Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALCINA DA COSTA RIBEIRO | ||
Descritores: | ACUSAÇÃO PARTICULAR CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE PRAZO APOIO JUDICIÁRIO NOMEAÇÃO DE PATRONO INTERRUPÇÃO DIREITO DE ACESSO AO DIREITO E À JUSTIÇA | ||
Data do Acordão: | 11/06/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE ÁGUEDA) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 68.º, N.º 2, DO CPP; ARTIGO 24.º, N.º 4, DA LEI N.º 24/2004, DE 29 DE JULHO | ||
Sumário: | I - O prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do CPP interrompe-se, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com a junção ao processo em curso do documento comprovativo da apresentação, nos Serviços da Segurança Social, do pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono. II - A obrigação de o requerente apresentar em processo pendente o referido documento, como condição de interrupção do prazo em curso, não compromete desproporcionadamente o direito constitucional de acesso ao direito e à justiça.
III - Se, aquando da entrega em juízo desse documento, já estiver esgotado o aludido prazo, não faz sentido retroagir ou repristinar a interrupção para momento anterior, uma vez que, tratando-se de prazo peremptório, se extinguiu o direito correspondente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO
1 - A decisão datada de 16 de Maio de 2013 admitiu A... a intervir nos autos como assistente, por se encontrarem reunidos os requisitos legais.
Posteriormente, em 30 de Maio do mesmo ano, é proferido um despacho de esclarecimento sobre aquela decisão com o seguinte teor:
“ Entende-se que a junção aos autos do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono é mera operação material que visa apenas assegurar o conhecimento da situação (essa sim materialmente relevante) da decisão de deferimento. Assim sendo, desde que tal documento seja junto em fase do processo em que ainda não tenham sido praticados nos autos actos incompatíveis com o acto pretendido com o apoio judiciário em causa, deve-se ter o prazo como interrompido desde a data da concessão daquele apoio. Aliás, para demonstrar que o que releva é a situação material desde que sem afectar a marcha normal do processo, basta pensar na hipótese em que (pensamos nós) estaria inequivocamente interrompido o prazo em curso quando a S. Social informar os autos desse beneficio mesmo que a beneficiária não faça qualquer junção do respectivo documento”.
2 – Inconformado com este despacho recorre o Ministério Público, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
a) Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é provido o procedimento administrativo;
b) O prazo interrompido inicia-se, conforme os casos, ou a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono;
c) Para a interrupção de prazo legal em curso, não releva a data da formulação do pedido de apoio judiciário sem prejuízo de o mesmo se poder ter como interrompido caso seja comunicado ao processo por outra via, designadamente pela Segurança Social, a sua formulação ou mesmo a decisão daquela entidade sobre tal pedido, desde que ainda no decurso daquele prazo;
d) Só se pode interromper um prazo ainda me curso e não já após o seu decurso;
e) A exigência de documentação pelo requerente do pedido de apoio judiciário em processo pendente não é inconstitucional, uma vez que todos os procedimentos tendentes à concessão daquele apoio correram nos serviços da segurança social, sendo inaceitável e comprometedor da segurança jurídica a indefinição do decurso dos prazos processuais que resultaria da falta dessa documentação, tendo em conta o efeito interruptivo dos prazos, decorrente da apresentação do pedido;
f) Não é gravoso para o Requerente exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços da segurança social, no prazo judicial em curso, para que este interrompa, pois trata-se de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
g) No caso concreto, a ofendida foi notificada em 14 de Janeiro de 2013, de que tinha o prazo de 10 dias para requerer a sua constituição como assistente e que caso pretendesse requerer apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deveria, naquele prazo, juntar aos autos o respectivo comprovativo a fim de interromper aquele prazo;
h) O que significa que o terminus do prazo para a ofendida juntar o respectivo comprovativo seria a data de 24 de Janeiro de 2013.
i) Tendo a ofendida requerido a sua constituição como assistente apenas em 11 de Abril de 2013, sem que tenha junto aos autos em algum momento o comprovativo do apoio judiciário, deve tal requerimento ser indeferido por extemporaneidade.
j) Ao deferir a constituição da ofendida como assistente, o Meritíssimo Juiz de Instrução violou o disposto nos art.s 50º, n.1, 68º, nº 4 e 246º, nº 4 do Código Penal, os art.s 181º e 188º do Código Penal e o art. 24º, nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
3 – O Digno Procurador-Geral-Adjunto, nesta Relação, acompanhando os argumentos esgrimidos pelo Recorrente, pugna pelo provimento do Recurso
4 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.
