Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE SENTENÇA EXCESSO DE PRONÚNCIA CASO JULGADO CADUCIDADE APOIO JUDICIÁRIO NOMEAÇÃO DE PATRONO | ||
Data do Acordão: | 11/22/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - 1ª SEC | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.125 CIRE, 595 Nº1 A) E 3, 608, 615 Nº1 D) CPC, 33 Nº4 LEI Nº 34/2004 DE 29/7 | ||
Sumário: | 1.Só se verifica a nulidade por excesso de pronúncia quando o tribunal se pronuncie sobre questões que não devesse apreciar (arts. 608º, nº 2, 2ª parte, e 615º, nº 1, d), 2ª parte, do NCPC), sendo que questões que são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas. 2.Se a R. invoca a excepção de caducidade e o Tribunal apenas se pronuncia sobre a verificação ou não da mesma, não há excesso de pronúncia. 3. Se for proferido despacho saneador tabelar, do estilo “Não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.”, não se constitui qualquer caso julgado formal, pois isso só poderá acontecer se o julgador apreciar em concreto as questões referidas no art. 595º, nº 1, a) do NCPC, como decorre do nº 3 de tal artigo. 4. Se estiver em apreciação a excepção peremptória de caducidade da acção é incorrecto falar-se em caso julgado formal (só poderia falar-se de valor de sentença, como dimana do mencionado nº 3, 2ª parte). 5.Tendo sido solicitado apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono pelo demandante para propor acção cível, esta considera-se proposta em que o mesmo requereu o aludido apoio judiciário (art. 33º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29.7). 6.Considerando que o direito de impugnar a resolução em benefício da massa insolvente caduca no prazo de 3 meses (art. 125º do CIRE), que a resolução foi comunicada pelo administrador da insolvência aos AA em 7.5.2014, e que estes requereram apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, em 15.5.2014, foi impedida a caducidade da acção antes daqueles 3 meses (sendo irrelevante que o patrono nomeado não tenha proposto a respectiva acção nos 30 dias seguintes à notificação da sua nomeação). | ||
Decisão Texto Integral: |
I –
Relatório
1. T (…) e marido P (…), ambos residentes em Coimbra, instauraram contra Massa Insolvente de M (…) acção de Impugnação da Resolução em Benefício da Massa Insolvente, por apenso ao processo de insolvência nº 3582/13.3TJCBR, pedindo que a acção seja julgada procedente, devendo revogar-se a resolução em benefício da massa insolvente relativamente à compra e venda celebrada em 8.5.2013, mantendo-se o direito de propriedade da autora sobre a fracção autónoma identificada nessa escritura, condenando-se a ré a reconhecer que a referida compra e venda lhe é oponível, condenando-a a abster-se de praticar quaisquer actos que invalidem a mesma. Alegam, para tanto, que existem na posse da insolvente bens provenientes da sua actividade comercial suficientes para liquidar todos os créditos, não havendo razões para resolver o contrato de compra e venda celebrado entre a insolvente e a autora. Acrescentam que no dia 8 de Maio de 2013, a ora insolvente vendeu à A. a fracção autónoma designada pela letra D, correspondente ao segundo andar do prédio urbano sito na Rua (...) , 86º B, lote 1, pelo preço de 50.000 €, preço acordado entre as partes tendo em conta a dívida da insolvente para com a A., contraída, em 14 de Julho, a título de empréstimo de € 35.000 €, para liquidação de alguns créditos. Sucede que a administradora da insolvência, em 5.5.2014, enviou aos autores uma carta na qual declarou resolver em benefício da massa insolvente a referida compra e venda, com fundamento na relação de parentesco existente