Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO DISPONÍVEL | ||
Data do Acordão: | 02/11/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CONDEIXA-A-NOVA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 239 CIRE, 258 C TRABALHO | ||
Sumário: | 1 - A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica se esta inexistir relativamente a questões (que não meros argumentos ou motivações) e relativamente às quais exista um pedido formal de apreciação, podendo tal pronúncia assumir-se como indirecta, tácita ou implícita. 2 - Sendo exigível ao insolvente impetrante da exoneração do passivo restante a racionalização/compressão - dentro de certos limites impostos pela dignidade humana e pela satisfação das necessidades básicas – do seu estilo de vida, os valores por ele recebidos a título de 13º e 14º mês, devem, por via de regra, ser tidos como rendimento disponível, e, assim, totalmente adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1. AM (…) e AC (…) foram declarados insolventes. Requererem a exoneração do passivo restante, a qual lhes foi concedida. Em 19.06.2012 foi proferido despacho no qual, e para além do mais, se considerou: «O limiar (de retenção do rendimento disponível) foi de duas vezes o SMN (970 euros). Afigura-se que os insolventes deveriam ter cedido os seus rendimentos a partir de junho de 2012. Do processo consta que apenas o fizeram a partir de setembro de 2012… já deveriam ter cedido o valor global de 6.272,98 euros…foram realizados depósitos no valor de 2.021,76 euros…» No seguimento de tal despacho os insolventes apresentaram requerimento no qual, e para além do mais, disseram: Tomaram conhecimento da rejeição do recurso apresentado em 02.07.2012. Em 10.07.2012 requereram ao tribunal que o fiduciário indicasse NIB, o que só ocorreu em agosto de 2012. Pelo que até então não puderam proceder a qualquer transferência de qualquer quantia para o fiduciário. Os rendimentos de agosto venceram-se em setembro, pelo que iniciaram as transferências em setembro. O montante a reter é de 565,84 euros para cada um deles, a saber: 485,00 euros a multiplicar por 14 e a dividir por 12. Assim e em função dos seus rendimentos que discriminam, apenas têm em dívida a quantia de 178,43 euros, dispondo-se a cedê-la em 30 dias após o despacho a proferir. Sobre tal exposição, incidiu o seguinte despacho: « Fixo aos insolventes o prazo de quinze dias para entrega ao fiduciário do diferencial entre o valor devido e o recebido até ao momento da entrega, tendo por base os seguintes pressupostos: a) O início do período de cessão dá-se com o encerramento do processo de insolvência. O disposto no artigo 239.º, n.º 2 do CIRE não consente outra interpretação. O recurso rejeitado não aproveita aos insolventes como período isento de cessão. b) Relevam os rendimentos líquidos efectivamente recebidos durante o referido período, independentemente da data de vencimento ou do mês a que digam respeito. Nada autoriza a que se faça o raciocínio de, iniciando-se o período de cessão no mês “x”, ter por referência o mês “x+1” porque neste se vence a retribuição do trabalho prestado no mês anterior. O que está em causa é uma cessão de rendimentos auferidos, que abstrai das particularidades da respectiva causa. c) Nada autoriza a que se interprete a indexação do despacho inicial a duas vezes o salário mínimo nacional como significando a multiplicação desse valor por catorze meses, algo que o referido despacho não ressalva nem tinha que ressalvar. Na verdade, “aquilo a que tem direito é, nos termos do supra citado art. 239º do CIRE, apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno (…). Os subsídios em causa não são necessários para o sustento minimamente condigno do [devedor], pelo que têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. (…) A verdade é que não está em causa o direito do Apelante, enquanto trabalhador, a gozar férias e a festejar o natal, questão é que adeqúe os inerentes gastos aos seus recursos económicos em função da realidade falimentar em que se encontra. De resto, a violação do direito a férias e ao pagamento do correspetivo subsídio só pode ser oposta ao empregador, não aos credores, pois que não são estes mas aquele quem delas é devedor ou paga o subsídio. (…) Pois que também os credores gozam da garantia constitucional à salvaguarda do seu património (como emanação, nomeadamente, do direito de propriedade privada consagrado no art. 62º da CRP) e, como tal, à sua reintegração, em caso de violação de direitos de crédito, à custa do devedor. Como assim, os direitos constitucionais do ora Apelante enquanto trabalhador não estão a ser ilegitimamente afetados pela circunstância da lei mandar consignar aos fins da insolvência tudo aquilo que exceda o necessário ao seu sustento minimamente digno” (acórdão do TRG de 14.02.2013, proferido no processo n.