Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
19664/11.3YYLSB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
FUNDAMENTOS
REQUERIMENTO
INJUNÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.814 CPC, 18, 20, 202, 204 CRP
Sumário: 1. Por força da introdução do nº 2 do artigo 814º do Código de Processo Civil, operada pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, no que respeita aos fundamentos de oposição, o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória foi equiparado à sentença.

2. A nulidade contratual não é um facto extintivo da obrigação, sendo antes um facto impeditivo do nascimento da relação contratual.

3. O nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro enferma de inconstitucionalidade material por violação do direito de defesa e do princípio da reserva do juiz.

Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 28 de Fevereiro de 2012, por apenso à acção executiva sob forma comum nº 19664/11.3YYLSB-A.C1, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Vouzela e em que é exequente a Massa Insolvente de P (…) SA e executado F (…) veio este último deduzir oposição àquela acção executiva em que o título exequendo é um requerimento de injunção, pedindo a extinção da acção executiva.

            Em síntese, o opoente suscita a falta de comunicação prévia das cláusulas do contrato celebrado com a sociedade insolvente, bem como a violação do dever de informação, a inobservância do disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 16º do decreto-lei nº 143/2001, de 26 de Abril, relativo aos contratos ao domicílio, em virtude de no aludido contrato não constarem as datas de vencimento, nem os demais elementos exigidos pela legislação que regula o crédito ao consumo, o que determina a nulidade do aludido contrato, sendo certo que o contrato de financiamento celebrado com entidade bancária na data e em simultâneo com o contrato celebrado com a sociedade insolvente já foi declarado nulo por sentença transitada em julgado, com base na violação do dever de informação.

O opoente comprovou ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos demais encargos do processo, tendo o Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Viseu informado que havia sido concedido ao opoente apoio judiciário na modalidade requerida.

            A 07 de Março de 2012 foi lavrado despacho que indeferiu liminarmente a oposição à acção executiva em virtude de os fundamentos da oposição não se enquadrarem nos fundamentos legais de oposição quando o título exequendo é um requerimento de injunção, referindo que a factualidade aduzida em sede de oposição à acção executiva deveria ter sido alegada em sede de oposição ao requerimento de injunção.

Inconformado com tal decisão, F(…) interpôs recurso de apelação contra tal decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – O requerimento de injunção no qual foi aposta fórmula executiva não pode ser considerado sentença, pois que não se mostram preenchidos os requisitos desta, nem sequer é proferida por um magistrado/tribunal, mas sim por um secretário judicial que se limita a constatar o decurso de um prazo, sem conhecer (como é evidente) do mérito da causa.

2ª – Assim, é lícito ao opoente deduzir oposição com base no artº 816º do CPC, e não apenas com base nos fundamentos constantes do artº 814º do mesmo diploma legal.

Sem prescindir

3ª – Ainda que se entenda que o requerimento injuntivo não contestado no qual foi aposta fórmula executória seja efectivamente uma sentença               (sem conceder), sempre se dirá que ainda assim o Oponente alegou na oposição oportunamente apresentada fundamentos que se subsumem ao previsto na alínea g) do artº 814º do CPC.

4ª – O oponente obteve uma sentença que declarou nulas as cláusulas contratuais gerais constantes do contrato em causa (sentença proferida pela 2ª Secção do 1º Juízo de Execução do Porto, no âmbito do processo nº 13432/05.9YYPRT-A), em momento posterior ao que o Tribunal recorrido considerou ser o “processo declarativo”.

5ª – Tal circunstância determina o enquadramento da situação em apreço no artº 814º al. g) do CPC.

6ª – A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 659º, 814º e 817º todos do CPC, dos quais fez uma errada interpretação e/ou aplicação.

A recorrida contra-alegou pugnando pela irrecorribilidade da decisão sob censura em virtude do valor da causa se conter dentro da alçada do tribunal recorrido.

Solicitou-se ao tribunal a quo certidão do requerimento executivo bem como dos documentos que o instruíram.

As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual inconstitucionalidade material do nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil.

Dispensados os vistos, decidiu-se que a decisão sob censura era recorrível independentemente do valor da causa.

