Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALICE SANTOS | ||
Descritores: | INJÚRIA EXPRESSÕES GROSSEIRAS | ||
Data do Acordão: | 04/27/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TÁBUA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 181º CP | ||
Sumário: | I- A expressão "fodo-te os cornos” não tem um conteúdo ofensivo da honra e consideração do assistente. II- Trata-se de uma expressão grosseira, carregada de provocação, de ameaça, de desafio, que evidencia falta de educação por parte de quem a profere. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal. *** No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:- Condenou o arguido VH... da prática do crime de ameaças, p. e p. pelo artº 153º do CPenal, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5.50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 412,50 (quatrocentos e doze euros e cinquenta cêntimos), absolvendo o mesmo das demais acusações constantes dos autos. Julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por AA... contra VH... por adesão ao crime de injúrias. Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização deduzido por AA... contra VH... por adesão ao crime de ameaça, condenando-o a pagar ao lesado uma indemnização num montante de € 500,00 (quinhentos euros) acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento. Desta sentença interpôs recurso o Ministério Público, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso: A) É certo que a prática do crime de injúrias, p.p. pelo art. 181°, n.º 1 do Código Penal, não se pode confundir com a utilização de expressões deselegantes, rudes, mal-educadas, apenas utilizadas como "muleta" de linguagem. B) Assim sucede com expressões como «você tem um feitio do caralho» ou «você é fodido ( ... )) (cfr. ATRC de 6/01/2010), que não extravasam da violação de normas morais, religiosas e de costume. C) Neste caso estamos perante palavras naturalmente indecorosas mas não constituem, na sua objectividade, imputação de factos ou juízos de valor relativamente aos seus destinatários, aptos a afectar a sua honra, consideração ou dignidade pessoal. D) Contudo, a nosso ver, o mesmo não sucede com a expressão constante dos autos: «fodo-te os cornos», que não pode simplesmente significar uma atitude intimidatória, própria da prática do crime de ameaças, sem autonomia típica face ao crime de injúrias. E) Com efeito, é nosso entendimento que a expressão «vou-te foder todo» e a expressão «vou-te foder os cornos» não são equivalentes no que ao ilícito criminal em apreciação respeita, Se «vou-te foder todo» nada adita ao sentido da ameaça, que não seja má educação, já «vou-te foder os cornos» adita a intenção de agredir uma metáfora indiscutivelmente conotada na comunidade (e mais ainda num meio pequeno, de características rurais e reduzido nível cultural) com a traição sexual, infidelidade do parceiro (cfr. ATRE de 16/11/2004, proc. n.º 1930/04-1, in: www.dgsi.pt). F) Ambas as expressões são idóneas a configurar a prática de um crime de ameaças, mas enquanto a primeira, ademais da ameaça, não excede o domínio da utilização de uma linguagem brejeira, que pode gerar repulsa social; a segunda, ademais da ameaça, leva ínsita uma ofensa à personalidade moral do destinatário, ao seu carácter, bom-nome e reputação. G) E não se diga, em nossa opinião, que o crime não pode ser imputado ao arguido porque não existiu, por parte deste, o "animus injuriandi", pois o dolo exigível para o preenchimento do tipo de ilícito em apreciação é o dolo genérico, consubstanciado na simples consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é susceptível de produzir ofensa da honra e considerações alheias (cfr. ATRC de 17/12/2008, proc. n.º 377/07.7TACNT.C1 e ASTJ de 3/4/2008, proc. n.