II – MATÉRIA DE FACTO
Nenhuma matéria factual é descrita na decisão recorrida.
Interessam, contudo, à decisão, os factos que a seguir se indicam e que resultam da documentação junta aos autos:
1 – Na 1ª Secção do DIAP de Águeda, com o nº 40/13.0GBAGD, corre um Inquérito, onde se investigam a prática de crime de injúrias praticado por B... na pessoa de A..., com o nº 40/13.0GBAGD.
2 - A... assinou a notificação de fls. 12, em 14 de Janeiro de 2013, com o seguinte teor:
“ (…) deverá requerer nos autos a constituição como assistente no prazo de Dez (dez) dias a contar da presente notificação, sob pena do mesmo ser posteriormente arquivado no que respeita aos crimes de natureza particular.
Para tanto( e nesse prazo)deve dirigir o requerimento para a sua constituição como assistente nos autos ao Exmo. Magistrado do Ministério Público(…) e constituir advogado (…). Caso requeira apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá, naquele prazo de 10 dias, juntar ao processo o respectivo comprovativo (…) Os prazos são contínuos e não se interrompem aos fins-de-semana, feriados ou férias”.
3 – Por decisão proferida em 26 de Março de 2013, a Segurança Social concedeu o beneficio do apoio judiciário a A..., na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação de patrono;
4 – (…) com a finalidade de propor acção queixa-crime (fls. 17)
5 – A decisão referida em 3 foi enviada à Requerente em 27 de Março de 2013 (fls. 17).
6 – O Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra comunicou, em 26 de Março de 2013, à ofendida A..., que foi designado como patrono, o Exmº Sr. Dr. C... (fls. 18).
7 – Em 11 de Abril de 2013, o ilustre causídico apresentou o requerimento de fls. 16, pedindo que a sua patrocinada fosse constituída como assistente, juntando aos autos, a decisão de concessão do apoio judiciário e a sua designação como patrono da requerente (fls. 17 e 18).
III – QUESTÕES A DECIDIR
Aceita-se, como vem sendo entendido que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que o Recorrente extrai da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso.
Assim, o tema a decidir consiste em saber quando se interrompe o prazo aludido no art. 24º, nº 4 e 5 da Lei 34/2004, de 29 de Julho (Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais).
IV – DO OBJECTO DO RECURSO
1 – Questão Prévia
É consabido que o dever de fundamentação das decisões judiciais, constitucionalmente consagrado, no artigo 205.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, há-de obedecer às formas previstas na lei.
Em processo penal, os actos decisórios [onde se incluem aqueles que, por apreciarem uma questão interlocutória, revestem a forma de despacho judicial - art. 97º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal], são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Ora, no caso dos autos, à revelia destes imperativos legais, constata-se que quer o despacho proferido em 16 de Maio de 2013, quer o de esclarecimentos que sobre aquele recaiu, não contêm nenhuma enumeração de factos nem nenhuma alusão ao direito que justifique a decisão tomada, configurando-se, assim, uma decisão com falta de fundamentação.
Como qualificar este vício e quais as suas consequências?
A omissão da fundamentação deste tipo de despachos não é sancionada, com uma nulidade específica, nem com nenhuma das indicadas nos art.s 119º e 120º do Código de Processo Penal.
Ora, sempre que a lei não cominar o vício que afecta o acto ilegal com nulidade, considera-se que a decisão enferma de mera irregularidade (art. 118º, nº 2 do mesmo diploma), que há-de ser arguida pelos interessados, nos termos do art. 123º, nº 1 do Código de Processo Penal.
Volvendo ao caso dos autos, resulta que o tribunal a quo quando profere a decisão esclarecedora está a reportar-se à factualidade decorrente das ocorrências processuais enunciadas no ponto nº II supra e ao art. 24º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, sendo certo que nenhum dos sujeitos processuais interessados arguiu o apontado vicio formal de falta de fundamentação da decisão.