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da insusceptibilidade de equiparação do requerimento de injunção com força executiva à sentença;

2.2 Da dedução na oposição à acção executiva de defesa passível de se enquadrar na alínea g), do nº 1, do artigo 814º do Código de Processo Civil;

2.3 Da inconstitucionalidade material do nº 2, do artigo 814º, do Código de Processo Civil, por violação do direito fundamental de acesso ao direito na vertente da proibição de indefesa, bem como do princípio constitucional da reserva do juiz.

3. Fundamentos de facto


3.1

            Massa Insolvente de P (…), SA instaurou acção executiva sob forma comum para pagamento de quantia certa contra F (…) a que foi atribuído o nº 19664/11.3YYLSB-A.C1, a fim de obter pelas forças do património deste o pagamento da quantia de € 820,34, com base em requerimento de injunção entrado 09 de Dezembro de 2010 e a que foi atribuída força executiva em 01 de Fevereiro de 2011.

3.2

            A 28 de Fevereiro de 2012, por apenso à acção executiva sob forma comum nº 19664/11.3YYLSB-A.C1, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Vouzela e em que é exequente a Massa Insolvente de P (…) SA, F (…) veio deduzir oposição àquela acção executiva, pedindo a extinção da acção executiva.

3.3

            Em síntese, o opoente suscita na sua oposição a falta de comunicação prévia das cláusulas do contrato celebrado com a sociedade insolvente, bem como a violação do dever de informação, a inobservância do disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 16º do decreto-lei nº 143/2001, de 26 de Abril, relativo aos contratos ao domicílio em virtude de no aludido contrato não constarem as datas de vencimento, nem os demais elementos exigidos pela legislação que regula o crédito ao consumo, o que determina a nulidade do aludido contrato, sendo certo que o contrato de financiamento celebrado com entidade bancária na data e em simultâneo com o contrato celebrado com a sociedade insolvente já foi declarado nulo por sentença notificada às partes a 26 de Outubro de 2011, com base na violação do dever de informação.

3.4

            A 07 de Março de 2012 foi lavrado despacho que indeferiu liminarmente a oposição à acção executiva em virtude de os fundamentos da oposição não se enquadrarem nos fundamentos legais de oposição quando o título exequendo é um requerimento de injunção, referindo que a factualidade aduzida em sede de oposição à acção executiva deveria ter sido alegada em sede de oposição ao requerimento de injunção.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da insusceptibilidade de equiparação do requerimento de injunção com força executiva à sentença

O recorrente sustenta que o título exequendo – requerimento de injunção a que foi atribuída força executiva – não pode ser equiparado a uma sentença, desde logo, por não observar o formalismo previsto no artigo 659º do Código de Processo Civil, por não ser da autoria de um magistrado, por não ter havido qualquer apreciação de mérito da pretensão exequenda.

Cumpre apreciar e decidir.

As considerações aduzidas pelo recorrente para fundamentar a não equiparação entre o requerimento de injunção com força executiva e a sentença seriam de todo pertinentes se acaso essa equiparação que afirma inexistir não resultasse de disposição legal expressa.

Na verdade, do artigo 814º, nº 2, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, consta que as restrições legais aos fundamentos de oposição à execução fundada em sentença previstas no nº 1, do mesmo artigo, aplicam-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido[1].

Por isso, existindo disposição legal expressa que determina que os fundamentos da oposição à acção executiva instaurada com base em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória são os mesmos que estão previstos para a sentença, são improcedentes os argumentos do recorrente tendentes a negar essa equiparação, por colidirem contra lei expressa.

A questão que porventura se poderia suscitar é a da impossibilidade dessa equiparação em virtude do requerimento de injunção não conter a descrição dos fundamentos fácticos de que promana o crédito exequendo, verificando-se uma total e absoluta causa de pedir impossibilitadora da formação de caso julgado material. Porém, não é esta a questão que foi posta pelo recorrente.

Pelo exposto, improcede o primeiro fundamento do recurso.

4.2 Da dedução na oposição à acção executiva de defesa passível de se enquadrar na alínea g), do nº 1, do artigo 814º do Código de Processo Civil

O recorrente pugna pela revogação do despacho recorrido, alegadamente, por na sua oposição ter alegado factos extintivos do crédito exequendo, ocorridos posteriormente à formação do título exequendo, factos que se provam por documento.

Cumpre apreciar e decidir.

Os factos que o recorrente qualifica como extintivos da obrigação consistiriam na nulidade do contrato de mútuo celebrado com o Banco (…), juntamente com o contrato fonte do crédito exequendo. A prova por documento dessa factualidade resultaria da sentença que decretou essa nulidade.