entre a A. e a insolvente, que são, respectivamente, filha e mãe, bem como no facto de as mesmas saberem que daquele negócio resultava a impossibilidade de os credores obterem o maior ressarcimento possível dos respectivos créditos que eram anteriores à referida venda, sendo, por outro lado, o valor da venda manifestamente inferior ao valor de mercado e ao valor patrimonial do prédio. Para além disso, os autores, na data da celebração da escritura de compra e venda, não tinham conhecimento de qualquer indício de insolvência. Acresce o facto de a A. assumir o encargo do pagamento do empréstimo da hipoteca que incide sobre o prédio urbano supra referido. Mais referem que a celebração do contrato de compra e venda entre a insolvente e a ora A. jamais visou o prejuízo da massa insolvente ou impossibilitar a satisfação dos créditos dos credores da insolvente, referindo, ainda, que a administradora da insolvência não fundamentou em que termos se verifica a prejudicialidade do negócio, pelo que a resolução é inválida e ineficaz. Concluem, dizendo que não estão preenchidos os requisitos legais para a declaração de resolução do negócio, devendo a mesma ser revogada e dada sem efeito. A R. contestou, alegando, além do mais, que a administradora da insolvência remeteu aos autores carta registada com AR a 5.5.2014, comunicando-lhes a resolução do negócio celebrado no dia 8.5.2013, através do qual a insolvente e então marido, (…) venderam, pelo preço de 50.000 €, à A., filha de ambos, a aludida fracção autónoma. As comunicações das resoluções foram recebidas a 7.5.2014, pelo que o prazo para intentar a presente acção terminava a 7.8.2014. Ora, tendo a presente acção dado entrada a 30.9.2014 verifica-se que há muito está precludido o direito dos autores intentarem a presente acção. Termina pedindo que a acção seja julgada totalmente improcedente. Os AA apresentaram resposta, alegando que a impugnação foi apresentada tempestivamente, porquanto receberam a comunicação da resolução no dia 7.5.2014, tendo a autora requerido apoio judiciário. Sucede que tal pedido foi deferido a 21.5.2014, pelo que o prazo que estava em curso interrompeu-se. Acresce que a patrona nomeada pediu escusa em 17.6.2014, sendo que a patrona signatária foi nomeada em 30.6.2014. Por sua vez, o autor também pediu apoio judiciário, tendo-lhe sido nomeada a patrona ora signatária no dia 1 de Julho de 2014. Concluem dizendo que não está verificada a excepção da caducidade. Foi elaborado despacho saneador tabelar. * A final foi proferida sentença que julgou verificada a excepção da caducidade e intempestiva a propositura da acção. * 2. Os AA interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões: (…) 3. A R. contra-alegou, concluindo que: (…)
II – Factos Provados
1. Os autores receberam a carta da administradora da insolvência a resolver o contrato de compra e venda em causa nos presentes autos no dia 7 de Maio de 2014; 2. Os autores requereram em 15 de Maio de 2014 apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono; 3. Tais pedidos foram deferidos a 21 de Maio de 2014, tendo-lhes sido nomeada como patrona a Drª (…); 4. No dia 17 de Junho de 2014, a identificada patrona pediu escusa, sendo que na sequência desse pedido de escusa veio a ser nomeada patrona à ora autora a Drª (…) no dia 30 de Junho de 2014; 5. A Drª (…) foi nomeada patrona ao autor no dia 1 de Julho de 2014; 6. A petição inicial deu entrada no Tribunal no dia 30 de Setembro de 2014.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Nulidade da sentença. - Caso julgado. - Caducidade da acção. - Inconstitucionalidade da interpretação feita pela decisão recorrida.
