Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4971/17.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE INFORMAÇÃO
CULPA GRAVE
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 7, 8, 304, 312, 312ª, 314, 324 CVM, 227, 662 CC
Sumário: I - Verbalizando uma testemunha, com isenção e imparcialidade, sem aparente interesse na causa, factos do seu conhecimento direto e por si praticados, e inexistindo prova que infirme tais declarações, os factos devem ser dados como provados.

II – O intermediário financeiro deve fornecer ao investidor, se necessário com entrega de documentos, informação clara e adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações do produto, cujo conhecimento seja necessário para a tomada, esclarecida e conscienciosa, de decisão do investidor, máxime quanto a produtos que envolvam riscos de liquidez ou risco de mercado, e tendo em conta a maior ou menor complexidade do produto e a maior ou menor experiencia do investidor.

III – Não cumpre tal dever, antes o infringe, e, assim, atua ilícitamente, o intermediário que, relativamente a obrigações subordinadas, diz ao cliente, sem conhecimentos técnicos na matéria, avesso ao risco, e que para tal subscrição aliciou, que tal produto era isento de riscos, tinha o capital garantido e que seria o banco que o restituiria, convencendo este que estava a efectivar uma aplicação do banco.

IV – Provado que «Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças», está provado o nexo de causalidade adequada entre o ato ilícito e o dano; não obstante, tal nexo pode ainda ser concluído de outros factos que, mediante uma exegese, sagaz, sensata e razoável, e atentas as regras da lógica e da experiencia comum, «com toda a probabilidade» - ou seja ainda ínsito na margem de álea em direito permitida - o revelem.

V - Age com culpa grave, e, assim, alarga o prazo de prescrição para vinte anos, o banco que atua nos termos aludidos em III; em todo o caso o pagamento de juros do produto financeiro interrompe o prazo de 2 anos previsto no artº º 324º n.º 2, do CVM.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

JJ (…) e M (…)  instauraram contra BANCO (…) S.A.,  ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

Pediram:

A condenação da ré no pagamento da quantia de €50.000,00 a título de capital, acrescida de juros vencidos reportados a 09 de abril de 2015, à taxa de Euribor a 6 meses reportada aos dois semestres em falta, acrescida de 1,50% até à data de vencimento da obrigação em 10 de maio de 2016, conforme contratada, acrescido dos juros de mora vencidos à taxa de 4% a contar desde essa data, até efetivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese:

- A ré é um Banco que atua no mercado financeiro, que anteriormente era designada por B (…) S.A. e, atualmente, por Banco (…), S.A., sendo que os autores são seus clientes, com a conta aberta número (...) , na agência de x (...) , onde movimentam dinheiro, efetuam pagamentos e aforram poupanças da sua vida.

- No mês de abril de 2006, através da então gerente de balcão Dr. (…), o aqui autor marido recebeu um telefonema a informar que a agência tinha um produto de boa rentabilidade, com capital garantido e nas seguintes condições: a aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, com remuneração no 1º semestre de 4,5%;   cupões seguintes da Euribor a 6 meses + 1,15% e nos restantes semestres da Euribor a 6 meses + 1,50%. Mais foi informado de que, não obstante a aplicação ser a 10 anos, o capital poderia ser resgatado a todo o tempo, apenas implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, e que o B (…) lhe colocaria na conta a quantia aplicada, assim que os autores o solicitassem.

- Convencido da sua veracidade e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balcão, decorrente da relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu uma obrigação de €50.000,00, SLNRM – SLN 2006.

- Os autores sempre receberam os juros semestrais conforme prometidos pela ré, à exceção dos dois últimos semestres, tendo sido o último período de juros recebidos em 08 de abril de 2015; após a data de vencimento da aplicação, o autor marido deslocou-se à agência bancária, no sentido de resgatar o capital e juros em dívida, o que, até ao presente, não conseguiu fazer.

- Os autores, conforme lhes foi comunicado no momento da aplicação, foram convencidos de que se tratava de um aplicação B(…) segura, de boa rentabilidade e garantida, conforme transmitido pelo gerente do balcão no momento das negociações; nunca lhes foi transmitido que, ao subscreverem a aquisição das obrigações 2006, perdiam o controlo sobre o seu capital investido ou que corriam qualquer risco de perder o que quer que fosse.

- Foi, pelo contrário, transmitido ao autor que, após a aquisição, poderia movimentar, levantar a qualquer momento, desde que avisasse previamente o Banco com 2 a 3 dias de antecedência e que a aplicação era segura e de boa rentabilidade, tudo “conforme assente na base da confiança com a gerência do balcão, sendo certo que a mesma sabia e tinha conhecimento que os autores não têm qualificação, conhecimentos ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos.” “A não ser que lhe fossem devidamente explicados, o que, não foi o caso, nem tão pouco lhes foi entregue documentação.”

- “Os autores estavam convictos da aplicação das suas poupanças, com as características de um depósito a prazo, com boa rentabilidade e garantido pelo B (…) – Banco soubessem que o mesmo não era garantido e que corria riscos, nunca os autores subscreveriam tal produto.”

Em sede de fundamentação de direito, chamaram à colação o estabelecido no artigo no artigo 236º do Código Civil e, ainda, nos artigos 762º, 798º, 799º e 817º todos do mesmo Código.

A ré contestou.

Excecionar a incompetência em razão do território do tribunal a quo.

Mais arguiu a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pelos autores, da subscrição do produto em apreço.

Por impugnação motivada, alegou, em síntese:

- As obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela S (…), S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação esta que manteve até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada. Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente; no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, do que concluiu que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações” e que o risco de um depósito a prazo seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco, isto sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data, garantindo o valor máximo de €25.000,00 por conta bancária.

- À data, mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria, necessariamente, uma prévia insolvência do próprio Banco, por ser um seu ativo, sendo, por isso, o risco da aplicação efetivamente semelhante ao de um depósito a prazo no próprio banco.

- Foi explicado aos autores que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro e foram apresentadas as respetivas condições, nomeadamente, a sua remuneração (vantajosa relativamente aos depósitos a prazo), o seu prazo (de 10 anos) e as condições de reembolso, sendo que a obtenção de liquidez ao longo do prazo  de 10 anos apenas seria possível por via de endosso, o que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

- Nunca a ré disse aos autores que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da SLN.

Pugnou, pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pela ré.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos  tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«JULGA-SE A PRESENTE AÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVENDO-SE A …RÉ DO PEDIDO…».

3.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

Finalmente, e como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.2.

O caso vertente.

5.1.2.1.

Pretendem os recorrentes a alteração dos factos dos pontos 3, 4 e 5  da decisão fáctica, a prova dos factos não provados nas als. a) e b)  e o aditamento de mais um ponto.

A saber:

Ponto 3.

De:

«Uma vez na agência, foi proposta ao autor a subscrição de obrigação SLN 2006, que lhe foi transmitido ser um produto de boa rentabilidade (superior a um mero depósito a prazo), cujo reembolso do capital era, previsivelmente, seguro (e, nesse sentido, garantido), porquanto não era produto de risco, e que tinha as seguintes características:

- A aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, na seguinte remuneração:

- 1º Semestre: 4,5%;

- 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15%

- Restantes semestres: Euribor a 6 meses + 1,50%

- Não obstante a aplicação a 10 anos, o autor poderia ver disponibilizado o capital a todo o tempo, apenas, implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, pois era possível transmitir (ceder) aquele título.»

Para:

 “uma vez na agência, foi proposta ao autor a subscrição de obrigações SLN 2006, que lhe foi transmitido ser um produto de boa rentabilidade (superior a um mero depósito a prazo), cujo reembolso do capital era garantido e juros, porquanto não era produto de risco, e que tinha as seguintes características: - A aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de Maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, na seguinte remuneração: - 1º Semestre: 4,5%; - 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15% - Restantes semestres: Euribor a 6 meses + 1,50% - Não obstante a aplicação a 10 anos, o autor poderia ver disponibilizado o capital a todo o tempo, apenas, implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, pois era possível receber o seu capital através da garantia de recompra por parte do banco B(…), desde que o solicitasse ao banco com 2 a 3 dias de antecedência. »

Ponto 4.

De:

«Convencido da veracidade daquelas informações – nomeadamente, da boa rentabilidade e da segurança do produto - e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balção pela relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu, junto da referida agência, uma obrigação SLN 2006, no montante de €50.000.00.»