º 3267/12.8TBGMR-C.G1, na base de dados da DGSI).» 2. Inconformados com esta decisão recorreram os impetrantes: Alegaram: 1. O douto Tribunal recorrido considerou que o início do período de cessão se dá com o encerramento do processo; 2. Os Insolventes haviam alegado ter iniciado a cessão imediatamente à comunicação pelo exmo. sr. Fiduciário do NIB em que deveriam depositar as quantias a este cedidas; 3. Tendo, então iniciado a cessão; 4. Não o podendo ter feito antes, por falta de indicação de NIB; 5. Isto é, os Insolventes alegaram que, até então, estiverem justamente impedidos de proceder à cessão; 6. O douto Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o impedimento alegado; 7. Violou o douto Tribunal recorrido a al. d), do nº 1, do art. 668º, do Código de Processo Civil, devendo a decisão em crise ser revogada e o processo baixar à primeira instância para pronúncia; 8. O douto Tribunal recorrido entendeu que o salário mínimo nacional não compreende os subsídios de férias e de Natal, para efeito de determinação do valor que os Insolventes podem reservar para si e que devem ceder ao fiduciário; 9. Violou o douto Tribunal recorrido os nºs 1, 2 e 3, todos do art. 258º, do Código do Trabalho; 10. Devendo a decisão em crise ser revogada e substituída por uma outra que declare que o conceito de salário mínimo nacional, para efeitos de cessão, compreende os subsídios de férias e de Natal. 3. Sendo que, por via de regra - artºs 635º e 639º-A do CPC -, de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidade da decisão por omissão de pronúncia; 2ª– Subsídios de férias e de Natal: constituem rendimento disponível, para cessão, in totum, ao fiduciário, ou podem ser retidos, na parte permitida, pelos insolventes? 4. Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra. 5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. Nos termos do artº 615º nº1 al. d) do NCPC «é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…» Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 152º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º. Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação. Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464. Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt. 5.1.2. Por outro lado importa ter presente que tal como uma declaração negocial, também uma decisão (ou um articulado da parte) devem ser devidamente analisados e interpretados de sorte a que deles se retire o seu real e verdadeiro fundamento, sentido e fito. Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt. Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos. Ora: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que ‘com toda a probabilidade a revelem» -artigo 217.º, n.º 1 do CC. Assim: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial. Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de 01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425. 5.1.3. No caso vertente a presente pretensão dos recorrentes não pode proceder por várias ordens de razões. Em primeiro lugar verifica-se que já na decisão de 19.06.2012, o julgador entendeu que o mês a partir do qual a cessão dos rendimentos se devia iniciar era Junho de 2012. Pelo que, se com tal decisão os recorrentes não concordavam, teriam da mesma interpor recurso. Mas não o fizeram, pelo que, bem vistas as coisas, tal questão ficou assente e definitiva no processo. Em segundo lugar constata-se que no requerimento apresentando que precedeu a decisão recorrida, os insolventes se limitam a expor que não depositaram os valores devidos porque o fiduciário não lhes facultou o NIB para o efeito. Ou seja, eles apenas aduzem uma justificação para terem dado inicio à cessão somente em setembro, e não se insurgindo contra a decisão