Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
377/12.5TVPRT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INTERMEDIAÇÃO
BANCO
DEVER DE INFORMAR
PRESUNÇÃO DE CULPA
DEVER DE INFORMAR
ILICITUDE
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 304º, 312º E 314º, TODOS DO CVM APROVADO PELO DL 486/99, DE 13 DE NOVEMBRO, NA VERSÃO ANTERIOR AO DL 357-A/2007, DE 31 DE OUTUBRO; 483º C. CIVIL.
Sumário: I – I. Um objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a prevenir a lesão dos interesses dos clientes (cf. n.º 1 do art.º 304.º).

II. Estabelecendo a lei que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (cf. n.º 2 do art.º 312.º), tal pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado e o cumprimento do dever de informação assim imposto assenta num princípio de proporcionalidade: “quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento, maior será a sua necessidade de protecção”.

III. Impondo o n.º 3 do art.º 304.º que “na medida do necessário ao cumprimento dos seus deveres”, o intermediário financeiro colha informação “sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar”, tal imposição visa permitir que o intermediário adeqúe o serviço a prestar às necessidades de cada cliente, assegurando-se, em cada caso, que a operação visada era a mais adequada, o que pressupunha o conhecimento do produto apresentado ou solicitado e que na tomada de decisão o investidor estava ciente dos riscos envolvidos.

IV. O n.º 2 do art.º 314.º consagra uma presunção de culpa do intermediário financeiro, no contexto da violação de deveres respeitantes ao exercício das actividades de intermediação financeira, quer elas tenham decorrido no âmbito contratual, quer pré-contratual, quer em qualquer outro caso no atinente aos deveres de informação, mas não abrange a ilicitude do facto, cujo ónus de alegação e facto impende sobre o investidor.

V. Todavia, a aferição da (i)licitude da conduta do intermediário terá naturalmente de se fazer tendo por referência a época em que a informação acerca do produto proposto ou solicitado foi prestada.

VI. Não está demonstrada a ilicitude, por violação do seu dever de informação (e adequação), da conduta da intermediária financeira que apresenta a um investidor não qualificado de perfil conservador, sem conhecimento nem experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários, como produto sem risco, as obrigações emitidas por bancos islandeses que à data apresentavam notações das agências de rating Moody´s e Fitch correspondentes a investimento seguro, tendo a Islândia uma idêntica notação.

Decisão Texto Integral:



I Relatório

A..., residente na Rua ..., instaurou contra Banco P..., S.A., com sede na Rua ..., acção declarativa ao abrigo do disposto no DL 108/2006, de 8 de Junho, mandada prosseguir segundo a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de €542.208,33 (quinhentos e quarenta e dois mil, duzentos e oito euros e trinta e três cêntimos) acrescida dos juros vincendos computados à taxa legal sobre o capital de €500 500,00 até efectivo pagamento.

Em fundamento alegou, em síntese, ter sido aliciado em Junho de 2007 por legais representantes da ré a fim de constituir um depósito no private banking desta, o qual se propunham remunerar com uma taxa não inferior a 6% ao ano, caso ascendesse a valor não inferior a €500.000,00. Para tanto, insistiram com o autor para que levantasse o dinheiro que tinha em depósito na ... e ..., ao que acedeu, tendo depositado na ré as quantias de € 95.718,75 e €404.781,25, com a finalidade de ser constituído um depósito com a remuneração oferecida, tendo dado instruções nesse sentido. Na ocasião assinou os documentos que lhe “puseram à frente”, contexto em que subscreveu um contrato previamente elaborado pela ré, sem possibilidade de negociação, alterações ou aditamento, e cujo conteúdo nem sequer lhe foi explicado, estando assim sujeito ao regime do DL 446/85, de 25 de Outubro, e à sanção prevista para as cláusulas proibidas nos art.ºs 18.º, 19.º, 21.º e 22.º deste diploma.

A ré remunerou o depósito constituído até Setembro de 2008, altura em que deixou de o fazer, nada mais tendo pago a partir de então, apesar de insistentemente interpelada para restituir o capital e proceder ao pagamento dos juros convencionados. Em Dezembro de 2010 invocou a mesma ré que o acordo celebrado com o demandante consubstanciava um contrato de abertura de conta, ao abrigo do qual fora constituída uma conta de depósitos à ordem, a qual veio a ser debitada por força de uma ordem de aquisição de obrigações emitidas por bancos islandeses dada pelo demandante. Sucede, porém, que o autor tem apenas a 4.ª classe, tendo trabalhado na agricultura e depois na exploração de um estabelecimento comercial de talho, não tendo quaisquer conhecimentos sobre as operações financeiras levadas a cabo pela ré com o dinheiro dos seus depositantes. Devendo por isso ser caracterizado como investidor não qualificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 317.º e seguintes do CdVM, encontrava-se a ré obrigada a fornecer-lhe informação completa e detalhada, dever que violou, antes tendo enganadoramente assegurado que o “dinheiro estava a render num depósito a prazo”, que estava seguro e nunca perderia o capital, oferecendo a garantia de pagamento integral do capital e dos juros. Deste modo, a ser verdade que a ré, utilizando a aludida quantia, subscreveu obrigações de bancos islandeses em nome do demandante, fê-lo à completa revelia deste, com grosseira violação do aludido dever de informação, encontrando-se por isso obrigada a indemnizá-lo dos danos causados, atento o disposto no art.º 304.º-A do diploma citado, a idêntica solução se chegando por via da aplicação do DL 69/2004, de 25 de Março, que rege para os valores mobiliários de natureza monetária designados por papel comercial.