Salvo o devido respeito, esta argumentação do recorrente enferma de alguns equívocos que importa desfazer.

Ao invés do que afirma o recorrente, a nulidade contratual não é um facto extintivo da obrigação, sendo antes um facto impeditivo do nascimento da relação contratual[2]. De facto, a nulidade obsta à produção dos efeitos jurídicos a que tende o acto em que se verifica e a sua declaração tem efeito retroactivo (artigo 289º, nº 1, do Código Civil). Por assim ser, a nulidade deve ser invocada em sede de contestação, sob pena de preclusão (veja-se o artigo 489º, do Código de Processo Civil), nunca podendo constituir fundamento de oposição a acção executiva fundada em sentença. Daí que na alínea g) do nº 1, do artigo 814º, do Código de Processo Civil apenas se admita a dedução de oposição à acção executiva com base em factos extintivos ou modificativos posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, já que os factos impeditivos, por definição, por serem contemporâneos do acto a cujos efeitos jurídicos obstam, caem dentro da regra da preclusão dos meios de defesa (artigo 489º do Código de Processo Civil).

A decisão judicial que o recorrente pretende constituir prova documental de um facto extintivo apenas titula uma decisão judicial num processo em que a recorrida não foi parte, não tendo por isso qualquer virtualidade para, por si só, demonstrar qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda.

Assim, por tudo quanto precede, é patente que na oposição à acção executiva o recorrente não invocou factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, que os factos que invocou têm natureza impeditiva e são por isso anteriores à formação do título exequendo e, finalmente, que o recorrente não ofereceu qualquer prova documental de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda. Deste modo, improcede também este fundamento do recurso.

4.3 Da inconstitucionalidade material do nº 2, do artigo 814º, do Código de Processo Civil, por violação do direito fundamental de acesso ao direito na vertente da proibição de indefesa

Em despacho adrede proferido, as partes foram convidadas a, querendo, pronunciarem-se sobre a questão de conhecimento oficioso deste tribunal de eventual inconstitucionalidade material do nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.

Apenas o opoente se pronunciou, mas sem nada de substancial aduzir quanto à concreta questão decidenda.

A questão de eventual inconstitucionalidade material que se decidiu oficiosamente conhecer, em obediência ao disposto no artigo 204º da Constituição da república Portuguesa não é jurisprudencialmente[3] virgem, tendo precedentes num ambiente normativo distinto daquele que ora convoca a nossa atenção – referimo-nos ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 658/2006, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto e publicado no Diário da República, segunda série, nº 6, de 09 de Janeiro de 2007 –, mas ainda assim com argumentação em boa parte transponível para o actual regime jurídico. Mais recentemente, um outro acórdão do Tribunal Constitucional[4], debruçando-se sobre a questão da aplicação no tempo do disposto no artigo 814º, nº 2, do Código de Processo Civil, na redacção emergente do decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, retomou muitos dos argumentos esgrimidos no citado acórdão nº 658/2006 antes citado[5].

Especificamente no sentido da inconstitucionalidade material do artigo 814º, nº 2, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 226/2008, pronunciou-se o acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Dezembro de 2011, relatado por Jorge Arcanjo, no processo nº 1506/10.9T2OVR-A.C1[6].

Após este enquadramento da questão decidenda, é tempo de avançar na sua concreta apreciação.

Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). A nossa Lei Fundamental estabelece assim uma reserva de competência para o exercício da função jurisdicional em proveito dos tribunais, cabendo a estes o monopólio do exercício da função jurisdicional[7], monopólio que é essencialmente da primeira palavra, podendo nalguns casos ser apenas da última palavra[8]. No cumprimento desta tarefa compete aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (artigo 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa). Está constitucionalmente prevista a possibilidade da lei instituir instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos (artigo 202º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa), entendendo-se na doutrina constitucional que nessas formas de composição cabem a conciliação e a mediação enquanto mecanismos de autocomposição ou composição autónoma de conflitos[9].

Nos termos do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, é assegurado a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. O direito à tutela jurisdicional implica o direito de acesso aos tribunais, entidades que gozam de independência e imparcialidade (artigo 203º da Constituição da República Portuguesa).

