Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
995/23.6T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EXECUÇÃO
COLIGAÇÃO DE PARTES PASSIVA
PLURALIDADE DE TÍTULOS
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º-C, 3, A) E 17.º-E, DO CIRE
ARTIGOS 38.º; 53.º, 1; 54.º, 2 E 3; 56.º E 735.º, 1, DO CPC
Sumário: I – Na execução, verifica-se coligação, quando à pluralidade de partes corresponde uma pluralidade de pedidos executivos subjectivamente diferenciados.
2- Nessa circunstância, estão em causa uma pluralidade de situações jurídicas autónomas, sem contitularidade mas apenas conexas entre si, sendo, por isso, que a coligação exige, ao mesmo tempo, os requisitos da cumulação (objectiva) simples de pedidos e os requisitos próprios de conexão entre causas diversas.

3- O legislador apenas admite a coligação passiva na execução quando todos os devedores demandados se encontrem obrigados no mesmo titulo, como decorre da parte final da al b) do nº 1 do art 56º CPC, o que não sucedendo, exige o despacho de convite a que se reporta o nº 1 do art 38º, referente ao suprimento da coligação ilegal.

4- Numa execução em que a obrigação exequenda é um mútuo bancário, e o respectivo cumprimento se mostra assegurado por aval, penhor genérico de acções, penhor genérico mercantil e hipoteca genérica, e em que não se demandou a mutuária por a mesma se ter apresentado a PER, mas apenas os obrigados em função das referidas e diversas garantias, verifica-se uma coligação passiva de devedores, que, em concreto, se mostra ilegal, porque não se encontram obrigados no mesmo título.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I -  Banco 1..., S.A., intentou em 21/4/2023, ação executiva para pagamento de quantia certa, na forma ordinária, para a cobrança da quantia de € 784.562,29, contra AA, BB,  CC e DD, dando à execução uma livrança, referindo, no respectivo requerimento executivo:

«I. No exercício da sua atividade creditícia, o Exequente celebrou em 27/12/2016 com a sociedade A..., S.A. um contrato de mútuo no montante de € 1.190.000,00 (um milhão, cento e noventa mil euros), destinado a reestruturar responsabilidades bancárias, cfr. doc. n.º 1.

2. Para garantia do capital mutuado no referido contrato, respetivos juros e despesas, foi entregue uma livrança em branco, subscrita por A..., S.A. e avalizada por AA e BB, penhor mercantil sobre bens livres de ónus ou encargos que se encontravam nas instalações da mutuária até ao montante de € 400.000,00, penhor de 1.760.000,00 acções ao portador do valor nominal de € 1,00 cada constituído por AA, CC e DD e hipoteca sobre o prédio urbano propriedade da mutuária – cfr. doc. 1.

3. Os titulares das ações dadas de penhor, CC e DD, são responsáveis apenas na medida da garantia prestada, penhor sobre as ações de que são titulares, nos termos do art. 54º n.º 2 do CPC (sublinhado nosso).

4. A empresa A..., S.A. subscritora da livrança, apresentou-se ao PER em 22/03/2023 no âmbito do processo 1384/23.8T8CB$R, cfr doc nº 2.

5. Em virtude do não cumprimento das obrigações emergentes do referido contrato, o Exequente procedeu ao preenchimento da livrança da qual é portador e legitimo possuidor no montante de € 783.204,74 (setecentos e oitenta e três mil, duzentos e quatro euros e setenta e quatro cêntimos), emitida em 28/03/2023 e com vencimento em 06/04/2023 (cfr. doc. nº 3).

6. Apresentada tempestivamente a pagamento nas datas do seu vencimento, a livrança supra descrita não foi paga, no todo ou em parte, nem então, nem posteriormente.

 7.Sobre o valor titulado naquela livrança são devidos juros, desde a data do seu vencimento até à data do seu efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal, acrescido do imposto selo sobre os juros vincendos».

