Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8478/16.4T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
TÍTULO COMPLEXO
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.703 CPC
Sumário: 1.- O contrato de abertura de crédito é um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias.

2.- Este contrato, só por si, não é título executivo, pois que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado.

3. - A obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efectiva do crédito, pelo que, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efectivas do crédito, através de prova documental.

4.- Apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Assim, pois que o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração directa ou indirectamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade.

5.- O instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efectivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da acção executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil – 703º NCPC).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

C (…) S.A., exequente melhor identificada nos autos à margem referenciados, em que é executada A (…)Lda. e outros, tendo sido notificada do despacho que indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo, e não se conformando, veio dele interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

*

Não foram proferidas contra-alegações.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada e que consta do elemento redactorial dos Autos, relevando-se, em tal contexto:

- o despacho proferido haver assumido o seguinte teor:

«INDEFERIMENTO LIMINAR PARCIAL

Falta de título executivo quanto aos contratos alegados no artigo 1.º, alíneas a) e b), do requerimento executivo:

Conforme sumariado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-02-2016(em www.dgsi.pt – Processo n.º 18/14.6TBMDA-A.C1):

“I – Um contrato de abertura de crédito, ainda que seja um contrato consensual – por se considerar concluído com o mero acordo das partes –, não importa, só por si, a constituição da obrigação de reembolso de qualquer capital; tal obrigação apenas se constitui a partir do momento em que o cliente ou creditado utilize, efectivamente, qualquer capital, nos termos contratados.

II – Não resultando do aludido contrato que, no momento da sua celebração, tenha sido, desde logo, disponibilizado qualquer capital, nenhuma obrigação de reembolso se poderá considerar constituída nesse momento e, como tal, o documento que titula esse contrato não constitui título executivo para o efeito de exigir o cumprimento daquela obrigação.

III – O art. 50º do anterior CPC – assim como o art. 707º do actual CPC – apenas se aplica a documentos autênticos ou autenticados, pelo que, estando em causa um documento particular, não é admissível a prova complementar a que alude a norma citada para o efeito de provar a constituição da obrigação que nele foi prevista e que se pretende executar; tais documentos (particulares) apenas poderão servir de base à execução se reunirem as características que são exigidas pela alínea c) do art. 46º, ou seja, desde que esses documentos – assinados pelo devedor – importem (eles mesmos e independentemente de qualquer outra prova) a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação, cujo valor seja determinado ou determinável nos termos ali previstos.

IV – A prova complementar a que alude o art. 804º do anterior CPC – bem como o art. 715º do actual CPC – não pode ter como objecto o facto de que depende a constituição da obrigação, destinando-se apenas a provar o facto (seja ele uma condição suspensiva ou uma prestação a executar pelo credor ou por terceiro) do qual depende a exigibilidade da obrigação cuja constituição ou reconhecimento já terá que resultar do título executivo.

V – A efectiva disponibilização de fundos ou capital ao abrigo de um contrato de abertura de crédito não corresponde a uma prestação da qual dependa a exigibilidade da obrigação de reembolso desse capital, antes corresponde a uma prestação da qual depende a constituição desta obrigação e, como tal, a prova da realização dessa prestação não pode ser efectuada ao abrigo do disposto no art. 804º do anterior CPC (715º do actual CPC).

VI – Assim, um contrato de abertura de crédito do qual não resulte que tenha sido, desde logo, disponibilizado qualquer capital e que esteja formalizado em documento particular não constitui título executivo para o efeito de exigir o cumprimento da obrigação de reembolso de qualquer capital, ainda que seja acompanhado de qualquer outro documento que, sem qualquer intervenção do devedor, vise demonstrar a efectiva disponibilização ou utilização de fundos nos termos contratados.”.

*

No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2016 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 427/13.8TBPTS-B.L1-1) sumariado nos seguintes termos:

“I – Sendo o contrato de abertura de crédito um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias, este contrato, só por si, não é título executivo.

II – Os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado.”.

*

No caso concreto:

Dos documentos particulares apresentados como contratos de abertura de crédito e como títulos executivos não resulta que alguma quantia foi efectivamente entregue à sociedade Executada, pelo que não corporizam, só por si, tais documentos particulares a constituição de qualquer obrigação pecuniária a cargo dos Executados, cujo cumprimento possa ser coactivamente exigido com base nesses mesmos documentos particulares, os quais não constituem títulos executivos.