Para:

«Convencido da veracidade daquelas informações – nomeadamente, da boa rentabilidade, capital garantido e juros e da segurança do produto – e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balcão pela relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu, junto da referida agência, uma obrigação SLN 2006, no montante de € 50.000,00.»

Ponto 5.

De:

« O autor marido tomou, então, conhecimento e assinou o boletim de subscrição respetivo.»

Para:

«O autor marido, convencido da sua veracidade, assinou o boletim de subscrição respetivo.»

 

Factos não provados que se pretendem provados:

a) - Aquando da subscrição da referida obrigação SLN 2006, o autor tivesse sido informado que o B (…) garantia o capital investido e que seria o próprio Banco a colocar na conta dos autores a quantia aplicada, assim que o solicitassem.

b) - O autor estivesse convencido de que “se tratava de uma aplicação B (…)

Facto aditando:

«Ao Autor, caso lhe tivesse sido explicado, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, este, não tinha aplicado as suas poupanças.»

A julgadora fundamentou as respostas nos seguintes termos:

- No que concerne aos factos 2., 3., 4., 5., 7. 8., 11., 12. e 13., considerou-se, essencialmente, o depoimento da testemunha 2, valorado à luz das regras da experiência comum, crítica e conjuntamente com o teor do boletim de subscrição cuja cópia foi junta aos autos e a nota interna do B (…) apresentada com a contestação.

Sendo que, previamente, já tinha valorado o depoimento da testemunha (…)

Referiu-se à forma como apresentava esse produto aos clientes e como o fez perante o autor, em termos algo vagos (e sempre com algum cuidado, que se ficou com a convicção ter subjacente a preocupação de salvaguardar a sua própria atuação), assim como às características desse produto que justificavam ser visto como seguro e, nesse sentido, garantido, e que permitiam o reembolso do capital investido, se o cliente assim o quisesse, antes do termo do respetivo prazo.

No atinente aos factos não provados expendeu:

«…nenhum meio de prova demonstrou, de forma minimamente segura, a exatidão do facto a) e a convicção que se formou acerca da veracidade dos factos controvertidos foi no sentido da absoluta inverdade dos factos b) e c) – tendo-se, ao invés e ao que se julga, demonstrado, de forma cabal, que o autor bem sabida que estava a aplicar o seu dinheiro num produto financeiro e não num mero depósito a prazo, e que aquele era referente à sociedade mãe do Banco – a SLN – e não ao próprio Banco.»

Já os recorrente alicerçam a sua pretensão em função da interpretação e valoração que operam do depoimento da testemunha (…) e do doc. 2 da pi.

5.1.2.2.

Foi apreciada a prova com audição dos depoimentos.

Perscrutemos.

Contrariamente ao expendido pela julgadora, a testemunha (…), fulcral na matéria,  não se expressou em termos vagos e cuidadosos; mas antes respondendo de um modo espontâneo, direto, objectivo, inequívoco e esclarecido.

Assim, e no que para o caso interessa, disse, pelo modo supra aludido,  reiterada e coerentemente, não apenas na inquirição como na instância, que informou o autor que o produto era seguro e garantido, que era do próprio banco; tendo, a final, e a instâncias da própria julgadora,  verbalizado que quando falava na SLN aos clientes era no sentido de que sendo esta a dona do banco o produto era ainda mais seguro.

Disse ainda que informava os clientes neste sentido porque tais informações lhe eram transmitidas pela sua entidade patronal, pelo que, depreende-se, ele próprio estava convencido da sua veracidade.

Mais expendeu que foi transmitido ao autor que poderia ter a disponibilidade do dinheiro porque o banco lhe poderia comprar as obrigações; não se recordando se também informou que as obrigações também poderiam ser transmitidas a outros clientes por endosso.

Finalmente mencionou que, conhecendo o  perfil  de investidor do autor, tinha quase a certeza que se ele soubesse que havia risco de perder o capital, não iria arriscar.

Estas asserções foram confirmadas pelo autor.

A julgadora desvaloriza-as totalmente, por ele ter interesse na causa.

Mas tal não é de boa técnica.

Certo é que elas tem de ser apreciadas cum granno sallis, i.e., comedida e cautelosamente; mas se alcandoradas em razão de ciência fiável e/ou corroboradas por outros meios de prova, elas devem ser relevadas na medida do possível, constituindo ao menos um princípio de prova.

Efetivamente:

«É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório»-  Ac. RL de 26.04.2017, p. 18591/15.0T8SNT.L1-7 in dgsi.pt.

E neste sentido se inclinando a hodierna doutrina  para a qual, a postergação, liminar e/ou em abstrato,  a limitação do valor probatório ou a classificação deste meio de prova como meramente subsidiário, pode até constituir, em certas situações,  uma violação do princípio da igualdade de armas previsto no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – cfr.  Catarina Gomes Pedra, in A Prova Por Declarações das Partes no Novo Código do Processo Civil…Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, p. 145, e Mariana Fidalgo, in A Prova Por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p.80.

No caso vertente.

As declarações do autor são corroboradas pela testemunha que interveio diretamente  na venda das obrigações.

A testemunha Rui, na qual a  julgadora se alcandora, não disse que o «reembolso do capital era, previsivelmente, seguro (e, nesse sentido, garantido)», como por esta plasmado.

Afirmou nos termos assertivos supra aludidos.

Não se antolha, pois, o fundamento para a alusão aquela «previsibilidade».

Até porque as invocadas regras da experiência comum nada valem aqui: estamos perante a prova ou não prova da existência, ou não, de informação sobre a natureza de um produto financeiro; e não há regras da experiencia comum que se descortinem nesta matéria  – vg. quanto ao que costuma, ou não, normalmente acontecer quanto à prestação de tal informação.

Tudo, ou o essencialmente relevante, dependerá das circunstancias, pessoais e materiais, subjectivas  e objectivas, que envolvam cada concreto caso. 

 O documento nº2 junto com a pi é encimado com  as letras garrafais B (…) o que inculca  a ideia de que o produto é vendido pelo banco e é do banco.

A redacção do ponto 4 proposta é igual à provada, pelo que nada há a alterar.

A redacção do ponto 5 proposta é, perante a redacção do ponto 4 onde já consta a menção  que se pretende alterar/aditar « Convencido da veracidade»,  inócua e redundante.

O facto aditando deve ser concedido.

A sua prova resulta das declarações de parte e do depoimento aludido.

E, ademais, é a  normal e lógica, consequência - e, aqui sim,  outrossim dimanante das regras da experiência comum – do provado no ponto13.

5.1.3.

Por conseguinte, e no parcial deferimento da presente pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a bold os alterados.

1. Os autores são clientes da aqui ré (à data B (…), S.A.), na sua agência de x (...) , com a conta aberta número (…) onde movimentam dinheiro, efetuam pagamentos e aforram poupanças da sua vida.

2. No mês de abril de 2006, através da então gerente de balcão (…), que sabia que os autores ali tinham algumas poupanças, o aqui autor marido foi contactado telefonicamente e convidado a dirigir-se à agência, havendo-lhe sido por aquele dito que tinha um produto em que poderia estar interessado em investir.

3. Uma vez na agência, foi proposta ao autor a subscrição de obrigações SLN 2006, que lhe foi transmitido ser um produto de boa rentabilidade (superior a um mero depósito a prazo), cujo reembolso do capital era garantido e juros, porquanto não era produto de risco, e que tinha as seguintes características:

- A aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de Maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, na seguinte remuneração:

- 1º Semestre: 4,5%;

- 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15%

- Restantes semestres: Euribor a 6 meses + 1,50%

- Não obstante a aplicação a 10 anos, o autor poderia ver disponibilizado o capital a todo o tempo, apenas, implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, pois era possível receber o seu capital através da garantia de recompra por parte do banco B (…), »

3.1. a) - Aquando da subscrição da referida obrigação SLN 2006, o autor  foi informado que o B (…)garantia o capital investido e que seria o próprio Banco a colocar na conta dos autores a quantia aplicada, assim que o solicitassem.

 3.2. O autor  ficou convencido de que “se tratava de uma aplicação B(…)”.

4. Convencido da veracidade daquelas informações – nomeadamente, da boa rentabilidade e da segurança do produto - e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balção pela relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu, junto da referida agência, uma obrigação SLN 2006, no montante de €50.000.00.

