Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 06/30/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CASTELO BRANCO - OLEIROS - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 346º C. CIVIL; 607º, Nº 5 DO NCPC. | ||
Sumário: | I – A “livre apreciação da prova” está sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência que a vida vai proporcionando. II - Não almejando o Autor fazer prova categórica dos factos por si alegados, e logrando o Réu tornar duvidosa a versão do Autor, a prova dos factos terá de ser decidida em desfavor deste (art. 346º do CC). | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. J... (de futuro, apenas Autor) intentou a presente ação contra M... (de futuro, apenas Ré) pedindo a sua condenação a restituir-lhe € 32.204,25 que lhe havia emprestado, bem como os respetivos juros moratórios e € 1.500,00 a título de danos morais. A Ré excecionou com a prescrição e impugnou a factualidade alegada. Em sede de audiência prévia, julgou-se improcedente a exceção da prescrição. Instruídos os autos e realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença absolvendo a Ré dos pedidos. 2. Inconformado com tal decisão, dela vem agora apelar o Autor, formulando as seguintes conclusões: ...
3. A Ré recorrida contra-alegou, ... Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 4. OS FACTOS ... 5. O MÉRITO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art. 608º nº 2, ex vi do art. 663º nº 2, do Código de Processo Civil (de futuro, apenas CPC). No caso, são as seguintes as questões a decidir: 5.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Pretende o Autor ter havido erro na apreciação da prova. Estamos, portanto, no domínio dos erros de julgamento, também dita impugnação ampla da matéria de facto, sempre de iniciativa do Recorrente e, por isso, que a lei lhe imponha o ónus de especificar, nos termos do art. 640º nº 1 do CPC: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, (…), que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Pretende o Autor que se considere provado —— ... —— factos esses que foram considerados “não provados”. Abandonado o sistema da prova legal, o princípio da livre apreciação da prova mostra-se consagrado entre nós no art. 607º nº 5 do CPC em termos de: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”. Significa isto que, à partida e como regra, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração. Porém, não se entenda “liberdade de apreciação” como sinónimo de arbitrariedade, em que ao juiz se confira o poder de julgar os factos, como provados ou não provados, “pelo cheiro” ou por convicções/simpatias pessoais. Ao contrário, ela está sempre sujeita ao escrutínio da razão, das regras da lógica e da experiência que a vida vai proporcionando. O julgador deve obediência às regras probatórias plasmadas na lei e será em função delas e das regras da lógica e da experiência que irá formar a sua convicção sobre a realidade que se lhe depara. Só assim não será __ e daí a ressalva da 2ª parte do nº 5 do art. 607º __, nos casos da dita prova vinculada, em que a lei vincula o julgador a determinados aspetos ou resultados dos meios de prova. [[1]] Nesta perspetiva, comecemos por deslindar as posições de Autor e Ré no processo. O Autor começou por alegar ter tido uma relação de namoro com a Ré, entre 2000 e 2007, durante a qual a Ré lhe pediu várias quantias a título de empréstimo, a saber: ... Mais alegou o Autor ter emitido esses cheques uns à ordem da Ré, outros à ordem dos terceiros a quem se visava o pagamento. Terminada a relação de namoro, Autor e Ré acordaram que ela lhe devolveria as quantias mutuadas até final de 2008; não tendo a Ré conseguido pagar nesse prazo, o Autor acedeu em prolongar o prazo até 2010. Estes eram os factos que ao Autor competia provar. [[2]] Como é sabido, a regra basilar no domínio do direito probatório é que ao Autor compete fazer a prova dos factos que alega como constitutivos do seu pedido, enquanto que ao Réu compete a demonstração daqueles que invocar como impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado: art. 342º nº 1 e 2 do Código Civil (de futuro, apenas CC). Para o efeito, juntou cópia de 2 cheques emitidos à ordem da Ré, 2 cheques emitidos à ordem de N..., 4 cheques emitidos à ordem da A..., 4 cheques emitidos à ordem de J... e um cheque emitido à ordem da DGV. Que os cheques foram emitidos pelo Autor, pelos montantes referidos e a favor das pessoas/entidades neles consignados, haveria que ter-se desde logo por provado, face às regras plasmadas no art. 374º e 376º do CC. [[3]] Mas, o cerne da discussão não era esse. A questão principal era dilucidar se os montantes titulados pelos cheques tinham constituído um empréstimo feito pelo Autor à Ré. Na verdade, na sua contestação a Ré negou ter efetuado qualquer empréstimo junto do Autor e, de forma motivada, referiu que a relação havida entre os dois não foi de um simples namoro, mas sim de uma vivência em comum, como se casados fossem, designadamente em economia comum, tendo sido nesse contexto que foram feitos tais pagamentos. Ouvida integralmente a gravação da audiência de julgamento, pode desde já adiantar-se concordarmos com a avaliação efetuada em 1ª instância. Foram tomadas declarações de parte ao Autor e à Ré, a seu respetivo pedido. E logo aí começaram as discrepâncias da postura do Réu. Aliás, não pode deixar de registar-se que, contrariamente ao que agora afirma em conclusões de recurso [h) Além disso, a versão trazida pela Ré aos autos na sua contestação diverge de forma clara da posição assumida em julgamento], foi o Réu que alterou a sua versão, afinal admitindo que tinha vivido com a Autora em união de facto ainda que só por dois anos, chegando a ter uma conta bancária conjunta com ela. Quanto aos cheques emitidos em nome da Ré, “confessou” que afinal estavam errados e que “os tirem daí”; quanto aos emitidos à ordem de N... (na PI, alegadas dívidas da Ré), afinal não foram a pedido da Ré e que o cheque de € 80,00, também não sabe, “é um valor tão pequenino”… Quanto aos cheques relacionados com a compra da escola de condução e aos emitidos à A..., referiu que nessa altura já não viviam juntos, o que veio a ser contrariado até pelas testemunhas por si arroladas; que pensando tratar-se de uma vida em comum definitiva e sabendo que a escola estava à venda, disse-lhe para ela a comprar, mas nunca foi capaz de afirmar que ela lho tenha pedido, antes explicando ter sido ele que fez o negócio, “em nome da Otília”; quanto à A..., foi emitindo os cheques para pagamento de exames que ela necessitava de fazer para ficar habilitada a instrutora da escola. Face a estas declarações, que credibilidade atribuir à versão trazida aos autos pelo Autor? Ao contrário, a Ré manteve concordância com tudo o que havia alegado na sua contestação. Para além das circunstâncias da sua vivência em comum, e admitindo que ele pagou os 25 mil para a escola de condução, explicou que foi ele que lha ofereceu e ela nem a queria; nunca negociou a escola de condução, foi ele sem o conhecimento dela; ela era funcionária dessa escola há muitos anos, mas tinha a possibilidade de ir trabalhar para a Câmara e não estava interessada na escola. A compra da escola aconteceu em 2004 e ele nunca lhe falou em devolução desse dinheiro até muito depois do fim da relação (2007), só em 2012 lhe tendo escrito uma carta para o efeito. Nenhuma das testemunhas arroladas pelo Autor (...) deu nota de ter algum conhecimento direto sobre os factos essenciais à pretensão do Autor: que a Ré lhe havia solicitado tais montantes a título de empréstimo, e que ele havia acedido a tal. Invocaram como razão de ciência conversas com o Autor, e já vimos que as suas declarações não merecem credibilidade. ... Produzidas as provas, e não sendo o caso de prova plena, se o juiz permanecer na dúvida sobre a verificação dum facto, deve decidir contra a parte onerada com a prova: art. 346º do CC. Concluindo: inexistem razões para alterar a matéria de facto, na forma como foi considerada pela Sr.ª Juíza, cuja avaliação/ponderação se nos oferece de todo bem criteriosa. 5.2. CONDENAÇÃO EM CUSTAS Considera o Autor exagerado o montante (7 UC’s) de custas em que foi condenado. De acordo com o art. 6º do Regulamento das Custas Processuais, “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A”. À presente ação foi fixado o valor de € 40.145,10. Assim, de acordo com a Tabela I-A, a taxa de justiça que lhe caberia seria de 1 UC. Não se tratou de uma taxa sancionatória excecional ou, pelo menos, assim tem de ser considerado dado que a Sr.ª Juíza não apresentou essa justificação na sentença (cf. art. 531º do CPC). Como bem refere o Recorrente, não se verificou uso de qualquer expediente dilatório, não existiu condenação por litigância de má-fé, a audiência de julgamento teve duas sessões (manhã e tarde) e as questões suscitadas nos autos não revestem especial complexidade. Assim sendo, decide-se alterar a taxa de justiça fixada em 1ª instância para 3 UC´s. 6. SUMARIANDO (art. 663º nº 7 do CPC) III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Coimbra em dar parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença quanto à taxa de justiça da condenação do Autor em custas, a qual agora se fixa em três UC´s, mantendo-se o decidido em tudo o mais. Custas a cargo do Recorrente, na proporção de 8/10. Coimbra, 30/06/2015 (Relatora, Isabel Silva) (1ª Adjunto, Alexandre Reis) (2º Adjunto, Jaime Ferreira)
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[[1]] São os casos, por exemplo, do valor probatório dos documentos autênticos (art. 371º do CC) ou o da confissão (art. 358º CC)). [[3]] O Autor juntou as cópias dos cheques juntamente com a petição inicial e a Ré não impugnou nem a letra nem a assinatura na sua contestação. Só mais tarde, quando já em fase de instrução, o Autor juntou “registo de imagem” dos referidos cheques (frente e verso) emitidos pela entidade bancária, veio a Ré a impugnar esses registos de imagem. |