Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
890/10.9TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSÃO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 04/08/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 3º, Nº 4, DO REGIME ANEXO AO DEC. LEI Nº 269/98 DE 01/09
Sumário: O art. 3º, nº 4, do Regime Anexo ao Dec. Lei nº 269/98 de 01/09, quando determina que as provas são oferecidas na audiência, não obsta a que possa e deva ser admitida a prova documental e a prova testemunhal apresentada por escrito que sejam juntas aos autos em momento anterior ao do início da audiência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., S.A., com sede na Av. (...), Lisboa, intentou acção, com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra B..., residente na (...), Aljubarrota e contra C..., residente no (...), Nazaré, pedindo que estas sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de 5.438,62€, acrescida de juros vencidos até 23/04/2010 no valor de 1.148,51€ e respectivo imposto de selo no valor de 45,94€ e de juros vincendos, até pagamento, à taxa de 26,857% e respectivo imposto de selo à taxa de 4%.

Invoca, para fundamentar a sua pretensão, um contrato de mútuo celebrado com a Ré, B..., em 28/08/2008, pelo qual lhe concedeu crédito no valor de 3.678,40€, com vista à aquisição de um veículo, que deveria ser reembolsado em 60 prestações mensais e sucessivas, mediante transferência bancária para uma conta do Autor, tendo sido ainda acordado que a falta de pagamento de uma das prestações implicava o imediato vencimento de todas as demais prestações e que, em caso de mora, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada de 22,857% acrescida de 4 pontos percentuais. Mais alega que a Ré não pagou a 10ª prestação (vencida em 10/07/2009) e seguintes, apenas tendo pago por conta dessas prestações o valor de 50,00€, sendo que o total das prestações em débito é de 5.438,52€ a que acrescem os juros à taxa de 26,857% desde 10/07/2009 e que, por termo de fiança, datado de 28/08/2008, a Ré, C... assumiu a responsabilidade de fiadora por todas as obrigações assumidas pela Ré, B....

As Rés foram citadas – sendo que a Ré, C..., foi citada por editais – e não deduziram contestação.

Foi citado o Ministério Público que também não deduziu oposição.

Tendo sido designada data para audiência de discussão e julgamento, o Autor veio apresentar requerimento, juntando aos autos os depoimentos escritos de duas testemunhas.

Por despacho de 17/10/2013, deixou-se consignado o entendimento do tribunal de que, nos termos do art. 3º, nº 4, do Regime Anexo ao DL 269/98 de 01/09, as provas teriam que ser oferecidas na audiência, advertindo-se o mandatário do Autor de que aqueles depoimentos apenas seriam atendidos se a parte comparecesse na audiência de discussão e julgamento ou nela se fizesse representar por mandatário.

Notificado desse despacho, o Autor veio interpor recurso.

Entretanto, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, onde apenas compareceu o Ministério Público e a Ré, B..., tendo sido aí proferido despacho que, reiterando o entendimento consignado no anterior despacho, não admitiu as provas que haviam sido apresentadas pelo requerimento supra citado, determinando o seu desentranhamento.

Assim, e sem produção de qualquer prova na audiência, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu as Rés do pedido.

O Autor veio interpor recurso da sentença, recurso que veio a ser admitido, sendo que, na mesma data, não foi admitido o recuso que havia sido interposto em momento anterior por se ter considerado que o despacho ao qual se reportava não consubstanciava qualquer decisão, limitando-se a consignar o entendimento do Tribunal a propósito do momento de apresentação dos meios de prova.

 

No recurso que interpôs e veio a ser admitido, o Autor formula as seguintes conclusões:

(i) É expresso o artigo 266º, nº 1, do Código de Processo Civil revogado, artigo 7º do actual Código de Processo Civil, ao estabelecer que “na condução e intervenção no processo devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperarem entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litigio”

(ii) O artigo 3º, nº 4, do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, que continua em vigor, não permite concluir, dentro de toda a economia do referido Decreto-Lei, que as provas tenham que ser oferecidas apenas e unicamente na audiência de discussão e julgamento, podendo as mesmas ser efectivamente oferecidas, quer com o requerimento ou petição inicial, quer até antes da realização da audiência de discussão e julgamento, e as partes podem apresentar depoimentos escritos.