2. Alegam os AA que a sentença é nula, por não indicar os fundamentos de direito para a decisão que tomou, além de que tomou conhecimento de questão de que não podia conhecer, por ter ponderado uma decisão desta Relação noutro apenso sobre a mesma questão de caducidade, em violação dos arts. 615º, nº 1, b) e d) do NCPC. Mas não tem razão. Na sentença recorrida escreveu-se que: “Dispõe o artigo 125º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “O direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a acção correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”. Resulta dos autos que os autores receberam a carta da administradora da insolvência a resolver a compra e venda em causa nos presentes autos no dia 7 de Maio de 2014, pelo que os autores deveriam, em princípio, ter intentado a presente acção até ao dia 7 de Agosto de 2014. Sucede que em 15 de Maio de 2014, os autores requereram apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono. Vejamos, então, qual a relevância de tais requerimentos relativamente à propositura da presente acção. O artigo 33º do Decreto-Lei nº 34/2004, de 2 de Julho determina que “1 - O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo. 2 - O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido. 3 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente. 4 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono”. No caso dos autos, tendo os autores solicitado a concessão de apoio judiciário em 15 de Maio de 2014 teremos que concluir que a propositura da acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente foi proposta nessa data, antes de decorrido o prazo de caducidade de três meses em que ela poderia ser proposta, o qual ocorreria em 7 de Agosto de 2014. Por outro lado, de acordo com a referida disposição legal, a patrona nomeada em 21 de Maio de 2014 dispunha do prazo de 30 dias para intentar a presente acção, prazo esse que terminava em 20 de Junho de 2014. Todavia, antes de terminar o referido prazo de 30 dias para apresentar em juízo a petição inicial, em 17 de Junho de 2014, a patrona nomeada pediu escusa, pedido que mereceu provimento, tendo sido nomeada outra patrona a 30 de Junho de 2014. Ora, nos termos do disposto no artigo 34º, nº 2, do Decreto-Lei nº 34/2004, de 2 de Julho, pedido de escusa formulado interrompe o prazo que estiver em curso com a junção aos autos do respectivo documento comprovativo, aplicando-se o disposto no artigo 24º, nº 5, ou seja, o prazo interrompido inicia-se, começa a contar de novo a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação. Assim sendo, no caso dos autos, relativamente à autora, a partir de 30 de Junho de 2014 começou a contar um novo prazo de 30 dias para ser apresentada a petição inicial, sem prejuízo de se considerar proposta a presente acção na data do requerimento do apoio judiciário. No que concerne ao autor, o referido prazo de 30 dias para intentar a acção começou a correr a partir de 1 de Julho de 2014. No entanto, no caso concreto, verifica-se que a petição inicial foi apresentada em juízo no dia 30 de Setembro de 2014, data em que já havia decorrido o prazo de 30 dias de que a patrona dispunha para apresentar a petição inicial e data em que já havia decorrido o prazo de caducidade. Assim sendo, teremos que concluir estar verificada a excepção da caducidade invocada pela ré, considerando-se, como tal, intempestiva a presente acção. Cumpre esclarecer que no apenso D decidimos de forma diferente esta questão. Todavia, no final da audiência de julgamento tivemos conhecimento da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra naquele apenso relativamente a esta questão prévia da caducidade. E, não obstante tal decisão não ter transitado em julgado, entendemos, em obediência ao princípio da economia processual bem como ao dever de cumprir as decisões dos tribunais superiores, consagrado no artigo 152º, nº 1, do Código de Processo Civil, adoptar a posição supra referida.”. Já se vê que na sentença recorrida a julgadora alinhou os fundamentos de direito para a sua decisão, as razões de direito pela qual sentenciou a causa. Podem é não estar correctas, situação que abaixo será analisada. Mas a nulidade acusada não existe, obviamente. Por outro lado, cabe afirmar que só se verifica excesso de pronúncia quando o tribunal se pronuncie sobre questões que não devesse apreciar (art. 608º, nº 2, 2ª parte, do NCPC), questões que são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas, como vem sendo, repetida e continuadamente, afirmado pela doutrina e jurisprudência desde há bastante tempo (vide A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 143, L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao anterior artigo 668º, pág. 704, e, entre outros, Acds. do STJ de 7.7.94, BMJ, 439, pág. 526, e de 31.3.2004, Proc.04B545, em