Donde, está este tribunal impedido de apreciar oficiosamente tal irregularidade, nos termos do sobredito art. 123º, nº 1, do Código de Processo Penal).
Por outro lado, a nosso ver e salvo melhor opinião, a irregularidade descrita não afecta o valor do acto processual praticado, razão pela qual, não se ordena, oficiosamente, a sua reparação (art. 123º, nº 2 do Código de Processo Penal).
2 – Interrupção do prazo previsto no art. 24º, nº 4 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Nos termos do art. 24º Artigo 24.º, nº 4 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais:
“Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
A interrupção do prazo em curso dá-se quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos:
a) Pendência de uma acção;
b) Existência de um prazo em curso;
c) Junção aos autos de documento que comprove o impulso do procedimento administrativo com vista à obtenção de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
No caso dos autos, dúvidas não existem que a acção pendente corresponde ao Inquérito, com o nº 40/13.0GBAGD, que corre termos pela 1ª Secção do DIAP de Águeda, onde se investigam a prática de crime de injúrias praticado por B... na pessoa de A... e que, foi, no âmbito deste processo, que A... assinou, em 14 de Janeiro de 2013, uma notificação concedendo-lhe dez dias para requerer a constituição como assistente ou, para comprovar nos autos, que requereu o apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
Encontra-se assente que, dentro daquele prazo de 10 dias (até 24 de Janeiro de 2013), a ofendida não requereu a sua constituição como assistente, nem juntou aos autos documento comprovativo da existência de um processo administrativo para obtenção de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono.
A concessão de apoio judiciário datada de 26 de Março de 2013 e a designação de patrono só foram juntas ao processo, em 11 de Abril de 2013.
É em relação ao decurso daquele prazo, que as divergências entre o tribunal a quo e o Recorrente surgem: O primeiro situa “a concessão” do apoio judiciário como uma causa de interrupção, enquanto que o segundo pugna pela inexistência de qualquer facto interruptivo no correr dos 10 dias.
Que dizer?
Que assiste razão ao Recorrente, com base nos fundamentos que se seguem:
Nos crimes de natureza particular – aqueles cujo procedimento depende de acusação particular – o denunciante tem a obrigação de declarar que deseja constituir-se assistente. Nestes casos, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita deve advertir o denunciante a obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento de constituição de assistente tem lugar no prazo de dez dias a contar daquela advertência.
É o que dispõem os art.s 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do Código de Processo Penal.
Sobre os efeitos da inobservância deste prazo, foi proferido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2011 que fixou jurisprudencialmente o seguinte:
“Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no nº 2 do artigo 68º do Código de Processo Penal”.
Ou seja, a ofendida tinha o prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificada, para, no que toca aos crimes de natureza particular, se constituir assistente nos autos. Não o fazendo, no decurso prazo concedido, vê precludido aquele direito.
Este prazo processual é, nos termos do art. 104º, nº 1 do Código de Processo Penal e 144º, nº 1 do Código de Processo Civil, contínuo, só se suspendendo e interrompendo nos termos da lei.
Ou seja, não havendo causas de interrupção ou suspensão, o tempo de 10 dias conta-se de forma contínua.
A interrupção, como se sabe, tem o efeito de inutilizar todo o período decorrido anteriormente, começando a correr no prazo a partir do acto interruptivo (art. 326º, nº 1 do Código Civil).
Um dos casos de interrupção do prazo é o previsto no art. 24º, nº 4 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais. Neste caso, dá-se a possibilidade ao intimado, que alegue não ter meios económicos para constituir mandatário, poder ser acompanhado por advogado a designar nos termos do apoio judiciário, mesmo quando, em acção pendente, corra prazo para a prática de acto processual.
“A razão de ser da interrupção de prazo em curso (…) parece claramente ser a de possibilitar que o demandado que invocou não ter condições económicas para suportar a constituição de mandatário não seja prejudicado por efectivamente não as ter ou, quando não veja reconhecida a sua pretensão a litigar com apoio judiciário, possa, ainda fazer valer o seu direito”. Acórdão da Relação do Porto de 24 de Janeiro de 2013, in www.dgsi.pt.dgsi.pt.