Com o requerimento executivo, o Banco Exequente juntou os seguintes documentos:

a) Contrato de mútuo n.º ...01 celebrado em 27 de dezembro de 2016 entre o Banco 1... e a A..., S.A. pelo montante de € 1.190.000,00;

b) Penhor mercantil constituído em 27 de dezembro de 2016 pela sociedade comercial “A..., S.A.” sobre todos os bens constantes do Anexo 1 e para garantia de “todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela sociedade A..., S.A. perante o Banco 1..., por crédito concedido e/ou a conceder, por valores descontados e/ou adiantados e/ou por garantias bancárias prestadas e/ou a prestar, e, designadamente, para garantia de responsabilidades emergentes do desconto de letras e/ou de livranças, de mútuos, de aberturas de crédito simples e/ou em conta corrente, de descobertos na conta de depósitos à ordem, da subscrição de cheques, prestação de fianças, avales e/ou quaisquer outras garantias até ao limite global de capital de € 400.000,00”;

c) Penhor de ações constituído em 30 de agosto de 2016 pelos Executados AA, CC e DD sobre 880.000 ações ao portador que cada um dos varões é titular na sociedade comercial “A..., S.A.”, no total de 1.760.000 ações, “para garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela sociedade A..., S.A., junto do Banco 1..., por valores descontados e/ou adiantados e/ou por garantias bancárias prestadas ou a prestar em nome e a solicitação da referida sociedade e, designadamente, para garantia de responsabilidades emergentes do desconto de letras e/ou de livranças, créditos documentários à importação, remessas documentárias à exportação, financeirmentos externos à exportação, de mútuos, de aberturas de crédito simples ou em conta correntes, de contratos de locação financeira imobiliária e/ou mobiliária, de descobertos na conta de depósitos à ordem, da subscrição de cheques, prestação de fianças, avales, até ao limite global de capital de um milhão de euros.”;

d) Hipoteca voluntária constituída em 17 de junho de 2003 pela sociedade comercial A..., S.A. sobre o prédio urbano composto de edifício de sub-cave, cave e rés-do-chão, destinado a fábrica de confeções e primeiro andar destinado a armazém, situado à ..., na freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...92 e inscrito na matriz sob o n.º ...57.º;

e) Anúncio de 22 de março de 2023 do despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório da sociedade comercial “A... S.A.” no âmbito do processo n.º 1384/23....;

f) Livrança no montante de € 783.204,74, emitida em 28/03/2023 e com vencimento em 06/04/2023, subscrita por A... S.A. e avalizada por AA e BB.

Tendo o processo sido apresentado a despacho liminar foi proferido despacho em que por se considerar estar em causa na acção uma coligação passiva de devedores e impor-se a aplicação  do disposto no art 38º/1 CPC, se convidou  o Banco Exequente a optar pelo prosseguimento da ação executiva com base num dos títulos executivos apresentados.

Em resposta, o Exequente informou os autos que no seu entendimento não haviam sido deduzidos dois pedidos executivos com base em títulos executivos distintos, mas apenas um único pedido com base na livrança exequenda, cujo crédito se encontra garantido por aval, hipoteca, penhor mercantil e penhor de ações.

Foi então   proferida a seguinte decisão:

«Devidamente notificada do despacho judicial proferido no passado dia 23/06/2023 veio a Exequente alegar, mediante requerimento com a referência citius n.º 8181037, datado de 29/06/2023, que, no respectivo entendimento, na presente ação executiva não foram deduzidos dois pedidos executivos com base em títulos distintos, mas apenas um pedido executivo com base na livrança exequenda, a qual se encontra garantida por aval, hipoteca, penhor mercantil e penhor de acções.

Cumpre apreciar e decidir.

Ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código de Processo Civil «Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva».

Como título de crédito que é, encerrando uma obrigação cambiária, a livrança possui as características da literalidade, autonomia e abstracção.

A característica da literalidade significa que a letra do título é decisiva para a determinação do conteúdo, dos limites e das modalidades do direito. Por sua vez, a autonomia determina que o seu adquirente, de acordo com as regras da circulação dos títulos de crédito, estando de boa-fé, deve ser havido como titular originário do direito. Finalmente, a característica da abstracção revela a independência do título, e do direito cambiário que encerra, face à relação jurídica que esteve na sua origem.

Ora, compulsada a livrança exequenda constatamos que os únicos obrigados cambiários são a subscritora A... SA e os avalistas AA e BB.

Contrariamente ao referido pela Exequente no requerimento com a referência em epígrafe, considera o Tribunal que a hipoteca, penhor mercantil e penhor de acções são garantias destinadas a garantir o pagamento de responsabilidades, neste caso a subjacente ao contrato de mútuo, junto como documento n.º 2 ao Requerimento Executivo apresentado, e não a livrança, atentas as características supra aludidas.

Assim, considera o Tribunal que, efectivamente, estamos perante uma execução com base em títulos diferentes e contra vários executados alicerçando em causas de pedir díspares.

O art 709º/1 do CPC, sob a epigrafe “Cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes” estabelece que:

É permitido ao credor, ou a vários credores litisconsortes, cumular execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, contra o mesmo devedor, ou contra vários devedores litisconsortes, salvo quando «A cumulação de execuções contra vários devedores, no caso de títulos diferentes, apenas pode acontecer no caso de litisconsórcio passivo, mas não no caso de coligação passiva; neste caso, é de exigir a unidade do título. A lei permite esse tipo demanda na hipótese de os executados se encontrarem obrigados no mesmo título (cf. artigo 56.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil e também Rui P Manual da Execução e Despejo 330-331).

No caso em apreço, compulsada a livrança exequenda, é forçoso concluir-se que os executados são se encontram obrigados no mesmo título.

Face ao exposto, deparando-nos com uma coligação passiva de devedores ilegal (cf. artigo 38.º do Código de Processo Civil) e atento o teor do requerimento da exequente com a Ref.ª Citius n.º 8181037, decido:

 a) Determinar o prosseguimento da execução quanto aos executados AA e BB (obrigados cambiários)

b) Indeferir liminar e parcialmente o requerimento executivo apresentado quanto aos Executados CC e DD.

c) Determinar que a Sra. Agente de Execução proceda à citação dos executados AA e BB para que, em 20 dias, querendo, paguem ou deduzam oposição à execução (cf. artº. 726, nº. 6 do Código de Processo Civil e artigo 719.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.).

Registe e notifique.

Comunique à Sra. Agente de Execução, cumprindo o nº. 8 do artigo 726 do Código de Processo Civil.

 Custas da execução na parte respeitante ao indeferimento liminar parcial pela Exequente, fixando-se no mínimo legal (cf. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civile artigo 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais)».

II – Do assim decidido, apelou a exequente, tendo concluído as respectivas alegações, nos seguintes termos:

1.O Tribunal a quo indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo apresentado quanto aos Executados CC e DD, com fundamento numa coligação passiva de devedores ilegal.

2.O Banco 1..., S.A. intentou ação executiva para a cobrança da quantia de € 784.562,29 contra AA e BB, na qualidade de avalistas, e ainda contra CC, DD e AA, na qualidade de garantes.

3. O Banco Exequente alegou que, em dezembro de 2016, foi celebrado um contrato de mútuo com a sociedade comercial A... e que, para garantia do mesmo, foi entregue uma livrança em branco avalizada por AA e BB; foi constituído um penhor mercantil sobre bens livres de ónus ou encargos que se encontravam nas instalações da mutuária até ao montante de € 400.000,00; foi constituído um penhor de 1.760.000,00 ações ao portador do valor nominal de € 1,00 cada constituído por AA, CC e DD e foi constituída uma hipoteca sobre o prédio urbano propriedade da mutuária.

4.Os titulares das ações dadas de penhor, CC e DD foram executados nos termos do art. 54º n.º 2 do CPC.

 5. O Banco Exequente alegou ainda que, em virtude do não cumprimento das obrigações emergentes do referido contrato, foi preenchida a livrança da qual é portador e legitimo possuidor no montante de € 783.204,74.

6. Com o requerimento executivo, foi junto o contrato de mútuo celebrado em 27/12/2016; o penhor mercantil (genérico) constituído em 27/12/2016; o penhor de ações (genérico) constituído em 30/08/2016; a hipoteca voluntária (genérica) constituída em 17/06/2003 e a livrança de € 783.204,74.

7.O Banco Exequente deu à presente execução um único título executivo correspondente à livrança no valor de € 783.204,74, sendo o crédito exequendo garantido por aval, por hipoteca, por penhor mercantil e por penhor de ações.

8. O contrato de mútuo celebrado com a A..., S.A. é mencionado no requerimento executivo pelo facto de ser a relação jurídica cujo incumprimento originou o preenchimento da referida livrança no valor de € 783.204,74.

9. De acordo com a cláusula n.º 1 do artigo Décimo Segundo do contrato de mútuo, os valores que se mostrarem em dívida ao Banco Exequente ficam caucionados pela livrança em branco subscrita pela mutuária A... e avalizada por AA e BB, tratando-se de uma livrança caução.