www.dgsi.pt). Ora, lido o texto do acórdão é fácil concluir que o mesmo tribunal se pronunciou unicamente sobre a questão que lhe foi posta, a excepção de caducidade da acção invocado pela R. na sua contestação. E o facto de no último parágrafo a julgadora ter esclarecido que, apesar de noutro apenso ter decidido de forma diferente a mesma questão, resolveu mudar de opinião em face de ter tido conhecimento da decisão proferida pela Relação de Coimbra naquele apenso relativamente à mesma questão, apenas significa que ponderou a argumentação jurídica dessa decisão da Relação, que a levou agora a ter outro entendimento sobre a mesma questão, não significando, de maneira nenhuma, que se pronunciou sobre outra questão, que não a caducidade invocada pela R. Também aqui inexiste a acusada nulidade. Assim, improcede esta parte do recurso. 3. Já acima referimos que (na audiência prévia) foi elaborado despacho saneador tabelar – além de se ter definido o objecto do litígio e fixado os temas da prova. Nesse despacho disse-se o seguinte: “Não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.”. Consideram os AA que, como a julgadora não relegou para audiência final qualquer apreciação, e não houve recurso por parte da R. relativamente a tal despacho saneador, o mesmo transitou em julgado, não podendo, depois, considerar na sentença, ora recorrida, a verificação da aludida excepção de caducidade, pelo que se violou o caso julgado formal (art. 620º, nº 1, do NCPC). Mas não é assim. No despacho saneador deve o juiz conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória (art. 595º, nº 1, b), do NCPC). Por isso, no nosso caso, se a julgadora não pretendia conhecer da invocada excepção de caducidade devia-o ter dito, como decorre do nº 4 do mesmo preceito. O que não fez. Mas esta irregularidade não resolve a nossa questão. Efectivamente a norma que se impõe considera para a solução do nosso caso é a do nº 3 de tal artigo. Aí se declara com toda a clareza que só há caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas no caso da alínea a) do nº 1, ou seja, as referentes a excepções dilatórias e nulidades. Logo se conclui que o caso julgado formal não respeita ao mérito da causa, à apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória. Assim, ao contrário do que os AA supõem, estando em apreciação uma excepção peremptória de caducidade da acção, nunca se poderá falar em caso julgado formal. Só poderá falar-se de valor de sentença, como reza o mencionado nº 3, 2ª parte. E, por outro lado, tal valor de sentença só poderia verificar-se, quando, como diz a lei, o julgador aprecie a questão em concreto. O mesmo é dizer, quando o julgador entre no seu conhecimento substantivo, de fundo, analisando os factos e o direito, e concluindo pela sua verificação ou não. Ora, no nosso caso isso não aconteceu. O juiz proferiu um mero despacho tabelar. E só conheceu do fundo da questão, do verdadeiro mérito de tal excepção no final, quando proferiu a sentença ora sob recurso. Por conseguinte, não se constituiu qualquer caso julgado formal, como defendem os recorrentes, quando o julgador proferiu o indicado despacho saneador tabelar. 4. Quanto à declarada caducidade não se pode acompanhar o decidido. A norma relevante a considerar é a do citado art. 33º, nº 4, que estatui que a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. É uma ficção legal, construída pelo legislador, carregada de significado e implicações substantivas. Na verdade, tratando o nosso caso de uma situação de caducidade da acção importa ter em consideração o que dispõe o art. 331º, nº 1, do CC, que dispõe só impedir a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo. Articulando os dois preceitos, torna-se evidente a importância do que deles decorre. Ao pedir apoio judiciário na modalidade indicada o requerente beneficia do importante efeito substantivo de impedir a caducidade do seu direito de acção, assim salvaguardando o exercício desse direito. Por isso, passando a ser irrelevante o período de tempo que decorra - alguns meses ou em extremo ano(s) - entre a apresentação do requerimento de nomeação e a data da instauração da acção (vide neste preciso sentido o Ac. do STJ de 17.4.2013, Proc.TTPRT, em www.dgsi.pt e Salvador da Costa, em Apoio Judiciário, 9ª Ed., págs. 197/198 e acórdão do STJ de 21.4.2009 aí indicado). Resulta dos autos que os autores receberam a carta da administradora da insolvência a resolver a compra e venda em causa nos presentes autos no dia 7.5.2014, pelo que os AA deveriam, em princípio, ter intentado a presente acção até ao dia 7.8.2014. Sucede que em 15.5.2014, os AA requereram apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social, nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono, razão pela qual, no caso dos autos, tem que concluir que a propositura da acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente foi proposta antes de decorrido o prazo legal de três meses de caducidade da acção. Inexiste, pois, a apontada caducidade. Em sentido contrário vai o Ac. desta Relação, de 7.6.2016, disponível no indicado sítio (tirado num apenso deste processo) que não acompanhamos. O argumento essencial aí avançado é o de que a disposição do citado art. 33º, nº 4, não vale só por si, antes tem uma condição: a de que a acção seja proposta pelo patrono no prazo de 30 dias referido no mesmo artigo, seu nº 1, sob pena de se perder o benefício de se considerar proposta na data do requerimento do apoio judiciário. Ora, esta interpretação, a nosso ver enferma de 3 razões menos correctas. Primeiro, estabelece uma condição, onde ela não se vê, assim fazendo desabar a estatuição imperativa do indicado nº 4. Segundo, desconsidera que o comportamento do patrono que desrespeite o referido comando legal de propositura da acção nos apontados 30 dias apenas tem consequências disciplinares, como resulta com toda a clareza do disposto dos nºs 2 e 3 do mesmo preceito. Terceiro, com tal interpretação, acaba por fazer reflectir uma infracção procedimental do patrono sobre um efeito substantivo de que beneficia o interessado, assim fazendo desmoronar o benefício de impedimento da caducidade do direito de acção que o mesmo lograra obter ao pedir em tempo o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Tudo razões que não podemos aceitar, sob pena de efectivo prejuízo do assistido que oportunamente e tempestivamente pediu o indicado apoio judiciário e impediu a caducidade, tal como configura a lei civil acima indicada, assim vendo reflectir-se no seu direito substantivo uma irregularidade de conduta processual por parte do seu patrono. Entendimento, este, que até colocaria eventual motivo para ser considerado como interpretação inconstitucional, face ao disposto no art. 20º da CRP. Em face do expendido, tem de proceder o recurso. Uma nota cabe agora acrescentar. Em princípio deveria, agora, conhecer-se do fundo da causa, nos termos do art. 665º, nº 2, do NCPC (regra da substituição do tribunal recorrido). Tal torna-se, porém, impossível visto que na sentença recorrida apenas se deram por provados os referidos factos, alusivos à caducidade, nada mais tendo sido acrescentado, apesar de se ter efectuado audiência de julgamento que incidiu sobre os temas da prova. Assim, não dispondo esta Relação dos necessários elementos, tem a 1º instância de produzir nova sentença que conheça das demais questões que deixou de conhecer, por terem ficado prejudicadas com a solução que encontrou para o litígio. 5. Tendo em conta o que se analisou e concluiu no ponto antecedente e à decisão que vai ser tomada, queda inútil conhecer da última questão levantada pelos recorrentes (a invocada inconstitucionalidade). 6. Sumário (art. 663º, nº 7, do NCPC): i) Só se verifica excesso de pronúncia quando o tribunal se pronuncie sobre questões que não devesse apreciar (arts. 608º, nº 2, 2ª parte, e 615º, nº 1, d), 2ª parte, do NCPC), sendo que questões que são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas; ii) Se a R. invoca a excepção de caducidade e o Tribunal apenas se pronuncia sobre a verificação ou não da mesma, não há excesso de pronúncia; iii) Se for proferido despacho saneador tabelar, do estilo “Não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.”, não se constitui qualquer caso julgado formal, pois isso só poderá acontecer se o julgador apreciar em concreto as questões referidas no art. 595º, nº 1, a) do NCPC, como decorre do nº 3 de tal artigo; iv) Se estiver em apreciação a excepção peremptória de caducidade da acção é incorrecto falar-se em caso julgado formal (só poderia falar-se de valor de sentença, como dimana do mencionado nº 3, 2ª parte); v) Tendo sido solicitado apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono pelo demandante para propor acção cível, esta considera-se proposta em que o mesmo requereu o aludido apoio judiciário (art. 33º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29.7); vi) Considerando que o direito de impugnar a resolução em benefício da massa insolvente caduca no prazo de 3 meses (art. 125º do CIRE), que a resolução foi comunicada pelo administrador da insolvência aos AA em 7.5.2014, e que estes requereram apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, em 15.5.2014, foi impedida a caducidade da acção antes daqueles 3 meses (sendo irrelevante que o patrono nomeado não tenha proposto a respectiva acção nos 30 dias seguintes à notificação da sua nomeação).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, e consequentemente ordena-se que seja proferida nova sentença. * Custas pela R. * Coimbra, 22.11.2016
Moreira do Carmo ( Relator ) Fonte Ramos Maria João Areias
|