Mais invocou a nulidade do contrato de intermediação invocado pela ré, por não ter revestido a forma escrita conforme impõe o art.º 321.º do citado CdVM, daqui resultando igualmente a sua obrigação de restituir as quantias recebidas.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual, de forma discriminada, arguiu as excepções do caso julgado - por ter o autor instaurado anterior acção, no âmbito da qual foi proferida sentença homologatória de transacção, já transitada, verificando-se a tríplice identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir - e da alteração anormal das circunstâncias consubstanciada na suspensão de pagamentos imposta pelo governo islandês aos bancos emitentes na sequência da Grande Crise Económica que teve início nos EUA com a chamada crise dos subprimes, factos de todo imprevisíveis à data da ordem de compra emitida pelo autor e não controlados pelas partes.

 Em sede de impugnação, esclareceu que o autor não pretendeu a constituição de um depósito a prazo, mas antes a aplicação da quantia depositada num produto que desse garantias de maior rendibilidade, tendo sido proposta pela contestante a aquisição de obrigações emitidas pelos bancos islandeses Kaupthing Bank e Landsbanki, ambos notados como de baixo risco pelas agências de notação financeira, à semelhança do que ocorria com o estado islandês, tudo conforme foi explicado ao autor e por este entendido. E foi cabalmente informado a respeito da natureza e características de tais produtos financeiros, nomeadamente acerca da remuneração, do modo e prazo de reembolso, dos riscos especiais envolvidos, do fundo de garantia relativamente aos serviços e custo dos mesmos, que o autor deu, por escrito, ordem de compra, na sequência da qual a ré, actuando como mera intermediária, adquiriu no mercado as referidas obrigações, tendo-as averbado na carteira de cliente daquele, com atribuição do n.º de conta ... e associada à conta de depósitos à ordem nº ... Mais alegou que tais produtos financeiros eram, à data, considerados sem risco e de capital garantido, uma vez que não se encontravam dependentes das flutuações do mercado de valores mobiliários, sendo de todo impertinente a invocação do regime jurídico do papel comercial.

Refutou finalmente que o contrato celebrado com o autor padeça de qualquer vício formal, pois o que está em causa é uma ordem de aquisição de valores mobiliários transmitida pelo A. ao Banco R., ordem essa que foi dada por escrito.

Com tais fundamentos pugnou pela sua absolvição da instância ou, quando assim não fosse entendido, pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.

O autor replicou, limitando a sua resposta à excepção do caso julgado, por cuja improcedência pugnou.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção de caso julgado, procedendo-se à selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória. Destas peças reclamou o autor, reclamação que veio a ser totalmente indeferida, prosseguindo os autos para julgamento.

Realizada a audiência de discussão e julgamento veio a final a ser proferida sentença que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu a ré do pedido.

Inconformado, apelou o autor, vindo a ser proferido por esta Relação o acórdão de fls. 362 a 379, que determinou a anulação da sentença recorrida para efeitos de ampliação da matéria de facto, ordenando a repetição parcial do julgamento.

Dado cumprimento ao assim determinado, teve lugar audiência de discussão e julgamento em cujo termo foi proferida sentença que reeditou a absolvição da ré do pedido.

Novamente inconformado, recorreu o autor e, tendo desenvolvido nas alegações que produziu as razões da sua discordância com a decisão, rematou-as com as seguintes conclusões:

...

Conclui requerendo a revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que, julgando a acção totalmente procedente, condene a recorrida nos termos peticionados.

Contra alegou a recorrida e, assinalando não ter o autor impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, pugnou pela manutenção do decidido.

Questões a decidir:

i. Da nulidade do contrato celebrado;

ii. Da natureza do contrato celebrado e da obrigação de indemnizar por violação do dever de informação.

II - Fundamentação

2.1. Os factos provados

Resultam provados os seguintes factos:

1. Em 21.6.07 Autor e Ré acordaram na abertura, por aquele, de uma conta sediada no Private Banking da Ré, na Rua ...

2. Kaupthing Bank e Landsbanki são Bancos islandeses (al. B) dos factos assentes).

3. As obrigações emitidas pelo Banco Kaupthing tinham, à data da sua subscrição pelo autor, o rating atribuído pela Moody´s A2, e as emitidas pelo Landsbanki o rating atribuído pela Moody´s A2 e pela Fitch de A (al. C) dos factos assentes).