Além disso, todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa). As restrições aos meios de defesa que não tenham fundamento racional e sejam arbitrárias e desproporcionadas ferem as exigências de um processo equitativo (vejam-se os nºs 2 e 3, do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa).

O procedimento de injunção é um mecanismo processual conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato, obrigação de montante não superior a quinze mil euros[10], salvo quando esteja em causa transacção comercial para os efeitos do decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, caso em que inexiste qualquer limite quanto ao montante do crédito[11], a fim de lhe permitir de modo mais célere a obtenção de um título executivo que lhe faculte o acesso directo à acção executiva[12].

O procedimento de injunção inicia-se com um requerimento de injunção, com o conteúdo previsto no artigo 10º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

O requerido no procedimento de injunção é notificado por carta registada com aviso de recepção para, em quinze dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão (artigo 12º, nº 1, Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro).

A lei determina o conteúdo da notificação a efectuar o requerido (artigo 13º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro). Assim, nessa notificação deve constar:

a) a identificação do tribunal[13] a que se dirige;

b) a identificação das partes;

c) a indicação do lugar onde deve ser feita a notificação, indicando se se trata de domicílio convencionado nos termos do nº 1 do artigo 2º do decreto-lei nº 269/98;

d) a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão;

e) a formulação do pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;

f) a indicação da taxa de justiça paga;

g) a indicação do prazo para a oposição e a respectiva forma de contagem;

h) a indicação de que, na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta fórmula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva;

i) a indicação de que, na falta de pagamento da quantia devida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5 % ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória;

j) a indicação de que a dedução de oposição cuja falta de fundamento o requerido não deva ignorar determina a condenação em multa de valor igual a duas vezes a taxa de justiça devida na acção declarativa.

A notificação do requerimento de injunção cujo conteúdo se acaba de rememorar provém de uma entidade administrativa (o Balcão Nacional de Injunções) e não consta da mesma qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas permite ao requerido concluir que, na falta de oposição, será aposta fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de acção executiva. Pode assim afirmar-se, de forma segura, que o requerido no procedimento de injunção, em face da notificação que lhe é efectuada, não é advertido de que sobre si impende um qualquer ónus de oposição, se quiser evitar um acertamento definitivo do caso.

Ora, é dificilmente explicável que num procedimento tramitado por uma entidade administrativa, não investida no exercício da função judicial, se possa lograr uma composição definitiva do caso sem que sejam observadas as advertências que se impõem na generalidade dos procedimentos judiciais, inclusivamente na própria acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (veja-se o artigo 235º do Código de Processo Civil, também aplicável aos processos especiais por força do disposto no artigo 463º, nº 1, do mesmo diploma legal).

E isso é ainda mais inexplicável quando na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato o legislador teve o cuidado de esclarecer que a decisão a conferir força executiva à petição, no caso de revelia operante do réu, tem o valor de uma decisão condenatória, sendo em todo o caso essa atribuição de força executiva à petição impedida quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou quando o pedido seja manifestamente improcedente (artigo 2º, do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro). Ao invés, no procedimento de injunção o legislador não só omitiu a equiparação da aposição da fórmula executória a uma decisão condenatória[14], como configura a aposição dessa fórmula como um acto que apenas depende da existência de notificação do requerido, da não dedução de oposição por parte deste e da não ocorrência de erro no uso do procedimento, não sendo conferido ao secretário judicial autor da aposição da fórmula executória qualquer poder de recusa da aposição dessa fórmula quando ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou quando o pedido seja manifestamente improcedente (veja-se o artigo 14º, nºs 1 e 3, do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro).

Uma outra razão da incompreensibilidade da equiparação legal entre o requerimento de injunção a que seja aposta a fórmula executória e uma qualquer decisão judicial condenatória ao pagamento de uma certa importância pecuniária resulta do facto de não ser sindicável o acto de aposição da fórmula executória[15], enquanto uma decisão judicial condenatória, ainda que por mera equiparação legal[16], é recorrível, nos termos gerais.

Na nossa perspectiva, a equiparação legal do requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória a uma sentença de condenação contende não só com as garantias de defesa do requerido por omissão das necessárias advertências aplicáveis em qualquer processo judicial, mas também com as exigências constitucionais do processo equitativo por se traduzir numa injustificada e desproporcional restrição dos fundamentos da defesa[17], como também constitui uma violação da reserva do juiz na medida em que, na prática, a ser observada essa equiparação legal, atribui poderes quase automáticos[18] de composição definitiva de um litígio a uma entidade administrativa, estando vedada, em todos os casos, a sindicabilidade da aposição da fórmula executória.