(iii) Atento o disposto no artigo 4º, nºs. 1 e 2, do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, é manifestamente absurda e ilegal a interpretação do citado nº 4 do artigo 3º do citado normativo legal, no sentido de que as provas não podem ser apresentadas antes da audiência de discussão e julgamento.

(iv) O artigo 5º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, permite a apresentação de depoimentos escritos.

(v) O artigo 641º do actual Código de Processo Civil impõe aos Srs Magistrados que se pronunciem sobre os recursos interpostos, o que o Sr. Juíz “a quo” não fez.

(vi) De harmonia com o disposto no artigo 662, nº 1º do Código de Processo Civil, deve este Tribunal da Relação de Coimbra, face ao que consta dos depoimentos escritos referidos, dar como provado toda a materia de facto constante da petição inicial.

(vii) Deve, portanto, julgar-se procedente e provado o presente recurso e, em consequência, reconhecer-se, que o disposto no nº 4 do artigo 3º e no artigo 5º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, não impede, que as provas, designadamente as testemunhas a ser indicadas nos processos regulados pelo citado normativo legal, não possam ser oferecidas antes da audiência de discussão e julgamento, e apresentarem-se depoimentos escritos das mesmas, que o Tribunal deve aceitar, face ao disposto no artigo 7º do actual Código de Processo Civil (artigo 266º do Código de Processo Civil revogado), preceitos estes violados, juntamente com o do artigo 641ºdo Código de Processo Civil, pela sentença recorrida, e tomando em consideração os ditos depoimentos escritos deve assim, nos termos dos artigos 662º nº 1 do Código de Processo Civil, alterar-se a resposta dada quanto à matéria de facto em 1ª instância e julgar-se provada toda a matéria de facto constante da petição inicial, e, consequentemente, deve julgar-se procedente e provado o presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por Acórdão que julgue a acção procedente e provada.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se devem ou não ser admitidos os depoimentos de duas testemunhas prestados por escrito, que foram juntos aos autos em momento anterior ao do início da audiência, e em saber se, perante esses depoimentos, deve ser alterada a decisão da matéria de facto e, consequentemente, a decisão da causa.


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III.

Apreciemos, então, o objecto do recurso.

A sentença recorrida julgou a acção improcedente, por ter considerado como não provada toda a matéria de facto que havia sido alegada pelo Autor. E, como decorre da sentença, toda essa matéria foi considerada como não provada no pressuposto de que nenhuma prova havia sido oferecida pelo Autor.

Considera, porém, o Autor/Apelante que tal decisão é incorrecta, porquanto havia juntado aos autos dois depoimentos escritos que deveriam ter sido considerados e com base nos quais sustenta dever ser considerada provada a matéria de facto que havia alegado.

Importa constatar que o que está subjacente àquela decisão é o entendimento do Tribunal segundo o qual esses depoimentos escritos teriam que ser apresentados, obrigatoriamente, na audiência de discussão e julgamento, sendo irrelevantes e não podendo ser atendidos os meios de prova requeridos em momento anterior, como aqui aconteceu. De facto, o Tribunal recorrido deixou expresso esse entendimento no despacho que proferiu imediatamente após a apresentação daqueles depoimentos e ao qual o Autor reagiu de imediato com a interposição de recurso que, mais tarde (após a apresentação de recurso da sentença), o Tribunal veio a considerar não ser admissível. E tal entendimento veio a ser reafirmado no despacho que foi proferido no início da audiência de discussão e julgamento e pelo qual se decidiu expressamente não admitir os depoimentos escritos de duas testemunhas que haviam sido apresentados em momento anterior, sendo certo que o Autor e seu mandatário não se encontravam presentes.