precedente que deixou claro que tal pagamento teria de iniciar-se em junho. Tal conclusão é reforçada pelo facto de, neste requerimento – exceto o terem requerido o depósito do valor que em seu entendimento se encontrava em falta, no prazo de 30 dias - nada terem, vg., neste particular, a final e em sede de pedido, tout court, impetrado. Nesta conformidade, não se alcança sequer a exigência legal/necessidade de o julgador dever/(ter de) pronunciar-se sobre esta matéria no despacho ora posto sub sursis, com a consequente nulidade se o não fizesse, como pretendem os insurgentes. Em terceiro lugar, e bem vistas as coisas, o julgador, quiçá ad abundantiam e para que dúvidas não restassem sobre o por ele já decidido no despacho anterior quanto a esta matéria, pronunciou-se. E pronunciou-se reiterando o já decidido. Tal resulta desde logo, senão de um modo direto, pelo menos indireta, tácita ou implicitamente, nos termos supra aduzidos no atinente a estas figuras, do introito do despacho. Pois que fixando aos insolventes o prazo de quinze dias para entrega ao fiduciário do diferencial entre o valor devido e o recebido até ao momento da entrega, tem de concluir-se que o valor de tal diferencial era o já calculado no despacho precedente o qual tinha resultado dos pressupostos nele fixados, designadamente o mês do inicio da cessão como sendo o de junho de 2012. Finalmente e como ressumbra da al. a) da decisão, tal pronúncia foi emitida, adrede e inequivocamente. É inequívoco que o teor de tal alínea se reporta à exposição dos recorrentes sobre o inicio da cessão. Pois que nele se alude a um dos fundamentos invocados pelos recorrentes para o retardamento do início da cessão, qual seja, o terem tomado conhecimento da rejeição de um recurso por eles interposto em Julho de 2012 ao expender-se que: «O recurso rejeitado não aproveita aos insolventes como período isento de cessão.». E referindo-se que «O início do período de cessão dá-se com o encerramento do processo de insolvência», o que, na concatenação do teor dos dois despachos, lógica e naturalmente se deve ter como o mês de junho de 2012. 5.2. Segunda questão. 5.2.1. Vale aqui, mutatis mutandis, o supra decidido no que concerne ao caso julgado desta matéria. Na verdade também no despacho de 19.06.2012, esta questão foi decidida, pois que nele expressamente se mencionou que o valor a ceder era o que ultrapassasse o montante do salário mínimo que foi dito ascender a 485 euros. Na verdade se assim foi entendido é de concluir que o julgador apenas considerou o SMN reportado a 12 meses e não a 14 meses. Pois que se ele pretendesse abarcar os 14 meses, certamente tê-lo-ia dito e o valor de 485 euros certamente se alcandoraria a quantia superior, muito provavelmente o valor de 565,84 euros pretendido pelos recorrentes, desde logo em função dos pressupostos e aritmética usados por estes. Mas mesmo que assim não seja ou não se entenda, dir-se-á mais o seguinte. 5.2.2. Como é consabido e comummente aceite a concessão da exoneração do passivo é uma medida inovadora, que o preâmbulo do DL 53/2004, de 18.03 explica: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em processo de insolvência…» Mas se assim é, importa reter que: «A exoneração do passivo restante não pode ser vista como a possibilidade de o insolvente se libertar, quase automaticamente, da responsabilidade de satisfazer as obrigações para com os seus credores…» - Ac. da Relação do Porto de 10.05.2011, dgsi.pt, p. 1292/10.2TJPRT-D.P1. Até porque: «A introdução deste mecanismo pode levar a um aumento grande do número de processos de insolvência de pessoas singulares, uma vez que se pode revelar bastante vantajoso para essas pessoas. As estatísticas tenderão, pois, a refletir a introdução dos mecanismos da nova lei» - Assunção Cristas, Exoneração do Devedor do Passivo Restante, in Revista Themis da Faculdade de Direito da UNL, 2005, p.166. Certo é que a exoneração representa uma exceção, ou, pelo menos, um desvio importante à ratio e teleologia que subjaz e inspira todo o regime do CIRE, qual seja, a satisfação, o mais ampla e célere possível, dos direitos dos credores. Nesta conformidade, considerando estas cautelas e este cariz excecional e sendo congeminável, em tese, uma atuação quiçá temerária do devedor no impetramento da exoneração, importa operar uma análise e interpretação cuidadas/cuidadosas e, porventura e se necessário, restritivas (na perspetiva da sua posição), não apenas para a sua concessão liminar, como, outrossim e vg., no que às circunstancias atinentes e às vicissitudes que podem ocorrer no período de cessão do seu rendimento disponível. Pois que só assim se consegue operar o justo equilíbrio e a defesa dos interesses conflituantes em presença: o dos credores a receberem o mais extensamente possível o que têm direito e o do devedor a refazer a sua vida. 5.2.3. Assim e nos termos do art.º 239º, n.º 3, do CIRE, o rendimento disponível do devedor objeto da cessão ao fiduciário é integrado por todos os rendimentos que ao devedor advenham, a qualquer título, no referido período, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o art.º 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional; iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor. E, se bem alcançamos, é naquele sentido rigoroso e estrito que a doutrina e jurisprudência se têm pronunciado no que tange à interpretação das circunstancias que podem determinar/contender com o montante do rendimento disponível do insolvente e, consequente e correlativamente, com o valor que lhe é licito reter para a satisfação do seu sustento. Destarte e para além do aresto citado na decisão, tem-se entendido que «o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar» exigido pelo citado segmento normativo se satisfaz com o: «respeitar (d)o princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito , afirmado no art. 1º da Const. da Rep. Portuguesa e aludido também no art. 59º nº 1 al. a) da CRP, salvaguardando aos devedores o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. …a exoneração do passivo restante corresponde à concessão de benefício aos insolventes, pessoas singulares, traduzido num perdão de dívidas, exonerando-os dos seus débitos com a consequente perda para os credores, dos seus correspectivos créditos, pelo que se deverá considerar que o sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício do insolvente, tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna.» (sublinhado nosso) -Ac. do STJ de 18.10.2012, p. 80/11.3TBMAC-C.E1.S1 in dgsi.pt, citando mais jurisprudência e Menezes Leitão in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Almedina, 5ª ed. p. 242. Efetivamente: «O critério a usar pelo julgador é o da dignidade da pessoa humana o que, numa abordagem liminar ou de enquadramento, se pode associar à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias (e não assente em referências grupais ou padrões de consumo próprios da classe social antes integrada, nível de vida correspondente a uma específica formação profissional ou actividade ou hábitos de vida pretéritos).- Ac. da RC de 31.01.2012, p. 1255/11.0TBVNO-A.C. Na verdade e corroborando o supra expendido em 5.2.2. cite-se jurisprudência que defende: « A exoneração do passivo restante é uma medida que não pode ser vista como um recurso normal que a lei coloca ao dispor dos devedores para se desresponsabilizarem; mas antes uma medida que o devedor, pelo seu comportamento anterior e ao longo do período da exoneração, fez por merecer e justificar; ou, ao menos, é uma medida que não pode ir ao arrepio do comportamento do devedor. Não é possível sustentar, sem colocar em causa os limites do estado de direito em que vivemos, que o salário mínimo nacional não permite um sustento minimamente digno; e/ou que será impossível com dois salários mínimos fazer face ao sustento mínimo de uma família com dois filhos menores. O critério para determinar a quantia necessária para sustento minimamente digno não reside no que o devedor/insolvente diz que precisa para o seu sustento mas antes no que é necessário, num plano de normalidade e razoabilidade, para o sustento mínimo, independentemente do trem de vida que se teve – e que porventura até gerou a situação de insolvência – ou se pretende manter» - Acs. da RC de 31.12.2012, p. 3638/10.4TJCBR-G.C1 e 131/11.1T2AVR-D.C. 5.2.4. Nesta conformidade e entendimentos, a pretensão dos recorrentes não pode singrar. Desde logo, a questão não pode ser apreciada e dilucidada em função da jurisdição laboral, rectius do disposto nos nºs 1, 2 e 3, do art. 258º, do Código do Trabalho, o qual