O legislador ordinário ao equiparar o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória à sentença constrangeu de modo inadmissível os fundamentos possíveis de defesa tendo em vista que o fim de tal instituto foi tão só “permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo[19] e, por outro lado, com essa equiparação conferiu poderes de composição definitiva de litígios a uma entidade administrativa, sem nenhumas garantias de sindicabilidade dessa composição.

Nem se diga que o entendimento que se acaba de sustentar, como é afirmado nalguma jurisprudência[20], torna inútil o procedimento de injunção pois, como é bom de ver, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre as portas da acção executiva e que, ainda por cima, lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (vejam-se os artigos 812º-C alínea b) e 812º-F, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).

Face ao exposto, uma vez que o nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil[21] viola o disposto nos artigos 20º, nº 4 e 202º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, ao abrigo do disposto no artigo 204º da Constituição da República Portuguesa, com fundamento em inconstitucionalidade material, recusa-se a aplicação daquele normativo.

A desaplicação do nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil com fundamento em inconstitucionalidade material conduz a que seja admissível a invocação de factos impeditivos em oposição a acção executiva fundada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, como se verifica no caso dos autos, pelo que o despacho sob censura deve ser revogado.

 Deste modo, revogar-se-á o despacho recorrido, que se substituirá por outro que admita liminarmente a oposição deduzida pelo recorrente e ordene a notificação da exequente para, querendo, contestar, se razão diversa da que determinou a decisão recorrida não obstar a isso.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, na procedência do recurso de apelação interposto por F (…), embora por fundamentos diversos dos invocados no recurso, com fundamento no disposto no artigo 204º da Constituição da República Portuguesa, acordam em recusar a aplicação do nº 2, do artigo 814º, do Código de Processo Civil, por enfermar de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 20º, nº 4 e 202º, nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, em revogar o despacho recorrido, que se substitui por outro que admite liminarmente a oposição deduzida pelo recorrente e ordena a notificação da exequente para, querendo, contestar, se razão diversa da que determinou a decisão recorrida não obstar a isso.

Custas do recurso de apelação a cargo da recorrida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

Carlos Gil ( Relator )