5. O autor marido tomou, então, conhecimento e assinou o boletim de subscrição respetivo.

6. Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, datado de 27 de abril de 2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (…)

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de maior de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da S (…), SGPS, S.A., a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Cupões Taxa anual nominal bruta

1º semestres 4,5%*

9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15%

Restantes semestres Euribor a 6 meses + 1,50%

*Taxa anual efetiva líquida: 3,632%

7. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas (como o próprio nome indica) pela S (…), S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

8. A circunstância de a emitente do produto referido em 3. ser a empresa que detinha 100% do BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, aliada às características específicas das obrigação – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco (isto sem prejuízo da diferença advinda da existência e regime jurídico do Fundo de Garantia de Depósitos) e facilmente transacionável (permitindo ao seu subscritor obter o reembolso antecipado do capital).

9. Os autores receberam sempre os juros semestrais previstos, com exceção dos dois últimos semestres.

10. Após a data de vencimento da aplicação, a 09 de maio de 2016, o autor não recebeu o capital investido.

11. Aquando da subscrição da mencionada obrigação, não foi configurada, nem transmitida ao autor, a possibilidade de este poder vir a não receber o seu dinheiro.

12. O autor não tinha formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer com precisão os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar cabalmente os respetivos riscos, a não ser que lhos explicassem.

13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse.

 14. Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

A julgadora decidiu escalpelizando exaustivamente, em tese, a questão, o que se  transcreve, nos seus, sinópticos e essenciais, termos:

«…Deve…ser à luz do regime (do contrato) da intermediação financeira que se deve aferir da validade e eficácia da relação contratual, assim como do cumprimento ou incumprimento, pela intermediária financeira, dos inerentes deveres…

Na situação sub judice, dado que a intervenção da ré consistiu na aquisição de obrigação na sequência da ordem por parte do autor, estamos perante uma atividade de intermediação de receção e de transmissão de ordens por conta de outrem, prevista expressamente na citada alínea a) do nº1 do artigo 290º do CVM (Decreto-Lei nº486/99, de 13 de novembro, na redação vigente em abril de 2006).

A ordem de aquisição de investimento em si, não é em rigor um contrato…a ordem de investimento dada a banco insere-se numa relação estável estabelecida entre o banco e ordenador e não pode ser considerada isoladamente.

«Esse contrato celebrado entre o banco e o cliente normalmente iniciado com a abertura de contas de depósito a prazo, de carácter genérico, dentro do qual cabem várias figuras contratuais e atividades de natureza material é que vai funcionar como uma espécie de contrato quadro…

A questão essencial reside nos deveres do intermediário financeiro, concretamente no âmbito do dever de informação.

No mercado dos valores mobiliários a informação surge como fator essencial.

…o papel primordial por ela desempenhado é facilmente compreensível se se tiver em conta a posição do investidor no acesso à informação.

O investidor não qualificado não tem em regra capacidade para recolher as informações de que necessita para tomar uma opção de investimento esclarecida. Deste modo, a informação dada aos investidores é um instrumento de redução das assimetrias em torno do conhecimento dos factos relevantes na orientação das opções de investimento e é ela que vai permitir ao investidor avaliar de uma forma esclarecida a relação risco/rendimento.

O principal obrigado a essa informação é precisamente o intermediário financeiro.

Sobre o que concretamente estabelece o CVM sobre este dever importa desde logo salientar o artigo 7º que, quer na sua versão original quer na atual, impõe que a informação respeitante a valores mobiliários deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Esse dever de informação no âmbito da intermediação, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº357-A72007, foi reforçado tendo sido alterada a redação do artigo 312º, do CVM e aditados os novos artigos 312ºA a 312ºG em que vários aspetos desse dever de informação são especificados…

Também o artigo 39º do Regulamento da CMVM nº12/2000, de 23.02, que vigorava à data da aquisição das obrigações, estabelece o seguinte:

“1 – Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiencia do investidor em causa.

b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos geriais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros.

c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam riscos de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado.

(…).”

De referir ainda o nº 3 do artigo 304º da CVM que na redação original estipula: “Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiencia em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.”

Por outro lado, a lei estabelece uma presunção de culpa quando os danos decorram precisamente da violação do dever de informação (artigo 314º nº2 na redação original, atual 304.º-A, n.º 2, do CMV, que estipula: A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais e pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação do dever de informação).» - in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no Processo 2050/11.2TBVFR.P1, em 21.03.2013 (disponível no site da dgsi).

Acerca da temática… Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017, proferido no Processo 428/12.3TCFUN.L1.S1

A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja…seja originado pela violação de deveres de informação (artigo 314º, nº2, do CVM). Consagra-se, deste modo, a presunção de culpa do intermediário financeiro, pois, atendendo à natureza do seu estatuto, está em melhores condições para poder demonstrar a ausência de culpa…o intermediário financeiro deve observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (artigo 304º, nº2, do CVM), para além de dever ainda orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (artigo 304º, nº1, do CVM)…

A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento ativo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como as suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico jurídica, simples, direta e eficaz (A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2006, pág. 291).»

 “Ainda que nos termos do nº2 [daquele artigo 314º] se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização…– in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2013, proferido no Processo 364/11.0TVLSB.L1.S1:

No mesmo sentido, pronunciou-se o mais recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 11.10.2018, no âmbito da Revista nº2339/16.4T8LRA (processo 2239/16.4T8LRA…(de) 6.6.2013, proc. nº364/11.0TVLSB.L1.S1, de que foi Relator o Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes e em 13.9.2018, no proc. nº13809/16.4T8LSB.L1, relatado pelo Juiz Conselheiro José Sousa Lameira, ambos disponíveis em www.dgsi.pt)».

Assim, apenas após (e se) provada a omissão ou o deficiente cumprimento dos deveres de informação por parte da aqui ré, funcionará a presunção de culpa prevista quer no artigo 799º, nº1, do Código Civil – para a responsabilidade contratual, em geral –, quer no artigo 314º, nº2, do CVM (na redação aqui aplicável) – para o intermediário financeiro, em particular.

Com relevância para a decisão de tal questão, resultou, nomeadamente, assente que:

…foi transmitido ao primeiro autor, por funcionário da ré que lhes sugeriu esse produto, a informação de que o reembolso do capital aplicado era, previsivelmente, garantido (porquanto não era produto de risco)….

Assim, o autor subscreveu a mencionada obrigação no convencimento de que o dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura (no sentido de ser de baixo risco), cujo reembolso do capital era (previsivelmente) garantido e que lhe seriam pagos os juros, sendo que não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos de risco e não possuía qualificação específica ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer cabalmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente.

Feita a leitura conjunta destes factos, deles se extrai que, efetivamente, o produto financeiro em causa foi apresentado ao primeiro autor como um produto seguro, sem risco e, nessa medida, com capital garantido. Podendo o capital investido ser reembolsado antecipadamente, a qualquer momento (desde que a intenção do cliente fosse comunicada com alguma antecedência), é objetivamente certo que o produto foi apresentado com características em tudo semelhantes às de um depósito a prazo – mas não coincidentes com as deste, não se havendo demonstrado que os autores estivessem convencidos de terem o seu dinheiro colocado num singelo depósito…

Não decorre dos factos assentes que a hipótese (que se veio a tornar realidade passados alguns anos, como é do conhecimento público e constitui facto notório) de uma situação de colapso financeiro (possível insolvência) da SLN tenha sido colocada aos autores e muito menos que o tenha sido no cenário de manutenção e solvibilidade do B (…) O que se questiona é saber se tal previsão era exigível à ré (em 2006), enquanto intermediária financeira.

…certo é que – à data, no cenário então existente – estavam reunidas as condições objetivas para acreditar, sem margem para dúvida, que o Banco estava a propor um produto de capital garantido e sem risco para o seu cliente, pelo que a ligação da emitente ao próprio Banco sempre seria argumento sustentador da veracidade da informação que era prestada.

…não se percebe como se podia exigir ao B(…) (sem mais factos provados), enquanto intermediário financeiro, que perspetivasse, no cenário existente em 2006, tal possibilidade e, assim, para ser exato nas informações que prestava aos clientes, que estivesse obrigado a avisá-los de que a SLN poderia vir a ser separada do Banco que detinha, poderia vir a ser declarada insolvente e, consequentemente, que poderia estar em risco o dinheiro investido em obrigações por ela emitidas…

…E a densificação e concretização do específico dever de informação do intermediário financeiro tem de ser efetuada por recurso ao concreto contexto que se verifica à data em que atua nessa qualidade e não à posteriori, por recurso a elementos, circunstâncias e condicionalismos que, então, não eram minimamente previsíveis ou expectáveis.

Como, com maior saber e capacidade de expressão, foi concluído no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.04.2016, proferido no Processo 428/12.3TCFUN.L1-6 (já supra citado): «A afirmação de que um produto financeiro era de “capital garantido” não traduz omissão de qualquer informação relevante ou informação “não verdadeira”, sendo expressão corrente para explicar ao cliente, sem especiais conhecimentos, que se tratava de um produto seguro e que os riscos, na prática, não divergiam em muito dos riscos de um depósito a prazo»

…é uma expressão que pretende adjetivar um produto em que, no final do respetivo prazo de investimento, o capital é reembolsado ao investidor na sua totalidade, ao invés de o montante a reembolsar ser incerto e estar dependente da valorização ou desvalorização que o produto sofreu, ao longo do seu tempo de vida, no mercado financeiro.

Assim, dizer que o reembolso do capital é garantido a 100% significa isso mesmo – que está previsto ser pago, findo o prazo previsto, na sua totalidade, pela entidade que, em função do tipo de produto em causa, a tal se obrigou…

As informações prestadas pelo banco réu, nomeadamente pelo réu D..., estavam ancoradas naquele que era o conhecimento generalizado deste tipo de produtos à data da respectiva subscrição. Eram obrigações cotadas positivamente, longe do risco de crédito inerentes a notações de C e D, e relativamente às quais era real e credível uma expectativa de rentabilidade assegurada e recuperação do capital investido.

A “garantia de reembolso” embora não fosse uma verdadeira garantia, fundada nas concretas características do produto, que efetivamente dessa garantia não dispunha, era fundada nos elementos que a concreta realidade daquela época fornecia aos intermediários…

Só a insolvência dos bancos poderia pôr em causa a segurança desses produtos…

Daqui, temos para nós que o R. B... ao afirmar que o produto era de “capital garantido” não estava a omitir aos AA. qualquer informação relevante de que pudesse dispor na época, ou a dar uma informação “não verdadeira”. Quer para ele, quer para o banco, tratava-se de produto sem riscos previsíveis, nem mesmo remotamente. ..

Em caso com contornos semelhantes decidiu o STJ (ac. de 6/6 de 2013, proc. 364/11…

Mas, admitimos que, numa interpretação mais rigorosa, se possa defender que banco falhou no seu dever de informação, ao ter afirmado que se tratava de produto com “capital garantido” quando assim não o era, pois que se tratavam “obrigações perpétuas”, sujeitos ao exercício das call’s por parte dos bancos respetivos e que também podia ser transacionada no mercado de capitais. Esta é que seria a informação tecnicamente correta.

Contudo, mesmo neste enquadramento, não nos parece que essa violação do dever de informação seja suficiente para se concluir pela constituição dos RR em responsabilidade civil perante os AA.

Acompanhamos aqui de perto o voto de vencido do Cons. Abrantes Geraldes, proferido no Ac.do STJ de 6/2 de 2014, proc. 1970/09, (acessível na base de dados da DGSI) onde discorre:

”Sem embargo, concordo que houve incumprimento, por parte das RR., de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts. 7º (qualidade da informação), 8º (conteúdo das recomendações), 304º e 312º (dever de informação) do CVM. Porém, em meu entender, tal não basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido, já que não foi essa a causa que despoletou a situação danosa na esfera jurídica da A. Com efeito, malgrado o referido incumprimento, a aquisição do produto financeiro concretizou-se e produziu efeitos durante um prolongado período de 6 anos, sem que a Autora alguma vez tenha posto em causa a execução da referida aplicação que lhe garantiu efetivamente a rentabilidade procurada.”

… Confirmando tal entendimento, pode-se ler no Acórdão do STJ proferido no Processo 428/12.3TCFUN.L1.S1

«A afirmação do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro(…)

O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se tem observado um pouco por todo o lado, também não estão completamente imunes à insolvência,…

…Na verdade, não está demonstrado que os Recorrentes se tivessem determinado pela subscrição das obrigações estrangeiras por efeito da garantia do reembolso do capital investido. Aliás, até à crise financeira de 2008, os Recorrentes nem sequer tinham a  noção da existência do risco de perda do capital investido, fazendo supor que a questão do reembolso do capital nem sequer terá sido objeto de ponderação, quanto mais da decisão de subscrição das obrigações estrangeiras…

Ainda em sentido convergente com o que se vem expendendo, foi decidido no já citado Acórdão de 21.03.2013 (processo 2050/11.2TBVFR.P1), em cuja parte final do sumário se pode ler o seguinte:

«V - O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar informações relativas ao risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor e é imprevisível à data da subscrição, nem sobre a evolução do investimento.»

E no supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2018 foi reafirmado tal entendimento…

Desta forma, e como se considerou no supramencionado acórdão deste STJ, proferido em 6.6.2013, no proc. 364/11.0TVLSB.L1.S1, é de concluir que “a R. forneceu ao  A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, (…), nem a da (…) emitente das obrigações.

Em função de tudo o que se deixou dito, entende-se que, também na situação sub judice, a ré (à data, BPN) prestou aos autores (ou, mais precisamente, ao primeiro autor, que foi com quem estabeleceu a específica relação aqui em causa) as informações essenciais que lhe eram exigíveis, não se descortinando nos factos provados a omissão ou o incorrecto exercício do seu dever de informação.

Retomando as palavras do citado Acórdão do nosso Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo deste Juízo com o nº2339/16.4T8LRA:

«Conclui-se, pois, pela inexistência da ilicitude, primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil imputada à ré.

(…) Ainda que assim não fosse, a tese dos autores naufragaria por não ter sido feita a prova da causalidade.

Com efeito:

Entre nós, o artigo 563º do Código Civil consagra o que se costuma designar por doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, é de eleger, de entre as possíveis ações causais, aquela que deva ser considerada relevante, no sentido de imputação do resultado danoso à conduta.

Segundo a teoria da adequação, um resultado só deve ser imputado a uma ação, quando esta for considerada, segundo as regras da experiência, idónea (adequada) aproduzir o resultado ocorrido.

Ora, no caso em análise, como é notório, o alegado dano ocorreu em consequência da insolvência da emitente (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição das obrigações) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado.

Concluindo-se, em face de todo o exposto, pela não verificação da violação, por parte da ré, dos deveres a que estava adstrita – nomeadamente, dos deveres de informação que lhe eram impostos, enquanto intermediária financeira, e do dever de boa-fé na formação e execução do contrato (também chamado à colação pelos autores e inserto, designadamente, nos artigos 227º e 762º do Código Civil) -, assim como a inexistência de nexo causal entre a conduta daquela e o dano alegado pelos autores, fracassam os pedidos destes que se alicerçavam na responsabilidade contratual daquela…»

(sublinhado nosso).

5.2.2.

Perscrutemos.

5.2.2.1.

Como dimana de todo o acervo legislativo aplicado ao caso – rectius à postura e deveres dos intermediários financeiros para com os clientes investidores –, citado na decisão, aqueles têm um dever, estrito e amplo, de informarem, total, cabal, e especificadamente, sobre a concreta natureza e a maior ou menor segurança, ou, numa ótica diversa, dos maiores ou menores riscos, que o produto financeiro pretendido encerra.

Movimentamo-nos, a um tempo e simultaneamente, no domínio da responsabilidade pré-contratual e contratual.

Este dever justifica-se, em nosso entendimento,  essencialmente por três ordens de razões:

i)- a cada vez maior complexidade dos produtos financeiros;

ii)- a sua cada vez maior volatilidade e insegurança derivada de um controlo dos mercados financeiros por grandes operadores muitas vezes guiados apenas pelo lucro fácil e imediato, e, assim, assumindo e praticando, cada vez mais, procedimentos especulativos;

iii)- o suposto e exigível apetrechamento técnico – vg., a nível humano, através de funcionários/colaboradores qualificados - dos intermediários financeiros para proporcionarem as minuciosas informações necessárias ao cumprimento de tal dever, de sorte a que o investidor, máxime o individual, normalmente leigo na matéria, assuma as suas opções de investimento conscienciosa e esclarecidamente.

E, em função disto e por causa  disto, a legislação nesta matéria tem vindo, ao longo dos anos, a ser cada vez mais exigente com o intermediário na definição/densificação de tal dever informativo.

A questão de saber se os intermediários financeiros cumprem, ou não, o seu dever de informação para com o cliente, requisito que é conditio sine qua non para concluir sobre a (i)licitude da sua conduta, por seu turno pressuposto inexorável, em cumulação com os demais – culpa, dano e nexo de causalidade -,   para a sua responsabilização, tem constituído uma vexata quaestio, ou seja, uma problemática  intrincada e de difíceis,  e díspares, soluções.

É consensual que o dever e informação, neste conspeto do tráfico jurídico  comercial e financeiro, é indeclinável, e assume - por virtude dos maiores ou menores riscos que, normalmente, estão associados aos investimentos e da, por via de regra, posição assimétrica e desequilibrada dos intervenientes (com maior poder e conhecimentos por banda do intermediário por reporte ao cliente/investidor) -  um jaez imbuído de  maior exigência para o intermediário.

 E, assim, sendo a atuação deste, neste particular, associada não ao normal ou mediano, mas ao diligentíssimo bónus patter família. – cfr. vg. Acs. da RP de  13.06.2018, p. 3703/16.4T8VFR.P1 e de 15.11.2018, p. 5780/17.1T8PRT.P1 e Ac. da RC de  25.09.2018, p. 3446/16.9T8LRA.C1, todos  in dgsi.pt, como os infra citados.

Contudo, relativamente à extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente, descortina-se, nos mais recentes acórdãos, uma tendência claramente definida, qual seja, a de  considerar que a maior ou menor exigência na prestação, qualitativa e quantitativa, da informação, dimana das circunstancias do caso concreto,  como, p. ex.,do perfil do cliente e dos seus maiores ou menores conhecimentos na matéria.

Assim e, entre outros, o entendem os seguintes arestos:

«A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada» - Ac. da RC de 15.05.2018, p. 2339/16.4T8LRA.C2.

«No que respeita à prestação do dever de informação, vale o princípio da idoneidade ou proporcionalidade inversa, segundo o qual o intermediário deverá adaptar as informações, recomendações e advertências à experiência e conhecimentos do cliente concreto, tendo por pressuposto que o dever de informação se traduz numa obrigação de resultado» -  Ac. RP de 11.04.2018, p. 1647/16.9T8PVZ.P1; neste sentido, cfr. ainda o Ac. da RL de 07.02.2019, p. 1592/17.0T8LRA.L1.

«A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater famílias”» -  Ac. do STJ, de 10.04. 2018  p. 753/16.4TBLSB.L1.S1.

«O cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação que o art.312.° do CMVM impõe ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação» -  Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 20403/16.8T8SLB.L1.S.

«A informação a prestar por um intermediário financeiro a um seu cliente tem patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário: se o intermediário recomenda um investimento, os deveres de informação são especialmente intensos; se o intermediário presta um serviço de “balcão” do tipo recolhe de subscrições de produtos financeiros, abertura de conta de valores mobiliários ou sua movimentação, a intensidade é outra» - . Ac. STJ de  11.07.2019, p. 901/17.7T8VRL.G2.S1.

Não obstante, presentemente a jurisprudência encontra-se profundamente dividida quanto à (in)verificação do requisito ilicitude da responsabilidade por violação do dever de informação.

Em termos genéricos pode dizer-se que  nos tribunais da Relação a tendência é para  - provado que o banco procurou o cliente e lhe  aconselhou  subscrever obrigações subordinadas com a informação de que era um produto seguro com garantia de capital igual ou idêntico a um depósito a prazo, sendo o cliente leigo no assunto, cuidadoso e  conservador nas sua aplicações financeiras  - considerar verificado tal requisito.

Já no STJ, foi trilhado inicialmente tal caminho, mas, presentemente, emergiu uma corrente oposta no sentido da não  presença de tal requisito, mesmo verificado o aludido acervo factual.

Com os argumentos fundamentais que a informação prestada foi no ante crise financeira de 2008,  pelo que  em tal contexto a informação foi adequada, até porque nada pode ser garantido, nem nos depósitos a prazo; e, bem assim, que a interpretação diversa implica uma socialização dos prejuízos.

Continuamos a defender - tendencialmente e em função de cada caso concreto, e se verificados os aludidos pressupostos de facto – a tese da presença da ilicitude.

SDR, o argumento da crise económica não colhe.

A questão tem de ser colocada a montante: o que releva é se, no momento da subscrição das obrigações, o cliente foi, ou não, suficientemente informado, como manda a lei, ou seja, com clareza e objectividade,  da natureza do produto.

E quando o intermediário procura afincadamente uma pessoa, normalmente já cliente do banco e que sabe nele ter aplicações, vg. depósitos a prazo,  por via de regra com alguma iliteracia em produtos financeiros e, com o argumento de uma maior rentabilidade (aliás nem muito superior aos depósitos a prazo e, assim, nem muito cobiçável pelo investidor, o qual, se assim não fosse, até poderia ser taxado de usurário e interesseiro) o incentiva - ademais  cumprindo ordens superiores no seguimento de uma estratégia de captação de capital – a subscrever obrigações subordinadas – empréstimo à empresa que em caso de incumprimento será o último – excluídas as acções – a ser reembolsado – com o argumento de que o capital é garantido e que tal é como se fosse um depósito a prazo, é caso para dizer que o dever de informação, ademais com a exigência e amplitude que a lei prescreveu nesta área financeira, não foi, meridianamente, cumprido.

E não havendo crise financeira, porque facto superveniente, incerto e, assim, não atendível no momento do incentivo à subscrição das obrigações, que justifique tal incumprimento – cfr., neste sentido, Ac. da RL de 18.06.2019, p. 13536/16.2T8PRT.L1-7.

Se assim fosse, seria caso para perguntar se, em vez de crise surgisse uma situação de boom financeiro ou qualquer outra alteração financeira em que, vg., as remunerações de capital aumentassem exponencialmente para juros de 10% ou 20%, e o aforrador solicitasse, com base nessa alteração ulterior, o correspondente aumento da remuneração das suas aplicações,   o banco (ou a SLN), estariam dispostos a  aceder a tal?

Obviamente que não. E certamente que os  tribunais lhe dariam razão, pois que os contratos, salvo casos excepcionais de alteração das circunstancias ou de  eles admitirem alterações, são para cumprir nos termos anuídos.

 Quanto ao argumento da socialização dos prejuízos há quem entenda que algumas decisões judiciais nesta matéria  aparentam  um menor rigor e uma lassidão nos critérios quanto à apreciação da matéria de facto e à interpretação das regras da responsabilidade civil, o que se traduz numa magnanimidade dos resultados, recusada noutros casos cujo relevo social não é inferior, e que pode conduzir à socialização dos prejuízos em resultado da transferência para o Estado dos efeitos de crises financeiras e da correspondente quebra de expetativas de infindáveis listas de “lesados”.

Estamos em crer que qualquer magistrado que se preze tentará, em consciência e despido de qualquer preconceito ou desiderato extra jurídico, apurar os factos e aplicar e interpretar a lei o melhor que puder e souber  de sorte a efectivar a  melhor, mas, bastas vezes, a possível, justiça do caso.

E se tal não for consecutido, e a melhor justiça não for feita, este desvio ou derivará das vicissitudes e contingências do próprio iter processual, vg. no concernente à produção da prova, ou de menor capacidade   ou  menos adequada apreensão e dilucidação do julgador, o qual, como ser humano, também pode errar – e, certamente, erra -,  em alguns casos.

Aliás, no caso vertente, como em outros similares, a socialização dos prejuízos privados, não emerge se o banco for condenado.

 Pois que este, tanto o da altura dos factos, como o banco  ora réu que o comprou, assumia e assume o cariz de entidade privada que tem como fito primordial a obtenção do lucro,  primordialmente em função dos seus clientes; pelo que, correlativamente, ele terá de, perante estes, assumir as suas responsabilidades quando, numa interpretação possível e defensável, se julgar que existem.

É caso para dizer que a socialização dos prejuízos ocorreu e está ainda a ocorrer com a injecção de milhares de milhões  de euros em bancos que, por má gestão e/ou por efeitos da crise, não conseguiram manter-se acima da linha de água do imenso, e  por vezes  turbulento e perigoso, vg. por especulativo, oceano económico financeiro.

Nesta, como em todas as matérias, a função do juiz é, deve ser -e não vislumbramos que  nesta matéria o não seja – dar a cada um o que lhe compete e tem direito em função dos factos conscienciosamente provados e da aplicação e interpretação da lei segundo critérios hermenêuticos mais aceitáveis ou admissíveis.

5.2.2.2.

No caso vertente provou-se, nuclear e decisivamente:

2. No mês de abril de 2006, através da então gerente de balcão Dr(…), que sabia que os autores ali tinham algumas poupanças, o aqui autor marido foi contactado telefonicamente e convidado a dirigir-se à agência, havendo-lhe sido por aquele dito que tinha um produto em que poderia estar interessado em investir.

3. Uma vez na agência, foi proposta ao autor a subscrição de obrigações SLN 2006, que lhe foi transmitido ser um produto de boa rentabilidade (superior a um mero depósito a prazo), cujo reembolso do capital era garantido e juros, porquanto não era produto de risco…

- Não obstante a aplicação a 10 anos, o autor poderia ver disponibilizado o capital a todo o tempo, apenas, implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, pois era possível receber o seu capital através da garantia de recompra por parte do banco B(…), »

3.1. a) - Aquando da subscrição da referida obrigação SLN 2006, o autor  foi informado que o B(…) garantia o capital investido e que seria o próprio Banco a colocar na conta dos autores a quantia aplicada, assim que o solicitassem.

 3.2. O autor  ficou convencido de que “se tratava de uma aplicação B(…)”.

4. Convencido da veracidade daquelas informações – nomeadamente…da segurança do produto - e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balção pela relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu, junto da referida agência, uma obrigação SLN 2006, no montante de €50.000.00.

11. Aquando da subscrição da mencionada obrigação, não foi configurada, nem transmitida ao autor, a possibilidade de este poder vir a não receber o seu dinheiro.

12. O autor não tinha formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer com precisão os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar cabalmente os respetivos riscos, a não ser que lhos explicassem.

13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse.

 14. Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças.

Nesta conformidade, e escalpelizados os factos apurados, não se acompanha, sdr., a decisão da julgadora quando nela conclui que o réu não agiu ilicitamente, pois que cumpriu, dentro do que lhe era exigível, o seu dever de informação para com os autores acerca da natureza e (in)segurança do produto subscrito.

Não cumpriu.

Não cumpriu porque, procurou ativamente os autores no sentido de eles subscreverem as obrigações subordinadas.

Porque os autores eram clientes do banco  e depositavam confiança no funcionário que os procurou.

Porque, apesar de saber, ou sendo-lhe exigível que soubesse, que:

«12 - O autor não tinha formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer com precisão os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar cabalmente os respetivos riscos, a não ser que lhos explicassem.

E que:

13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse.

Apresentou o produto com reembolso do capital  garantido  e sem risco.

Ademais informou e convenceu o autor que o B(…) garantia o capital investido e que seria o próprio Banco a colocar na conta dos autores a quantia aplicada, assim que o solicitassem.

Tanto assim que:

 3.2. O autor  ficou convencido de que “se tratava de uma aplicação B(…).

Ou seja, tudo visto e ponderado, conclui-se que o funcionário quis equiparar, e disso convencer o autor, as obrigações subordinadas a uma  aplicação sem risco de perda do capital – que é o que essencialmente releva para um aforrador  conservador e cauteloso como se provou ser este.

Ora as obrigações subordinadas podem, quanto ao facto de se tratar de um produto com prazo certo e render juros periódicos, serem comparadas a um depósito a prazo.

Mas quanto à sua natureza intrínseca e consequente risco, já não o podem ser, porque não são semelhantes, ou seja: análogos, equivalentes, idênticos, congéneres, conformes.

O depósito a prazo é a aplicação financeira mais segura e, tendencialmente, de capital garantido: apenas o total colapso da instituição bancária ou a sua insolvência o põe em risco.

Acresce que a actividade bancária está fortemente regulada/regulamentada, pelo que, em tese e por regra – ainda que, infelizes exceções recentes tenham postergado este normal acontecer -  tal  colapso não é perspetivavel.

Ademais – e, certamente para protecção das pequenas poupanças individuais e familiares que custaram a ganhar – o próprio Estado assegura o seu reembolso até um certo montante não despiciendo: na altura 25 mil euros e presentemente cem mil euros.

Já as obrigações são um produto estritamente financeiro e a sorte da sua segurança e solvabilidade está já e apenas dependente da atividade de uma sociedade comercial, essencialmente no âmbito e âmago das leis do mercado, com todas as vicissitudes e riscos que daí podem advir, vg. em função de atuações temerárias e/ou especulativas ou, até,  ilícitas, não apenas da sociedade emitente, mas de outras, ou também de outras, que a podem negativamente afetar.

Não se pode, pois, asseverar que a (in)segurança e a (in)solvabilidade de um depósito a prazo é comparável, e, muito menos, semelhante, a um produto obrigacionista, ademais de cariz subordinado, ou seja, apenas pagável, em caso de insolvência da sociedade emitente, a SLN,  e depois de outros  encargos ou obrigações preferenciais ou comuns o terem sido – cfr. art. 360º, nº 1, e), do Cód. Soc. Com.

Nesta conformidade, não se acompanha o entendimento/interpretação da julgadora  nem da jurisprudência por ela citada, de que inexiste violação do dever de informação, pois que o funcionário do banco não tinha  de esclarecer, porque nem podia prever, sobre uma possível insolvência da SLN.

Na verdade, já se viu que o quid da questão não se encontra nesta informação, mas antes na informação prestada adrede, clara e inequivocamente, sobre a concreta e precisa natureza do produto pretendido vender (e nem sequer procurado pelo cliente), máxime quanto à certeza de reembolso do capital, ou, ao invés, quanto à possibilidade da sua perda, total ou parcial, ou, inclusive,  quanto à possibilidade de, por dificuldades da sociedade emitente, se verificar uma delonga (para além do prazo estipulado) do seu reembolso.

E ainda que, apesar de à data, apenas parcialmente – a garantia dos depósitos  a prazo era apenas de 25 mil euros – unicamente este depósito permitia tal certeza.

 Já o produto subscrito poderia descambar, como descambou, na perda do capital.

Não é, pois, a mesma coisa subscrever um depósito a prazo ou uma obrigação subordinada; muito antes pelo contrário, são produtos idiossincrática e, pelo menos tendencialmente, teleologicamente (ie., com possíveis e magnas consequências) diversas.

Ora a informação para interiorização do cliente de tal destrinça, não foi prestada.

Antes pelo contrário.

Não apenas o funcionário não esclareceu cabalmente quanto à destrinça, como, inclusive, quis associar as obrigações, que eram da SLN, ao banco B (…), referindo que era este que se responsabilizava pelo seu pagamento, o que não era verdade.

Tanto assim que o autor  ficou convencido de que “se tratava de uma aplicação B(…)”.

Ademais e atento o disposto no artº 1º nº2 do Regime das CCG, aprovado pelo DL 446/85 de 25.10, a saber:

« O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.»,

é de concluir pela aplicação ao caso deste regime, o qual, como é consabido, encerra uma acrescida protecção do consumidor no que concerne aos deveres de comunicação e informação do proponente ao destinatário – artº 5º e sgs.

Decorrentemente, a conclusão a retirar é que o banco, através do seu funcionário, não cumpriu o seu dever de informação, pelo que a sua atuação, neste particular, se alcança como ilícita.

Casos semelhantes têm merecido entendimento consonante com o presente em Acordãos dos Tribunais Superiores.

Assim, e exemplificativamente:

 «Se as informações prestadas por um banco são inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um acto ou contrato, então terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causa, quer por via contratual quer extra-contratual» - Ac. da RC de 9.10.2012, Proc.1432/09.4T2AVR.C1 in dgsi.pt.

« Provando-se que no âmbito de um contrato de intermediação financeira os funcionários do banco propuseram aos clientes a aquisição de um produto financeiro, prestando informação falsa relativamente, quer à equiparação do produto financeiro ao depósito a prazo, quer à garantia de reembolso do capital investido, haverá que concluir que a conduta do banco é violadora das mais elementares exigências da boa fé e da lealdade devidas aos seus clientes, previstas no artigo 304.º do CVM…- Ac. da  RP de 11.04.2018, p. 984/17.0T8PNF.P1. in dgsi.pt.

« Além desta responsabilidade contratual, existe responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no Código dos Valores Mobiliários (CVM), como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação, assim fazendo incorrer o Banco Réu na responsabilidade prevista no art.º 314º, n.º 1 do CVM (in casu, na redacção anterior ao DL n.º 357-A/2007, de 31.10), sendo que, não ilidida a presunção de culpa do n.º 2 do mesmo art.º, incorre por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos clientes (AA.)» -  Ac. da RC de 22.05.2018, p.1479/16.4T8LRA.C2.