10.Tendo-se verificado o incumprimento do referido contrato de mútuo, o Banco Exequente procedeu ao preenchimento da livrança entregue em branco, subscrita pela A... e avalizada por AA e BB.

11. AA e BB são executados na qualidade de avalistas da referida livrança de € 783.204,74, a qual foi preenchida em virtude do incumprimento do contrato de mútuo celebrado com a A....

12. CC e DD são executados na qualidade de titulares das ações que foram dadas de penhor em 30 de agosto de 2016, ou seja, na qualidade de garantes nos termos do n.º 2 do artigo 54.º do CPC, não sendo executados com base no contrato de mútuo (que nem assinaram), mas apenas com base no título de constituição de penhor de ações datado de 30 de agosto de 2016.

13.O contrato de mútuo foi apenas celebrado com a sociedade comercial A..., tendo sido constituídas várias garantidas para assegurar o cumprimento do mesmo, nomeadamente, a entrega de uma livrança com aval, hipoteca voluntária, penhor mercantil e penhor de ações.

14.Tendo-se verificado o incumprimento do contrato de mútuo e tendo sido preenchida a livrança que assegurava o pagamento de contrato, estamos perante o mesmo crédito, agora garantido por aval e ainda por hipoteca e penhores mercantil e de ações.

15.O título de constituição do penhor de ações é de 30 de agosto de 2016, ou seja, de data anterior ao contrato de mútuo celebrado em 27 de dezembro de 2016, e foi o mesmo constituído para garantia de todas e quaisquer responsabilidades da sociedade comercial A..., S.A. junto do Banco 1... e não apenas do contrato de mútuo.

16.O penhor de ações é autónomo do contrato de mútuo, uma vez que garante todas as responsabilidades da sociedade comercial “A..., S.A.” (e não apenas o contrato de mútuo), pelo que CC e DD não são executados com base no contrato de mútuo, mas apenas e tão só com base no título de constituição de penhor de ações de que são titulares.

17.Tendo sido preenchida a livrança de € 783.204,74, com fundamento no incumprimento do contrato de mútuo celebrado em 27 de dezembro de 2016, o pagamento da dívida existente é assegurado por todas as garantias pessoais e reais existentes, nomeadamente, o aval, a hipoteca, o penhor mercantil e o penhor de ações.

18.Na presente ação executiva não foram deduzidos dois pedidos executivos com base em títulos distintos, mas apenas um pedido executivo com base na livrança exequenda, a qual se encontra garantida por aval, hipoteca, penhor mercantil e penhor de ações.

19. CC e DD são executados enquanto titulares das ações dadas de penhor para garantia de todas as responsabilidades da A... S.A. junto do Banco 1..., enquanto AA e BB são executados na qualidade de avalistas da livrança exequenda.

20.Estamos perante o mesmo crédito, o qual dispõe de várias de garantias de pagamento, por um lado, a garantia pessoal do aval prestado por AA e BB e, por outro, as garantias reais de hipoteca, penhor mercantil e penhor de ações, neste último, prestado por AA e ainda por CC e DD.

 21.O facto da livrança ser um título de crédito caraterizado por autonomia, abstração e literalidade não retira a possibilidade do respetivo pagamento poder ser assegurado por garantias reais.

 22.O n.º 2 do artigo 54.º do CPC dispõe que a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra a este se o exequente pretender valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor.

23.O penhor de ações prestado por AA, CC e DD foi constituído para garantia de todas as responsabilidades assumidas e ou a assumir pela sociedade comercial A..., tratando-se de um penhor genérico, garantindo mútuos ou livranças.

24.Não obstante, e conforme se demonstrou, o montante inscrito na livrança exequenda corresponde ao valor em dívida no âmbito do contrato de mútuo celebrado com a sociedade comercial A....

25.O crédito exequendo, titulado na livrança de € 783.204,74, é garantido por penhor de ações, pelo que, nos termos do n.º 2 do artigo 54.º do CPC, podem ser aqui executados, paralelamente com os devedores, os terceiros garantes.

26.Como tal, em nosso entendimento, deverá ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, por violação do n.º 2 do artigo 54.º do CPC e, em consequência, ser proferido despacho liminar de citação dos executados CC e DD.

Não foram produzidas contra-alegações.

III – Os factos necessários à apreciação do presente recurso constam do acima relatado.

