Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CALVÁRIO ANTUNES | ||
Descritores: | SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 06/13/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 281º, 282º E 384º CPP | ||
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Sumário: | Recebido o expediente como processo sumário na secção judicial onde foi distribuído e aí determinada, já em sede de início de discussão e julgamento, a suspensão provisória do processo, os autos aguardam o decurso do prazo dessa suspensão na secretaria judicial, por se tratar já de processo judicial, cuja orientação e supervisão pertence ao juiz. | ||
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Decisão Texto Integral: | No processo supra identificado, foi 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi deduzida acusação, em processo sumário, com tribunal singular, o arguido A... melhor identificado nos autos, Imputando-lhe os factos descritos na acusação de fls. 22 a 24, susceptíveis de integrarem a prática de um crime de dano, previsto e punido pelo artº 212º, nº 1 do Código Penal. * 2. A fls. 51/52, veio o arguido requerer a suspensão provisória do processo, a qual foi deferida, pelo despacho de fls 54 e 55, dos autos.* 3. Após, pelo despacho de fls 57, foi ordenada a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Publico, para aí prosseguirem seus termos, ex vi artºs 281º e 283º do CPP, despacho esse notificado ao M.P., a fls 58.* 4. A fls 64 e vº, veio o M.P. ordenar a devolução dos autos ao 1º Juízo Criminal desta comarca. *** 5. Na sequência de tal veio a ser proferido o despacho de fls.67 a 71, onde foi ordenada a devolução dos autos ao Ministério publico. *** Inconformado com tal despacho, veio o Ministério Publico, apresentar o recurso de fls 82/98, tendo formulado as seguintes conclusões: “1 - Requerida a suspensão provisória do processo pelo arguido, após o inicio da audiência de julgamento em Processo Sumário, tendo o MºPº manifestado a sua não oposição, e proferida decisão de concordância pela Mº Juiz de instrução, cabe ao Juiz de julgamento proferir a decisão/despacho em que determina a suspensão provisória do processo, pelo tempo e mediante as injunções já constantes dos autos. 2 - Não tendo sido proferida tal decisão pelo Mmº Juiz de julgamento, não se pode considerar que os autos se encontram suspensos provisoriamente. 3 -Mesmo que assim não se entenda, e se considerem verificados todos os pressupostos da suspensão provisória do processo, por ter havido concordância do MºPº e da Juiz de Instrução, considerando a concordância desta como decisão/decretamento da suspensão provisória do processo, nunca poderiam os autos ser remetidos de imediato aos Serviços do Ministério Publico, a fim de serem autuados com Inquérito. 4 - O Ministério Público não requereu a suspensão provisória do processo na chamada fase preliminar do processo sumário (fase em que o mesmo está sob o domínio do Ministério Público), sendo que a mesma foi requerido pelo arguido, já na fase jurisdicional do processo (fase em que o mesmo está sob o domínio do Juiz de julgamento), já após o despacho judicial que determinou a autuação dos autos como Processo Sumário, ordenou a realização imediata da audiência julgamento, e mesmo depois de ter sido adiada a primeira audiência de julgamento. 5 - Ora, a aplicação com as devidas correspondências do art. 384° do CPP, não pode logicamente e numa apreciação literal e puramente sistemática das normas aplicáveis, querer dizer, apenas porque o art. 281° do CPP está inserido na fase processual do inquérito, que se deva entender que é nos Serviços do MºPº que o processo deverá aguardar o decurso do prazo da suspensão provisória, nem tão pouco que cabe ao Mº Pº verificar pelo cumprimento das regras de conduta e das injunções aplicadas ao arguido. 6 - Registado, distribuído e autuado o expediente que é remetido pelo Ministério Publico para julgamento em Processo Sumário, iniciada a audiência de julgamento, e requerida pelo arguido a suspensão provisória do processo, já depois da audiência de discussão ter sido interrompida/adiada, é ao Juiz de Julgamento que cabe proferir despacho/decisão que determine a suspensão provisória do processo. 7 - Com efeito, após o registo e autuação de um processo sumário e iniciada a audiência de julgamento, o mesmo só comporta despacho judicial, que ponha termo ao processo, e este só poderá revestir uma de três possibilidades: absolvição; condenação; remessa para outra fase processual. 8 - Por outro lado, de acordo com a interpretação gramatical e legal, "suspender um processo" é sustar-lhe a marcha, o que, necessariamente, implica que o mesmo fique a aguardar os ulteriores trâmites processuais no mesmo local (Secção/Juízo) onde se encontra na data da sua suspensão. 9 - Ou seja, o Processo Sumário, que tenha sido suspenso provisoriamente, só poderá ser remetido aos Serviços do Ministério Publico se o arguido não cumprir as regras de conduta/injunções que lhe foram impostas, ou se não for já possível o julgamento em Processo Sumário. 10 - Tal como sucede na suspensão provisória do processo, em fase de Instrução, onde cabe ao Juiz de Instrução decretar a suspensão provisória do processo, e aí aguardar os seus termos, em Processo Sumário cabe ao Juiz de Julgamento decretar a suspensão provisória do processo e também aguardar aí os seus termos. 11 - O entendimento da decisão recorrida é inconstitucional por violar o principio da separação de poderes ínsito nos arts. 2° e 111°, ex vi os art. 202º e 219º da Constituição da República Portuguesa, conduzindo ao vicio de incompetência absoluta, por constituir a prática por um órgão (Ministério Público) de acto para o qual não possui qualquer competência conferida pela Constituição ou pela lei. 12 - Remeter o Processo Sumário ao Ministério Público para inquérito, depois de ter sido requerida a suspensão provisória do processo por parte do arguido, já depois de iniciada e interrompida/adiada a audiência de julgamento no âmbito daquele processo, tendo havido a concordância do MºPº e da JIC, e ainda antes de saber se o arguido cumpriu ou não as injunções/regras de conduta que lhe foram impostas, é pretender que um processo jurisdicional saia da respectiva secção, fora dos casos previstos na lei, em violação do art. 125° nº 3 da L.O.F.T.J. (Lei nº 3/99, de 13/01) e do art. 155° nº2 da N.L.O.F.T.J (Lei nº52/2008, de 28/08). 13 - O que viola flagrantemente o disposto no art. 390º nº1 do CPP, que, de o forma taxativa, fixa os casos em que o processo muda de forma processual. 14 - A manter-se o entendimento da douta decisão recorrida, não se vislumbra o destino a dar pelo Ministério Público a este processo que lhe é remetido pelo Juiz de Julgamento (o qual constitui um processo jurisdicional, dirigido pelo Juiz e não pelo MªPº), já que, por Lei, o Ministério Publico não o pode mandar arquivar, nem o pode mandar registar como Processo Administrativo, Expediente Avulso ou Inquérito (violando-se assim e nesta hipótese, como se pretende na douta decisão recorrida, o estatuído pelo art. 262º do CPP). 15 - Sendo que, não se vê como pode tal processo ser registado junto dos Serviços do Ministério Público, já que não vislumbramos "outras formas processuais" onde tal pudesse caber ou integrar-se. 16 - É assim manifesto que um processo judicial especial (no caso em análise, o Processo Sumário), ainda que remetido aos serviços do Ministério Público, não integra, nem nunca poderia integrar, o conceito de inquérito ou "converter-se" num inquérito, fora dos casos expressamente estabelecidos na Lei (art. 390º nº 1 do CPP). 17 - Sendo que, o inquérito que se instaurasse por esta via, e sem fundamento legal, estaria ab initio e inuletavelmente esvaziado de objecto e sentido, porque estaria já alcançada a sua finalidade, coarctando o Ministério Público, enquanto titular do "inquérito" assim instaurado, de decidir-se ou não pela suspensão provisória do processo. 18 - A pretensão do legislador ao conferir a possibilidade de uso da suspensão provisória no âmbito processo sumário não terá certamente sido a de que este fosse remetido ao Ministério Publico e ficasse num "limbo" não sindicável e sem assento legal. Nem tão pouco a de, por via de despacho como o proferido nos autos, instituir o Ministério Público como "fiel depositário" de um processo judicial e especial (Processo Sumário). 19 - Pois, não cabe ao Ministério Público, no caso de cumprimento das regras de conduta/injunções por parte do arguido aplicados no âmbito do processo sumário, determinar o arquivamento do processo. 20 - Se na verdade a intenção do legislador tivesse sido a de fazer regressar estes processos (abreviados e sumários) ao Ministério Publico para ser instaurado com o Inquérito, não teria expressamente dito (tanto mais quanto estatuiu expressa e taxativamente no art. 390º do CPP as circunstâncias em que o processo é remetido para a forma comum) que assim era?! E a forma ou veste, sob a qual, tal "regresso" seria efectuado (como inquérito? Expediente avulso? Processo Administrativo? ou outra?). 21 - O Processo Sumário, no qual tenha sido solicitado pelo arguido a suspensão provisória do processo, depois de iniciada a audiência de julgamento, com concordância do Ministério Publico e da Juiz de Instrução, deve pois manter-se na secção judicial onde o mesmo foi distribuído, cabendo ao Juiz de Julgamento decretar a suspensão provisória do processo, ali aguardando o decurso do prazo da suspensão, cabendo ao Juiz de julgamento, a final, aferir se o arguido cumpriu as injunções/regras de conduta impostas, ordenando o respectivo arquivamento (nos termos do art. 292° nº 3 do CPP), ou determinando a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público, mas apenas nas hipóteses legalmente previstas: nas situações referidas pelo art.º 282° n.º 4 do CPP, para ser proferida acusação em processo abreviado, nos termos do disposto no n.º 384° n.º 3 do citado diploma legal; ou para tramitação sob outra forma de processo, nos casos taxativamente estipulados no art.º 390° n.º 1 do CPP. Termos em que, pelos fundamentos e nos termos expostos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, se requer seja revogada a douta decisão recorrida e seja a mesma substituída por outra que determine o regresso dos autos ao 1º Juízo Criminal da comarca de Viseu (Secção onde originariamente foram distribuídos, a fim de ser determinada/decretada a suspensão provisória do processo pelo Mmº Juiz de Julgamento, aguardando os autos naquele Juízo Criminal o decurso do prazo da suspensão provisória do processo. Nestes termos, e nos mais de direito que Vªs. Ex.as se dignarão suprir, farão a costumada JUSTIÇA.” *** A fls 99 dos autos, foi admitido o recurso e ordenada a sua remessa s a este Tribunal de Relação. Nesta instância, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer (fls 108), no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso. Foram colhidos os vistos legais. *** Cumpre decidir. Vejamos o despacho recorrido (por transcrição): “ ……………… Foi ordenada a fls. 57 a remessa dos autos ao Ministério Público. Tal despacho foi notificado ao próprio Ministério Público a fls. 58. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outra autoridades _ art. 205.°, n.º2, da CRP. As decisões, ainda não definitivas, podem ser questionadas por via do recurso para o tribunal de instância superior nos termos da lei de processo. O despacho que ordenou a remessa dos autos ao Ministério Público não foi objecto de recurso. Pelo despacho de fls. 64, o(a) Ex.mo(a) Magistrado do Ministério Público subscritor, pelos fundamentos aí expressos, determinou que os autos fossem devolvidos a este juízo criminal. Tal decisão, contudo, não prevalece sobre a decisão do tribunal. Deverá ser cumprida a decisão do tribunal, proferida a fl. 57, em obediência ao imperativo constitucional e ao julgado que, entretanto, se firmou. Ainda que não se impusessem maiores dizeres, imperativos de cooperação institucional e de bom funcionamento na administração da justiça aconselham a que se acrescente o seguinte. O Código de Processo Penal firma de forma imperativa as formas processuais e, claramente, estabelece uma hierarquia na escolha dessa forma para a salvaguarda dos fins do processo. Essa hierarquia tem espelho, ademais, na Lei de Política Criminal. O Ministério Público está sujeito à Lei e, decorrentemente está sujeito à imperatividade das normas processuais penais. Deve, ao mesmo passo, observar os princípios processuais penais. O estrito cumprimento da lei impõe, no âmbito da escolha da forma processual para o exercício da acção penal, que o Ministério Público antes de acusar em processo sumário (a forma que agora interessa) pondere obrigatoriamente o arquivamento em caso de dispensa de pena e a suspensão provisória do processo. Mais ainda: impõe a necessidade de fundamentação e legitimação processual que, sendo admissíveis aqueles recursos processuais e não se usem, se explique a razão para não o fazer. Esta "existência" processual, fruto de décadas de "dissecação" de excrescências do processo penal inquisitório e fruto da imposição do princípio da intervenção mínima do direito penal, foi sendo ultrapassada: umas vezes compreensivelmente - até certo ponto - por força do volume do trabalho e da estatística do Ministério Público; outras vezes por simples incúria, porque efectivamente é menos trabalhoso apresentar um arguido em processo sumário do que reunir os necessários consensos para a suspensão provisória. E, por isso, uma vez mais desconfiando da honestidade intelectual e processual dos operadores judiciários, o legislador - como o fez por exemplo na alteração do regime do interrogatório judicial de arguido detido para assinalar o caminho a seguir ao juiz de instrução apesar de a lei e o bom senso já o fazer - de forma anacrónica - aparentando ter esquecido o que resultava já do passado legislativo - e kafkiana - introduzindo regulamentação com contornos de absurdo e irrealismo - introduziu a actual redacção do art. 384.° do Código de Processo Penal com a Lei 26/2010, que mais não é do que a imposição, de facto, ao Ministério Público da obrigatoriedade de ponderar a suspensão provisória antes de submeter o arguido a julgamento em processo sumário, colocando-o mesmo numa aparente contradição de, depois dessa submissão - que pressupõe o juízo de desadequação dos demais mecanismos processuais - se vir "desdizer", acordado numa suspensão provisória requerida, entrementes, pelo arguido. Independentemente da posição que tenhamos sobre essa matéria e das críticas que se possam fazer, a realidade é a de que não somos legisladores. Uma vez mais, por imperativo constitucional, estamos sujeitos à lei e temos que procurar a solução possível. A solução possível passa sempre por um interpretação de acordo com os pilares basilares do processo penal. O n.º 1 do art. 384.° do Código de Processo Penal, invocado como fundamento para a devolução dos autos a este juízo, de novo e útil apenas veio trazer ao regime da suspensão provisória do processo - para além da assinada "pedagogia legal" - a obrigatoriedade de o juiz se ter de pronunciar sobre ela no prazo de 5 dias para deixar o caminho aberto ao seguimento dos autos como processo sumário. Daí retirar que essa decisão é do juiz de julgamento e de que é ele a determinar a suspensão provisória, é ignorar o que demais se prevê nos restantes números do art. 384.°, fazendo uma interpretação convenientemente "tapada" da norma, e ignorar o que, no passado, se discutia e levou á alteração legislativa. É ignorar também o que se passou no processo legislativo que conduziu à alteração. Nesta alteração legislativa em lado algum se encontra base com força bastante para se considerar que é o juiz de julgamento que decide da suspensão provisória e que a faz cumprir. Considerar isso é ignorar o que é a suspensão provisória do processo, é ignorar o princípio do acusatório - mitigado com a intervenção garantistica das liberdades fundamentais do Juiz de Instrução. Talvez por isso não se devesse estranhar que seja chamado o juiz de instrução, no n.º 2 do art 384.°. Para quê chamá-lo a intervir se um outro juiz de julgamento daria iguais garantias!? O que resulta do art. 384.° n.º 1, do Código de Processo Penal, é que nos casos em que os autos estejam já distribuídos à secção de processos para julgamento e se colocar a questão da suspensão provisória, deve o juiz de julgamento verificar se estão assegurados os pressupostos processuais formais necessários para tanto, desencadeando os ulteriores trâmites processuais. Caso assim não se interpretasse, estaríamos na contingência de o juiz de julgamento ter de obter a concordância do Ministério Público, remeter o processo para o juiz de instrução e decidir da suspensão: um juiz pediria a concordância de outro juiz para decidir. Mais ainda, como no caso dos autos, um juiz de julgamento, em turno, e não como juiz de instrução, dava a sua concordância para que outro juiz decidisse. Seria a completa inversão de papéis no processo penal, transformando em regra aquela que é a excepção: o juiz de julgamento é o juiz do julgamento, tão só. Esta verdade à la Palice é tão clara quanto significativa e ignorada, pois que o juiz de julgamento não tem nem deve ter intervenção em mecanismos que precedem o próprio julgamento, sob pena de ficar em causa, irremediavelmente, a sua isenção e imparcialidade: o acusador é diverso do julgador e esta é a célula base da estrutura processual penal! Por alguma razão, aliás, se consignou que, para efeito da suspensão deve ser obtida a concordância do juiz de instrução, este um juiz de garantias e de liberdades na fase processual que precede o julgamento. Saber quem decide e onde ficam, afinal, os autos remetidos para julgamento em processo sumário onde é requerida, à posteriori, a suspensão provisória, não é mera mesquinhez ou questão de pormenor e tão pouco uma questão nova. É uma questão de princípio e de princípio estruturantes. Já antes da alteração legislativa o Tribunal da Relação de Guimarães se pronunciou sobre a questão e decidiu que também no processo sumário a suspensão era decidida pelo Ministério Público com a concordância do juiz de instrução - Cf. acórdãos de 29-09-2008 (proc. 1188/08-2), 19-01-2009 (proc. 1700/08-2) e 28-6-2010 (proc. 5/2010,3 GCBRG.C1). Apesar da alteração legislativa, nada impõe que se proceda de forma diferente. Ao Ministério Público, enquanto titular da acção penal, caberá a recolha dos elementos para a suspensão provisória, incluindo do juiz de instrução e, afinal, a decisão da própria suspensão. Só assim não será, parece, sob pena de cairmos num absurdo Kafkiano, quando a iniciativa seja do próprio juiz de julgamento, este que deverá recolher os necessários consentimentos e decidir por si. A solução é muito criticável mas tantas e tantas vezes foi flagrante o desrespeito da imposição processual penal de o Ministério Público ponderar e escolher a suspensão provisória em casos em que a mesma se adequava, que se abriu este escape (criticável) que haverá de ser considerado apenas em situações extremas e excepcionais: é o que impõe o princípio do acusatório. Como se deixou já dito noutras decisões proferidas em processo de igual natureza, a própria estrutura das normas contidas no art. 384.° apontam neste sentido, sendo paradigmático que a lei diga " ... o Ministério Público notifica arguido e as testemunhas ... " - cf. n.º 2 - ." ... o Ministério Público deduz acusação .. "_ cf. n.º 3. Não se trata de uma mera forma de escrever o português mas sim a expressa referência, como noutras partes do Código de Processo Penal ao sujeito processual "dominus" do processo na fase em que se encontra. Quando o "dominus" do processo é o Ministério Público assim o diz a lei, colocando-o como sujeito e sujeito decisor: v.g,, o Ministério Público, obtida a concordância do Juiz de Instrução; ou, submete a decisão à validação do juiz de instrução. O mesmo se passa quando o Juiz é o "dominus" do processo e, quando o Ministério Público tem que intervir ou ser ouvido, a lei alude a esse facto referindo-se à necessidade de o Ministério Público se pronunciar e de ter o processo com vista, ou de dar o seu parecer. Efectivamente, quando é requerida a suspensão provisória do processo depois da remessa para julgamento, se a decisão for de discordância, os autos deverão ser remetidos ao Ministério Público para que se providencie pela notificação a que alude o n.º 2: notificação do arguido e testemunhas para comparecerem em tribunal para o julgamento nos 15 dias subsequentes à detenção. Se for de concordância, os autos deverão para aí ser remetidos para que se decida da suspensão e se verifique o cumprimento das injunções ou regras de conduta, nos termos do art. 282.° (aplicável por força da remissão do n.º 1 do art. 384.º). Se aquelas forem cumpridas, como em qualquer suspensão provisória, o processo é arquivado. Se não forem cumpridas, então, para que seja deduzida acusação em processo abreviado (n.º 3 do art. 384.°). E o Ministério Público não pode deduzir acusação se não for o "senhor" do processo. Caso contrário, se o processo continuasse a ser do juiz, se as injunções não fossem cumpridas ou a lei dizia que os autos deveriam ser devolvidos ao Ministério Público - e a lei diz o Ministério Público deduz acusação - ou nada dizendo, os autos deveriam ser arquivados, porque o juiz nada mais tem a ver com eles e o Ministério Público haveria de instaurar novo inquérito. E não parece que essa seja a intenção do legislador. Parece mais ou menos inequívoco que, independentemente das críticas que se possam fazer à opção legislativa, com o requerimento arguido para que seja considerada a suspensão provisória, o processo é retirado à alçada do juiz de julgamento e da secção de processos, fazendo um percurso retroactivo até à fase inicial - em que verdadeiramente se encontra, pois que o julgamento ainda não começou - como se nunca tivesse sido remetido para julgamento , e tratado como se um qualquer outro inquérito se tratasse. Aliás, o juiz de julgamento apenas pode rejeitar o requerimento de suspensão provisória por razões meramente formais e de nenhuma forma deve intervir no conteúdo material das próprias injunções ou regras de conduta propostas, sob pena de se colocar, materialmente, numa situação de impedimento para futuro julgamento. Por isso, aliás, já no âmbito da actual redacção do art. 348.º do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 858/10.5SELSB.L 1-3, por acórdão de 21-12-2010 decidiu que "embora o processo sumário não comporte uma fase de inquérito e não seja admissível a instrução, existe uma fase preliminar, mais ou menos prolongada, sob o domínio do Ministério Público, que se desenrola até à remessa dos autos para a fase de julgamento (…) Nessa fase preliminar, o processo, que é sumário desde que o Ministério Público decidiu tramitá-lo sob essa forma, deve permanecer nos serviços do Ministério Público, ser tramitado pelos respectivos funcionários e ser despachado pelo magistrado que dele é titular, ao qual competirá verificar se as condições estabelecidas ou legalmente previstas foram cumpridas, decidindo se o processo, depois de decorrido o prazo da suspensão, deve ser arquivado ou deve prosseguir." Sobre esta e outras questões em conferência organizada pelo CEJ, no auditório da Universidade Católica Portuguesa a Ex.ma Procuradora da República Helena Martins Leitão, docente do CEJ e aí conferencista, pugnou por esta solução. A sua posição teve entretanto expressão escrita em publicação do CEJ, "As Alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal", Coimbra Editora, a pag. 379 e seguintes, que aqui se seguiu de perto, quer pela valia dos seus argumentos quer pelo respeito que demonstra pelos princípios estruturantes do processo A decisão, já transitada, que determinou a remessa dos autos ao Ministério Público não foi, nem poderia ser, mero capricho do julgador, nestes autos. Foi sim, e antes, decisão ponderada e sopesada à luz da interpretação que se julga ajustada da lei em vigor. E, porque tal decisão é definitiva, impõe-se o seu respeito. Acrescente-se, finalmente, que em arrepio ao imperativo constitucional já citado, esta é a segunda vez - a primeira ocorreu em processo que se encontra pendente em recurso - em que magistrados do Ministério Público desta comarca questionam a decisão do tribunal, proferindo decisão em sentido contrário e contrariando-a, sem fazerem uso do mecanismo processual adequado. Tal origina incidentes, como o presente, que seriam tributáveis caso fossem praticados por outro sujeito processual, e que se deseja que não se repitam. Por isso, deste despacho deverá dar-se conhecimento ao Ex.mo Procurador da República Coordenador nesta Comarca. Notifique e, oportunamente, devolvam-se os autos ao Ministério Público.” *** Apreciando. O Direito. São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso. Assim sendo, temos como Questão a decidir: Apreciar onde devem prosseguir os presentes autos; se nos serviços do M.P., se junto dos serviços do Tribunal Judicial. Vejamos então. *** A questão colocada no presente recurso, ainda que possa ser controversa, é, obviamente de relativa simplicidade, como bem referiu o PGA, nesta Relação. Para melhor compreensão da mesma façamos uma breve resenha do processo. Verifica-se que, após a recepção nos Serviços do Ministério Publico do expediente relativo ao Auto de Noticia por Detenção do arguido A..., pela prática de factos susceptíveis de configurar o crime de dano, p. e p. pelo artº 212º nº 1 do Código Penal, foi proferido o despacho junto a fls.21 a 25 dos autos, pela Procuradora-Adjunta de Turno, a remeter os autos à distribuição para efeitos de Julgamento Sumário, nos termos do disposto no art. 381º e ss. do CCP. Tal expediente foi remetido por via electrónica à Secção Central, onde foi registado, distribuído e autuado como Processo Sumário (vide fls. 24 "in fine" e 31). A Mm." Juiz de Turno proferiu despacho determinando a realização de julgamento sob a forma de processo sumário de imediato Após o inicio da audiência de julgamento em processo sumário, no dia 18/07/2011, a qual foi interrompida e adiada, para o dia 26/7/2011, a requerimento da Defensora do arguido com o pretexto de preparação da defesa (art. 387° nº 2 al. b) do CPP). Mais tarde veio o arguido, no dia 26/07/2011 (passados 8 dias) apresentar um requerimento para aplicação ao caso do instituto da suspensão provisória do processo. Os autos foram então com vista ao Procurador-Adjunto de Turno, o qual, após pesquisa da base de dados da PGR (que juntou aos autos), disse não se opor à requerida suspensão provisória do processo, desde que o arguido ficasse sujeito à obrigação de indemnizar os lesados (fls. 49). Reiniciada a audiência de discussão e julgamento, no da 26/07/2011, foi o arguido questionado se concorda com a suspensão provisória do processo, pelo período de um ano, com a condição de, no prazo de seis meses, pagar aos lesados os danos sofridos; tendo ele declarado que aceitava (fls. 54). No seguimento de tal, a Mm" Juiz de Turno, no despacho proferido a fls. 54 e s., disse, além do mais: “….termos em que, e acordo com o disposto no artigo 281º nº 1 e nº2 do CPP, se concorda com a suspensão provisória do processo, pelo período de um ano, mediante o cumprimento das seguintes injunções: proceder ao pagamento, no prazo de seis meses a contar da presente data, aos lesados ...... dos danos provocados nos veículos de matricula … e … , respectivamente no valor de 243,29 € e 408,96 €, comprovando-o nos autos; e não cometer qualquer ilícito da mesma natureza, sob pena de revogação imediata da mesma. Notifique (fls 55). Mais tarde foi ordenada a remessa dos autos ao M.P. e, posteriormente a sua devolução ao 1.° Juízo Criminal de Viseu, sendo que, por despacho proferido a 2/11/2011, o Mmº Juiz a quo determinou novamente a devolução dos autos ao Ministério Publico (fls. 67-71), ou seja através do despacho ora recorrido. Assim, a questão que ora se nos coloca é a de saber onde devem ser tramitados os presentes autos, durante o período de suspensão provisória dos mesmos, sendo que o decretamento da suspensão provisória do processo, ocorreu em processo sumário, mas já em sede de início de audiência de discussão e julgamento. Vejamos. Dispõe n.º 1 do artº 281.º do C.P.Penal (Suspensão provisória do processo) “Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos: a) Concordância do arguido e do assistente; b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento; e)Ausência de um grau de culpa elevado; e f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.” Por sua vez o artº 282.º (Duração e efeitos da suspensão), do mesmo diploma, estabelece: “1 – A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no nº 5. 2 – A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo. 3 – Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto. 4 – O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado. 5 – Nos casos previstos nos nºs 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos.” Estas normas constituem o regime regra, para as quais remetem as demais situações de suspensão provisória do processo previstas no Código de Processo Penal. Por sua vez, relativamente à suspensão provisória do processo no âmbito do processo sumário, dispõe o art.384.º do C.P.Penal: “ 1. É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, até ao início da audiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cinco dias. 2. Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida a concordância do juiz de instrução, o Ministério Público notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 15 dias posteriores à detenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo o arguido de que aquele se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor. 3. Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento ou da condenação.” Assim, quando o Ministério Público opta pela suspensão provisória do processo no decurso do inquérito, remete-o ao juiz de instrução para ser proferido o despacho de concordância e continua o processo sobre a sua jurisdição até ao final da suspensão para o respectivo arquivamento ou exercício da acção penal, consoante os casos. Nessa situação, o processo é registado como inquérito nos serviços do Ministério Público. Igualmente, no processo sumário e no âmbito da previsão do art. 384.º n.º 1 do C.P.Penal, o Ministério Público, antes de requerer o julgamento em processo sumário e em alternativa a esse requerimento, pode determinar a suspensão provisória do processo. Porém também pode suceder, como foi o caso dos autos, que seja o arguido a requerer a suspensão provisória do processo e que o M.P., apesar de não o ter requerido, a ela se não oponha. Cremos que ninguém contestará que, quando o Ministério Público opta pela suspensão do processo no decurso do inquérito, não o remete ao tribunal de julgamento, antes o remete ao tribunal de instrução/juiz de instrução para o despacho de concordância e continua este sobre a sua jurisdição até ao final da suspensão para o consequente arquivamento ou exercício da acção penal. E porque o Ministério Público é o titular do inquérito o processo é registado como inquérito nos serviços do Ministério Público. Mas o mesmo não sucederá quando a suspensão do processo é requerida, pelo arguido, já em sede de início de discussão e julgamento, mostrando-se os autos já registados no 1º Juízo Criminal da comarca de Viseu, como é o caso. Ou seja, uma vez recebido o expediente como processo sumário e partindo a iniciativa da suspensão do próprio tribunal, do próprio arguido ou do assistente mediante formulação de requerimento nesse sentido, obtida a concordância do M.P. e determinada a suspensão provisória, os autos aguardam o decurso do prazo de suspensão provisória na secretaria judicial, por se tratar já de processo judicial, cuja orientação e supervisão pertence ao juiz. Verificado que seja o cumprimento das injunções e regras de conduta (e será ao juiz que competirá verificá-lo) será ordenado o arquivamento dos autos. Se o não forem ou se ocorrer condenação do arguido no decurso do prazo de suspensão nos termos previstos no art. 282º, nº 4, al. b), o juiz remeterá os autos ao M.P. para os fins previstos no nº 3 do art. 384º, mantendo-se a competência do tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária (art. 391º, nº 2), precisamente porque os autos não regressam à titularidade do Ministério Público, que não pode, assim, decidir livremente do respectivo destino, estando vinculado a deduzir acusação em processo abreviado, nos termos do art. 384º, nº 3. Neste mesmo sentido aponta também o artº 390º, nº1 do C.P.P., a que podemos acrescentar uma razão de natureza administrativa: Tendo os autos sido registados na secretaria judicial como processo sumário, não poderão ser registados na secretaria do Ministério Público sob outra espécie (inquérito, processo administrativo ou expediente avulso) nem lhes poderia ser dada definitiva baixa na secção de processos por se tratar de processo pendente em fase judicial. (Neste sentido vidé, Acs deste TRC, de 09-02-2011, Processo: 446/10.6GCTND-A.C1, Relator: BRÍZIDA MARTINS e de 30-11-2011, Processo: 230/10.7GFPRT.C1, Relator: JORGE JACOB, ambos in www.dgsi.pt) No caso sub judice, constatamos que o requerimento para suspensão provisória do processo foi formulado pelo arguido quando os autos tinham sido já recebidos como processo sumário, ou seja, quando se encontravam na fase judicial, pelo que os mesmos devem continuar a ser processados mantenham na secção e juízo a que foram distribuídos como processo sumário. Consequentemente procede o recurso. *** Decisão: Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, ordenando que o mesmo seja substituído por outro que determine que os autos prossigam seus termos na secção e juízo a que foram distribuídos como processo sumário. Sem custas *** Calvário Antunes (Relator) Vasques Osório |