4. Os Bancos Kaupthing Bank e Landsbanki foram alvo de intervenção pelo governo islandês, na sequência da atual Crise Económica e Financeira Mundial, donde resultou a suspensão dos pagamentos feitos por estes Bancos (al. F) dos factos assentes).

5. Antes do referido em 1., o Autor teve reuniões com ..., representantes da Ré, no âmbito das quais foi proposto ao Autor que transferisse o dinheiro que tinha depositado noutros Bancos para a Ré (factualidade provada com referência ao ponto 1) da base instrutória).

6. Nessa sequência, e porque lhe propuseram uma remuneração de 6% ao ano, o Autor transferiu para uma conta à ordem que abriu junto da Ré a quantia de €500.500,00, para que fosse remunerado a uma taxa não inferior àquela, com pagamento mensal (factualidade provada com referência ao ponto 2) da base instrutória).

7. O Autor assinou um impresso, elaborado pela Ré, que os representantes desta lhe apresentaram, tratando-se do impresso junto por cópia a fls. 71 dos autos (factualidade provada com referência ao ponto 3) da base instrutória).

8. Os termos do negócio mencionado no impresso aludido em 7. foram previamente explicados ao Autor (factualidade provada com referência ao ponto 4) da base instrutória).

9. Entre Julho de 2007 e Setembro de 2008 o Autor foi remunerado nos termos referidos em 6. (factualidade provada com referência ao ponto 5) da base instrutória).

10. O Autor solicitou à Ré a restituição do capital, em data não concretamente apurada, situada em finais de 2008/inícios de 2009 e também em Dezembro de 2009 (factualidade provada com referência ao ponto 6) da base instrutória).

11. O Autor sacou um cheque de €500.500,00 sobre a Ré, em Dezembro de 2009, o qual foi devolvido em falta de provisão (factualidade provada com referência ao ponto 7) da base instrutória).

12. O Autor tem apenas a 4.ª classe (factualidade provada com referência ao ponto 8) da base instrutória).

13. Trabalhou na agricultura e explora um estabelecimento de talho (factualidade provada com referência ao ponto 9) da base instrutória).

14. O Autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em produtos que não lhe assegurassem o reembolso do capital e um juro certo, o que era do conhecimento da Ré (factualidade provada com referência aos pontos 14) e 15) da base instrutória).

15. Os colaboradores da Ré asseguraram ao Autor que não havia risco de perder o capital de €500.500,00, bem como a remuneração de 6% ao ano (factualidade provada com referência aos pontos 10) a 12) da base instrutória).

16. Após apresentação do produto pelos colaboradores da Ré, o Autor acordou com a Ré, por escrito, que transmitisse a sua ordem de aquisição de obrigações emitidas pelo Kaupthing Bank e pelo Landsbanki, pelo valor de €247.457,49 (245.000 obrigações) e de €252.289,55 (250.000 obrigações), respectivamente (factualidade provada com referência ao ponto 16) da base instrutória).

17. Os produtos referidos no ponto 16. eram, à data, comercializados pela ré porque o Kaupthing Bank detinha um rating de A atribuído pela Fitch e a própria Islândia detinha um rating de Aaa atribuído pela Moody´s e de A+ atribuído pela S&P (factualidade provada com referência ao ponto 16º-A) da base instrutória).

18. O mesmo Banco Kaupthing era tido como sólido e respeitado (factualidade provada com referência ao ponto 16º-B) da base instrutória).

19. Os produtos referidos em 16. eram, à data da sua compra pelo autor, considerados sem risco previsível e de capital garantido (factualidade provada com referência ao ponto 16º-C) da base instrutória).

20. Com o envio dos documentos relativos ao pagamento dos juros relativos à operação referida em 16. o Autor tomou conhecimento da identificação das obrigações que subscrevera (factualidade provada com referência ao ponto 18) da base instrutória).

21. Antes do referido em 16., o Autor reuniu-se com o gerente da agência da Ré de ... e com o gestor ..., do Private Banking da Ré, dos quais obteve os esclarecimentos e respostas que pretendeu acerca da natureza e características dos produtos ali referidos (factualidade provada com referência ao ponto 19) da base instrutória).

22. Nomeadamente acerca da remuneração (factualidade provada com referência ao ponto 20) da base instrutória).

23. Do modo e prazo de reembolso (factualidade provada com referência ao ponto 21) da base instrutória).

24. E em relação ao risco (factualidade provada com referência ao ponto 22) da base instrutória e levando em linha de conta a factualidade aditada respeitante ao ponto 16º-C).

25. Na sequência do referido em 16. a Ré adquiriu no mercado as referidas obrigações e averbou-as na carteira de cliente do Autor, com atribuição do nº de conta ... e associada à conta de depósitos à ordem nº ... (factualidade provada com referência ao ponto 25) da base instrutória).