Não obstante o Apelante declarar interpor recurso da sentença, resulta claramente das alegações de recurso que o que está subjacente a este recurso é a discordância do Apelante relativamente à posição assumida no despacho proferido no início da audiência de discussão e julgamento, já que a não admissão dos aludidos depoimentos foi determinada por este despacho e não pela sentença e, como tal, a pretensão do Apelante – e a consequente revogação da sentença – nunca poderia proceder sem a revogação daquele despacho.

Numa perspectiva estritamente formal, a pretensão do Apelante estaria votada ao fracasso, porquanto, não tendo declarado expressamente interpor recurso daquele despacho (despacho que era passível de recurso autónomo, nos termos do art. 644º, nº 2, alínea d) do C.P.C.), a decisão aí proferida não poderia ser aqui reapreciada e, mantendo-se o indeferimento dos aludidos depoimentos aí determinado, não poderia proceder o recurso interposto relativamente à sentença.

Afigura-se-nos, porém, que não deve ser esse o entendimento a adoptar, porquanto, resultando claramente dos autos e das alegações de recurso que, na realidade, é também esse despacho que aqui está em causa, pois é a decisão aí proferida que constitui o objecto central do presente recurso, tal entendimento conduziria a uma solução que não podemos ter como justa e equitativa e que, fazendo prevalecer a forma sobre a substância, não estaria de acordo com o pensamento do legislador que, por via de diversos princípios e normas processuais, tem tentado evitar esse tipo de decisões.  

Com efeito, se é certo que o Apelante não declarou expressamente que interpunha recurso daquele despacho, importará também atender às demais circunstâncias que emergem dos autos e que, de algum modo, justificam essa omissão, não obstante a evidente intenção do Apelante de atacar a decisão aí contida. De facto, e ao que tudo indica, o Apelante não aludiu expressamente a esse despacho porque nem sequer se apercebeu da sua existência, já que não esteve presente na audiência onde o despacho foi proferido e dele não foi notificado (sendo certo, porém, que, como decorre do disposto no art. 638º, nº 3, do C.P.C., era a partir dessa data que se contava o prazo para interpor o respectivo recurso, já que, ainda que não estivesse presente, havia sido notificado para assistir ao acto). Além do mais, e como decorre dos autos, o Autor estaria convicto de que os aludidos depoimentos já haviam sido indeferidos pelo despacho de 17/10/2013 e tanto é assim que já havia interposto recurso desse despacho (importando esclarecer que, à data em que interpôs o recurso que estamos analisar, ainda não havia sido proferida a decisão que, mais tarde, veio a considerar que aquele recurso não era admissível).

Mas, sendo evidente – como referimos – que o Autor pretende atacar a decisão que não admitiu aqueles depoimentos, já que é essa a questão que coloca à nossa apreciação e com base na qual pretende ver alterada a sentença, parece-nos dever ser considerado que o presente recurso não visa apenas a sentença, mas também o despacho que a antecedeu e onde se decidiu indeferir os depoimentos que, na perspectiva do Apelante, devem ser admitidos e conduzir a decisão diversa daquela que está contida na sentença, importando notar que, à data da interposição do presente recurso, ainda estava em curso o prazo para interposição de recurso relativamente àquele despacho.

 

Analisemos, portanto, a questão suscitada no recurso e que consiste em saber se os depoimentos escritos de duas testemunhas que haviam sido apresentados antes da audiência de discussão e julgamento devem ou não ser admitidos.

Tal como referimos, considerou-se em 1ª instância que tais depoimentos não poderiam ser admitidos, porquanto não foram oferecidos na audiência, mas sim em momento anterior.

O Apelante, por seu turno, sustenta que nada obstava a que tais depoimentos fossem apresentados em momento anterior, sendo ilegal a interpretação subjacente à decisão proferida.

E, na nossa perspectiva, a razão está com o Autor/Apelante.