Fonte Ramos

Carlos Querido



[1] Esta ressalva é dificilmente compreensível já que no procedimento de injunção o requerido é notificado para, querendo, deduzir oposição e se a notificação se frustrar, caso o requerente da injunção tenha declarado que nessa hipótese pretende que os autos sejam apresentados à distribuição, tal determina a remessa dos autos à distribuição (artigo 16º, nº 1, do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro).
[2] Por todos e com toda a clareza veja-se, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda. 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, página 131.
[3] Ao nível da doutrina, no sentido da inconstitucionalidade material por violação do direito de defesa, veja-se, A Acção Executiva depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, Coimbra Editora 2009, José Lebre de Freitas, páginas 182 e 183. Pronunciando-se no sentido da admissibilidade da maior latitude na oposição à acção executiva fundada em requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, mas sem expressamente justificar e fundamentar a desaplicação do nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção derivada do decreto-lei nº 226/2008, veja-se Injunções e Ações de Cobrança, Quid Juris 2012, João Vasconcelos Raposo e Luís Baptista Carvalho, páginas 178 a 180.
[4] Referimo-nos ao acórdão nº 283/2011, relatado pelo Conselheiro Borges Soeiro, publicado no Diário da República, segunda série, nº 137, de 09 de Julho de 2011.
[5] Também sobre a questão da aplicação no tempo do nº 2, do artigo 814º do Código de Processo Civil, na redacção decorrente do decreto-lei nº 226/2008, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Dezembro de 2011, relatado por Judite Pires, no processo nº 21/10.5TBVLF-A.C1. No sentido da aplicabilidade do regime emergente do decreto-lei nº 226/2008, mesmo a títulos formados antes da entrada em vigor de tal regime vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 04 de Maio de 2010 e de 02 de Fevereiro de 2012, relatados, respectivamente, por Pinto dos Santos e Freitas Vieira, nos processos nºs 2121/08.2TBPNF-A.P1 e 819/09.7TBVRL-A.P1, considerando-se no primeiro destes acórdãos que o actual regime seria interpretativo, pelo que seria aplicável retroactivamente. Igualmente neste último sentido, referindo que o regime introduzido pelo decreto-lei nº 226/2008 é clarificador do regime anterior, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Junho de 2011, relatado por Ana Resende, no processo nº 8656/08.0TBCSC-B.L1-7. Todos os acórdãos que se acabam de citar estão acessíveis no site do ITIJ.
[6] Em sentido diametralmente oposto, refutando a existência de inconstitucionalidade material, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães, de 25 de Fevereiro de 2010, relatado por Rosa Tching, no processo nº 6710/09.0TBBRG-A.G1; no mesmo sentido vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa, de 14 de Junho de 2011, relatado por Graça Amaral, no processo nº 2489/09.3TBBRR-A.L1-7 e de 06 de Dezembro de 2011, relatado por Rijo Ferreira, no processo nº 447/10.4TBLSB-A.L1-1. Sem questionar o regime novo e justificando-o vejam-se os acórdãos da Relação de Guimarães de 29 de Novembro de 2011, relatado por Raquel Rego, no processo nº 3582/09.8TBVCT-A.G1, de 29 de Novembro de 2011, relatado por Rita Romeira, no processo nº 967/11.3TBBRG-A.G1 e de 24 de Abril de 2012, relatado por Maria da Purificação Carvalho, no processo nº 1487/11.1TBRRG-A.G1. Todos os acórdãos que se acabam de citar nesta nota, tal como o que foi citado no texto estão acessíveis no site do ITIJ.
[7] Veja-se Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 24 a 25, anotação VI.
[8] Veja-se Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 25 a 31, anotação VII.
[9] Neste sentido veja-se, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 33 a 35, anotação XI; Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª edição Revista, Coimbra Editora 2010, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, página 511, anotação XII.
[10] Veja-se o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 6º, do decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[11] Veja-se o artigo 7º, nº 1, do decreto-lei nº 32/2003.
[12] No primeiro diploma legal que legislou sobre o procedimento de injunção, o decreto-lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, referia-se no terceiro parágrafo do seu preâmbulo que “A aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção executiva, com a mesma amplitude com o que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815.º do Código de Processo Civil.” O artigo 815º do Código de Processo Civil em vigor à data do decreto-lei nº 403/93, corresponde actualmente ao artigo 816º e à alínea h), do nº 1, do artigo 814º, ambos do Código de Processo Civil.
[13] Desde a criação do Balcão Nacional de Injunções pela Portaria nº 220-A/2008, de 04 de Março, é da sua competência exclusiva a tramitação do procedimento de injunção, sendo a intervenção das secretarias judiciais meramente residual e intermediária, nos casos de apresentação do requerimento de injunção em papel.
[14] E essa omissão não foi fruto de qualquer desatenção do legislador pois uma tal equiparação implicaria a violação da reserva do juiz (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).
[15] Esta conclusão firma-se em argumento a contrario sensu extraído do disposto no artigo 14º, nº 4, do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro.
[16] Assim sucede no artigo 2º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro.
[17] A nosso ver existe também uma violação das exigências decorrentes do princípio da igualdade de tratamento, pois fica por perceber e é injustificado o défice das garantias processuais conferidas ao requerido em processo de injunção por contraposição ao demandado em qualquer processo judicial.
[18] Dizemos poderes quase automáticos na medida em que a recusa da aposição da fórmula executória, verificando-se a notificação do requerido e a falta de oposição deste, só deve ocorrer quando o pedido não se ajuste ao montante ou finalidade do procedimento, isto é, quando se verifique um caso de erro no uso do procedimento de injunção (artigo 14º, nº 3, do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro).
[19] Citação extraída do nono parágrafo do preâmbulo do decreto-lei nº 269/98, de 01 de Setembro.
[20] Vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães antes citados e proferidos a 25 de Fevereiro de 2010 e a 29 de Novembro de 2011, este último o proferido no processo nº 967/11.3TBBRG-A.G1.
[21] Assinale-se que na Proposta de Reforma do Processo Civil é eliminado o nº 2 do artigo 814º do Código de Processo Civil, deixando o requerimento de injunção em que foi aposta fórmula executória de ser equiparado à sentença.