IV – Como resulta do confronto das conclusões das alegações com o despacho recorrido, constitui  objecto do  recurso, saber se, face ao teor do requerimento executivo e dos documentos com ele apresentados, se verifica uma cumulação de execuções fundadas em títulos diferentes, contra diferentes executados, em coligação passiva e, por isso, ilegal, como o sustenta o Tribunal a quo, ou uma única execução fundada num único titulo – a livrança – dirigida contra o devedor  e ao mesmo tempo contra os terceiros que, de modos e tempos diversos constituíram garantias reais em beneficio do crédito exequendo, como o entende o apelante.

Não se tem dúvida em que assiste razão ao Tribunal recorrido.

             Vejamos porquê.

Num entendimento ou noutro, é inegável que se está  perante uma acção executiva com legitimidade plural passiva, isto é, dirigida contra vários executados.

A legitimidade plural pode apresentar-se como litisconsórcio - quando existam dois ou mais sujeitos do lado activo e/ou passivo e uma única relação jurídica – ou como coligação  - caso em que existindo igualmente dois ou mais sujeitos do lado activo e/ou passivo,  se verifica a existência de duas ou mais relações jurídicas.

Como lembra Marco Gonçalves  [1], «a coligação passiva procura tornar viável a execução simultânea de obrigações formalmente unitárias, apresentando a vantagem de permitir uma só oposição à execução, mas a desvantagem de dificultar e complicar o curso da acção executiva pela sua simultânea incidência em patrimónios distintos e pretendentes a pessoas diversas».

O art 56º prevê a possibilidade de coligação de credores, de devedores e de credores e devedores.

A coligação de devedores, pressupondo, como já se afirmou, a existência de duas ou mais relações jurídica, implica que o exequente peça dos vários executados prestações diferentes, faça “pedidos diferenciados”.

Nas palavras de Rui Pinto[2], «há coligação quando à pluralidade de partes corresponde uma pluralidade de pedidos executivos subjectivamente diferenciados» . Ou seja, como acrescenta: «Quando ocorre cumulação de pedidos com cumulação de partes, correspondendo a cada parte um pedido».  O que sucede, como explica, em função «da presença de uma pluralidade de situações jurídicas autónomas, i e, sem existência de contitularidade, mas conexas entre si. Em suma: o que se poderia apelidar de mera apensação de causas». Sendo por isso que «a coligação exige ao mesmo tempo os requisitos da cumulação (objectiva) simples de pedidos ,…) e os requisitos próprios de conexão entre causas diversas».

O legislador apenas admite a coligação passiva quando os vários devedores coligados se mostrem  obrigados no mesmo titulo,  como resulta da al b) do art 56º, ao referir,  que «quando se não verifiquem as circunstâncias impeditivas previstas no nº 1 do art 709º, é permitido a um ou vários credores litisconsortes, ou a vários credores coligados demandar vários devedores coligados, desde que obrigados no mesmo titulo».[3]

Entendeu a Exma Juiz a quo que os executados demandados - AA, BB, CC e  DD -  o haviam sido em coligação  e  em função de títulos executivos diversos implicantes de «causas de pedir díspares»  – no caso dos executados AA, BB e  CC, com base em contrato de mútuo garantido por penhor de acções, no caso de BB e AA, com fundamento em livrança – excluindo no despacho recorrido o ponto de vista que o exequente expusera  na resposta ao despacho de convite (de que, não foram deduzidos dois pedidos executivos diferentes, mas apenas um, com base na livrança exequenda, «a qual se encontra garantida por aval, hipoteca penhor mercantil e penhor de acções»), fazendo-o com fundamento nas características da livrança enquanto titulo de crédito, assim, concluindo, que os únicos obrigados cambiários são a subscritora A... SA e os avalistas AA e BB.

Entende o Exequente/apelante que a demanda dos vários executados a que procedeu implica o respectivo litisconsórcio voluntário, ao abrigo do disposto no art 54º/2º CPC, ponto de vista que já deixara razoavelmente claro no ponto 3 dos factos constantes do requerimento inicial, quando aí  refere que «3. Os titulares das ações dadas de penhor, CC e DD, são responsáveis apenas na medida da garantia prestada, penhor sobre as ações de que são titulares, nos termos do art. 54º n.º 2 do CPC».

Dispõe esta norma – do nº 2 do art 54º - que «A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor».

E dispõe o nº 3 dessa mesma norma: «Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da acção executiva contra o devedor, que é demandado para completa satisfação do crédito exequendo».

