Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
78/15.2GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
MODO DE CUMPRIMENTO DA PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE CASTELO BRANCO – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP; ART. 500.º DO CPP
Sumário: A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser cumprida ininterruptamente a partir do trânsito em julgado, nos termos do art. 500.º, n.ºs 2 e 4, do CPP.
Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , casado, encarregado de construção civil, nascido em 29/1/1989, filho de (...) e de (...) , natural de (...) e residente em (...) , Penacova sendo-lhe imputados um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.°, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do CP, pelo qual foi condenado, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de €300,00 (trezentos euros) e na pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor.


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Da sentença interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões:

«1.ª - A discordância do recorrente apenas tem que ver com o modo de cumprimento da pena acessória: proibição de conduzir por um período de 3 meses, prevista na alínea b) do dispositivo da douta Sentença.

2.ª - O recorrente desempenha as funções de encarregado de obras, numa empresa de construção civil.

3.ª - Para o desempenho de tais funções, é indispensável a utilização de um veículo ligeiro, tendo, naturalmente, que estar devidamente habilitado para o efeito.

4.ª - Ora, como a utilização diária de um veículo é conditio sine qua non do seu trabalho, a impossibilidade de poder conduzir derivada da douta decisão do tribunal a quo, levará, inevitavelmente à cessação do contrato de trabalho do recorrente.

5.ª - É manifestamente desproporcional que o recorrente, em virtude daquela conduta, censurável é certo, veja ser-se colocado numa situação de "pena de despedimento" indirectamente.

6.ª - O recorrente, na verdade, vê-se confrontado com uma sentença que determina a sua punição pecuniária em €300,00, acrescida de uma pena acessória que determinará o seu despedimento e consequente colocação em situação de desemprego.

7.ª - É do conhecimento geral que o ramo em que o recorrente desempenha as suas funções não passa por um período de pujança, pelo que, a verificar-se a perda do título de condução e consequente despedimento, o recorrente ver-se-á numa situação bastante difícil.

8.ª - O recorrente tem já 46 anos de idade, o que, como é do conhecimento geral, não facilita na hora de ter sucesso na procura de novos empregos.

9.ª - O recorrente não possui antecedentes criminais.

10.ª - O recorrente é divorciado e pai de três filhos, encontrando-se neste momento a pagar a quantia de €315,00 mensais, ao todo, a título de pensão de alimentos.

11.ª - A verificar-se uma situação de desemprego do recorrente, além do claro prejuízo para o próprio, também esta situação terá reflexos na vida dos seus próprios filhos.

12.ª - O nosso sistema penal prevê que a aplicação de sanções criminais está limitada pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e é animado por uma função de prevenção geral e especial, isto é, quanto à comunidade e ao agente, respectivamente.

13.ª - A douta Sentença sub judice está conforme a legalidade estritamente formal, contudo, acaba por ultrapassar os limites ínsitos nos preceitos supra referidos, em função da realidade factual in casu.

14.ª - Embora formalmente a aplicação da referida pena acessória seja correcta, em termos materiais consubstancia-se numa pena suplementar que impenderá sobre o recorrente.

15.ª - Constitui princípio fundamental do Direito Penal o pressuposto de que a pena não pode ser, em caso algum, superior ao grau de culpa do agente.

16.ª - Ao aplicar-se a pena acessória nos moldes em que foi aplicada, o recorrente ver-se-á confrontado com uma autêntica pena suplementar: a perda do seu emprego.

17.ª - O recorrente reconhece que a ausência da pena acessória, apenas havendo lugar a pena de multa, não iria acautelar as necessidades de prevenção geral.

18.ª - A douta Sentença deveria ser substituída por douto Acórdão que, verificando a consequência nefasta para a vida do recorrente, mas ponderando as necessidades de resposta a este género de ilícito criminal, aplicaria a pena acessória de proibição de conduzir nos períodos fora do horário de trabalho.

19.ª -…ou em alternativa, caso o Venerando Tribunal ad quem julgue suficiente para assegurar as necessidades de prevenção geral, suspender a execução da pena acessória de proibição de conduzir.

20.ª - É conhecida a jurisprudência que nega a possibilidade de alterar os pressupostos do cumprimento da pena acessória prevista no art. 69.º do Cód, Penal, nomeadamente a sua suspensão, atenuação especial ou cumprimento intercalado.