De Direito

Da nulidade do contrato

Impõe-se esclarecer, a título prévio, que embora na sua conclusão 25.ª o recorrente pretenda que se dê como provado que “A. e a R. acordaram na constituição do depósito a prazo da quantia de €500.500,00, única aplicação que correspondia à vontade do A., conhecida da Ré”, facto que, observa-se, nem sequer coincide inteiramente com o alegado - no art.º 18.º alegara ter dado instruções para que a Ré constituísse o depósito de €500.500,00 à remuneração acordada”, sem todavia especificar que as instruções respeitavam a um DP[1]- a verdade é que, conforme com razão chama a apelada atenção, não impugnou em parte alguma a decisão proferida sobre a matéria de facto. Por assim ser, não se encontrando junto aos autos qualquer meio de prova com valor atendível por este Tribunal de recurso em ordem a proceder à modificação oficiosa da decisão - tanto mais que obteve resposta negativa o art.º 13.º da BI, assim tendo resultado não provado que “Acaso tivesse sido informado de que não estaria a subscrever um depósito a prazo jamais teria entregado à Ré as quantias que entregou”, do que decorre a irrelevância da conclusão 15.ª - a factualidade a considerar é a supra transcrita, tal como consta da decisão recorrida.

Efectuada esta prévia precisão, cumpre agora decidir se o contrato celebrado entre A. e Ré é, conforme aquele defende, nulo por falta de forma, o que há-de, obviamente, ser aferido à luz da lei em vigor ao tempo (art.º 12.º, n.º 1, 2.ª parte do CC), ou seja, o CVM aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro, na versão anterior ao DL 357-A/2007, de 31 de Outubro[2]. E a verdade é que, contrariamente ao que o recorrente defende, afigura-se que a lei não exigia que o contrato em referência fosse sequer reduzido a escrito[3], mau grado o autor dever ser considerado um investidor não qualificado. Expliquemo-nos:

Nos termos do n.º 1 do art.º 289.º, são actividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições.

Os serviços de investimento, por seu turno, são os elencados no preceito imediato, compreendendo: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição (cf. o n.º 1).

A lei procede assim à distinção, no capítulo destinado aos contratos de intermediação financeira, entre contratos de investimento e contratos auxiliares, integrando na primeira categoria a ordem de investimento em valores mobiliários (cf. art.º 325.º) e, pese embora determinasse a obrigatória redução a escrito de tal ordem ou a sua fixação em suporte fonográfico (art.º 327.º, n.º 1), nenhuma forma especial impunha quanto ao contrato em si.

Com efeito, mesmo a entender que a ordem de investimento deve ser reconduzida a um negócio jurídico unilateral, enquanto a execução da ordem - bem como a sua transmissão ou recepção - pressupõe o cumprimento de um mandato entre o ordenador (cliente) e o executante (intermediário financeiro), nos termos do qual este, enquanto receptor, transmissor ou executante da ordem, se obriga à prática de actos jurídicos por conta do primeiro[4], em lado algum era afastada a regra geral da consensualidade (art.º 219.º). E isto é assim mesmo considerando, como cremos dever ser considerado, que o autor, por não se incluir em nenhuma das categorias elencadas no art.º 30.º, era um investidor não qualificado.

O art.º 321.º, reportando-se aos contratos celebrados com investidores não qualificados, dispunha, no seu n.º 1, que “Nos contratos sujeitos a forma escrita que sejam celebrados com investidores não qualificados, só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma”[5]. Ou seja, a lei fixava um regime de nulidade atípico, conferindo legitimidade apenas ao investidor para a sua arguição[6], mas não consagrava, ao contrário do que o apelante parece defender, um princípio geral de obrigatoriedade da redução a escrito de todos os contratos de intermediação quando a contraparte fosse um investidor não qualificado, ao contrário do que hoje ocorre (cf. a actual redacção do preceito).

De todo o modo, e considerando o escrito constante de fls. 71, subscrito pelo autor, constatando-se que dele constam os elementos essenciais da espécie do contrato em referência, impõe-se concluir que o mesmo não padecia da invocada nulidade.

Invoca ainda o apelante que se limitou a assinar os documentos que os legais representantes da ré lhe pediram e puseram à frente, dizendo “assine aqui”, documento elaborado pela ré sem prévia negociação e sem que o seu conteúdo lhe tivesse sido explicado. Tal contrato, contendo, em seu dizer, cláusulas gerais proibidas, recai na previsão dos art.ºs 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL 446/85, de 25 de Outubro.

A propósito, dispunha o n.º 2 do art.º 321.º que “Para o efeito de aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais, os investidores não qualificados são equiparados a consumidores”.