Dispõe, efectivamente, o art. 3º, nº 4, do Regime Anexo ao Dec. Lei nº 269/98 de 01/09 (aplicável aos presentes autos), que “as provas são oferecidas na audiência…

Mas, salvo o devido respeito, não encontramos razões válidas para considerar – com base numa interpretação excessivamente literal e formal – que a citada norma impeça o oferecimento de provas em momento anterior, designadamente, provas documentais ou, como aqui acontecia, depoimentos de testemunhas prestados por escrito.

Importa notar que o referido diploma – como decorre, aliás, do respectivo preâmbulo – teve em vista a simplificação deste tipo de acções que, crescentemente, vinha ocupando e asfixiando os tribunais; visava-se, portanto, simplificar e tornar mais céleres essas acções, agilizando os termos processuais e os actos a praticar pelo tribunal.

E é nesse contexto que deve ser interpretada a norma supra citada.

Ao determinar que as provas são oferecidas na audiência, o legislador terá pretendido, sobretudo, dispensar a existência de uma fase processual autónoma para esse efeito, agilizando a marcação e realização do julgamento sem necessidade de aguardar o decurso de qualquer prazo, e dispensar o tribunal de qualquer diligência prévia com vista à produção das provas, designadamente, a notificação das testemunhas ou requisição de documentos, fazendo recair sobre as partes o ónus de apresentar de imediato as testemunhas e documentos que pretendem oferecer. Ou seja, quando se diz que as partes devem oferecer as provas na audiência, o que se pretende, sobretudo, é fazer recair sobre as partes o ónus de angariar os meios probatórios que entendam relevantes e de procederem às diligências necessárias com vista à sua obtenção e apresentação na audiência de discussão e julgamento.

Ora, nesta perspectiva, é, no mínimo, duvidoso que se possa afirmar que as provas documentais que tenham sido juntas aos autos em momento anterior àquele em que se inicia a audiência de julgamento não correspondam a provas oferecidas na audiência, na medida em que elas já estão nos autos à data da audiência e, como tal, já foram colocadas na efectiva disponibilidade do julgador.

 É certo que será, de todo, irrelevante a indicação em momento anterior do rol de testemunhas que se pretendem ver inquiridas e é irrelevante porque não recai sobre o Tribunal o dever de praticar qualquer acto com vista a assegurar a sua comparência na audiência de discussão e julgamento; as testemunhas a considerar serão apenas aquelas que a parte apresente efectivamente na audiência de discussão e julgamento e cuja inquirição seja requerida.

A situação será diferente relativamente a provas que, sendo admissíveis, já foram produzidas e que, em momento anterior ao início da audiência, já foram colocadas na efectiva disponibilidade do julgador e da outra parte, porque já se encontram nos autos, como será o caso dos documentos e como será também o caso de depoimentos de testemunhas que já foram prestados por escrito; relativamente a estas, parece-nos que, em rigor, nem sequer se poderá afirmar que elas não foram oferecidas na audiência, porquanto, nesse momento, já estão disponíveis nos autos para o efeito de serem consideradas pelo julgador.

De resto, nem sequer se compreenderia que este tipo de provas – já produzidas e juntas aos autos – não pudesse ser considerado apenas porque não foram formalmente oferecidas no início do julgamento, quando é certo que elas já estão nos autos e a parte já declarou pretender submetê-las à apreciação do julgador.

A este propósito, e no que toca à prova documental, refere Salvador da Costa[1] o seguinte: “…não há razões de celeridade que justifiquem o afastamento da regra geral relativa ao momento de apresentação da prova documental, antes pelo contrário, certo que a restrição da análise dos documentos à fase da audiência de discussão e julgamento é susceptível de implicar o efeito contrário aos princípios da simplificação e da celeridade processual que envolvem a acção declarativa de condenação em análise”. E conclui nos seguintes termos: “Assim, a lei expressa mais do que o pretendido, pelo que se impõe a interpretação restritiva do normativo em análise, no sentido de não abranger a prova documental, que poderá ser apresentada com os articulados em que as partes invoquem os factos correspondentes”.