Para tanto, incumbe ao interessado em beneficiar da interrupção do prazo, em fazer chegar aos autos “o documento comprovativo da apresentação do requerimento em que foi promovido o procedimento administrativo”, ou seja, que apresente na acção pendente, a prova de que a protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono se encontra pedida no competente processo administrativo.
E isto porque, os procedimentos administrativos para a apreciação e decisão do apoio judiciário que são da competência dos Serviços da Segurança Social, são autónomos em relação à acção judicial, não tendo aqueles, por regra, qualquer repercussão sobre o andamento desta.
Tal resulta claramente, do que dispõe o art. 24º, nº 1 da Lei 34/3004, onde de lê:
“O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes”.
Uma das excepções aqui mencionadas é, precisamente, a prevista no nº 4 do mesmo preceito e diploma: quando, repete-se, exista uma acção pendente e o interessado demonstre nos autos, dentro do prazo em curso, que promoveu o respectivo procedimento de protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono.
A letra do preceito é, neste sentido, clara: Só no momento em que é junto aos autos o documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, se dá o acto interruptivo do prazo que decorre.
Recai, assim, sobre quem quer beneficiar da aludida interrupção, o dever de demonstrar na acção judicial pendente que impulsionou o processo administrativo para obtenção do apoio judiciário.
Neste sentido, se pronunciou, entre outros, o Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2012, em que, citando, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 98/2004, de 11 de Fevereiro (este também aludido na Motivação do Recorrente), nº 285/2005, de 25 de Maio e nº 57/2006, de 18 de Janeiro de 2006, concluiu que a necessidade de juntar ao processo o comprovativo, como exigência de interrupção do prazo (…) não corresponde à imposição (…) de nenhum ónus desproporcionado, lesivo do seu direito constitucional de acesso ao direito e à justiça: trata-se de fazer chegar ao tribunal o comprovativo que fica em poder do requerente, dentro do prazo de que o interessado foi previamente informado”.
No caso dos autos, inexistem quaisquer dúvidas que a ofendida foi notificada de que devia requerer nos autos a constituição como assistente no prazo de Dez (dez) dias a contar da notificação, sob pena do mesmo ser posteriormente arquivado no que respeita aos crimes de natureza particular.
Para tanto( e nesse prazo)deve dirigir o requerimento para a sua constituição como assistente nos autos ao Exmo. Magistrado do Ministério Público(…) e constituir advogado (…).
Mais foi informada que:
“Caso requeira apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá, naquele prazo de 10 dias, juntar ao processo o respectivo comprovativo”.
Ou seja, foi devidamente advertida de que, para a hipótese de promover a nomeação de advogado, ao abrigo do apoio judiciário, tinha o dever de, naquele prazo de dez dias, entregar no processo o comprovativo de que havia requerido apoio judiciário.
Não o tendo feito, dentro do prazo que lhe foi fixado, não beneficiou da interrupção do prazo que lhe foi concedido, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 24º do diploma citado, assistindo, assim razão ao Recorrente.
Mas, mesmo que se entenda, como se defende na decisão recorrida de, que o que importa é a relação material da concessão do apoio judiciário, ainda assim, os factos conhecidos nos autos não permitiriam, a nosso ver e salvo melhor opinião, concluir pela existência, em concreto, do acto interruptivo do prazo.
Desde logo, porque, contrariamente ao afirmado pelo juiz a quo, a lei não exige, para efeitos do disposto no art. 24º, nº 4 que se junte ao processo o documento comprovativo da concessão do apoio judiciário. O que se exige é a demonstração do impulso do processo administrativo.
Depois, porque resulta do despacho recorrido, alguma confusão entre os conceitos de pedido e concessão do apoio judiciário.
A data da concessão da protecção jurídica (que corresponde ao momento em que é proferida a decisão) ocorre necessária e logicamente em momento posterior ao momento em que o respectivo pedido é formulado.
Primeiro, requer-se o beneficio – realiza-se o pedido – e só depois é que a entidade competente o conhece e aprecia, ou seja, decide, concedendo ou não, e em que moldes, o pedido de apoio judiciário deduzido pelo Requerente.
Ora, não se compreende, como é que, o despacho em crise, omitindo o momento em que foi pedido o apoio judiciário e todos os actos anteriores ao respectivo deferimento, conclui que se “deve ter o prazo como interrompido desde a data da concessão do apoio judiciário”.
