Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
480/20.8TXCBR-U.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: EXECUÇÃO SUCESSIVA DE VÁRIAS PENAS DE PRISÃO
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL EM RELAÇÃO A UMA DAS PENAS
NOVA LIBERDADE CONDICIONAL QUANTO À PENA NO ÂMBITO DA QUAL OCORREU A REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA - JUÍZO DE EXECUÇÃO DE PENAS – JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 61.º, 63.º, N.º 4, E 64.º, N.ºS 2, 3 E 4, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 185.º, N.º 8 DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Sumário: I - A revogação de uma liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, vulgarmente designada de remanescente da pena, que corresponde ao período que falta cumprir, apurado por meio do desconto, na pena constante da sentença condenatória, do tempo já cumprido em estabelecimento prisional e aquele que decorreu no período de libertação condicional.

II - A pena resultante de revogação, numa situação de execução sucessiva de penas, deve ser objecto de um tratamento autónomo, tendo o recluso direito a que lhe seja novamente apreciada a liberdade condicional pelos 2/3 e aos 5/6 da pena a que fazem referência, respectivamente, os n.ºs 3 e 4 do artigo 61.º, por força da remissão efectuada no n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal.

III - Os novos marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena resultante da revogação da liberdade condicional e não por referência à inicial pena de prisão, da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada.

IV - A supressão da possibilidade de nova concessão de liberdade condicional constitui uma restrição do direito fundamental da liberdade garantido no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa e coloca em causa a sociabilização pretendida pela liberdade condicional.

Decisão Texto Integral: *



Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
             1. O DESPACHO RECORRIDO