Em anotação a estas normas, assinalam Lebre de Freitas/Isabel Alexandre [4]:  «A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro face à obrigação exequenda tem de seguir contra este sempre que o exequente pretenda fazer valer a garantia. È consequência da regra, que não comporta excepções, segundo a qual apenas podem ser penhorados bens que pertençam ao executado (art 735º/2). Pressupõe, obviamente, a existência de titulo executivo contra o proprietário do bem. Fica ao critério e à iniciativa do credor/exequente instaurar a execução, desde logo, contra o devedor e o terceiro, verificando-se então uma situação de litisconsórcio voluntário (nº1), ou apenas contra o terceiro (nº 2). Mas, vindo-se a verificar, nesta segunda hipótese, a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, poderá o exequente requerer a intervenção principal do devedor nos termos do art 316º/2, passando a execução a correr também contra este».

Explica  Rui Pinto  que o art 54º/2 «surge como uma norma de legitimação passiva de terceiro»[5]. Com efeito,  a possibilidade que o legislador conferiu ao exequente de propor a acção executiva contra alguém que não figura no titulo executivo – como sucede com o terceiro que haja constituído garantia real para garantia da obrigação exequenda  - «evitando, desse modo, a necessidade de formação de um novo titulo executivo  e subsequente sobrecarga da actividade dos tribunais»,  implica, em nome do princípio da economia processual, a derrogação do principio da legitimidade formal, que, como se sabe, vigora na acção executiva, «segundo o qual a execução tem de ser promovida pela pessoa que no titulo executivo figure como credor e contra a pessoa que no titulo tenha a posição de devedor ( art 53º/1)».

Como é sabido, na execução por divida provida de garantia real o credor pode adoptar uma de três atitudes: - demandar apenas o devedor, caso em que não pode ser penhorado o bem de terceiro sobre o qual foi constituída a garantia real, «isto porque no processo executivo vigora o principio de que apenas podem ser penhorados  bens ou direitos do executado, independentemente da qualidade substantiva desse executado – art 735º-1»; demandar apenas o terceiro, titular do bem onerado em garantia, quando pretenda fazer valer essa garantia, isto é, penhorar o bem sobre o qual foi constituída uma garantia real a seu favor, situação em que, se se vier a reconhecer a insuficiência do bem onerado com a garantia real  - «o que só pode  acontecer com a distribuição do produto da venda»- pode o exequente requerer no mesmo processo o prosseguimento da acção executiva contra o devedor, para completar a satisfação do crédito exequendo – art  54º/3 – estando aí em causa uma intervenção principal para compor um litisconsórcio – não uma coligação [6] – superveniente, «pois, pese embora a diferente posição dos executados perante  a divida,  a obrigação exequenda é uma e a mesma, não podendo permanecer extinta em face de um e não extinta em face do outro»; e demandar ab initio, em litisconsórcio voluntário, o terceiro garante e o devedor,  conforme a 2ª parte do nº 2 do art 54º .

Pareceria, à partida, ter sido este o procedimento do Banco Exequente – a demanda dos executados AA e BB, enquanto devedores, em função  do preenchimento da livrança entregue em branco, subscrita pela A... e por aqueles avalizada; e a demanda de CC e DD, como titulares das acções dadas em penhor, na qualidade de garantes, visto o penhor constituir garantia real e o que está em causa  ter sido constituído como penhor genérico, visto que constituído para garantia de todas e quaisquer responsabilidades da sociedade comercial A..., S.A. junto do Banco 1... e não apenas do contrato de mútuo, e apenas se pedir a execução da garantia na medida em que foi prestada [7].

Sucede que os devedores do contrato cujo incumprimento está em causa – o mútuo de € 1.190.000,00, destinado a restruturar responsabilidades bancárias, e cujo cumprimento é assegurado pelas diferentes garantias de que o aqui Exequente lançou mão,  a livrança em branco com aval, a hipoteca voluntária, o penhor mercantil e o penhor de ações – não são, obviamente, os executados AA e BB, mas só e apenas  a empresa A... SA.

Sucede, porém, que esta – a devedora -, se apresentou ao PER em 22/3/2023, pelo que,  a partir do despacho judicial proferido nos termos do art 17º/C, nº 3 , al a) do CIRE, ficou, nos termos do art 17-E do mesmo Código, impedida de contra ela ver instauradas quaisquer acções para cobrança de dividas.