« Provando-se que a gerência do Banco propôs à A. uma aplicação financeira - a aquisição de uma obrigações subordinada da SLN 2006 - com garantia do capital investido a que a A. deu a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo BPN (detido a 100% pela referida SLN) em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros;

Além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do  nº 2 do citado art. 314º (todos os indicados artigos na redacção anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causado à A.» -  Ac. da RC de 02.06.2018, p. 2147/16 2T8LRA, inédito.

« A omissão de informações por parte do banco acerca da natureza, caraterísticas e riscos dos produtos que comercializa com os clientes, viola os deveres impostos ao Banco pelo artigo 227º do Código Civil, pelo artigo 76º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL nº 298/92, de 31 de Dezembro) e pelos artigos 7º, nº1 e 312º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários (D L n.º 486/99, de 13 de Novembro).

Decisivamente assim porque tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [S (…)], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cf. art. 312º, al. a) do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável]»- Ac. da RC de 11.09.2018, p. 3660/16.7T8LRA.C2 in dgsi.pt.

 «Responde civilmente o Banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se que era de capital garantido, levando a que o cliente (investidor não qualificado) anuísse à aplicação, nesse pressuposto, sem que houvesse previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação» - Ac. da RC de 25.09.2018, p. 3446/16.9T8LRA.C1.

«A informação pré-contratual do Banco R. ao A. não foi completa, verdadeira, atual, clara e objectiva, desde o momento em que lhe foi referido que o produto era semelhante a um depósito a prazo com juros e capital garantidos, nunca viu qualquer especificação ou folheto informativo daquele produto e não lhe foi explicado em que o mesmo consistia, designadamente em que consistia uma obrigação subordinada, ou o que era a SLN 2006» -  Ac. RC de 11.12.2018, p. 1608/17.0T8LRA.C1

«I - Na área bancária o dever de informação tem um carácter acentuado, visando a proteção da parte débil na relação contratual, sendo que aqui a fraqueza apura-se pela falta de conhecimento e de experiência do utente do banco ou pela ausência de liberdade e em que a proteção da parte mais fraca se efetiva através de particulares deveres de informação e esclarecimento, a cargo da parte forte;

II - Se o banco, através do seu funcionário, não fornece ao cliente, antes da sua aquisição, qualquer informação sobre a natureza e os riscos do produto financeiro em causa – papel comercial da H… – ocorre violação dos deveres de informação que sobre ele impendiam» -Ac.  RP de  26.02.2019, p. 1/10.0TVPRT.P1               .

«Provando-se, nuclearmente, que: foi o banco a contatar o cliente para o convencer a subscrever obrigações subordinadas; o informou que a aplicação era com capital e juros 100% garantidos, pelo próprio Banco; que este verbalizou que apenas aceitava anuir a tal aplicação caso a mesma fosse totalmente isenta de qualquer risco de perder o seu dinheiro; que não teria aceitado investir o seu dinheiro nesta aplicação se soubesse que a mesma não tinha capital garantido; e tendo ele perdido o capital, é de concluir que a instituição não cumpriu, com a abrangência e acuidade legalmente exigidas, o seu dever de informação quanto ao jaez do produto vendido, assim atuando ilicitamente» - . Ac. RC de 12.03.2019, p. 3307/16.1T8LRA.C2, subscrito pelo presente colectivo.

«O banco que age como intermediário financeiro, promovendo a comercialização de “obrigações subordinadas”, emitidas pela sociedade titular do capital social desse banco, sem entregar prospeto, ficha técnica ou documento informativo do produto financeiro, sem informar o seu cliente das características desse produto e transmitindo a ideia que se trata de produto seguro, semelhante a um depósito a prazo, garantido pelo próprio banco, o que não era verdade, com vista a assim lograr a venda do produto, viola de forma grosseira os deveres de informação estabelecidos nos Art.s 7.º, 304.º e 312.º do CVM, não sendo admissíveis neste ramo de atividade práticas comerciais com “dolus bónus”, nos termos do Art. 253.º n.º 2 do C.C.» -  RL de 28.05.2019, p. 7249/17.5T8LSB.L1-7.

«I – Um investidor “não qualificado”, mesmo que recém licenciado em economia, é o que não possui familiaridade com o mercado de capitais (cf. artºs 30º, na redacção do D-L nº 52/2006 de 15/3, e 312º nºs 1 als.a), b) e 2 CVM, este último na redacção de 99) e necessita de uma noção mais apurada da relação entre o risco e o rendimento no concreto produto financeiro comercializado.

II – “Os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado; no mercado de valores mobiliários, a informação surge como facto essencial”, incluindo a informação respeitante à entidade emitente das obrigações de que o Banco é mero intermediário financeiro, mais a mais se a emitente é a própria sociedade detentora do Banco» - Ac. da  RP de 13.06.2018, p. 3703/16.4T8VFR.P.

«A informação prestada pelos funcionários do réu foi: incompleta  porque não foi explicada ao autor a característica da subordinação das obrigações e porque não foi entregue ao autor a nota informativa atinente ao produto financeiro; falsa porque o produto não era “em tudo igual a um depósito a prazo” nem o respetivo capital se encontrava garantido; obscura porque, nos termos em que foi dada, não permitia ao investidor entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria.

· A responsabilidade do banco réu não é excluída pela superveniência da crise financeira nem pela insolvência da entidade emitente.» -  Ac. da RL de 18.06.2019, p. 13536/16.2T8PRT.L1-7.

«Tendo ficado provado que ao subscreverem obrigações, os autores ficaram convencidos, em resultado da garantia prestada pelo banco, de que tinham aderido a um produto bancário, equivalente a um depósito a prazo, com as inerentes características de segurança e liquidez imediata, e que não teriam subscrito as referidas obrigações se tivessem sido informados, de forma esclarecida, que o reembolso do capital não estava assegurado, conclui-se que o intermediário financeiro incumpriu o dever de informação a que se encontrava adstrito perante clientes por si qualificados como investidores não profissionais…» - Ac. da  RP de 10.07.2019, p.  290/18.2T8PVZ.P1.

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco» - Ac. do STJ de 19.03.2019, p. 3922/16.3T8VIS.C2.S1.

«II. O âmbito dos deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado, é determinado quer em função da qualidade de informação, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita», incluindo, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, quer em função do quantum da informação, balizado por uma regra de proporcionalidade inversa entre o grau de extensão e densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente/investidor, reportado ao produto financeiro em causa.

III. Demonstrado terem os clientes/investidores um perfil conservador e terem os mesmos confiado no banco, intermediário financeiro, para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário do banco que lhes vendeu a obrigação subordinada SLN 2006, era dever legal do banco informá-los, no momento da aquisição deste produto, acerca das reais características deste produto financeiro.

IV. Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação SLN 2006, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação SLN 2006 era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado…» -  Ac. do STJ de 07.02.2019, p. 31/17.1T8PVZ.P1.S1.

«Demonstrando-se que o Banco/recorrente, apesar da relação de confiança que mantinha com o recorrido há mais de 12 anos, lhe apresentou as obrigações do grupo a que pertencia como sendo um produto seguro e desprovido de risco, é de considerar que não foi clarificada a distinção entre aquelas e um depósito bancário a prazo, que ficou por esclarecer a natureza e os riscos a elas associados e que não foi desenvolvida a informação, sendo, pois, de concluir que não foram observados os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que eram exigíveis ao Banco no cumprimento dos deveres de informação a que estava vinculado (arts. 73.º e 74.º do RGICSF e arts. 7.º, n.º 1, 304.º, 312.º, n.º 1 e n.º 2 do CVM e art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM 12/2000) e que não se facultou àquele uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada» - Ac. do STJ de  6.11.2018, p. 6295/16.0T8LSB.L1.S1.

«A apresentação de uma obrigação, e de uma obrigação subordinada, como “equivalente a um depósito a prazo”, ou a descrição do produto financeiro obrigação subordinada como “seguro”, não devem ser consideradas como informação clara, completa e verdadeira para clientes-investidores que não sabiam o que são obrigações e não tinham cultura financeira.

Em termos análogos aos enunciados no art. 7.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, deve entender-se que as informações prestadas podem ser enganosas por serem factualmente falsas ou, ainda que sejam factualmente verdadeiras, por induzirem ou serem susceptíveis de induzir em erro o destinatário, “por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral» - Voto de vencido no Ac. do STJ de 30.04.2019, p. 2632/16.6T8LRA.L1.S1.