O prazo de 10 dias concedido à ofendida, contado a partir de 14 de Janeiro de 2013, terminava em 24 do mesmo mês.
A concessão do apoio judiciário ocorreu em 26 de Março de 2013, ou seja, já depois de expirado o tempo que havia sido concedido para a constituição de assistente.
A este propósito, lê-se, no Acórdão da Relação de Guimarães citado na Motivação do Recorrente, de 4 de Abril de 2013, só se interrompe um prazo que ainda decorra.
E o momento relevante para produzir esse efeito de interrupção è a junção aos autos do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário.
Se, aquando da entrega em juízo desse documento comprovativo já se estiver esgotado o prazo (…) não faz sentido retroagir ou repristinar a interrupção para momento anterior, uma vez que tratando-se de prazo peremptório, se extinguiu o direito….”.
Não vislumbramos, desta forma, como é que, sem o apoio de outros elementos, se pode afirmar, como se faz na decisão sindicada, que em 26 de Março se deve ter como interrompido o prazo.
Quando muito, poder-se-ia julgar (opinião com a qual não concordamos, mas que respeitamos) que, tendo a ofendida requerido a protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, até ao dia 24 de Janeiro de 2013, praticou o acto interruptivo do prazo em curso.
Mas mesmo nesta hipótese, o prazo tem-se por interrompido por via do impulso do procedimento administrativo e não já, por via da concessão do apoio judiciário.
De qualquer forma, diga-se que, mesmo nesta perspectiva, era necessário estar demonstrado nos autos, que a ofendida, até 24 de Janeiro de 2013, promoveu o procedimento administrativo com vista a obter para esta acção pendente, a protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono. Seria o acto de requerer o apoio judiciário que constituiria a causa de interrupção.
Com efeito,
O impulso deste tipo de processo dá-se quando o requerente entrega nos serviços da segurança social (entidade administrativa competente para apreciar e decidir os pedidos de apoio judiciário), o pedido de apoio judiciário, indicando a respectiva modalidade, para um determinado fim (cf. art.s 6º, 16º, 17º, 18º, 20º, 22º da Lei 34/2004, de 29 de Julho).
Ou seja, a pessoa que pretenda beneficiar do apoio judiciário, há-de, no requerimento em que o formula, indicar expressamente, qual a modalidade e o fim a que se destina a sua pretensão.
Ora, para no caso de acção pendente e para os efeitos do disposto no art. 24º, nº 4, da Lei 34/2004, o requerente deve expressar a vontade de obter o beneficio na modalidade de nomeação de patrono e identificar a acção (tribunal e número do processo) a que aquele se destina.
Compulsados os autos, verifica-se que, não obstante, a ofendida A... afirmar no seu requerimento que, tendo em vista a sua constituição como assistente, requereu junto dos competentes serviços da Segurança Social o beneficio de Apoio Judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, o que é certo, é que os documentos que juntou aos autos, em 17 Abril de 2013, não comprovam esta sua alegação.
Os documentos que a ofendida trouxe ao processo judicial, nomeadamente a decisão proferida pela Segurança Social, não retratam que o apoio judiciário concedido em 26 de Março de 2013 se destinava a constituir-se assistente no âmbito deste inquérito, nem atestam a data em que foi requerido.
Desconhece-se, assim, a data em que a Requerente formulou a protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono.
Por outro lado, a finalidade que se menciona na decisão administrativa não esclarece se se destina ao presente inquérito, pois “propor acção queixa-crime” não tem o mesmo âmbito e significado que constituição de assistente em processo-crime.
Em suma, não atestando os autos que, A..., até ao dia 24 de Janeiro de 2013, impulsionou o procedimento administrativo com vista a obter o benefício do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, para este inquérito, carece de fundamento a decisão recorrida.
Deve, pois ser julgado procedente o Recurso.
V – DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação em dar provimento ao Recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida, a ser substituída por outra que julgue, que A... não beneficiou da interrupção do prazo a que alude o art. 24º, nº 4 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.
Sem custas, nos termos do art. 522º do Código de Processo Penal.
Coimbra, 6 de Novembro de 2013
Alcina da Costa Ribeiro (Relatora) Cacilda Sena (Adjunta) |