º 07P4817, ambos in: wwwdgsi.pt). H) Sendo que o arguido bem sabia, porque não podia desconhecer, considerando o meio social e cultural em que ambos se inserem e a «sã opinião da generalidade das pessoas de bem», que a utilização da expressão «fodo-te os cornos» é apta a ofender a honra, dignidade e consideração do visado. I) "Honra" que a lei penal tutela, quer nos casos em que são directamente imputados factos, quer naqueles em que se formulam suspeitas ou insinuações, quer ainda quando se utilizam expressões demonstrativas de juízos de valor, que na sua materialidade, são igualmente lesivas do bem jurídico protegido pela norma. J) Assim, ao contrário do defendido na decisão recorrida, dizer «fodo-te os cornos», no contexto em que a expressão foi proferida (já na sequência de um conflito algo prolongado, conforme melhor se extrai da fundamentação da matéria de facto), não constitui mera muleta de linguagem para intimidar o destinatário, antes acrescentando à ameaça uma imputação de factos (ainda que indirecta), com susceptibilidade de ofender a honra e consideração do visado. K) Pelo exposto, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, decidindo como decidiu, a Mmª Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto no art. 181º, n.º 1 do Código Penal. Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple o teor das alegações expendidas e conclusões apresentadas, condenando-se o arguido também pela prática de um crime de injúrias, assim se fazendo INTEIRA JUSTIÇA! O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo. Respondeu o arguido, pugnando pela improcedência do mesmo. Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto apenas apôs o visto. Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência cumpre agora decidir. O recurso abrange matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do artº 412 nº 2 do CPP. Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão: 1. No dia … de 2008, cerca das 17:30, quando o ofendido/assistente AA... se encontrava em X..., ..., área desta comarca, junto a uma moradia que ali estava a construir, o arguido saiu de dentro da sua residência, situada num terreno contíguo ao do ofendido, munido com um pequeno objecto de cor preta, que àquele pareceu tratar-se de uma pistola, e dirigiu-lhe as seguintes palavras «Não tenho medo nenhum de ti.", «Não tenho medo de ti nem de ninguém, eu fodo-te os cornos». 2. Tais palavras foram proferidas de modo sério, agressivo e intimidatório, no intuito de criar no ofendido/assistente o receio de vir efectivamente a ficar lesado na sua integridade física, intuito que logrou alcançar, já que aquele passou a sentir a sua liberdade de movimentos e a sua autonomia seriamente condicionadas pelo medo de ver concretizado o mal anunciado; 3. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o firme propósito de atemorizar o ofendido com o mal anunciado, bem sabendo que a sua conduta era idónea a alcançar tal resultado; 4. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida como ilícito criminal. 5. A expressão referida em 1 foi dita em frente de terceiros, de viva voz, em plena via pública; 6. AA… é uma pessoa respeitada e considerada no meio em que vive; 7. Com a expressão "cornos" referida em 1. AA… sentiu-se vexado e humilhado; Mais se provou que: 8. O arguido encontre-se reformado, auferindo a pensão mensal de €246,00 sendo que aufere ainda quantias diminutas de alguns dias que trabalha para fora e sendo ainda certo que os seus filhos o ajudam economicamente; 9. O arguido vive em casa própria com a sua esposa que é doméstica; 10. O arguido tem um carro (Renault Clio); 11. O arguido tem a 4ª classe de escolaridade; 12. O arguido é proprietário de alguns prédios rústicos; 13. O arguido não tem conhecimento de outros processos criminais pendentes contra si; 14. O arguido é visto na comunidade local como pessoa trabalhadora, cumpridora, respeitadora e educada; 15. Em 08.06.2010 o arguido tinha averbada ao seu registo criminal as seguinte condenação: No âmbito do Proc. n.º 169/99.4GAOHP, por Acórdão de 22.04.2004, transitado em julgado em 07.05.2004, pela prática em 22.05.2000 de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.°, 22.° e 23.° do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos; Factos não provados Da prova produzida não resultou provado que: a) Que nas circunstâncias referidas em 1. o arguido haja ainda dito que "Eu mato-te, eu corto-te o pescoço. Há-de morrer aqui alguém antes de acabares a obra». «Um dia parto-te os cornos»; b) Que a atitude referida em 1. se tenha repetido mais tarde em data que também não se logrou apurar, mas antes de 9 de Setembro de 2009, tendo o arguido dito, dirigindo-se ao assistente AA…, «ainda há-de cair um ou dois aqui»; c) Que as palavras ditas tenham sido proferidas com o intuito de criar no ofendido/assistente o receio de vir a perder a vida; d) O arguido ao proferir as expressões referidas em 1. tenha agido livre e conscientemente com intenção de ofender a honra, bom nome e consideração do assistente, bem sabendo que com isso cometia um ilícito criminal, não se abstendo de o fazer; Motivação A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em audiência e na prova documental junta aos autos, analisada de forma crítica, à luz de critérios de normalidade e de regras de experiência comum (art. 127.° do C.P.P.). Concretizemos um pouco. Tendo o arguido decidido prestar declarações, referiu o mesmo que o ofendido estaria a fazer uma obra no dia e local em causa, cujo pilar estava a ser feito encostado à sua casa pelo que, saiu de casa, levando na mão uma máquina fotográfica preta e, dirigindo-se ao empregado do ofendido, Sr. CV.. lhe disse que queria o pilar desencostado da sua casa ou "lhe partia o focinho", confirmando que o Sr. AA.. (ofendido) mandou nesse dia desencostar o referido pilar. Afirma pois que não proferiu tais palavras dirigindo-se ao ofendido negando levar uma pistola e legando as expressões concretamente imputadas. Mais afirma que já houve desentendimentos com o ofendido, que entretanto julgou resolvidos: por meio de acção cível, e que, desde que se encontram pendentes estes processos, se deixaram de falar. Ouvido o assistente em declarações, referiu o mesmo que efectivamente estava a fazer uma obra pegada à do Sr. VH...e que desde o início dessa obra houve problemas, designadamente porque o sr. VH...alteraria as marcações feitas. Refere que no dia em que estava a ser feito o pilar, primeiro apareceu a mulher do arguido e depois o arguido com algo preto na mão que julgou ser uma pistola (de resto, é apenas isso que vinha imputado e não que fosse efectivamente uma pistola e que, dirigindo-se directamente a si disse "Não tenho medo de ti nem de ninguém" e "fodo-te os cornos". Quanto às expressões "eu mato-te, corto-te o pescoço” e ""há-de morrer aqui alguém antes de acabar a obra" que o arguido lhe terá dito, afirma que não foram as mesmas ditas no dia do pilar nos termos imputados, mas antes em data anterior às imputadas no libelo acusatório, Note-se que o assistente é o único a falar em tais e (pressões e, ainda assim, referindo-se às mesmas como sendo proferidas em data anterior à das imputações feitas. Afirmou que ficou com medo do que o arguido pudesse fazer tanto mais que ''já o fez a outra pessoa" (o que nos remete aqui para a condenação anterior do arguido, averbada ao C.R.C., por crime de homicídio na forma tentada). Afirma igualmente que se sentiu ofendido com a expressão "cornos" afirmando que a sua mulher "não é nenhuma puta" (slc) e porque a expressão foi dita em frente aos seus empregados na rua, sendo o ofendido pessoa respeitada no seu meio (cfr. factos provados 5, 6 e 7). Estas as versões do arguido e assistente que, como se vê, são opostas e, nessa medida a carecer de corroboração pela restante prova. A testemunha PC.., empregado do assistente, depôs referindo, no essencial, que estava a trabalhar na obra em causa (embora inseguro quanto à data em causa) e que o arguido se dirigiu ao seu patrão referindo "não tenho medo de ti nem de ninguém, eu fodo-te os cornos", crendo que o assistente não terá tido medo por "não ser pessoa de medos" (sic). Por seu turno, a testemunha CV… (igualmente empregado do assistente), afirma ter testemunhado presencialmente os factos, e, ainda que inseguro quanto às datas refere que no dia em que estava ele próprio a acabar um pilar encostado ao muro de uma parede do arguido (não sendo o pilar das fotografias juntas a fls. 173 como aliás o próprio arguido confirma), viu o arguido vir em direcção da obra, exaltado, referindo virado para o sr. AA.. "Eu fado-te os cornos. Não tenho medo de ti nem de ninguém". Refere que se fosse ele a ouvir tais expressões ficaria com medo e ofendido mas que o sr AA.. não reagiu (sendo certo que a testemunha FF… disse que o ofendido, não foi à obra tantas vezes como costuma ir). Efectivamente, as únicas expressões ditas no dia do pilar (1ª data que vinha imputada) confirmadas pelas testemunhas ouvidas foram as dadas como provadas. Com efeito, as expressões "eu mato-te, corto-te o pescoço" e ""há-de morrer aqui alguém antes de acabar a obra" que vinham imputadas, refere o assistente que as mesmas: não foram ditas no dia do pilar nos termos imputados, mas antes em data anterior, sendo ainda certo que o assistente é o único a falar em tais expressões reportadas àquele tempo. Assim apenas há prova idónea e segura a um juízo condenatório quanto ao dado como provado sob o n.º 1 (já não quanto ao referido na al. a) e c) dos factos não provados). Note-se que, a testemunha JM… referiu que já depois do dia do pilar, o arguido e ele estavam a beber uma aguardente na casa deste último à hora de almoço e o sr. VH...disse "qualquer dia cai aqui um ou dois". Afirma que contou ao seu patrão (o aqui ofendido/assistente) da expressão dita pelo aqui arguido e que, desde esse altura, com medo, o assistente deixou de ir tão frequentemente à obra. Contudo, apenas a testemunha JM… alude a estes factos, referindo que a expressão foi dita apenas na sua presença, em casa do arguido, julgando que a expressão se referia ao assistente, pelo que lhe comunicou o sucedido. No entanto, nem o próprio assistente referiu que foi por intermédio de JM… que soube de uma tal expressão antes dizendo que a mesma teria sido feita directamente em data anterior à da imputação nos autos. Do exposto, resulta o não provado sob a al. b), A testemunha FF… confirmou ainda que existia conflitualidade quanto à obra em causa já que, tendo ele próprio feito a estrutura da mesma, refere que a certa altura o sr. AA.. lhe foi perguntar se "aquilo era para ficar tão junto". Por outro lado, não acenas com base nas declarações do assistente mas ainda com base nas próprias regras de experiência comum (tanto mais quando o assistente tinha conhecimento dos factos relativos à condenação averbada ao C.R.C. do arguido), as expressões em causa são objectivamente intimidatórias e foram ditas, conforme depoimento das testemunhas supra referido, em tom exaltado, pelo que o ofendido terá sentido receio (cfr. facto provado n.º 2) Face ao referido e sendo o dolo uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo a antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum nos termos que expusemos (a chamada prova indirecta), vão ainda provados os factos nºs 3 e 4. (1) No que tange ao dado como não provado sob a al. d) não se crê, pelo contexto em causa, e pelas próprias regras de normalidade e de estrutura da linguagem, que o arguido tenha tido um animus injuriandi autónomo destinado a ofender a honra do ofendido como que afirmando, v.g., que a (1) Dizer que há intencionalidade na conduta é sugerir algo ao mesmo tempo importante e que se presta, com facilidade, a equívocos. A formulação acerta ao pôr em relevo que a intencionalidade não é algo que fique "atrás" ou "fora" da conduta (. .) a conduta adquire o seu carácter intencional do facto de ser vista pelo próprio agente ou por um observador externo em uma perspectiva mais ampla, do facto de se achar situada num contexto de objectivos e crenças." - assim G.H, VON WRIGHT, Explicáción e comprensión, trad. De L. VEJA RENON, Alianza editorial, Madrid, 198G, p. 140. apud IBÁNEZ, Perfecto Andrés, Valoração da prova e sentença penal, Lumen Juris editora, 2006, p.77 mulher do mesmo era infiel, pelo que da materialidade dos factos não se logra extrair, em nossa opinião, o dolo do arguido. Com efeito, a expressão proferida é uma expressão deselegante, rude e mal educada mas que terá sido proferida enquanto "muleta" de linguagem. No que tange aos factos dados como provados sob os nºs 8 a 13 (condições socioeconómicas, inexistência de outros processos penais pendentes), atendeu o Tribunal às declarações do arguido que se nos afiguraram sinceras e credíveis. No que respeita às características de personalidade referidas no facto dado como provado sob o 11.° 14, relevaram os depoimentos de MMC…, MMP… e AS…, que depuseram de forma credível. Por fim, quanto ao facto provado sob n.º 15 foi relevante o teor do certificado de registo criminal, emitido a 08.06.2010, constante de fls. 171 e ss. dos presentes autos. Apenas ainda de sublinhar, em termos globais, notar também que, pese embora a prova testemunl1al seja algo insegura quanto ao aspecto temporal dos factos (o que se reputa de normal face ao tempo decorrido) certo é que o arguido e o assistente localizam os factos no dia em causa em que estava a ser construído um pilar. Por outro lado, pese embora o vínculo funcional com o assistente, no que se foi concretizando e assinalando supra, demonstraram as testemunhas conhecimento directo dos factos depondo de forma lógica. Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar. Questões a decidir: - Se a expressão “ fodo-te os cornos” é idónea a configurar um crime de injúrias; Com o presente recurso pretende o Mº Pº ver autonomizado o crime de injúrias. Injúria “é a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importa ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém”, dirigida ao próprio lesado. “O bem jurídico lesado pela injúria é prevalentemente a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal” (Nelson Hungria, vol 6, pg 90 e 91, Comentários ao Cod Penal, Brasileiro). O bem protegido no art 181 do Cod Penal é a honra e a consideração do visado. A honra consiste “no conjunto de qualidades morais-probidade, lealdade e carácter que exornam a personalidade” enquanto que a consideração social “é o conceito dos outros sobre a personalidade moral de alguém, a estima ou o respeito que lhe tributam” (CJ, 1979, tomo 2, 495) É óbvio que para analisarmos se determinada expressão é ou não injuriosa temos que analisar todo o circunstancialismo envolvente pois”nem tudo o que parece é”. Resulta dos factos apurados que “no dia … de 2008, cerca das 17:30, quando o ofendido, AA... se encontrava, junto a uma moradia que estava a construir, o arguido saiu de dentro da sua residência, situada num terreno contíguo ao do ofendido, munido com um pequeno objecto de cor preta, que àquele pareceu tratar-se de uma pistola, e dirigiu-lhe as seguintes palavras «Não tenho medo nenhum de ti.", «Não tenho medo de ti nem de ninguém, eu fodo-te os cornos». Tais palavras foram proferidas de modo sério, agressivo e intimidatório, no intuito de criar no ofendido o receio de vir efectivamente a ficar lesado na sua integridade física, intuito que logrou alcançar, já que aquele passou a sentir a sua liberdade de movimentos e a sua autonomia seriamente condicionadas pelo medo de ver concretizado o mal anunciado”. Ora, para que estivéssemos perante um crime de injúrias era necessário que a expressão ”fodo-te os cornos” tivesse um conteúdo ofensivo da honra e consideração do assistente. E não, esta expressão está carregada de provocação de ameaça , de desafio, mas não de ofensa à honra. É evidente, que é uma expressão verdadeiramente grosseira, porca, evidenciando falta de educação por parte de quem a profere, mas não foi proferida com um sentido de injuriar mas sim, de ameaçar. Foi mais no sentido de “Não tenho medo de ti nem de ninguém eu vou-te ao focinho”. No contexto em que a expressão foi proferida não teve a intenção de pôr em causa o carácter, o bom nome, ou a reputação do assistente. Apenas revela a falta de educação do arguido. É uma expressão censurável do ponto de vista moral e social mas que não releva nos termos pretendidos pelo Ministério Público. Termos em que se tem o recurso interposto por improcedente. Sem custas. Alice Santos (Relatora) Belmiro Andrade |