define o conceito jus laboral de retribuição e no qual se podem incluir os subsídios de férias e de natal. Mas antes no âmbito, e atenta a natureza, finalidade e interesses em presença, na lei e no processo de insolvência. Na verdade, aqui e agora, não importa apurar se o 13º e o 14º mês devem, ou não, ser considerados integrantes da remuneração ou, como dizem os recorrentes, se o conceito de salário mínimo nacional, para efeitos de cessão, compreende os subsídios de férias e de Natal. Mas antes importando apurar se o valor de tais subsídios se deve, ou não, ter como rendimento disponível, em ordem a concluir-se se o insolvente deve ceder a sua totalidade ao fiduciário para pagamento aos credores, ou antes lhe assiste direito a reter parte do seu valor, respetivamente. Ora considerando o supra dito quanto à melhor interpretação nesta matéria, atenta a justa e equilibrada perspetivação e satisfação dos interesses dos insolventes e dos credores, não pode conceder-se que a este ainda assista jus a reter parte dos subsídios de férias e de natal. Na verdade não pode olvidar-se que estes subsídios, tal como o próprio nome indica, são, de facto, que é o que prevalecentemente releva, um complemento da retribuição com a finalidade de permitir/facilitar/ajudar ao gozo de férias e auxiliar nas despesas, normalmente acrescidas, da quadra natalícia. Não são sequer, em certos países europeus, juslaboralmente obrigatórios e em vigor. Na Alemanha, por exemplo, inexistem. Na recente crise económica têm sido eliminados, diminuídos e condicionados. E nem por isso se concluiu pela sua imprescindibilidade para assegurar o mínimo indispensável a uma existência condigna. E as várias centenas de milhar de cidadãos que subsistiam com retribuições de algumas centenas de euros – muitos apenas com o ordenado mínimo – tiveram de continuar a viver (quiçá sobreviver) sem o recebimento, o recebimento in totum e/ou o recebimento atempado, de tais complementos remuneratórios. Se assim é para estes, por maioria de razão – argumento a fortiori - o deve ser para o insolvente a quem foi concedida a exoneração do passivo restante. Pois que, como se viu, ele não pode ter a pretensão de continuar a ter o mesmo trem de vida que tinha antes de ser declarado insolvente, antes devendo, na sequência do seu pedido e concessão da exoneração do passivo restante, estar essencialmente vinculado à satisfação dos créditos judicialmente reconhecidos, a qual, repete-se, o que se pretende seja efetivado mais ampla e rápidamente possível. Para o que lhe é tendencialmente exigível a racionalização/compressão do seu modus vivendi, no sentido de contenção de despesas e de hábitos/condutas mais onerosos e dispensáveis. Destarte não repugnando que o não gozar férias que impliquem despesas acrescidas relevantes e a racionalização/moderação das despesas da quadra natalícia, sejam atuação/atitudes que os insolventes devam adotar. Decorrentemente se retirando a conclusão final de que os montantes atinentes aos designados 13º e 14º mês, se recebidos pelo insolvente, não podem - pelo menos por via de regra e sendo que no presente caso não se provou que ele constituísse exceção-, considerar-se imprescindíveis para satisfação das suas necessidades básicas. Consequentemente, tal montante deve taxar-se de rendimento disponível, e, assim, totalmente adstrito ao pagamento das suas dívidas. Improcede o recurso. 6. Sumariando: I - A nulidade por omissão de pronuncia apenas se verifica se esta inexistir relativamente a questões (que não meros argumentos ou motivações) e relativamente às quais exista um pedido formal de apreciação, podendo tal pronuncia assumir-se como indireta, tácita ou implícita. II - Sendo exigível ao insolvente impetrante da exoneração do passivo restante a racionalização/compressão - dentro de certos limites impostos pela dignidade humana e pela satisfação das necessidades básicas – do seu estilo de vida, os valores por ele recebidos a título de 13º e 14º mês, devem, por via de regra, ser tidos como rendimento disponível, e, assim, totalmente adstritos ao pagamento dos credores, através da sua entrega ao fiduciário. 7. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença. Custas pelos recorrentes. Coimbra, 2014.02.11 Carlos Moreira ( Relator ) Anabela Luna de Carvalho Moreira do Carmo |