No caso em apreço, não tendo sido questionado que o acordo de fls. 71 foi elaborado pelo Banco réu, tratando-se embora de contrato individualizado não se encontra subtraído ao regime do DL 446/85, de 25 de Outubro no que tange às cláusulas nele inseridas cujo conteúdo, previamente elaborado, o destinatário não tenha podido influenciar (cf. n.º 2 do art.º 1.º), recaindo sobre a parte que pretende prevalecer-se do seu conteúdo, na circunstância o banco apelado, a prova de que a cláusula resultou de negociação prévia (vide n.º 3). E isso mesmo logrou o réu provar, conforme resulta dos factos assentes em 8. e 21., contrariando em absoluto a alegação do recorrente. Acresce que, tendo invocado que as cláusulas inseridas no acordo são absoluta e relativamente proibidas nos termos dos art.ºs 21.º e 22.º (só estas relevam, por respeitarem às relações com consumidores finais, categoria em que o apelante deve ser incluído), escusou-se contudo de identificar as cláusulas viciadas, sendo certo que do teor do mesmo acordo não se vê que alguma delas possa assim ser considerada. Improcedem assim as conclusões 3.ª a 8.ª, subsistindo o contrato celebrado como válido em todas as suas estipulações.

Da natureza do contrato celebrado e da responsabilidade civil da ré (pela violação do dever de informação):

O autor pretende a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €542.208,33, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, sobre €500.500,00 até efectivo pagamento. Em suporte de tal pretensão alegou, para além do mais, ter sido induzido em erro por colaboradores da apelada, que o convenceram de que estava a constituir um depósito a prazo, remunerado à taxa de 6% ao ano conforme por aqueles assegurado, sendo certo que caso tivesse sido informado de que assim não sucedia, jamais entregaria à R. as quantias que entregou. Acrescentou não ter sido informado sobre os produtos que subscreveu, omissão que constitui a ré no dever de o indemnizar nos termos do 304º-A do CVM.

No que respeita à primeira alegação - no sentido de que se encontrava convencido que havia subscrito um DP e, caso tivesse sido esclarecido que assim não era, não teria feito entrega à ré da aludida quantia - afigurando-se que consubstancia invocação de um erro-vício, que é um erro na formação da vontade, eventualmente conducente à anulação do negócio nos termos conjugados dos art.ºs 247.º e 251.º do CC. Todavia, recaindo sobre o alegante o ónus da respectiva prova, não logrou o autor desincumbir-se do mesmo, o que decorre da inclusão no elenco dos não provados dos factos a este respeito alegados (cf. als. d) e e), tanto bastando para afastar a existência do referido vício da vontade e a irrelevância das conclusões 15.ª, 19.ª e 20.ª.

Questão diversa é saber se o recorrente foi devida e cabalmente esclarecido sobre a operação que realizou, designadamente, quanto aos riscos que envolvia, de que nos ocuparemos de seguida.

Tendo presente quanto se referiu já no que respeita à lei aplicável, a apreciação da questão assim colocada passa, conforme a Mm.ª juíza correctamente identificou, pela qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre o A. e a R.

A este respeito, parece pacífico que a Ré, ao receber e executar a ordem de compra efectuada pelo Autor em 29 de Junho de 2007, procedendo à aquisição dos títulos ali discriminados, actuou como intermediária financeira no âmbito de contrato de investimento em valores imobiliários com este celebrado. E nesta qualidade, um dos cruciais deveres que a lei lhe impõe é o de prestar informação, a qual “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”, abrangendo “os valores mobiliários, as ofertas públicas, os mercados de valores mobiliários, as actividades de intermediação e os emitentes”.

Um objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a prevenir a lesão dos interesses dos clientes (cf. n.º 1 do art.º 304.º). Daí que a lei estabeleça que “a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (cf. n.º 2 do art.º 312.º). Pressupondo o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, o cumprimento deste dever assenta, pois, num princípio de proporcionalidade: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento, maior será a sua necessidade de protecção[7].

A este respeito, se é verdade que a lei em vigor ao tempo não impunha a prévia categorização dos clientes nos termos e segundo os critérios hoje claramente definidos[8], não deixava de distinguir entre clientes qualificados e não qualificados, categoria delimitada por exclusão (cf. o art.º 30.º), impondo o n.º 3 do art.º 304.º que, “na medida do necessário ao cumprimento dos seus deveres”, o intermediário financeiro colhesse informação “sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar”[9], em ordem naturalmente a adequar o serviço a prestar às necessidades, nomeadamente informativas, de cada cliente, assegurando-se, em cada caso, que a operação visada é a mais adequada e que na tomada de decisão este se encontra ciente dos riscos envolvidos. Este dever geral de adequação compreende (e compreendia já ao tempo) i. o dever de recolha de informação sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento e no que respeita ao produto ou serviço pretendido ou oferecido; ii. o dever de avaliação da adequação do investimento proposto ou solicitado, o que pressupõe necessariamente que o intermediário financeiro deva recolher sobre ele toda a informação e, finalmente, iii. o dever de informar o cliente sobre a inadequação ou a falta de informação suficiente[10] (cf. citados art.º 304.º e art.º 312.º[11]).

No que respeita à responsabilidade civil do intermediário financeiro, dispunha o artigo 314.º:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (é nosso o destaque).