O que só por si exclui o pressuposto de que o Banco exequente se terá pretendido servir na instauração da presente execução -  não estamos numa demanda ab initio, em litisconsórcio voluntário, do terceiro garante e do devedor,  conforme a 2ª parte do nº 2 do art 54º. Estamos perante a demanda dos garantes, a titulo diverso, da obrigação exequenda, que é o mútuo.

Emergindo, com toda propriedade, a abstracção, enquanto característica própria dos títulos de crédito (em que se inclui a livrança) -  a independência  da causa debendi, quer dizer, o titulo e o direito cambiário que encerra  é independente da relação jurídica que esteve na sua origem.

Fazendo todo o sentido que se diga como o disse a Exma Juíza a quo : «(…), compulsada a livrança exequenda constatamos que os únicos obrigados cambiários são a subscritora A... SA e os avalistas AA e BB. (…)  a hipoteca, o penhor mercantil e o penhor de acções são garantias destinadas a garantir o pagamento de responsabilidades, neste caso a subjacente ao contrato de mútuo, junto como documento n.º 2 ao Requerimento Executivo apresentado, e não a livrança, atentas as características supra aludidas».

Desde o momento em que, como acima se afirmou, estamos perante a demanda dos garantes, a titulo diverso, da obrigação exequenda, estamos perante relações jurídicas diversas, correspondentes, cada qual, a cada uma das garantias utilizadas nesta acção, consequentemente,  causas de pedir dispares,  utilizando as palavras de Rui Pinto acima transcritas, «pedidos executivos subjectivamente diferenciados em função de uma pluralidade de situações jurídicas autónomas, sem existência de contitularidade, mas conexas entre si. Em suma: o que se poderia apelidar de mera apensação de causas», sendo, por isso, forçoso concluir que os executados não se encontram obrigados no mesmo titulo.

Com o que a coligação passiva dos executados se mostra ilegal, nos termos a contrario da al b) do nº 1 do art 56º CPC, merecendo, em função do não acolhimento do convite que foi dirigido ao Exequente, o suprimento determinado, ao abrigo do nº 1 do art 38º CPC, pelo Tribunal da 1ª instância, com o que há que confirmar o despacho recorrido.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo apelante.

                                                               Coimbra, 4 de Junho de 2024
(Maria Teresa Albuquerque)
(Cristina Neves)
(Luís Ricardo)                                   

            (…)


                [1]  - «Lições de Processo Civil Executivo», 2019, p. 222
                [2] - «Manual da Ação Executiva e Despejo», Agosto 2013,  p. 330
                [3] - Vejam-se, a este titulo, os Ac R L 5/6/1996 (Dário Rainho) e o Ac R G 7/7/2004 (Vieira e Cunha).

[4] -«Código de Processo Civil Anotado» Vol I, 3ª ed., Setembro 2014, p. 113
                [5] - Obra referida, p.293 e 206

      [6] - Obra referida, p 293; Cfr Ac RE 7/5/2009 e Pestana de Vasconcelos, «Direito das Garantias», p 229, no sentido de excluírem nesta situação um litisconsórcio necessário. No mesmo sentido, Marcos Gonçalves, obra referida, p. 213, onde refere: «Constata-se por isso, que entre o terceiro e o devedor existe,, do ponto de vista processual, um litisconsórcio voluntário passivo».

[7] - Relativamente à hipoteca global, mas podendo-se aplicar igualmente ao penhor global, refere  Isabel Mereres Campos, «Da Hipoteca- caracterização, constituição e efeitos», p 103[7]: Caracteriza-se  por garantir uma dívida que não está determinada ab initio, sendo apenas determinado o montante máximo que assegura. As obrigações  garantidas podem ter a mais variada natureza  e não é limitado o seu número: pode ser abrangida pela hipoteca toda e qualquer obrigação, desde que integrável num dos critérios de globalização convencionados e desde que caiba na quantia máxima constante do registo e do titulo constitutivo (…) Relativamente a estas hipotecas (globais) é necessário que se preencham certos requisitos minimos para determinação do crédito garantido, designadamente, é preciso identificar, na data da sua constituição, a relação juridica da qual derivará  a obrigação a garantir, e só se esta  vier a nascer e se tornar autonomamente exigivel  é que havera desenvolvimento da garantia hipotecária».