Nos autos de Liberdade Condicional (Lei nº 115/2009), registados sob o nº 480/20...., pendente no Juízo de Execução de Penas de Coimbra – Juiz 1 -, foi DECIDIDO, por decisão datada de 23 de Maio de 2024, o seguinte (transcrição, com sublinhados e bold da nossa lavra):
«Ref. 3723634
Não logramos aderir à liquidação que antecede, devendo continuar, em nossa perspectiva, a valer o cômputo constante da Ref. 3696090 e que foi homologadao por despacho sob Ref. 3702977. Ainda que não, obviamente, por força da intervenção da jurisprudência fixada no AUJ nº 7/2019 à luz da Decisão Sumária nº 245/2024 proferida pelo Tribunal Constitucional no apenso S. Que concluiu pela contrariedade à Lei Fundamental do critério normativo contido “no nº 4 do artigo 63º do Código Penal, segundo a qual, havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro, não podendo quanto a ela beneficiar de liberdade condicional, por afetar de forma desproporcionada o princípio da ressocialização, extraível da conjugação dos artigos 1º, 2º e 25º, nº 1, da Constituição”.
Cabe, efectivamente, dar observância ao juízo de inconstitucionalidade ali alcançado. Mas tal não significa que tal force a consideração constante da liquidação antecedente que a pena residual de 8 meses e 11 dias deverá figurar como pena autónoma passível de beneficiar da liberdade condicional na sua ½ ou nos 2/3 [após o natural decurso do prazo mínimo de 6 meses definido no nº 2 do artigo 61º do Código Penal]. Na verdade, a consideração de inconstitucionalidade constante do apenso S significa que este Tribunal não poderá aplicar uma regra segundo a qual a revogação da liberdade condicional pela prática de novo ilícito impede a concessão de nova liberdade condicional, mesmo que estejam verificados os correspondentes pressupostos, na execução da mesma pena. Mas não responde, obviamente, à problemática centrada na definição desses pressupostos… E esta continua a ser uma questão relevante e não unívoca!
Diga-se, aliás, que os contornos do problema continuam a estar emblematicamente sintetizados no sobredito AUJ nº 7/2019. Onde se adiantava que se poderiam configurar três vias de tratamento da pena residual para efeitos da liberdade condicional… Uma primeira que corresponde à jurisprudência que resultou uniformizada e que não podemos aplicar neste processo em função do juízo de inconstitucionalidade alcançado na Decisão Sumária nº 245/2024. Mas o AUJ nº 7/2019 desenvolve outras perspectivas jurisprudenciais em matéria de tratamento dispensado à pena residual:
Em contraponto, outra parte da jurisprudência das Relações entende que a exclusão imposta pelo nº 4 do art. 63º do CP apenas impede a apreciação e concessão conjunta da liberdade condicional à pluralidade das penas em execução mas não que aquela cuja execução resulta de revogação da liberdade condicional seja tratada autonomamente admitindo uma nova liberdade condicional, nos termos dos artigos 64º, nºs 2 e 3, e 61º nº 4 (solução propugnada no acórdão fundamento), inclinando-se no sentido de relevar, na renovação da instância, todos os momentos da liberdade condicional anteriores à revogação dessa liberdade.
Entende-se em tais acórdãos que o art. 64º, nº 2 do Código Penal ao dispor que a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, origina um retrocesso ao início do cumprimento da pena para efeitos de nova concessão de liberdade condicional.
Isto é, se a liberdade condicional foi concedida a meio da pena – e antes desse momento não poderá ser concedida – então, após a revogação da liberdade condicional, na renovação da instância, o condenado só poderá beneficiar da liberdade condicional aos 2/3 e aos 5/6 da pena em que foi condenado, esta já como liberdade condicional obrigatória.
Neste sentido, entre outros, apontam os seguintes acórdãos:
- Acórdão da Relação do Porto de 22-02-2006, Proc. 0640101 [12];
- Acórdão da Relação do Porto de 15-09-2010, Proc. 3670/10.8TXPRT-D.P1 [13];
- Acórdão da Relação do Porto de 03-10-2012, Proc. 3944/10.8TXPRT-H.P1 [14];
- Acórdão da Relação do Porto de 04-02-2015, no Proc. 3242/10.7TXPRT-B.P1[15];
- Acórdão da Relação do Porto de 12-9-2018, no Proc. 1374/10.0TXCBR-G.P1[16];
- Acórdão da Relação de Coimbra de 15-12-2010, Proc. 444/96.0TXEVR-B.C1 [17];
 - Acórdão da Relação de Évora de 06-02-2018, Proc. 736/10.8TXEVR-N.E1 [18];
 - Acórdão da Relação de Coimbra de 07-04-2010, Proc. 694/96.0TXPRT-C.C1 [19];
 - Acórdão da Relação de Évora de 06-02-2018, Proc. 736/10.8TXEVR-N.E1 [20];
Os argumentos evidenciados nestas decisões judiciais, são essencialmente os seguintes:
- O artigo 63º nº 4 exclui para as situações de pluralidade de penas a executar a aplicabilidade dos seus nºs 1, 2 e 3, mas não exclui a aplicabilidade do artigo 64º nº 3, que por sua vez remete para as três modalidades de liberdade condicional do artigo 61º;
- O artigo 64º nº 3, ao dispor “pode” não visa afastar o regime automático de concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da pena mas apenas esclarecer que nada obsta à concessão da liberdade condicional ao condenado que dela já beneficiou anteriormente;
- O acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 3/2006 (que já referimos atrás), ao considerar irrelevante a descontinuidade no cumprimento da pena à qual se deva conceder a liberdade condicional, motivada por ausência ilegítima do condenado, é aplicável por maioria de razão às situações em que essa descontinuidade resultou da concessão de liberdade condicional que veio a ser revogada;
- O efeito do artigo 63º nº 4 é apenas excluir do regime de execução sucessiva, mais favorável ao condenado, a pena em que veio a ser revogada liberdade condicional anteriormente concedida, que passa a ser cumprida e sujeita à avaliação da liberdade condicional autonomamente.
Em sentido um pouco diverso, outra parte da jurisprudência das Relações defende que da revogação da liberdade condicional resulta, para efeitos de concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º do Código Penal, uma pena que deve ser tratada juridicamente como autónoma e é com base nessa pena remanescente que se deverá apreciar da verificação dos pressupostos quanto à admissibilidade da liberdade condicional.
É a posição que parece resultar, designadamente, do acórdão da Relação de Coimbra de 16-02-2017, Proc. 646/11.1TXCBR-J.C1
[sublinhado nosso]
Temos como manifesto que a liquidação antecedente adere à última das orientações transcritas. Pois que adiciona o remanescente de 8 meses e 11 dias às penas de 8 meses e 9 meses de prisão impostas, respetivamente, nos processos nº 208/22.... e 218/19.... E alcançando um tempo de cumprimento total de 25 meses e 11 dias, calcula, ainda que com respeito pelos mínimos legais do artigo 61º, nº 2 do Código Penal, os subsequentes marcos globais e conjuntos da ½ e dos 2/3! Configurando, nesta senda, a pena residual quase como uma nova sanção que se autonomiza daqueloutras que foram impostas nos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20.... e por referência a cuja execução foi concedida a anterior liberdade condicional. Em síntese, a liquidação que antecede preconiza que uma pena residual deverá conhecer a normal sindicância da liberdade condicional nos seus próprios marcos temporais da 1/2, dos 2/3 e dos 5/6. Ingressando, nessa medida, em cumprimento sucessivo com as novas sanções…
Não é esta, no entanto, a nossa posição. Na verdade, afastada que está a aplicabilidade da regra do AUJ nº 7/2019, não podemos, após aturada ponderação [que só agora se impôs pois que a jurisprudência uniformizada obstou a que nos confrontássemos com tal questão em momento prévio], deixar de aderir à orientação que pugna por uma continuidade de execução das penas originárias que motivaram a liberdade condicional. No que se já tinha sido apreciado um dado marco temporal das sanções dos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20...., não caberá operar nova sindicância desse mesmo crivo ainda que agora estritamente indexado ao tempo remanescente. Impondo-se tão somente dar continuidade à execução interrompida com a liberdade condicional e sindicar o marco subsequente [a existir].
Fazemos uso, em defesa de tal posição, dos argumentos vertidos no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Novembro de 2017 [Processo nº 441/13.3TXPRT-L.P1]. Mobilizando, aliás, as palavras mobilizadas neste mesmo aresto para ilustrar os paradoxos ínsitos no entendimento oposto:
Porém, se testarmos a tese de que os prazos para a nova liberdade condicional se contam em função do resto não cumprido da pena, chegamos a resultados que temos de reputar como muito duvidosos.
Imaginemos a situação de um recluso condenado a uma pena de 20 anos de prisão, a quem foi revogada a liberdade condicional concedida ao meio da pena. Se o cômputo dos prazos para a concessão da liberdade condicional subsequente se fizer em função do remanescente da pena, de cada vez que ocorrer nova revogação haverá outro remanescente de pena passível de beneficiar de nova liberdade condicional. E assim, neste exemplo de uma pena de 20 anos, o recluso poderá beneficiar ao todo de cinco períodos de liberdade condicional, o primeiro ao meio da pena originária (aos 10 anos) e os restantes ao meio de cada uma das "novas penas": 5 anos e depois aos 2 anos e 6 meses, a 1 ano e 3 meses e aos 7 meses e 15 dias. Certamente não pode ter sido esta a solução pretendida pelo legislador, na medida em que é manifestamente contrária aos propósitos de ressocialização e defesa da ordem e paz social subjacentes ao gradualismo e regras estabelecidos no artigo 61º.
Mas vejamos ainda o mesmo exemplo da pena de 20 anos de prisão, desta vez com a concessão de liberdade condicional apenas aos cinco sextos da pena, isto é, com 16 anos e 8 meses cumpridos. Havendo revogação da liberdade condicional, se considerarmos o remanescente de 3 anos e 4 meses de pena não cumprida como uma "nova pena", temos que o recluso poderá ainda beneficiar de nova condicional ao meio desse remanescente, quando perfizer 1 ano e 8 meses do novo período, e se revogada uma vez mais, poderá ainda ser-lhe concedida de novo a medida ao meio da parte ainda não cumprida da pena, quando perfizer mais 10 meses de prisão. E deste modo, num caso em que não se verificaram na pena originária os pressupostos materiais para a concessão da liberdade condicional ope judicis nos momentos próprios do artigo 61º nºs 2 e 3, o recluso que ainda assim violasse os deveres inerentes à liberdade condicional concedida ope legis no derradeiro momento dos cinco sextos, teria novas possibilidades de apreciação judicial dos pressupostos materiais que já antes tinham sido tidos como não verificados. Também não pode ter sido este o propósito do legislador. Um recluso que numa pena longa não conseguiu oferecer as garantias de ressocialização suficientes para ser libertado condicionalmente ao meio ou aos dois terços da pena, só o vindo a ser aos cinco sextos, com base em pressupostos diferentes, decorrentes da necessidade de lhe permitir uma adaptação à liberdade, uma vez revogada a liberdade condicional não pode vir a beneficiar novamente dessa medida.
E atentemos noutro exemplo final: o do condenado que cumpre pena de 12 anos de prisão e a quem é concedida liberdade condicional aos dois terços (8 anos cumpridos). Contando-se o prazo para a concessão a nova liberdade condicional tendo apenas em conta o remanescente de 4 anos que falta cumprir, retira-se ao condenado a possibilidade de beneficiar da libertação condicional obrigatória aos cinco sextos da pena, na medida em que a pena originária o permitia mas o remanescente, se tido como pena autónoma para o efeito do novo cálculo, o não permite.
Em defesa desta tese interpretativa de que para os efeitos do artigo 64º, nº 3, o cômputo dos prazos do artigo 61º se faz tendo o remanescente da pena não cumprida como uma nova pena, usa-se um exemplo para afirmar que a solução contrária conduz a resultados indesejáveis. Um recluso condenado numa pena de 6 anos e 6 meses de prisão, que beneficia da liberdade condicional aos dois terços da pena mas que por atraso na estabilização da sua situação prisional só é efectivamente libertado quando já cumpriu 5 anos; nesse caso, se violar de imediato a liberdade condicional e esta lhe for revogada, regressa ao cumprimento da pena, que no entanto será de novo interrompida poucos meses depois com a concessão da liberdade condicional obrigatória aos cinco sextos da pena (aos 5 anos e 6 meses). Diz-se que há aqui uma incongruência sistemática, na medida em que o recluso que acabou de demonstrar que não reúne as condições de ressocialização em liberdade inerentes à liberdade condicional volta a beneficiar dessa medida quase imediatamente.
Pensamos que esta objecção improcede. Se atentarmos bem nas diferentes razões da concessão de liberdade condicional aos cinco sextos da pena vemos que não há qualquer incongruência. Na metade e aos dois terços a concessão de liberdade condicional depende da verificação de pressupostos materiais de garantia da ressocialização e de defesa da ordem e paz social que o recluso tem de demonstrar. Aos cinco sextos de penas superiores a seis anos (desde que o recluso consinta) a concessão de liberdade condicional é automática e visa proporcionar um período de adaptação à liberdade, ainda que sejam evidentes a perigosidade e o risco social da libertação. Nessa medida, não há diferença substancial entre colocar em liberdade condicional aos cinco sextos da pena o recluso que dela nunca beneficiou antes por existir um elevado risco de reincidência e o recluso que viu a anterior liberdade condicional revogada por terem falhado os pressupostos de ressocialização que a tinham determinado.
Do que temos vindo a dizer decorre já que aderimos à tese interpretativa de que após uma revogação da liberdade condicional, para os efeitos do artigo 64º, nº 3, o cômputo dos prazos do artigo 61º se faz tendo em conta toda a pena originária e não apenas a parte dela não cumprida. Quer isto dizer que um arguido libertado a meio ou aos dois terços de uma pena de prisão superior a 6 anos e que viu a liberdade condicional revogada beneficiará ainda da libertação ope legis aos cinco sextos da pena. Consequentemente, se a liberdade condicional revogada for a concedida aos cinco sextos da pena, o recluso não terá direito a nova liberdade condicional, independentemente do resto que faltar cumprir.
Mas se assim é, tal significa necessariamente que a pena residual derivada da revogação da liberdade condicional por referência aos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20.... não poderá conhecer nova apreciação da liberdade condicional. Não por aplicação do critério normativo do AUJ nº 7/2019 e cujo juízo de inconstitucionalidade respeitamos… Mas antes pela simples razão que a sobredita liberdade condicional foi concedida aos 2/3 das penas sucessivas em execução! Ao ponto de, retomando-se a correspondente execução e sendo o tempo total de reclusão de 31 meses [não passível de liberdade condicional aos 5/6], não existir qualquer outro marco temporal susceptível de conduzir a uma libertação antecipada. Só assim não seria [e aqui se vendo o claro respeito pela Decisão Sumária nº 245/2024 proferida pelo Tribunal Constitucional] se a liberdade condicional tivesse sido concedida na ½ das penas dos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20.... [hipótese em que caberia agora sindicar dos 2/3] ou se o tempo total de cumprimento destas fosse superior a 6 anos [hipótese em que caberia agora sindicar dos 5/6].
No que se mantém, nesta lógica e como se disse, a liquidação sob Ref. 3696090.
Devendo o recluso … observar o tempo que falta cumprir das penas dos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20.... [pois que, quanto a elas, já beneficiou de liberdade condicional aos 2/3].
Iniciando, após, o cumprimento das penas dos processos nº 208/22.... e 218/19... e que serão objecto de apreciação de liberdade condicional em 27 de Março de 2025 [1/2 e 2/3] e findarão em 27 de Agosto de 2025.
Notifique e dê conhecimento».

            2. O RECURSO
Inconformada, a Exmª Magistrada do Ministério Público recorreu de tal decisão, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. O recluso … foi condenado a cumprir
- a pena de 8 (oito) meses de prisão … - a pena de 9 (nove) meses de prisão determinada no processo 218/19...; e
- a pena residual de 8 (oito) meses e 11 (onze) dias de prisão, resultante da decisão proferida no processo 480/20...., transitada em julgado a 02.10.2023, que revogou a liberdade condicional concedida ao recluso quando cumpria as penas a que foi condenado nos processo 6/20...., 64/20.... e 2356/20.....
2. Para efeitos da apreciação da liberdade condicional, nos termos do disposto no art. 141º do CEPMPL, o Ministério Público elaborou a 17.05.2024 o cômputo do cumprimento sucessivo dessas penas.
3. Levando em conta o determinado nos arts. 61º, 63º e 64º, nºs 2 e 3 do Código Penal, o disposto no art. 185º, nº8 do CEPMPL e o teor da decisão do Tribunal Constitucional proferida a 10.04.2024 no apenso 480/20.8TXCBR-S, foi calculada a data de 27 de Agosto de 2025, como sendo o fim do cumprimento das penas, e computado o dia 16 de Janeiro de 2025, como sendo a data a partir da qual pode ser apreciada a liberdade condicional (½ e 2/3 das três penas em execução, salvaguardado o mínimo legal de 6 meses previsto no nº2 do citado art. 61º do Código Penal).
4. Por despacho de23.05.2024 o Tribunal não homologouesse cômputo das penas de prisão.
5. Foi definida a data de 27 de Agosto de 2025 como o fim do cumprimento das três penas em execução,
6. decido que o recluso deve observar todo o tempo da pena residual (8 meses e 11 dias), resultante da revogação da liberdade condicional concedida aquando do cumprimento das penas aplicadas nos processos 6/20...., 64/20.... e 2356/20...., por já ter beneficiado da liberdade condicional aos 2/3 do cumprimento dessas penas.
7. e, consequentemente, como marco para apreciação da concessão da liberdade condicional, foi fixado o dia 27 de Março de 2025, correspondendo à metade e dois terços das penas aplicadas nos processos 208/22.... e 218/19... (salvaguardados os seis meses de cada uma delas – o mínimo legal estabelecido no nº2 do art. 61º do Código Penal) acrescido do total da pena residual.
8. Tal despacho ofende as normas dos arts. 61º, 63º, 64º, nºs. 2 e 3 do Código Penal e o princípio da proporcionalidade reconhecido no art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa
9. E prejudica a garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais de que o condenado aproveita.
10. A revogação da liberdade condicional dá lugar ao cumprimento de uma pena residual cuja duração é igual à parte não cumprida da pena em execução aquando da concessão da liberdade condicional.
11. A pena residual por revogação da liberdade condicional, apesar de se traduzir no remanescente da pena inicial, é desta funcionalmente autónoma, sendo legalmente admissível a apreciação/concessão de nova liberdade condicional nos termos do disposto nos arts. 61º e 64º, nº3 do Código Penal.
12. Efectivamente, os nº 2 e 3 do citado art. 64º do Código Penal dispõem:

13. E o nº 8 do artigo 185º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade estabelece:

14. Assim foi decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.02.2017, proferido no processo 646/11.1TXCBR-J.C1
«I - Os marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena de prisão ainda não cumprida, resultante da revogação da liberdade condicional, e não por referência à inicial pena de prisão da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada.
II - Como resulta das actas da Comissão de Revisão do Código Penal a propósito da redação do art. 64º, 2 do Projeto, que veio dar lugar ao art.64º, 3, do Código Penal na Revisão de 1995, o Prof. Figueiredo Dias, que presidiu à Comissão de Revisão do Código Penal de 1982, afirmou que o 2 nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto».
15. Igual posição foi assumida no Acórdão da Relação de Coimbra de 03.12.2008, proferido no processo 1508/06.0TXCBR.C1.
16. E tal tese é sufragada pela doutrina como desses arestos consta.
17. É esse o entendimento defendido pelo Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 550), quando sublinha que "esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar", entendimento reiterado na Comissão Revisora do Código Penal de 1982 (Actas e Projecto, Ministério da Justiça, 1993, pág.157), quando, a propósito da determinação de qual a pena a cumprir insistiu que "nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto desta. Quanto à questão de nova liberdade condicional, é uma verdadeira e importante questão de política criminal que aqui está em jogo"
18. O Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, entende, também, que para a concessão de uma nova liberdade condicional nos momentos em que ela é possível, deverá ter-se em conta apenas o período de tempo que resta cumprir e, portanto, o meio, dois terços ou cinco sextos da pena faz-se consoante aquela parcela analisada de forma autónoma. É o que resulta do exemplo que dá, de alguém que tendo sido condenado a 16 anos de prisão vê revogada a liberdade condicional quando lhe faltam cumprir 6 anos de prisão, caso em que poderá beneficiar da liberdade condicional facultativa aos 3 anos (à metade da pena) ou aos 4 anos ( aos dois terços da pena) - Cf. “Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, edição 2010, pág. 255, anotações 7 e 8.
19. E em anotação ao art. 64º do Código Penal, diz o Cons. Maia Gonçalves, …
20. Pois, segundo o preceituado no nº 1 do art. 40º do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
21. E, de acordo com o estatuído no nº1 do art. 42º do mesmo diploma legal, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
22. Na verdade, o direito penal e penitenciário português tem uma forte inspiração humanista.
23. A liberdade condicional tem como finalidade a socialização, a certa altura do cumprimento dapenade prisão asuaexecução podeserfeitaem liberdade, sujeita acertas exigências, logo que o condenado se mostre preparado para sair do estabelecimento prisional tendo interiorizado o desvalor da sua conduta.
24. E do teor do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido a 10.04.2024 no processo 480/20.8TXCBR-S, afigura-se poder inferir que importará sempre salvaguardar o princípio da ressocialização.
25. Pelo exposto, a decisão recorrida de 23.05.2024 deve ser revogada e substituída por outra que homologue o cômputo do cumprimento sucessivo de penas elaborado nos autos a 17.05.2024».

            3. Não houve respostas em 1ª instância.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, aderindo à posição do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo, assim, seu parecer no sentido do provimento ao recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea b) do mesmo diploma.
                                   
            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso


Assim, é só esta a questão a decidir por este Tribunal:
· Discute-se se, tendo sido concedida a liberdade condicional a recluso aquando do cumprimento dos 2/3 da pena de prisão em que havia sido condenado, e tendo essa liberdade condicional sido posteriormente revogada, poderá ser novamente apreciada a liberdade condicional à ½ e aos 2/3 do remanescente da pena que lhe falta cumprir?
· Ou seja, quais os correctos marcos de cumprimento das penas aplicadas ao arguido?

            2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            2.1. Duas teses estão aqui em confronto:
1ª) - A do MP recorrente, segundo a qual da revogação da liberdade condicional resulta, para efeitos de concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º do Código Penal, doravante CP, uma pena que deve ser tratada juridicamente como autónoma e é com base nessa pena remanescente que se deverá apreciar da verificação dos pressupostos quanto à admissibilidade da liberdade condicional.
Para essa tese, adiciona-se o remanescente de 8 meses e 11 dias às penas de 8 meses e 9 meses de prisão impostas, respectivamente, nos processos nº 208/22.... e 218/19....
Depois, alcançando um tempo de cumprimento total de 25 meses e 11 dias, calcula-se, ainda que com respeito pelos mínimos legais do artigo 61º, nº 2 do CP, os subsequentes marcos globais e conjuntos da ½ e dos 2/3.
Por aí segue a liquidação promovida pelo MP com data de 17 de Maio de 2024.
No fundo, a liquidação em causa preconiza que uma pena residual deverá conhecer a normal sindicância da liberdade condicional nos seus próprios marcos temporais da 1/2, dos 2/3 e dos 5/6.
2º)- A do despacho recorrido que pugna por uma continuidade de execução das penas originárias que motivaram a liberdade condicional.
Portanto, se já foi apreciado um dado marco temporal das sanções dos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20.... (as 3 primeiras penas aplicadas antes da liberdade condicional concedida em 25 de Agosto de 2022), não caberá operar nova sindicância desse mesmo crivo, ainda que agora estritamente indexado ao tempo remanescente.
Por isso, na lógica do despacho sob recurso, apenas se impõe dar continuidade à execução interrompida com a liberdade condicional e sindicar o marco subsequente.
Para esta tese, a pena residual derivada da revogação da liberdade condicional por referência aos processos nº 6/20...., 64/20.... e 2356/20.... não poderá conhecer nova apreciação da liberdade condicional, não por força do critério ínsito ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019 (o qual foi alvo de várias decisões do Tribunal Constitucional que tem vindo a considerar, embora de forma não unânime, que «é inconstitucional a norma contida no nº 4 do artigo 63º do CP, segundo a qual, havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro, não podendo quanto a ela beneficiar de liberdade condicional, por afetar de forma desproporcionada o princípio da ressocialização, extraível da conjugação dos artigos 1º, 2º e 25º, nº 1, da Constituição»), mas pelo facto de a liberdade condicional já ter sido concedida aos 2/3 das penas sucessivas em execução.
Ou seja: duas teses, colhidas na doutrina e ensaiadas pela jurisprudência, em matéria de interpretação da norma do art. 63º, nº 4 do CP: cumprimento integral do remanescente ou tratamento autónomo da pena emergente da revogação para efeitos de nova concessão de Liberdade Condicional.
Dito de outra forma: havendo lugar à execução sucessiva de várias penas, caso seja revogada a liberdade condicional em relação a uma das penas, o condenado terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no art. 63º, nº 4, ou poderá ainda beneficiar de nova liberdade condicional quanto à pena no âmbito da qual ocorreu a revogação, nos termos do artigo 64º. nº 3?
No nosso caso, temos uma revogação de uma liberdade condicional - tal revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida (em virtude de lhe ter sido concedida liberdade condicional), podendo ter lugar, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, a concessão de nova liberdade condicional[1], nos termos do art. 61º do CP ex vi art. 64º, nºs 2 e 3.
Verificado o fracasso do juízo de prognose que esteve na base da concessão da liberdade condicional, o respeito devido à sentença condenatória não pode deixar de conduzir a que seja executada a prisão pelo tempo que faltava cumprir, vulgarmente designada de remanescente da pena, emergente da revogação da liberdade condicional.
Esse remanescente da pena há-de corresponder ao período que falta cumprir, apurado por meio do desconto, na pena constante da sentença condenatória, do tempo já cumprido em estabelecimento prisional e aquele que decorreu no período de libertação condicional
 Aqui chegados, não temos qualquer dúvida em validar a tese do MP recorrente, na linha do já aqui decidido pelos acórdãos desta Relação, datados de 16/2/2017 e 3/12/2008, referenciados no recurso em causa.
Na verdade:
O recluso que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.
Cumprindo outras penas para além desta, não pode tal direito ser afastado na contagem da sucessão de penas e ser-lhe imposto, ao arrepio de lei expressa, o cumprimento da totalidade da pena residual.
Por força da revogação da liberdade condicional concedida aos 2/3 das penas sucessivas de 16 meses, 8 meses e 7 meses de prisão, tem o condenado a cumprir, tal como computado pelo MºPº, o remanescente de 8 meses e 11 dias de prisão.
Tal como dispõe o art.185º, nº 8 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, “em caso de revogação, o Ministério Público junto do tribunal de execução de penas efectua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do nº 3 do artigo 64º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado”.
Dispõe o nº 3 do art.64º do CP que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º”.
Do exposto resulta, assim, que é através da aplicação dos critérios a que alude o art.61º do CP que se encontrarão os marcos temporais no caso de revogação da liberdade condicional, marcos temporais esses que são computados por referência “à pena de prisão que vier a ser cumprida” (cfr. nº 3 do cit. art.64º).
De resto, este é o entendimento defendido pelo nosso Mestre de Coimbra, Jorge de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 550) que, sobre tal, assim se pronuncia: “esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar[2].
De outra forma: os novos marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena resultante da revogação da liberdade condicional e não por referência à inicial pena de prisão, da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada.
E aderimos aos argumentos doutamente avançados no aresto de Coimbra, proferido no Pº 646/11.1TXCBR-J.C1 (não nos revendo, de todo em todo, na tese defendida pela Relação do Porto, em aresto mencionado profusamente na decisão recorrida):
“O art.54º, nº 3 do Projeto de Código Penal de 1963 consignava que «No caso de revogação da liberdade condicional será executada a pena de prisão ainda não cumprida, podendo contudo o tribunal, se o considerar justificado, reduzir o tempo de prisão a cumprir».
Nesta redação, não se previa a possibilidade da concessão de nova liberdade condicional em caso de revogação da liberdade condicional, mas apenas a possibilidade de redução do tempo de prisão a cumprir.
Tal situação veio a alterar-se com o Código Penal de 1982.
Assim, o art.63º, nº2, na sua primitiva redação, passou a consignar o seguinte:
«2 - A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida; pode, contudo, o tribunal, se o considerar justificado, reduzir até metade o tempo de prisão a cumprir, não tendo o delinquente, em caso algum, direito à restituição de prestações que haja efectuado. Relativamente à prisão que venha a executar-se, pode ser concedida, nos termos gerais, nova liberdade condicional».
A propósito desta primitiva redação do Código Penal de 1982 o Prof. Figueiredo Dias, na obra citada no despacho recorrido, escreveu o seguinte:
“Segundo o disposto no art.63º-2, a revogação determina a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, podendo relativamente a esta parte, ser concedida de novo liberdade condicional, nos termos gerais. Esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efetuar”.
Esta matéria foi entretanto alterada com a revisão do Código Penal levada a efeito pelo DL nº 48/95, de 15 de março, passando o art.64º do Código Penal, a estabelecer na parte que aqui importa, o seguinte:
«2. A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.
3. Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º».
A substituição da referência “termos gerais” constante do art.63º, nº2, do Código Penal, na primitiva redação, pela referência “termos do art.61º ”, constante do art.64º, nº3 do Código Penal, ao mesmo tempo que se pugnou pela alteração do então art.483º do Código de Processo Penal, que veio a ser levada a cabo pelo DL nº 317/95 de 28 de novembro, visará clarificar os tempos de apreciação da liberdade condicional após a revogação da liberdade condicional, fixando-os nos marcos temporais estabelecidos no art.61º do Código Penal.
Parece ser este o sentido que se retira das Atas da Comissão Revisora do Código Penal de 1982, quando aí se consigna que o Prof. Figueiredo Dias frisou que “ houve uma tentativa de ressocialização que falhou por razões relevantes (por exemplo, a prática de um crime); não faz sentido, posteriormente, levantar periodicamente a questão da liberdade condicional, para além do previsto nos termos gerais (artigo 61º)” e que “ A Comissão assentou na necessidade de proceder à alteração do art.483º do Código de Processo Penal).”.
O art. 61º do Código Penal, para que remete o nº3 do art.64º, enuncia os pressupostos e duração da liberdade condicional, estabelecendo o seguinte:
«1 - A aplicação da liberdade condicional depend\e sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena».
Enquanto nestes nºs 2 e 3 se regulam as chamadas modalidades facultativas da liberdade condicional, no nº4 regula-se a chamada liberdade condicional obrigatória, na medida em que o condenado a pena de prisão superior a seis anos é imediatamente colocado em liberdade condicional logo que tiver cumprido cinco sextos da pena independentemente da evolução da sua personalidade e de razões de prevenção geral.
Considerando que o condenado pode estar sujeito à execução sucessiva de várias penas o art.63º do Código Penal veio estabelecer o momento em que, nesse caso, o condenado deve ser colocado em liberdade condicional. Porém, o seu nº 3 clarifica que se a execução de uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará no computo para calcular o momento em que o o condenado é colocado em liberdade condicional, devendo ser cumprida autonomamente.
Aqui chegados importa decidir se a “pena de prisão ainda não cumprida” (nº1 do art.64º do C.P.), também chamada de pena remanescente, relativamente à qual “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º”, (nº 2 do art.64º do C.P.), deve ser ainda vista como a pena inicial ou já como uma outra pena, uma pena autónoma.
Uma parte da jurisprudência, embora essencialmente a propósito do art.63º, nº 4 do Código Penal, vem-se inclinando no sentido de relevar, na renovação da instância, todos os momentos da liberdade condicional anteriores à revogação dessa liberdade.
O art.64º, nº 2 do Código Penal ao dispôr que a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, origina um retrocesso ao início do cumprimento da pena para efeitos de nova concessão de liberdade condicional.
Isto é, se a liberdade condicional foi concedida a meio da pena – e antes desse momento não poderá ser concedida – então, após a revogação da liberdade condicional, na renovação da instância, o condenado só poderá beneficiar da liberdade condicional aos 2/3 e aos 5/6 da pena em que foi condenado, esta já como liberdade condicional obrigatória. Neste sentido, entre outros, apontam os acórdãos da Relação de Coimbra, de 7 de abril de 2010 (proc. nº 694/96.0TXPRT-C.C1, rel. Esteves Marques) e de 15 de dezembro de 2010 (proc. nº 444/0EVR-B.C1 rel Jorge Jacob, que contem um lapso no ponto 4 do sumário), e da Relação do Porto, de 22 de fevereiro de 2006 (proc. nº 064011, rel. Isabel Pais Martins) e de 12 de setembro de 2007 (proc. nº 0744619) – in www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, outra parte da jurisprudência defende que da revogação da liberdade condicional resulta, para efeitos de concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º do Código Penal, uma pena que deve ser tratada juridicamente como autónoma. É a posição que parece resultar, designadamente, do acórdão da Relação de Évora, de 15 de dezembro de 2016 (proc. nº 4057/10.8TXLSB-I.E1, REL. Carlos Berguete Coelho) e do acórdão do STJ de 1 de outubro de 2015 (proc. nº 114/15.2YFLSB.S1).
Na doutrina, o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, entende - no seguimento da transcrição do segmento da lição do Prof. Figueiredo Dias referido na douta decisão recorrida -, que para a concessão de uma nova liberdade condicional nos momentos em que ela é possível, deverá ter-se em conta apenas o período de tempo que resta cumprir e, portanto, o meio, dois terços ou cinco sextos da pena faz-se consoante aquela parcela analisada de forma autónoma. É o que resulta do exemplo que dá, de alguém que tendo sido condenado a 16 anos de prisão vê revogada a liberdade condicional quando lhe faltam cumprir 6 anos de prisão, caso em que poderá beneficiar da liberdade condicional facultativa aos 3 anos (à metade da pena) ou aos 4 anos (aos dois terços da pena).
E qual é afinal o pensamento do Prof. Figueiredo Dias, que presidiu à Comissão de Revisão do Código Penal de 1982?
A propósito da redação do art.64º, nº2 do Projeto - «Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º» - que veio dar lugar ao art.64º, nº 3 do Código Penal na Revisão de 1995, consta da ata nº16 dessa Comissão de Revisão do Código Penal, que o Ex.mo P.G.A Dr. Lopes Rocha “ frisou a existência de algumas dúvidas que, no seu entender, deveriam obter resposta adequada. Face ao nº 2, qual é a pena que se deve considerar, a inicial ou a parte restante? Um agente condenado a 6 anos de prisão vê revogada a liberdade condicional quando lhe falta cumprir 2 anos de prisão. É esta última pena que se encontra prevista no nº2 ? (...)”.
A esta pergunta respondeu o Prof. Figueiredo Dias do modo seguinte: “ o nº2 nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto”.
Esta posição doutrinária cremos que é a mais consentânea com o sentido e conteúdo do art.64º do Código Penal, designadamente com a remissão do seu nº 3 para os termos do art.61º do mesmo Código, pois deste modo o condenado que viu a liberdade condicional revogada “pode” ver apreciada a sua concessão à metade e aos dois terços “da pena de prisão ainda não cumprida” – aos cinco sextos já é obrigatória a sua concessão.
A posição jurisprudencial que parte do cumprimento da pena inicial para renovação da liberdade condicional a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º apenas se “pode” cingir aos dois terços da pena inicial, pois quando foi concedida a liberdade condicional objeto de revogação já tinha decorrido seguramente a metade da pena. Se quando foi concedida a liberdade condicional objeto de revogação já tinham decorrido os dois terços da pena, o condenado não beneficiará da liberdade condicional facultativa.
É o que aconteceria no presente caso, seguindo-se a posição que retrocede ao início do cumprimento da pena para efeitos de nova concessão de liberdade condicional, pois o recluso A... foi condenado numa pena de 5 anos e 4 meses de prisão e foi-lhe sido concedida a liberdade condicional aquando do cumprimento dos 2/3 da pena em que havia sido condenado. A posterior revogação dessa liberdade condicional por incumprimento, obstaria a nova concessão à metade da pena e aos 2/3 da pena a cumprir. E uma vez que a pena em que o arguido A... foi condenado não é superior a 6 anos de prisão não poderia a instância ser renovada aos 5/6 da mesma, no âmbito da chamada liberdade condicional obrigatória a que alude o art.61º, nº4 do Código Penal.
Pelas razões que se deixam expostas entendemos que esta não é e melhor posição.
Também a invocação, por parte do recorrente, do disposto no art.180º, da Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, se nos afigura problemática, como bem anota a Ex.ma Juíza do TEP.
Findos os momentos de concessão da liberdade condicional facultativa previstos no art.61º nºs 2 e 3 do Código Penal, sem que esta tenha sido concedida, a lei prevê a possibilidade de renovação anual da instância naquele art.180º, que sob a epigrafe «Renovação da instância», estabelece no seu nº 1:
«Sem prejuízo do disposto no artigo 61º do Código Penal, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano, a instância renova-se de 12 em 12 meses a contar da data em que foi proferida a anterior decisão».
Sem prejuízo do disposto no artigo 61º do Código Penal, significa que até serem atingidos dois terços de cumprimento da pena de prisão, a reapreciação far-se-á à luz dos critérios de concessão da liberdade condicional a metade da pena (art.61º, nº 2); e que cumpridos dois terços da pena, a reapreciação terá lugar de acordo com o critério estabelecido para a libertação condicional a dois terços da pena (art.61º, nº3) - exceto se se tratar de pena de prisão superior a 6 anos, caso em que valerá somente até serem perfeitos cinco sextos da mesma.
Seguindo a posição do Ministério Público, tendo sido concedida e depois revogada a liberdade condicional, não sendo já legalmente permitida a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art.61º do Código Penal, nem consequentemente a sua recusa , não é fácil concluir que ela lhe foi recusada nos termos e para efeitos de renovação da instância a que alude o art.180º, nº1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Em suma, tal como se defende no douto despacho recorrida, entendemos que os marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena de prisão ainda não cumprida, resultante da revogação da liberdade condicional, e não por referência à inicial pena de prisão da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada”.
 
Também Camila Santos, na tese de Mestrado mencionada em anterior nota de rodapé, disserta que:
«Por tudo o que foi exposto, não acreditamos que subsista justificação dogmática e político-criminalmente válida para a imposição do cumprimento integral da pena remanescente, posição que, carecendo de sustentação do prisma preventivo, não tem em conta a intenção político criminal básica de socialização do delinquente fundada num princípio de emanação jurídico-constitucional, nem a construção do nosso sistema sancionatório em torno das ideias de necessidade como elemento legitimador da intervenção estatal e da privação da liberdade como ultima ratio.
Tal imposição crê-se constitucionalmente ilegítima por violação da norma-princípio de direito fundamental prevista no art. 18º, nº 2 da CRP, traduzindo-se numa restrição excessiva da liberdade individual, por ir além do estritamente necessário. É fruto de uma interpretação extensiva da norma do art. 63º, nº 4, violadora do princípio da legalidade por ultrapassar a barreira semântica das palavras ínsitas no seu enunciado linguístico e tal-qualmente transgressora do princípio da igualdade uma vez que o tratamento diferenciado que dela resulta não encontra fundamento material bastante, justificação objetivamente».
E mais adiante:
«Cremos ainda que a consequência do cumprimento integral da pena prossegue uma finalidade puramente retributiva, enquanto sanção pelo comportamento errático do condenado que motivou a Revogação, que não tem reflexo na fundamentação político-criminal do instituto da liberdade condicional, incidente que se justifica teleologicamente à luz da finalidade preventivo-especial de reintegração do agente na sociedade e do princípio da necessidade de tutela de bens jurídicos, finalidades igualmente apontadas pelos arts. 42º do CP e nº 2 do CEP para a execução da pena de prisão.
A índole unicamente repressiva de tal imposição apurada interpretativamente da norma do art. 63º, nº 4 do CP, não se compatibiliza sequer com a finalidade primordial da pena de proteção de bens jurídicos e sempre que possível de reintegração do agente na sociedade que caracteriza o sistema sancionatório português, pois que, com a revisão de 1995 do CP, ficou definitivamente afastada uma conceção ético-retributiva das sanções penais».
Para a tese que seguimos, a pena resultante de revogação, numa situação de execução sucessiva de penas, deve ser objecto de um tratamento autónomo, partindo da leitura conjugada do art. 63º, nº 4 e 64º, nº 3.
Tal significa que o efeito do artigo 63º, nº 4 seria apenas de excluir do regime de execução sucessiva a pena em que veio a ser revogada a liberdade condicional anteriormente concedida, que passa a ser cumprida e sujeita à avaliação da liberdade condicional autonomamente.
Já com a supressão da possibilidade de nova concessão de liberdade condicional estamos perante uma restrição do direito fundamental da liberdade constitucionalmente garantido (art. 27º da CRP), pois a imposição do cumprimento total da pena, implicando a manutenção de uma situação de aprisionamento físico, nega mediatamente ao visado o exercício do seu direito à liberdade individual.
EM SUMA:
A pena resultante de revogação, numa situação de execução sucessiva de penas, deve ser objecto, de facto, de um tratamento autónomo, tendo o recluso direito a que lhe seja novamente apreciada a liberdade condicional pelos 2/3 e aos 5/6 da pena a que fazem referência respectivamente os nºs 3 e 4 do art. 61º, por força da remissão efectuada no nº 3 do art. 64º do CP.
Tal entendimento baseia-se na leitura, que corroboramos, de que a norma proibitiva do art. 63º, nº 4[3] tem a ratio de obstar à integração da pena decorrente de revogação na “solução da soma” preconizada nos outros números deste artigo e a que se faça uma apreciação conjunta, com as restantes penas sucessivas, dos pressupostos para concessão da liberdade condicional num só juízo.
Para nós, o impedir-se que o arguido que cumpre penas sucessivas goze da possibilidade de liberdade condicional (do mesmo modo que um arguido a cumprir pena única) e, dessa forma, acabe por cumprir a pena por inteiro, coloca em causa a sociabilização pretendida pela liberdade condicional.
E isto na medida em que poderá eventualmente redundar na manutenção da reclusão de um condenado, mesmo que todos os pressupostos materiais previstos para a concessão da liberdade condicional se verifiquem, ao ponto de não ser mais justificada a continuação da privação da liberdade, obstando, injustificadamente, à sua reintegração em meio livre[4].
É esta a tese que melhor se coaduna com a salvaguarda do princípio da ressocialização do condenado, na senda de forte inspiração humanista ínsita à letra do artigo 40º e 42º do CP.

2.2. Pelo exposto, em caso de execução sucessiva de penas de prisão, mesmo que uma delas resulte da revogação da liberdade condicional (pena residual), devem somar-se todas elas para, relativamente ao total apurado, se encontrarem os novos marcos de liberdade condicional, na linha do preceituado pelos artigos 61º e 63º do CP (marcos esses a calcular dentro da pena de prisão ainda não cumprida e nunca por referência às iniciais penas de prisão).
Daí que seja necessário homologar nova liquidação de pena, não nos parecendo correcto o procedimento levado a cabo pelo despacho recorrido – o de determinar que a pena residual não pode conhecer nova apreciação de liberdade condicional pelo facto de derivar da revogação da liberdade condicional concedida aos 2/3 das penas, ofendendo tal leitura as normas já aqui enunciadas do CP e, sobretudo, do artigo 18º, nº 2 da CRP.

2.3. Se assim é, procede este recurso, só havendo que revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que homologue a nova liquidação das penas aplicadas ao arguido, apenas verificando se as datas apostas na promoção do MP de 17/5/2024 são as correctas.

            III – DISPOSITIVO       

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que homologue a promoção datada de 17 de Maio de 2024 (refª 3723634), assente que os marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena de prisão ainda não cumprida e não por referências às iniciais penas de prisão, apenas verificando se as datas apostas nessa promoção são as correctas.

Sem tributação.
Coimbra, 25 de Outubro de 2024
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)

                                                            Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Cristina Pêgo Branco
Adjunto: Ana Carolina Cardoso


[1]  Nisto consiste a particularidade da revogação da liberdade condicional relativamente à revogação da suspensão da execução da pena. Se esta última for revogada o efeito será, sem mais, o cumprimento da pena fixada na sentença, não havendo possibilidade de nova suspensão (art. 56º, nº 2). «Não assim, porém, quanto à prisão que vier a ser cumprida em consequência da revogação da liberdade condicional; aqui pode haver lugar à concessão de nova liberdade condicional, se se verificarem os respectivos pressupostos fixados no art.61º. Tudo dependerá aqui de novo juízo de prognose a efectuar pelo Tribunal» - cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, pp. 220 e 250.

[2]Diante desta dúvida levantada na discussão da CRCP, FIGUEIREDO DIAS pronunciou-se no sentido de que “o nº 2 [atual nº 3 do art. 64º] nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto dela”.
O Autor explicita que “a revogação determina a execução da parte da pena ainda não cumprida, podendo, relativamente a esta parte, ser concedida de novo a liberdade condicional nos termos gerais. Esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa de liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá de efetuar”.  Este argumento tem sido utilizado para afirmar que o atual art. 64º, nº 3 do CP, consagra a solução do cálculo do período de nova liberdade condicional tendo em conta o remanescente da pena não cumprida. Também JOÃO LUÍS MORAIS ROCHA, SANDRA DE OLIVEIRA E SILVA e PINTO DE ALBUQUERQUE consideram que a aplicação de nova liberdade condicional depende de a medida do remanescente da pena ainda não cumprida o permitir, como seria caso se tratasse de uma pena autónoma. No mesmo sentido pronunciou-se, ANTÓNIO JOÃO LATAS asseverando que “o período remanescente vale para efeitos de concessão de liberdade condicional como se fosse uma nova e autónoma pena de prisão” (cfr. Tese de Mestrado de Camila Santos, Coimbra 2020, lida na net).
[3] E a confusão jurisprudencial está instalada.
Recordemos que o TC já julgou inconstitucional o critério normativo contido “no nº 4 do artigo 63º do Código Penal, segundo a qual, havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro, não podendo quanto a ela beneficiar de liberdade condicional, por afetar de forma desproporcionada o princípio da ressocialização, extraível da conjugação dos artigos 1º, 2º e 25º, nº 1, da Constituição” (cfr. também o acórdão do TC nº 909/2023, de 21.12.2023).
Era aliás essa a tese subjacente ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 7/2019, segundo o qual: «Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63º, nº 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional».
Contudo, muito recentemente o mesmo TC, no Acórdão nº 660/2024, de 1/10, decidiu «não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 4 do artigo 63.º do Código Penal, segundo a qual, havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro, não podendo quanto a ela beneficiar de liberdade condicional», dando aqui já respaldo ao dito AUJ nº 7/2019.
[4] Retira-se da exemplar fundamentação do acórdão do TC nº 909/2023 a seguinte linha de raciocínio: «Ora, sendo a liberdade condicional um instituto que tem na sua génese uma finalidade de prevenção especial positiva ou de ressocialização, esta não deve ser abandonada nas situações em que o condenado pratica outro crime pelo qual vem a ser condenado em pena de prisão, vendo, consequentemente, revogada a liberdade condicional anteriormente concedida – neste sentido, vide Sónia Fidalgo e Ana Pais, “Liberdade condicional…”, cit., p. 142. Se não é negada esta medida ao condenado que não beneficiou antes de liberdade condicional por oferecer riscos de reincidência, não se compreende que o seja como retribuição por um comportamento desconforme adotado durante a liberdade condicional anterior, mesmo que se traduza na prática de um crime pelo qual veio a ser punido com prisão».