Parece-nos, naturalmente, que essas considerações são inteiramente aplicáveis aos depoimentos de testemunhas prestados por escrito.

Aliás, a respeito deste tipo de depoimentos, diz Salvador da Costa[2], a propósito da sua junção em momento anterior ao da audiência de discussão que “de harmonia com o princípio dos aproveitamentos dos actos processuais tempestivamente positivos, não se justifica a sua devolução…”.

Não encontramos, de facto, qualquer razão que justifique a desconsideração de documentos ou depoimentos de testemunhas prestados por escrito, apenas porque foram juntos aos autos em momento anterior ao do início da audiência de discussão e julgamento. Em primeiro lugar, porque, como refere Salvador da Costa, a tal obstaria o princípio do aproveitamento dos actos processuais tempestivamente positivos; em segundo lugar, porque, na realidade, e no que diz respeito a este tipo de prova, a sua junção na audiência em nada difere da situação em que tal junção ocorre em momento anterior, já que, em qualquer caso, no início da audiência, a prova está nos autos, sem necessidade de qualquer outra diligência a praticar pelo tribunal e na total disponibilidade do julgador para ser considerada na audiência e, em terceiro lugar, porque, o objectivo de simplificação e celeridade visado pelo legislador na norma em questão não exige – e muitas vezes nem sequer aconselha – que os meios de prova já produzidos apenas sejam apresentados e juntos aos autos no início da audiência.

Assiste, portanto, razão ao Apelante quando entende que tais depoimentos deveriam ter sido admitidos.

Mas já não lhe assiste razão quando solicita a este Tribunal que, considerando aqueles depoimentos, altere a decisão proferida sobre a matéria de facto e que, considerando provada a matéria de facto alegada – com base naqueles depoimentos –, julgue a acção procedente.

Na verdade e de acordo com os elementos que constam dos autos, a parte contrária não chegou sequer a ser notificada do conteúdo daqueles depoimentos; mas ainda que tivesse tido esse conhecimento, não chegou a ter a oportunidade de se pronunciar e de tomar qualquer posição sobre os aludidos meios probatórios, dada a circunstância de os mesmos não terem sido admitidos. Refira-se que, conforme dispõe o art. 5º, nº 3, do diploma supra citado, a parte sempre poderia requerer a renovação desses depoimentos na presença do juiz e a verdade é que não lhe foi dada a oportunidade de ponderar o exercício dessa faculdade, já que, como parece evidente, tal pressupunha que os aludidos depoimentos fossem admitidos, o que, à data, não aconteceu.

Parece-nos, portanto, em face do exposto, que não estão ainda reunidos os pressupostos para proferir qualquer decisão que, apreciando esses depoimentos, fixe a matéria de facto provada.

Importará, portanto, e para já, admitir tais depoimentos e anular os actos posteriores para que a parte contrária possa tomar posição e para que, uma vez praticados os demais actos que se revelem necessários – designadamente, a renovação daqueles depoimentos na presença do juiz, se tal for requerido pela contrária ou determinado pelo juiz –, seja proferida nova decisão que considere e aprecie aqueles depoimentos.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

O art. 3º, nº 4, do Regime Anexo ao Dec. Lei nº 269/98 de 01/09, quando determina que as provas são oferecidas na audiência, não obsta a que possa e deva ser admitida a prova documental e a prova testemunhal apresentada por escrito que sejam juntas aos autos em momento anterior ao do início da audiência.


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IV.

Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso, admitindo-se os depoimentos escritos de duas testemunhas que o Autor havia apresentado, anulando-se a sentença proferida e determinando-se a repetição do julgamento para que a parte contrária possa tomar posição sobre os aludidos depoimentos e para que, uma vez praticados os demais actos que se revelem necessários – designadamente, a renovação daqueles depoimentos na presença do juiz, se tal for requerido pela contrária ou determinado pelo juiz –, seja proferida nova decisão que considere e aprecie tais elementos probatórios.
Custas a cargo da parte vencida a final.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., 2005, pág. 118.
[2] Ob. cit., pág. 144.