21.ª - A base de argumentação desta linha jurisprudencial consiste na ausência de normativo no Código Penal que permita a suspensão da pena acessória analisada in casu, pelo que, em nome dos princípios da legalidade e da tipicidade, não podem ser admitidas alterações ao modo de execução desta pena acessória.

22.ª - Embora seja perfeitamente pacífico que os Princípios da Legalidade e da Tipicidade são duas das pedras basilares do Direito Penal de um verdadeiro Estado de Direito, também é certo que estes princípios constituem limites à acção do Estado e não do particular.

23.ª - Assim, no entender da melhor Doutrina, nada impede que se possa recorrer à analogia, para fundamentar a aplicação de um regime de execução da pena acessória idêntico ao de uma pena principal.

24.ª - Ora, uma vez que o Código Penal prevê a possibilidade da suspensão da pena de prisão, bem como do seu cumprimento em dias livres, isto é, regimes mais flexíveis do cumprimento daquela pena ...

25.ª - …tanto por analogia, como pela regra a maiori ad minus, deverá ser aplicável ao arguido um regime de cumprimento da pena acessória aos fins-de-semana e feriados, por um período equivalente ao que seria aplicado em função dos 3 meses, ou, caso o tribunal ad quem assim o entenda, suspender a aplicação da pena acessória por um período que entender mais correcto em função das circunstâncias do caso.

26.ª - Foram violadas as normas jurídicas seguintes:

- art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

- art. 40.º do Código Penal.

27.ª - Neste sentido:

- FIGUEIREDO DIAS in Direito Penal - Parte Geral - Tomo I, 2.a Edição, Coimbra Editora;

- J. J. GOMES CANOTILHO in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina.

28.ª - A douta Sentença de 18 de Maio de 2015 deve ser substituída, apenas na parte relativa à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, por douto Acórdão que, verificando os fundamentos supra elencados, permita o cumprimento da pena acessória em período que não colida com o horário de trabalho do recorrente ou, em alternativa, suspenda a sua execução».


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Cumprida a notificação do art. 411.º, n.º 6, para efeitos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu, o Ministério Público, sustentando que a lei não admite atenuação especial, suspensão ou cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir nos períodos fora do horário de trabalho.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, acompanhando a posição do Ministério Público na 1.ª instância, emitiu douto parecer no sentido de que a pretensão do arguido não tem apoio legal, pelo que conclui que deve ser negado provimento ao recurso.

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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, foram colhidos os vistos legais, pelo que indo os autos à conferência cumpre decidir.

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II - O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão a decidir:

Apreciar se é admissível o cumprimento descontínuo ou a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados fixada em 3 meses.

Apreciando:

O arguido foi condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.°, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do CP, diploma do qual farão parte os preceitos sem menção de origem, em pena de multa e na pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor.

Pretende o arguido cumprir a pena acessória por períodos de tempo que não colidam com o seu horário de trabalho ou subsidiariamente que lhe seja suspensa a sua execução.

Será possível o cumprimento descontínuo ou a suspensão da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

A questão é simples de decidir e não oferece dúvidas de que tal não é admissível.

Se não vejamos.

Dispõe o art. 69.º, n.º 1, al. a), que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos, quem for punido por crime de condução de veículo motorizados em estado de embriaguez.

Relativamente a penas acessórias, o Código Penal dedica-lhe os art. 65.º a 69.º e sobre a suspensão, atenuação especial e o modo do seu cumprimento, designadamente por períodos fora do horário de trabalho do arguido, a lei nada diz.

Por sua vez, as espécies de penas principais previstas e contempladas pelo legislador no Código Penal e regime do seu cumprimento estão contemplados nos arts. 41.º a 63.

Foi preocupação do legislador relativamente às penas principais definir legalmente diferentes modos de cumprimento, conforme as exigências de prevenção geral e especial e tendo em conta a ressocialização do arguido, em função do caso concreto.

E nesta perspectiva quanto à pena de prisão, depois de definir o fim com que deve ser imposta no art. 42, o legislador previu relativamente ao seu cumprimento, a substituição da mesma (art. 43.º), o regime de permanência na habitação (art. 44.º), a prisão por dias livres (art. 45.º) e regime de semidetenção (art. 46.º) ou suspensa na sua execução nos termos previstos nos art. 50.º a 57.º.

Relativamente à pena de multa, quanto aos requisitos da sua aplicação e cumprimento estipulou o legislador, designadamente que a mesma pode ser paga em determinado prazo ou paga em prestações (art. 47.º), substituída por trabalho (art. 48) ou convertida em prisão subsidiária (art. 49.º).

Sobre a prestação de trabalho a favor da comunidade a lei define as circunstâncias em que pode e deve ser aplicada (art. 58.º), a suspensão provisória, revogação, extinção e substituição (art. 59.º).

Foi este o cuidado que o legislador teve quanto ao regime de cumprimento das penas principais.  

E que disse quanto às penas acessórias no Código Penal, sobre o regime de cumprimento?

O regime das penas acessórias está previsto nos art. 65.º a 69.º (proibição do exercício de função, suspensão do exercício de função e proibição de conduzir veículos com motor), e sobre o modo de cumprimento apenas estipula os limites legais entre os quais devem ser fixadas.

Sobre a admissibilidade de suspensão, atenuação especial ou cumprimento descontínuo das penas acessórias a lei nada diz.

Na verdade o recorrente reconhece que a jurisprudência vai no sentido de negar a possibilidade de alterar os pressupostos do cumprimento da pena acessória prevista no artigo 69.º, do Código Penal, nomeadamente a sua suspensão, atenuação especial ou cumprimento intercalado – TRP n.º 600/12.6PFPRT.P1, in www.dgsi.pt.

A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71.º, do Código Penal” - cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15a ed., p. 237.

Já o mesmo se não pode dizer da aplicação quanto ao regime de cumprimento das penas acessórias.

“A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida. à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação” - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Arequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232.

O recorrente justifica a sua pretensão com o facto de desempenhar as funções de encarregado de obras, numa empresa de construção civil indispensável a utilização de um veículo ligeiro, tendo, naturalmente, que estar devidamente habilitado para o efeito.

Refere ainda que a utilização diária de veículo é conditio sine qua non do seu trabalho e a impossibilidade de poder conduzir derivada da decisão do tribunal a quo, levará, inevitavelmente à cessação do contrato de trabalho do recorrente.

Conclui depois que é manifestamente desproporcional que o recorrente, em virtude da sua conduta se veja colocado numa situação de "pena de despedimento" indirectamente, e consequente colocação em situação de desemprego.

Ora, se se admite poder ser verdade a situação que acima se descreve, também é verdade, que o arguido à data da prática dos factos sabia da condição que agora expõe e por isso recaía um especial cuidado de não conduzir em estado de embriaguez.

Se são graves as consequências em virtude da sua conduta também eram especiais os cuidados que sobre o arguido recaíam, não servindo assim de fundamento para suspender ou determinar o cumprimento da pena acessória por períodos fora do seu horário de trabalho.

Neste sentido ver Ac. do TRC de 24/04/2013 - Proc. 181/12.0GTVIS.C1; 16/11/2005 – Proc. 2735/; 7/04/2010 – Proc. 139/09.7, Ac. TRP de 5/05/2010 – Proc. 339/07.4PAESP.P1, in www.dgsi.pt

Também neste sentido se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UCE, 2008, pág. 226, nota 8, em anotação ao artigo 69.º, no sentido de que a proibição tem um efeito contínuo, como resulta do artigo 500.º, n.º 4, do CPP e artigo 138.º, n.º 4, do CE e que “a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…)nem pode ser diferido o início da respectiva execução”.

Neste mesmo sentido Ac. do TRP de 10/1271997, in CJ, 1997, T. V, pág. 239 e Ac. TRG de 10/03/2003, in CJ, 2003, T. II, pág. 285.

Devemos ter em conta que o princípio, nada havendo disposto em contrário, é que as penas são cumpridas ininterruptamente, a partir do momento em que se tornam exequíveis.

 Ora, nada dizendo a lei e não existindo norma que remeta expressamente para a aplicação do regime das penas principais, logo não poderemos suspender ou decretar o cumprimento por períodos fora do horário de trabalho do arguido, da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por inadmissibilidade legal.

Num Estado de Direito o regime punitivo, quanto ao modo de cumprimento das penas deve estar expressamente previsto e devidamente regulamentado, não admitindo analogias, para evitar arbitrariedades numa matéria tão sensível que mexe com direitos fundamentais do condenado.

Por tudo quanto deixamos exposto, não é admissível a suspensão da execução da pena acessória de o arguido deve cumprir a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor e a mesma deve ser cumprida ininterruptamente a partir do trânsito em julgado, nos termos do art. 500.º, n.º 2 e 4, do CPP.


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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , mantendo-se a sentença recorrida.


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 9 de Novembro de 2016



(Inácio Monteiro - Relator)


(Alice Santos - Adjunta)