, pág 67, cit em LP Moitinho de Almeida, Providências Cautelares não Especificadas, 1981, p.22 e no Ac. do STJ de 28.09.1999, dgsi.pt,p.99A678 e Ac. do STJ de 26.01.2006, dgsi.pt.p.05B4206. A proteção cautelar abarca não apenas os prejuízos imateriais ou morais, mas também os patrimoniais ou materiais. Ora quanto a estes: …«o critério deve ser bem mais estrito do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva» - cfr. Abrantes Geraldes, ob.cit.p.99 e sgs. Não bastando, assim, um qualquer despiciendo ou minudente dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo qualitativa e/ou quantitativamente relevante e, na perspetiva das possibilidades das partes, rectius do requerido, irreparável ou de difícil reparação. Só assim se justificando o chamamento desta – como, regra geral, de qualquer outra – providência, a qual tem cariz excecional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, inequívoca e liminarmente indiciada, ou seja, quando a ação de que é dependente não possa, atempada, adequada e suficientemente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor. Sob pena de se banalizar a figura procedimento cautelar, fomentando-se o recurso abusivo ao mesmo, com todos os inconvenientes daí advenientes, designadamente para a consecução da justiça material, pois que, por via de regra, aqui o contraditório não é exercitado ou é-o com as limitações ou condicionante: vg. limitação do número de testemunhas, supressão de articulados, encurtamento dos prazos etc. – cfr. artºs 302º a 304º e 381º e segs. Com os decorrentes perigos ou riscos do prolatar de decisões injustas, quanto mais não seja por comparação com as ações definitivas correspondentes, decorrente das menores exigências em termos probatórios, o que pode acarretar graves consequências, pois que as providencias podem garantir, desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na ação principal, um determinado efeito ele, próprio gravoso e de difícil reparação - Cfr. cfr. A. Geraldes, ob. Cit. p.111. e Ac. da RLisboa de 30-05-2006, dgsi.pt, p. 2562/2006-1, de que o presente também foi relator. Este entendimento sai ainda reforçado se atentarmos que a magnitude e a afetação dos interesses dos litigantes é abrangentemente ponderada pela lei. De tal sorte que a providência, mesmo que à partida assistisse razão ao requerente, pode ser recusada quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar. Ou mesmo após a fase liminar e tendo já sido decretada pode ser substituída por caução – artº 368º nºs 2 e 3. E até em sede de procedimentos especificados, como seja o embargo de obra nova, no qual se permite a autorização para a continuação da obra embargada, a requerimento do embargado, em dois casos: - quando se reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior à continuação; - quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação da obra é muito superior ao que poderá advir da sua continuação - artº 401º do CPC . No caso sub judice. No que tange à probabilidade séria da existência do direito alegadamente ameaçado, afigura-se, perfunctoriamente, que ela existe. Pois que o corte da eletricidade em 14.03.2023 não foi precedido do cumprimento do pré aviso, pelo modo e tempo, legalmente exigíveis. O facto da saga – que mal se compreende, maxime por banda da requerente, pois que não alegou e provou motivo válido para impedir a substituição do contador - de sucessivos cortes e religações já se verificar há longos meses, e durante a qual, nalguns casos, a requerente foi informada adequadamente da intenção do corte, não releva. É que tal dever do fornecedor emerge para cada concreta intenção de corte do fornecimento elétrico. E no corte de março inexistiu, como se viu. Porém, e como supra se expendeu, se para aferir da existência deste requisito, a postura hermenêutica pode ser mais condescendente, já para aquilatar da existência do prejuízo grave e irreparável, ela deve ser mais apertada/restritiva. Ora dos factos apurados não pode concluir-se, com uma margem de plausibilidade ainda exigível nesta sede, pelo fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação. Desde logo porque estamos, essencial e determinantemente, perante direito de cariz material, cuja tutela pode ser efetivada, a seu tempo, por via indemnizatória pecuniária. Depois, não se provou que a falta de eletricidade tivesse implicado a total perda da fruição das utilidades do escritório da requerente, mas apenas a maior dificuldade em consecuti-las. Aliás, este requisito apenas estaria presente se a requerente alegasse e provasse outros factos, como sejam os concretos, ou, ao menos, aproximados, prejuízos dele advenientes e que poderão advir, as consequências que estes prejuízos estão a provocar e provocarão no futuro na esfera jurídico patrimonial da requerente, e, bem assim, a impossibilidade ou grave dificuldade futuras – vg. por falta de cabedal económico do requerido, o que nem sequer é o caso - em atalhar e eliminar os mesmos. A assim não ter alegado e provado, resta sempre a forte probabilidade e hipótese de que o direito da requerente possa ser atempadamente acautelado na ação principal atinente. Na qual, com maior e mais aprofundada produção probatória e cabal e abrangente escalpelização jurídica, os direitos das partes melhor e com maior justiça podem ser apreciados. E sem que assim se banalize o recurso a providência que, pela sua sumária apreciação probatória e com antecipação, quiçá temporã, das pretensões dos litigantes, pode descambar em decisões menos justas e equitativas, com efeitos antecipados, os quais posteriormente até podem ser irreversíveis de ou de difícil correção.
Procede o recurso.
(…)
8. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso procedente e, consequentemente, revogar a sentença.
Custas pela recorrida, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Coimbra, 2023.09.26. |