(sublinhado nosso)

5.2.2.3.

 Verificada que a conduta do réu se assumiu ilícita como, há outrossim que concluir que ela é  outrossim culposa;  quer por estatuição do artº 799º do CC, quer pela presunção prevista no artº 314º nº2 do CVM que não foi ilidida, antes pelo contrário, foi provada.

E, bem assim, que ela é causal do prejuízo sofrido pelos autores.

Efetivamente, desde logo se provou que 14. Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças.

Pelo que, e como é consabido, o nexo causal adequado está, adrede e inequivocamente, provado.

Depois, e mesmo que assim não fosse, estamos com  a jurisprudência que defende que para que ocorra nexo de causalidade entre a atuação do banco, que violou os deveres de informação, e o dano que o cliente sofreu, basta que a factualidade dada como assente permita formular um juízo de grande probabilidade  no sentido de que daquela violação  ocorreu este prejuízo – cfr Ac. da  RP de  26.02.2019, p. 1/10.0TVPRT.P1, sup. cit.

Efetivamente, o direito não é uma ciência que seja regida por critérios  de certeza matemática, bastando que a convicção do julgador seja sustentada por factos apurados em função de prova ínsita na margem de álea  nele permitida, e que as ilações  e consequências de tais factos retiradas sejam lógicas e/ou  verosímeis atentas as regras da experiência comum e da normalidade das coisas.

 E assim a exegese operada se mostrando não seca, rígida e formal, mas assumindo uma natureza eivada de versatilidade, plasticidade, sagacidade, razoabilidade e sensatez, o que, bastas vezes,  se mostra necessário para a consecução da justiça do caso concreto.

Finalmente urge ter presente que a nossa lei  - artº 563º do CC - consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman nos termos da qual: « o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

Ademais:

 «Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, in  Das Obrigações em Geral, 2ª ed ps. 746/756. 

Pelo que, in casu, e considerando os factos supra mencionados e apurados, sempre seria de concluir que eles são causais; ou, se outra causa se apurasse: vg. a negligência censurável do lesado (o que não aconteceu), seriam concausais do prejuízo, com a  mera consequência, nesta hipótese, de repartição de responsabilidade.

5.3.

Da  prescrição do direito do autor.

Uma vez que a pretensão do demandante vai ser julgada procedente há que conhecer da prescrição invocada pelo R., e que não foi objecto de conhecimento na 1ª instância, por aí se ter considerado como inútil face à improcedência da pretensão do autor – art. 665º, nº 2, do CPC.

Nos termos do art.º 324º, n.º 2, do CVM:

 «Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos

Como dimana deste segmento normativo, se o intermediário financeiro agir com dolo ou culpa grave, o prazo de prescrição não será de dois anos.

E, neste caso, aplicando-se o prazo ordinário de 20 anos -  art.º 309º do CC – cfr. . Ac. RP de 07.12.2018, p. 323/17.0T8VFR.P2.

No caso vertente não há matéria factual bastante para atribuir ao réu uma conduta dolosa, ie. deliberadamente fraudulenta e enganatória, em sentido forte.

Mas ela já é suficiente para se concluir que atuou com culpa grave.

Pois que dela dimana que, procurando o autor para lhe vender um produto financeiro, conscientemente lhe prestou informações, nuclearmente consubstanciadas na garantia da restituição do capital findo o prazo, conditio sine  qua non para o autor investir,  o que se revelou errado e enganatório, aqui em sentido fraco – cfr. Ac. da RL de 28.05.2019, p. 7249/17.5T8LSB.L1-7.

Acresce que tal segmento normativo fixa o dies a quo do prazo prescricional não apenas na data da conclusão do negócio, mas, também, na data em que este foi concluído e o subscritor teve conhecimento dos seus termos, i.e do seu conteúdo.

Se tal conclusão e conhecimento coincidirem na mesma data, é a partir dela que se começa a contar o prazo prescricional.

Se não coincidirem, será a partir da data mais recente - a da conclusão ou do conhecimento, pois que inexiste uma inelutável precedência lógica para  a primeira ocorrência de qualquer destes quids – que tal prazo começa a contar.

In casu provou-se a data da celebração do contrato – 08.05.2006.

Mas não se provou que com a subscrição o autor tenha tido conhecimento do teor do negócio.

 A subscrição do boletim respectivo não prova que o autor tenha tomado conhecimento da natureza do produto que estava a subscrever.

Antes pelo contrario, como ressuma dos restantes factos dados como provados,  tem de concluir-se que ele  ficou convencido de que estava a contratar um produto seguro.

  No máximo pode admitir-se que ele teve conhecimento do produto em 2016 quando deixou de receber os dois últimos semestres – ponto 09 dos provados.

Mas ele instaurou a acção em 2017, antes do decurso do prazo de dois anos.

Importa ainda atentar que o prazo de  prescrição pode ser interrompido pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido – artº 325º nº1 do Código Civil.

Ora a liquidação pelo réu dos juros  semestrais até 2016 consubstancia tal reconhecimento – cfr. neste sentido Ac. RP de 30.05.2018, p. 31/17.1T8PVZ.P1.

Enfim: «O ónus da prova da excepção da prescrição cabe ao réu (cfr. artigo 342.º, nº 2 do CCivil), daí que, mesmo nos casos da prescrição de dois anos por não se ter provado o dolo ou culpa grave do intermediário financeira, se tenha de julgar improcedente a referida excepção se este não prova o momento temporal em que o mediado teve conhecimento do negócio e dos respectivos termos, mais concretamente sobre as características do produto financeiro.» - Ac. da RP de 01.07.2019, p. 6695/18.1T8PRT.P1.

No caso sub judice o réu não cumpriu tal ónus probatório.

Nesta conformidade, esta pretensão do réu sempre teria de soçobrar.

5.2.4.

Da indemnização.

Presentes os requisitos da obrigação de indemnização esta deve ser concedida nos termos impetrados, e em conformidade com o vertido no contrato, quanto ao valor do capital e aos juros, remuneratórios e de mora,  contados à taxa contratual e legal, respectivamente. – cfr. vg., artº 406º, 762º e 805º nº2 al. a)  do CC.

Procede o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - Verbalizando uma testemunha, com isenção e imparcialidade, sem aparente interesse na causa, factos do seu conhecimento direto e por si praticados, e inexistindo prova que infirme tais declarações, os factos devem ser dados como provados.

II – O intermediário financeiro deve  fornecer ao investidor, se necessário com entrega  de documentos, informação  clara e adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações do produto, cujo conhecimento seja necessário para a tomada, esclarecida e conscienciosa, de decisão do investidor,  máxime quanto a produtos  que envolvam riscos de liquidez ou risco de mercado, e  tendo em conta a maior ou menor complexidade  do produto e a maior ou menor experiencia do investidor.

III – Não cumpre tal dever, antes o infringe, e, assim, atua ilícitamente, o intermediário que, relativamente a obrigações subordinadas, diz ao cliente, sem conhecimentos técnicos na matéria,  avesso ao risco, e que para tal subscrição aliciou,  que tal produto era isento de riscos, tinha o capital garantido e que seria o banco que o restituiria, convencendo este que estava a efectivar uma aplicação  do banco.

IV – Provado que «Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças», está provado o nexo de causalidade adequada entre o ato ilícito e o dano; não obstante, tal nexo pode ainda ser concluído de outros factos que, mediante uma exegese, sagaz, sensata e razoável, e atentas as regras da lógica e da experiencia comum,  «com toda a probabilidade» - ou seja ainda ínsito na margem de álea em direito permitida - o revelem.

V -  Age com culpa grave, e, assim, alarga o prazo de prescrição para vinte anos, o banco que atua nos termos aludidos em III;  em todo o caso o pagamento de juros do produto financeiro  interrompe  o prazo de 2 anos previsto no artº º 324º n.º 2, do CVM.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda em julgar o recurso procedente, revoga-se a sentença e condena-se o réu a pagar aos autores a quantia de cinquenta mil euros, acrescida de juros remuneratórios desde  09 de abril de 2015, reportada a dois semestres até à data de vencimento da obrigação em 10 de maio de 2016, à taxa de Euribor a 6 meses, acrescida de 1,50% e, ainda, de juros de mora vencidos à taxa de 4%, a contar daquela data, até efetivo e integral pagamento.

Custas pelo réu.

Coimbra, 201.09.17.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos