Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FELIZARDO PAIVA | ||
Descritores: | APENSAÇÃO DE PROCESSOS DEPOIMENTO AUTOR TESTEMUNHA | ||
Data do Acordão: | 03/31/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU – 1º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 275º E 617º DO CPC | ||
Sumário: | I – O artº 275º, nº 1 do CPC rege sobre os requisitos necessários para a apensação de acções pendentes em juízo. II – Com a apensação as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão. III – Mas isto não implica necessariamente que cada uma das acções perca a sua autonomia, a sua individualidade própria, de que dispunha antes da apensação. IV – Pelo que o autor numa das acções não passa, por efeito da apensação, a ser autor nas outras acções apensadas, devendo entender-se que só na acção em que é autor é que este se encontra impedido de depor como testemunha (artº 617º CPC). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE A..., ré nas acções 583/09.8TTVIS e 585/09.6TTVIS do 1º juízo do TT de Viseu e 584/09.8TTVIS e 587/09.2TTVIS do 2º juízo do TT de Viseu, em que são autoras, respectivamente, B... , C... , D... e E... , não se conformando com a decisão que indeferiu a apensação daquelas acções à acção 582/09.1 TTVIS em que é autora F... dela veio interpor recurso, o qual foi recebido e mandado seguir como agravo. *** II – Nas alegações apresentadas, concluiu: […] + Respondeu a autora F... alegando em síntese conclusiva: […] + A Mmª juiz “a quo” manteve integral e tabelarmente o despacho recorrido + Recebido o agravo, o Exmo PGA emitiu douto parecer no sentido de que não se verificam os pressupostos da coligação por a causa de pedir em todas as acções serem diferentes e ainda por sufragar as razões enunciadas no despacho recorrido. Entende, pois, que o agravo não merece provimento. + Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** III – Dos autos há que reter os seguintes elementos: 1) As autoras, todas elas enfermeiras, demandaram a ré alegando que entre as partes vigorou um contrato de trabalho verbalmente celebrado e que no dia 16 de Julho de 2008 a ré lhes transmitiu verbalmente que a partir dessa data deixariam de trabalhar na instituição 2) Pedem que o despedimento seja declarado ilícito com as consequências daí decorrentes e a condenação da ré noutras quantias que dizem ser credoras resultantes dos contratos de trabalho. 3) Na audiência de julgamento efectuada no processo 582/09.1TTVIS foi requerida a apensação a estes autos das acções acima referenciadas. 4) Na sequência deste pedido foi proferido o seguinte despacho: “ veio a ré, ao abrigo do disposto nos artigos 275° do CPC e 31º do Cód. Proc. Trabalho, requerer a apensação aos presentes autos dos autos nos 583/09.0TTVIS, 585/09.6TTVIS a correrem termos por este Juízo e 584/09.8TTVIS e 5877/09.2TTVIS, a correrem termos pelo 2° Juízo deste Tribunal, alegando, em síntese que relativamente às identificadas acções se verificam nos termos do n°2 do art° 30° do CPC os pressupostos de coligação das autoras Opuseram as autoras, com fundamento em que, deste modo, cada uma delas ficaria privada do depoimento das demais como testemunhas (sendo certo que, nessa qualidade foram, oportunamente, arroladas e o seu depoimento admitido). Cumpre decidir. Efectivamente, embora as acções apensadas mantenham a sua autonomia do ponto de vista substantivo, a circunstância de comungarem dos requisitos que determinaram a sua apensação impõe-lhes, em termos de disciplina, a sujeição ao escopo da junção que, passando pela economia de actividade, postula a uniformidade do seu tratamento com instrução, discussão e julgamento conjuntos. Como ensinava Alberto dos Reis, em doutrina ainda com plena actualidade, (Comentário ao CPC, Volº 3º, págª 219) os benefícios processuais que se obteriam se as acções, em vez de terem sido propostas separadamente, houvessem sido acumuladas logo no início: quer dizer, a junção há-de conduzir a simples cumulação ou coligação, sendo esses resultados a unidade de instrução e discussão e a unidade de decisão. Em consequência da apensação as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual: o processo há-de passar a ser comum a todos. É,.pois, perfeitamente pertinente a invocação da Jurisprudência da Relação de Coimbra, em conformidade. (AC. RC. de 6.1.1987. in BMJ nº 363/608), que se mantém, em cujos termos de síntese, “A apensação de acções - que tem por objectivos a economia processual e o interesse na uniformidade de julgamentos - implica a instrução e apreciação conjunta das acções apensadas”. Não tem qualquer relevo a circunstância de haverem já sido admitidos os róis de testemunhas nos processos que vieram a ser apensados. A apensação implica, como se disse, uma nova realidade, com um objectivo específico: a unificação processual subsequente, uniformizando as fases da instrução/discussão e decisão Ao admitir-se as autoras deporem como testemunhas estar-se-ia a afrontar, por forma enviesada, a regra constante do art. 617° do Cód.Proc. Civil : “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes” (cfr. Ac. da R. C. de 29.06.2006. relatado por Fernandes da Silva, disponível in www.dgsi.pt). Por conseguinte, in casu, a apensação das acções implicaria a impossibilidade de as autoras, em cada uma delas serem ouvidas como testemunhas umas das outras, com evidente prejuízo para a sua posição processual, razão esta que torna especialmente inconveniente a apensação, nos termos do artigo 275º do CPC pelo que se indefere o requerido”. *** V - Do direito: Conforme resulta das respectivas conclusões da alegação, a questão a decidir no presente recurso reside em saber se é ou não de ordenar a apensação das acções. Sob a epígrafe “Apensação de acções” dispõe o artigo 275º do Cód. Proc. Civil: 1. Se forem propostas separadamente acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, será ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação. Sob a epígrafe “Coligação de autores e de réus” dispõe o artigo 30º do Cód. Proc. Civil: 1. É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência. 2. É igualmente lícita a coligação quando, sendo embora diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas. A causa de pedir (facto jurídico donde emerge ou procede a pretensão de todas as autoras, que se traduz no facto concreto donde emerge o efeito jurídico solicitado) é a mesma em todas as acções, a saber: o despedimento verbal e, por isso ilícito, promovido pela ré no dia 16 de Julho de 2008. Apenas os pedidos divergem em termos quantitativos em todas as acções. Daí que nos termos dos normativos atrás citados seja permitida a coligação de autores e, em consequência, a apensação das acções. Aliás, não foi com base na falta de verificação dos pressupostos da coligação que a apensação foi indeferida. Este indeferimento foi buscar a sua justificação à parte final do nº 1 do artigo 275º do Cód. Proc. Civil (“quando outra razão especial torne inconveniente a apensação”) na medida em que se entendeu, na esteira do Ac. desta Relação de 29.06.06, procº 1253/06 “in” www.dgsi.pt/jtrc, relatado pelo agora Conselheiro Fernandes da Silva, que, operando-se a apensação cada uma das autoras não podia depor como testemunha nos processos das outras. Posteriormente ao referido aresto, esta Relação pronunciou-se já de forma diferente no que respeita à questão da possibilidade das autoras assumirem a qualidade de testemunhas nos processos das outras que se encontram apensados (Ac. desta Relação proferido no processo1196/08.9TTCBR.C1, não publicado). Embora a questão atinente à (im)possibilidade da produção da prova testemunhal resultante da apensação seja uma questão discutível, passível de entendimentos diversos, não se pode esquecer que, com a apensação, a lei visa dois objectivos: economia de actividade e uniformidade de julgamento. Conforme ensina J.A. dos Reis, Comentário 3º, 203 “ o fundamento da junção é a conexão. Juntam-se causas que são conexas. E juntam-se para se conseguirem dois objectivos: economia de actividade e uniformidade de julgamento. A apensação tem como consequência que as várias causas passam a ser instruída, discutida e julgadas conjuntamente; daí a economia. Mas a vantagem mais apreciável é a garantia do julgamento uniforme. Ora esta vantagem pressupõe que há em todas elas questões idênticas a resolver, pretendendo-se que sejam decididas de modo diverso e porventura contraditório” Com a apensação, as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, discussão e decisão. Mas isto não implica necessariamente que cada uma das acções perca a sua autonomia, a sua individualidade própria, de que dispunha antes da apensação. Daí que uma autora numa das acções não passa, por efeito da apensação, a ser autora nas outras acções. Por isso, salvo melhor opinião, será inaplicável no caso o disposto no artigo 617º do Cód.Proc. Civil. Só na acção em que é autora é que esta, como é óbvio, se encontra impedida de depor na qualidade de testemunha. Nessa acção deporá como parte e do seu depoimento apenas será aproveitável a parte em que lhe for desfavorável como é timbre da declaração confessória (artigos 552º e ss do CPC e 352º d 356º nº 2 do Cód. Proc. Civil) É certo que todas as autoras são partes interessadas no desfecho das acções. Contudo, a circunstância de uma pessoa ter interesse directo na causa é elemento a que o Juiz deve naturalmente atender para avaliar a força probatória do depoimento. Esse interesse tem repercussão na valoração que o julgador deve fazer do depoimento, mas não pode servir como fundamento para recusar a uma pessoa a qualidade de testemunha. Esta é a interpretação que nos parece mais conforme com os objectivos da lei e com os interesses de todas as partes. Não faz sentido permitir que as autoras possam depor como testemunhas quando o Juiz proceda ao julgamento de todas as acções[1] no mesmo dia e hora e já não o possam ser quando as mesmas acções se encontram apensadas. É que, para além do respectivo despacho a ordenar a apensação, a única diferença está no fio ou cordel com que os processos são fisicamente apensados ou unidos!! Por tudo isto, dando por verificados os pressupostos a que alude o artº 275º do Cód. Proc. Civil, o despacho recorrido não deverá subsistir. *** VI – Termos em que se delibera julgar procedente o agravo em função do que se revoga o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que deferida a requerida apensação. + Custas a cargo da agravada. +
José Eusébio dos Santos Soeiro Almeida Manuela Bento Fialho
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