Não suscita dúvida, tal como a Mm.ª juíza assinalou na decisão recorrida, que a responsabilidade do intermediário financeiro pressupõe a verificação dos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil previstos no artigo 483º do C. Civil: o facto ilícito; a culpa; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Sendo indiscutido que o A. ora apelante era um investidor não qualificado e de perfil conservador, conforme resulta evidente do teor dos factos assentes em 12., 13. e. 14 e a apelada de resto não questiona, sendo ainda indiscutido o efectivo prejuízo por aquele sofrido, cabe indagar se ocorreu por banda do banco apelado violação dos seus deveres de informação, conforme aquele pretende e, demonstrada tal conduta ilícita, se a mesma foi causal dos prejuízos.

O n.º 2 do transcrito art.º 314.º consagra uma presunção de culpa do intermediário financeiro, no contexto da violação de deveres respeitantes ao exercício das actividades de intermediação financeira, quer elas tenham decorrido no âmbito contratual, quer pré-contratual, quer em qualquer outro caso, no atinente aos deveres de informação. E conforme se dá conta na decisão recorrida, é controvertida a amplitude desta presunção, vindo contudo os nossos Tribunais a decidir, ao que cremos maioritariamente, no sentido de que a prova do ilícito incumbirá ao lesado, funcionando a presunção estabelecida prevista no n.º 2 do artigo 314.º no que respeita à culpa[12]. Assim, “para que a R. pudesse ser responsabilizada pelo que ocorreu necessário era que, atento o disposto no art.º 314º do anterior CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos pela lei ou por regulamento. Ainda que, nos termos do nº 2, se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos”[13].

Revertendo ao caso vertente, cumpre indagar se a ré apelada incumpriu o dever de informação em alguma das enunciadas vertentes, ónus da prova que, como acabámos de ver, recaía sobre o apelante.

O cumprimento adequado do referido dever implicava, como vimos, conhecido o perfil do recorrente e a exigência de que o seu dinheiro não fosse aplicado em produtos “que não lhe assegurassem o reembolso do capital e um juro certo”, apresentar um produto que a tal correspondesse, informando-o de forma adequada das características e riscos do mesmo. E para que se desincumbisse da sua prestação, teria que estar a apelada, no desempenho das suas funções de intermediária financeira, informada sobre o produto apresentado, deveres que, tal como se concluiu na sentença recorrida, cremos terem sido efectivamente cumpridos.

Consignou-se na sentença apelada: “Resultou provado que os produtos financeiros que cuja aquisição o autor subscreveu, e que foi concretizada mediante a intermediação da Ré, tratando-se de obrigações emitidas pelo Kauphing Bank e pelo Landsbank, tinham, à data da sua subscrição pelo autor, o rating atribuído pela Moody´s de A2 e o rating atribuído pela Fitch de A-, as emitidas pelo Landsbank, e de A as emitidas pelo Kauphing Bank.

Ficou também provado que o Banco Kauphing era tido como sólido e respeitado.

E provado resultou, ainda, que os produtos financeiros em questão eram, à data da sua compra pelo autor, considerados sem risco previsível e de capital garantido.

É sabido que no domínio da informação de que as entidades que exercem a actividade de intermediação financeira devem dispor e fornecer aos clientes/investidores, acerca dos produtos financeiros que comercializam, designadamente, da natureza daqueles que estão em causa nos presentes autos, assume particular importância as notações de rating atribuídas pelas agências especializadas, sendo as mais influentes a Standard & Poor´s, a Moody´s e a Fitch Ratings, a esses produtos, considerando o(s) seu(s) emitente(s), quer ao país (rating soberano).

A propósito destes conceitos cita-se o que escreve Marcelly Fuzaro Gullo, «Agências de Raiting e o impacto das suas atividades sobre o sistema financeiro mundial», Working Papers, Boletim de Ciências Económicas, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Outubro de 2014, disponível na internet: «Para proceder às avaliações, as agências costumam contar com equipas técnicas especializadas, que analisam as informações disponíveis publicamente e as informações confidenciais disponibilizadas voluntariamente pelo avaliado, combinando-as com outros indicadores que julgarem pertinentes, e traçam um diagnóstico. A conclusão final da análise dos dados disponíveis é o que se chama de notação de risco ou rating, que poderá versar, conforme o objecto, indicando qual a probabilidade de cumprimento ou incumprimento (default) de obrigações financeiras assumidas. Quando o rating versar sobre o emitente, traduzirá a opinião da agência acerca de sua capacidade financeira, considerando a sua solvabilidade e condições para cumprimento pontual das obrigações assumidas. Quando versar sobre o título emitido, indicará a opinião da agência sobre a qualidade de uma obrigação financeira específica e sua capacidade de retorno financeiro. E para analisar os títulos, as agências avaliam, também, a solvabilidade do próprio emitente, origem da obrigação e seus garantidores.»

(¼)

«O rating correspondente à letra "A", normalmente, é indicador de uma grande capacidade para cumprir os compromissos financeiros, a qual decresce conforme a classificação alfabética passa para "B", "C" ou "D", mediante combinação entre letras maiúsculas e minúsculas, acréscimo dos números "1", "2" ou "3" e sinais de soma "+" ou subtração "-"», sendo o último patamar da escala equivalente a default (incumprimento).

(¼).

«As classificações de rating mais altas são enquadradas na categoria de "grau de investimento", o que denota maior capacidade de solvabilidade e qualidade creditícia, ou seja, maior probabilidade de o investidor receber de volta o dinheiro investido dentro do prazo estipulado. Por outro lado, as classificações menores são enquadradas na categoria de "grau especulativo", vulgarmente referidas como "lixo" ou "junk", pois apresentam maiores riscos de incumprimento.»

Por outras palavras, a notação de rating, situada no mínimo da escala, significa, à partida, alta probabilidade de não pagamento dentro do prazo acordado e, no topo, total capacidade de pagamento.

(…) Estando provado que o A. não pretendia aplicar o dinheiro em produtos que não lhe assegurassem o reembolso do capital e um juro certo, os produtos financeiros cuja aquisição, mediante instrução do A., foi efectuada pelo Private Bankig da Ré, eram considerados sem risco previsível à data em que tal operação foi realizada, e de capital garantido, indo, assim, ao encontro do interesse do investidor, ora A”.

Por outro lado, e conforme também se apurou, colaboradores da ré reuniram com o A. antes da emissão da ordem de compra das aludidas obrigações, tendo este obtido “os esclarecimentos e respostas que pretendeu acerca da natureza e características dos produtos ali referidos, nomeadamente acerca da remuneração, modo e prazo de reembolso e em relação ao risco” (pontos 21., 22., 23., e 24.). O autor, nas alegações, refere não ter sido informado de que cabia às entidades bancárias emitentes proceder ao reembolso do capital investido nas obrigações e ao pagamento do juro acordado. Tal circunstância, a verificar-se, poria efectivamente em causa, em nosso entender, o cumprimento do assinalado dever de informação (sem curar agora de saber se era causal ou não do dano verificado). Todavia, recaindo sobre o apelante o ónus da prova da ilicitude da conduta da autora, consubstanciada na violação do dever de informação, a verdade é que nada se apurou neste sentido, ficando todavia claro que o autor ficou ciente de que não se tratava de um DP[14]. Depois, admitindo que o facto dado como assente em 21. no sentido de terem sido prestados os esclarecimentos solicitados -e deveriam ter sido prestados todos, independentemente da solicitação do cliente- a propósito da natureza e características do produto carecesse de maior concretização, nada indicia que o esclarecimento de que não competia à ré fazer os pagamentos não tenha sido prestado, considerando até a resposta negativa que mereceu o art.º 26.º da BI (al. h) dos factos não provados.

A este respeito dir-se-á ainda que não foi rigorosa a garantia de que “não havia risco de perder o capital de €500.500,00, bem como a remuneração de 6% ao ano” (cf. ponto 15.), uma vez que não há investimento sem risco e até os DP perigam no caso da insolvência da entidade bancária depositária. Todavia, a aferição da (i)licitude da conduta da ré terá, naturalmente, que se fazer por referência à época, e aquilo de que hoje se fala com alguma naturalidade - a insolvência deste ou daquele banco - era seguramente inimaginável em 2007, tratando-se, para além do mais, de entidades emitentes com notação correspondente a investimento seguro, sediadas em país com idêntico “rating” soberano, donde eventual risco de falência ser havido como desprezível. Tudo para concluir que, atendendo às informações disponíveis e diligentemente colhidas pela ré apelante, com base nas quais procedeu à apresentação do produto, este satisfazia efectivamente as exigências formuladas pelo cliente investidor, conforme foi informado, assim resultando cumprido o dever de informação (e de adequação).

Sendo tal bastante para afastar a responsabilidade da apelada, acompanha-se também a decisão recorrida quando considera que não se encontra demonstrado o necessário nexo de causalidade entre o incumprimento do dever de informação imputado à R. e os danos sofridos pelo A. Versando sobre caso em tudo semelhante, considerou o STJ[15] “Aceite a existência de um prejuízo na esfera do A. que decorre do facto de o banco que emitiu as obrigações colocadas no mercado financeiro ter entrado em situação de ruptura financeira e ter sido intervencionado intervencionado pelo Estado islandês, faltam para responsabilizar o R. outros pressupostos da responsabilidade contratual, onde avulta o incumprimento de deveres legais ou contratuais.
(…) Assim, tudo levar a concluir que, não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou, além do mais, na ruptura do mercado financeiro islandês e ainda mais concretamente, na ruptura financeira do banco que emitiu as obrigações em que o A. investiu as suas poupanças, este teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respectivo capital.

Enfim, a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos encontra-se num factor que era estranho à R. (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que a mesma pudesse antecipar e comunicar ao A. o risco da sua ocorrência.

A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a do mercado islandês, nem a da concreta instituição financeira emitente das obrigações.

Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A., antes de este decidir, pois que na referida ocasião era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor o default da instituição financeira bem cotada pelas agências de rating.

Pode existir a tentação de encontrar nas entrelinhas da situação uma falha a que deva imputar-se o que veio a ocorrer, mas trata-se de uma tentativa que não suporta uma tal conclusão, tanto mais que o ponto de referência para a avaliação da diligência no cumprimento dos deveres deve situar-se na data em que ocorreram os factos, e não nas actuais circunstâncias em que, para além da inflação informativa, nos confrontamos com os factos consumados”.

Nesta conformidade, também aqui se conclui não estarem verificados os pressupostos para que a apelada devesse ser condenada a indemnizar o A. ao abrigo do disposto no artigo 314º do CVM, improcedendo “in totum” os fundamentos do recurso e consequente confirmação da douta sentença recorrida.

III. Decisão

Acordam os juízes da 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

As custas são a cargo do apelante.

              


***


[1] Tendo alegado ainda que “Acaso tivesse sido informado de que não estaria a subscrever um depósito a prazo jamais teria entregue à Ré as quantias que entregou” (art.º 53.º) e “A Ré sabia que o A. não pretendia aplicar as suas poupanças em produtos que não lhe assegurassem o reembolso do capital e a fruição de um juro certo” (art.º 83.º), factos vertidos nos artigos 13.º, 14.º e 15.º, tendo estes últimos obtido respostas positiva, ingressando o primeiro nos factos não provados.
[2] A este diploma e versão se deverão considerar pertencerem as disposições legais que doravante vierem a ser citadas sem especificação da sua origem.
[3] Neste preciso sentido, acórdão do TRL de 28/4/2016, processo n.º 482/12.3 T2FUN.L1-6, acessível em www.dgsi.pt, do qual se destaca o seguinte ponto do sumário “Até à entrada em vigor da redacção dada ao CVM pelo legislador de 2007, os serviços de intermediação financeira não estavam obrigados à forma escrita, pro não haver preceito legal que o impusesse”.
[4] Entendimento defendido por Gonçalo Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente”, Almedina, pág. 157.

[5] É outra a actual redacção do preceito, por cujos termos: "Os contratos de intermediação financeira relativos aos serviços previstos nas alíneas a) a d) do nº. 1 do artigo 290º e a) e b) do artigo 291º e celebrados com investidores não qualificados revestem a forma escrita (¼)", dispondo o artigo 321º-A sobre o conteúdo mínimo dos contratos.
[6] Deste modo, e estando em causa, por hipótese, um contrato de gestão de carteira o qual, por força do art.º 335.º, estava sujeito a forma escrita, o investidor poderia prevalecer-se dessa nulidade, no caso de não ter sido observada a forma prescrita, mas não já o intermediário.
[7]  Paulo Câmara, “Os deveres de categorização de clientes e de adequação dos intermediários financeiros”, acessível em http://www.servulo.com/xms/files/OLD/publicacoes/Direito_Sancionatorio_das_Autoridades_Reguladoras_PC2009.PDF.
[8] Cf. art.ºs 317.º a 317.º-D.
[9] A Directiva Comunitária relativa aos Serviços Financeiros (Directiva n.º 93/22/CEE), já previa, no seu artigo 11.º, §4.º, 4.ª alínea, o dever dos intermediários financeiros tomarem conhecimento da situação financeira, da experiência e dos objectivos de investimento do cliente.
[10] Paulo Câmara, cit.

[11] O dever de informação veio a ser amplificado e densificado com as alterações introduzidas pelo DL n.º357-A/2007, que veio dar nova redacção ao art.º 312.º e aditar os artigos 312º-A a 312º-G.

[12] Assim foi decidido nos arestos do STJ de 06/06/2013 e da R.L. de 04/12/2012, ambos proferidos no proc. nº. 364/11.0TVLSB, Ac. da R.P. de 21/03/2013, proferido no proc. 2050/11.2TVVFR.P1, citados na decisão recorrida, e ainda do mesmo TRP de 28/1/2013, processo n.º 1943/09.1TJPRT.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Já Gonçalo Castilho dos Santos entende que a presunção estabelecida no precito abrange, ainda que a título excepcional para a imputação mobiliária, o nexo de causalidade, excluindo apenas a ilicitude do âmbito presuntivo do preceito (cf. ob. cit., págs. 189 e seguintes, máxime, pág. 215).
[13] Citado acórdão do STJ de 06/06/2013, proferido no processo nº. 364/11.0TVLSB.L1.S1
[14] Que o apelante tinha perfeita noção de que não se tratava de um DP resulta desde logo da negativa peremptória que emitiu aquando da primeira abordagem pelos colaboradores do banco réu, conforme resultou dos depoimentos das testemunhas José Pinto Soares e Carlos Correia e até de sua filha, que asseverou tratar-se de pessoa cuidadosa, “incapaz de subscrever uma coisa sem saber o que está a fazer e que lê antes de assinar” (cf. fundamentação de facto da sentença apelada, de fls. 450v.º a 451v.º dos autos.
[15] Ainda no mesmo aresto de 6/6/2013