»«

Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 726.º, n.os 2, alínea a), e 3, do Código de Processo Civil, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminar e parcialmente o requerimento executivo apresentado quanto à quantia de €79.373,71, a qual se reporta aos documentos apresentados como títulos executivos sob o artigo 1.º, alíneas a) e b), do requerimento executivo.

2) Custas pela Exequente de acordo com a sucumbência.

*

Notifique a Exequente.

Notifique o (a) Sr.(a) Agente de Execução.

Após trânsito em julgado:

Notifique o (a) Sr.(a) Agente de Execução para, no prazo de 10 dias (artigo 720.º, n.º 7, do Código de Processo Civil), proceder à citação (artigos 726.º, n.º 8, e 719.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) dos Executados para, no prazo de 20(vinte) dias, pagar ou opor-se à execução (artigos 726.º, n.º 6, e 855.º, n.º 5, do Código de Processo Civil)»;

- os documentos juntos pela ora recorrente aquando da instauração da presente execução revelam disponibilização à sociedade executada dos montantes elencados nos extractos.

*

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

*

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em se apreciar:

1.

D. Os documentos juntos pela ora recorrente aquando da instauração da presente execução constituem prova cabal da disponibilização à sociedade executada dos montantes elencados nos extractos.

E. Os contratos de abertura de crédito não são, só por si, título executivo; os actos subsequentes à abertura de crédito é que titulam o direito de crédito do exequente.

Apreciando, diga-se funcionar como elemento obsidiante resolutivo do presente problema judiciário a circunstância de resultar dos Autos, sem que se possa contrariar, que:

“os documentos juntos pela ora recorrente aquando da instauração da presente execução revelam disponibilização à sociedade executada dos montantes elencados nos extractos”.

Sendo que, da análise de tais elementos, conjugados com o contrato assinado pelos devedores, resulta que foi constituída/reconhecida uma obrigação pecuniária, cujo montante está determinado ou é determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas constantes do contrato.

No caso dos autos - de resto -, o documento particular que formalizou o contrato de crédito em conta corrente, está acompanhado de elementos que demonstram, assim, a concretização das operações subsequentes de disponibilização e utilização do capital a que se reporta e dos pagamentos efectuados, resultando do(s) próprio(s) documento(s) junto(s) com o requerimento executivo, os prazos e a forma como o capital mutuado deveria ser reembolsado.

Valendo, deste modo, por trazer à colação, como refere Lopes do Rego, in «Comentários ao Código de Processo Civil» Vol. I. 2.ª Edição, Almedina, 2004, a pág. 83, no caso de exigibilidade da obrigação prevista no artigo 804.º do CPC - por exemplo, por a obrigação estar dependente de uma prestação por parte do credor -, se pode fazer a sua prova complementar, defendendo este autor que, em tais condições, possa valer como título executivo o contrato de concessão de crédito, determinando-se, por essa prova, a real concessão do crédito ainda não pago (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/04/2012 Proc. nº 1030/10.0TBFAF-A.G1, Relatora: ANA CRISTINA DUARTE, in www.dgsi.pt).

Nesta conformidade - como se conclui em tal aresto e se sufraga -, “constitui titulo executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados”.

Assim, pois que o contrato de abertura de crédito é um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. Precisando-se que este contrato, só por si, não é título executivo; pois que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado (Cf. Ac. RP, de 8.10.2001, Proc. nº 0151028:JTRP00031087, Relator: NARCISO MACHADO; também AC STJ DE 1993/06/08 IN CJSTJ, T3, ANO I, PAG. 3).

Tal - como aí se consiga -, na dimensão em que «a obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efectiva do crédito, pelo que, como é evidente, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efectivas do crédito».

O que é logrado, circunstancialmente, através da conjunção dos elementos documentais juntos aos Autos por parte da recorrente.

Em tais termos, pois que «o instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efectivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da acção executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil – 703º NCPC)» (Cf. Acórdão da Relação do Porto de 10/12/2012, Proc. nº 6586/11.7TBMTS-B.P1; Relator - LUÍS LAMEIRAS)

-

Recorde-se, de resto - à semelhança do que o Tribunal Constitucional clangorou -, que a própria questão de constitucionalidade que é suscitada:

«(…) não reside na limitação do elenco dos títulos executivos. Ela incide, sim, na aplicação do novo elenco legal dos títulos executivos aos documentos constituídos no passado e que anteriormente eram dotados de força executiva. É, portanto, no confronto entre o interesse público em evitar execuções injustas e o interesse particular em manter a força executiva do documento que titula o crédito que se joga a apreciação da proporcionalidade da solução encontrada.

     Nesta ponderação importa reter que o risco de instauração de execuções injustas por parte do credor munido de simples documento constitutivo de dívida assinado pelo devedor pode ser - e tem efectivamente sido -, contrabalançado por variadas soluções legislativas. Desde logo, a previsão da possibilidade de deduzir oposição à execução (embargos de executado) a garantir o pleno exercício do contraditório por parte do executado (artigo 816.º do CPC antigo e artigo 731.º do CPC novo). Ou a faculdade concedida ao juiz de, na sequência de dedução de oposição à execução com simples fundamento na falta de autenticidade da assinatura imputada ao executado, ordenar a suspensão da execução caso seja apresentado documento que constitua indício de prova revelador da viabilidade da oposição (artigo 818.º do CPC antigo e artigo 733.º do CPC novo) ou ainda a penalização do exequente que actue sem a prudência exigível (artigo 819.º do CPC antigo).

     Diferentemente, a imprevista eliminação de exequibilidade a um documento que anteriormente era dotado de força executiva pode deixar o credor em sérias dificuldades (senão mesmo privado de meios) para ver satisfeito o seu direito de crédito.

     Ainda que subsistam outras vias de acesso ao direito, como o processo de injunção ou a acção declarativa, o credor deixa de poder contar com a presunção de prova da dívida que lhe oferecia o documento munido de força executiva.

     Na verdade, não deve ignorar-se que o direito de acção executiva, materializado no título executivo, pressupõe a presunção da prova da dívida. Por conseguinte, a exclusão de determinado tipo de documento do rol dos títulos executivos acarreta consigo não apenas a privação do acesso imediato à acção executiva como também a privação da presunção de prova do direito de crédito.

     Apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Como sublinhado por José Lebre de Freitas, «o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração directa ou indirectamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade» (A Acção Executiva cit., pp. 83-84). É por isso que o documento constitui a base da acção executiva, independentemente da actual existência da obrigação, a qual não é, por via de regra, questionada neste tipo de acção» (Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº847/2014, de 03.12.2014).

-

Neste sentido, referencie-se, extractando de elemento narrativo do Ac. TRL de 03.05.2016, Proc. nº427/13.8TBPTS-B.L-1, que:

«a jurisprudência largamente maioritária considera que um contrato de abertura de crédito, exarado em documento particular, não autenticado, mas assinado pelo devedor, na medida em que apoiado por um outro instrumento documental (um extracto de conta, por exemplo), elaborado de acordo com as cláusulas do contrato, e que mostre terem sido disponibilizados os recursos pecuniários naquele previstos, constitui título executivo bastante para poder sustentar uma acção executiva que o creditante proponha contra o devedor (cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.2012, proferido numa acção semelhante à aqui em causa).

Tanto assim é que o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 15.05.2001 no âmbito do Proc. n.° 01A1113, considera que “O contrato de abertura de crédito titulado por documento particular, assinado pelo devedor, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do Exequente, através da junção do extracto de conta corrente, constitui título executivo” (sumário disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/427af28 7592ea67d80256ccb003713c5?OpenDocument).

Posição esta perfilhada pelo Exmo. Sr. Dr. Joel Timóteo Ramos P. na parte final de “Contrato de abertura de conta - constitui título executivo?”, in Revista «O Advogado», II Série, n.°22, Fevereiro de 2006, acessível em http://www.verbojuridico.com/doutrina/artigos/oadvogado 62.html).

A este propósito, o entendimento sufragado pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 24 de Abril de 2012, Proc. n.° 1030/10.0TBFAF-A.G1, no qual se estabelece que “Constitui título executivo um contrato de crédito em conta corrente, assinado pelo devedor, com indicação do montante mutuado e da forma de pagamento, complementado por extracto de conta corrente, que demonstre a concretização das operações subsequentes de disponibilização do capital ao mutuário e pagamentos parcelares efectuados”.

Vale o mesmo por dizer que “É título executivo o documento particular que consubstancie o contrato de mútuo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, complementado pelo extracto de conta de depósitos à ordem revelador da utilização do respectivo montante” (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2006,atinente ao Proc. n.°06B152,disponível em    http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/edbf3a9  29e1ac24a802571a9004c6325?OpenDocument).

No mesmo sentido, “O contrato de abertura de crédito constitui título executivo, desde que seja acompanhado por documentação demonstrativa de que efectivamente foi emprestada uma quantia” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.10.2012, relativo ao Proc. n.° 1643/11.2TBPFR-A.P1, acessível em  http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/2058c9  4ad5bb55ba80257ab0003d8138?OpenDocument).

Por sua vez, o Decreto-Lei n.° 287/93, de 20 de Agosto, o qual transformou a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, prevê no n.° 4 do artigo 9.° do seu diploma preambular que “Os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”.

Acresce que, o n.° 3 do artigo 7.° do Código Civil consagra que “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.

Vale o mesmo por dizer que, “A lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça expressamente”, conforme defende, a título de exemplo, o Acórdão de 09.07.2009 do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Proc. n.° 3956/09.4TCLSB.L1-8.

A existência de intenção inequívoca do legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vectores incisivos que a ela equivalham, pelo que, quando se pretenda, através duma lei geral, revogar leis especiais, designadamente quando se vise firmar um regime genérico e homogéneo, há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara, do género, são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais (cfr. Menezes Cordeiro, “Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias”, em Cadernos de Ciência da Legislação, INA, n° 7, 1993, págs. 17 e ss, apud, Abílio Neto, Código Civil Anotado, 13ª edição actualizada, 2001, pág. 20).

Ora, o referido n.° 4 do artigo 9.° do diploma preambular do Decreto-Lei n.° 287/93 mantém-se claramente em vigor, não tendo sido expressamente revogado pelo artigo 4.° da Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código. Por outro lado, o novo Código também não revoga tacitamente as leis em contrário, ainda que especiais.

O mencionado n.° 4 do artigo 9.° faz, assim, parte de um diploma (Decreto-Lei n.° 287/93) que constitui uma lei especial, a qual, não tendo sido expressamente revogada pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, mantém as regras da atribuição de força executiva aos contratos celebrados com a CGD.

-

Deste modo, não se encontrando revogado o artigo 9º, n.º 4 do Decreto-Lei nº 287/93, que determina que “os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”, forçoso é concluir que os contratos dados à execução, acompanhados dos respectivos extractos, se encontram revestidos de força executiva, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC.

Consequentemente, conclui-se que a ora recorrente se encontra munida de título executivo, julga-se, por isso, procedente o presente recurso, com a revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução.

O que determina atribuir resposta afirmativa às questões em 1.

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Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC), que:

1.

O contrato de abertura de crédito é um contrato consensual por via do qual um estabelecimento bancário se obriga a ter à disposição do cliente uma soma de dinheiro que este tem possibilidade de utilizar, mediante uma ou mais operações bancárias. Precisando-se que este contrato, só por si, não é título executivo; pois que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares desta é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado.

2.

Na dimensão em que a obrigação de reembolso só nasce se e na medida da disponibilização/utilização efectiva do crédito, pelo que, como é evidente, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação, tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efectivas do crédito. O que, circunstancialmente, é logrado através da conjunção dos elementos documentais juntos aos Autos por parte da recorrente.

3.

Apesar de o título executivo não se confundir com o documento que o materializa, a função probatória do documento constitui pressuposto da sua função executiva. Assim, pois que o título executivo extrajudicial constitui documento probatório da declaração de vontade constitutiva duma obrigação ou duma declaração directa ou indirectamente probatória do facto constitutivo duma obrigação e é este seu valor probatório que leva a atribuir-lhe exequibilidade.

4.

Em tais termos, pois que o instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efectivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da acção executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil – 703º NCPC)

                                                                          **

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concluindo-se que a ora recorrente se encontra munida de título executivo, julga-se, por isso, procedente o presente recurso, com a revogação da decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução.

Sem Custas.

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo