Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANA VIEIRA | ||
Descritores: | CUSTAS ISENÇÃO SUBJECTIVA PESSOA COLECTIVA PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL | ||
Data do Acordão: | 01/28/2020 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART.4 Nº1 F) RCP | ||
Sumário: | I- Nos termos da alínea f) do nº1 do artº 4º do Regulamento das Custas Processuais, a isenção de custas das pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos apenas deverá ser reconhecida quando concretamente estejam em causa a defesa ou o reconhecimento de direitos e obrigações necessários (nestes se incluindo os indispensáveis e os instrumentais) à prossecução dos seus fins. II- Por se encontrar numa relação de instrumentalidade com o seu escopo social, goza da isenção de custas a pessoa colectiva privada, sem fins lucrativos, com o fim de promover actividades no âmbito da educação, que visa obter a cobrança coerciva de um débito decorrente da frequência de um seu estabelecimento de ensino. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
Nos autos de acção executiva que a exequente Fundação B (…) instaurou H (…) e C (…) foi dado como titulo executivo um procedimento de injunção ao qual foi aposto formula executória onde se reclamou o pagamento coercivo de 1107,83 euros e depois foram feitas duas cumulações á execução tendo por base um procedimento de injunção. A exequente invocou em resumo em todos os requerimentos executivos que: «.. 1. A exequente é uma Instituição Particular de Solidariedade Social com inúmeras valências ao nível da atividade assistencial, cultural, educacional e de formação concretizadas em diversos estabelecimentos, nomeadamente, a Colégio (…), estabelecimento de ensino particular dos 1.º ao 3.º ciclos do ensino básico da requerente sito em Coimbra.2. No âmbito dessa atividade a exequente admitiu, no referido estabelecimento, A (…) (aluno n.º (…)) em 03/09/2012, de quem os executados são representantes legais e na sequência da vontade por estes manifestada. 3. No período a que se refere o título executivo ficaram por pagar 14 (catorze) faturas conforme melhor resulta do mencionado título, totalizando 4 665,33 €, acrescidos dos juros conforme descrito em «liquidação da obrigação» do presente requerimento. 4. A requerente é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública que, de acordo com o artigo 2.º dos seus Estatutos, «tem por objetivo contribuir para a promoção da população da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos…» apoiando, promovendo e desenvolvendo, para o efeito e atendendo ao disposto no artigo 3.º, alínea b), atividades no âmbito da educação na qual se insere a desenvolvida pelo Colégio (...) e, por isso, encontra-se isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea f) do Regulamento das Custas Processuais…». Foi proferido o despacho recorrido da seguinte forma: «.. A exequente “Fundação (…)” veio instaurar, em 27-03-2019, requerimento executivo para CUMULAÇÃO sucessiva, com base em requerimento injuntivo contra os executados C (…) e H (…) decorrente do não pagamento dos valores relativos a contraprestação de educação e ensino. Na parte final da exposição de factos, a exequente alega que se encontra isenta do pagamento de taxa de justiça nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais. Apreciando. O artigo 4.º, n.º 1, al. f), do RCP, prevê que se encontram isentos de custas: “As pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;”. A este propósito, Salvador da Costa1 defende que: “É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona nos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respetivo estatuto ou pela lei coincidentes com o bem comum.”. A jurisprudência, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-06-20162, o qual seguimos de perto, também preconiza que: “I – As pessoas coletivas de direito privado e utilidade pública que têm como objetivo promover o fomento e a prática do desporto, bem como estimular e apoiar as atividades culturais e recreativas, são suscetíveis de beneficiar de isenção de custas nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais mas apenas quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defenderem os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável. II – Para este efeito, não basta que se evidencie a prossecução, indireta e instrumental, das atribuições e interesses que cabem a tais entidades, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objetivos prosseguidos com o estabelecimento das condicionantes mencionadas, mas devem relevar as ações emergentes de relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da pessoa coletiva em causa, por serem a sua «decorrência natural», quer por traduzirem a sua concretização, quer por serem necessárias à mesma.1 In “As custas processuais”, 7.ª ed., 2018, p. 109. 2 In www.dgsi.pt – Processo n.º 846/14.2T8BCL.G1. III – Estando em causa o exercício de funções indiferenciadas concernentes a angariação e recebimento de quotas de sócios, representação da associação em feiras e outros eventos, organização de planos e atividades, etc., as mesmas são comuns a qualquer pessoa coletiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão direta ou instrumental, e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal associação ou os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto, pelo que inexiste fundamento para que se lhe reconheça isenção de custas.”. Deste modo, uma vez que a Exequente não se encontra a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo seu estatuto ou nos termos da legislação que lhe é aplicável, entendo que não lhe pode ser reconhecida a pretendida isenção de custas. Acresce que a Exequente não beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos e/ou nomeação de agente de execução, não tendo junto comprovativo nesse sentido. Pelo exposto, decido: - não reconhecer à exequente a isenção do pagamento de custas nesta ação executiva; - e indeferir liminarmente o requerimento executivo inicial e o cumulativo. ** Notifique e registe…»(sic). A exequente recorreu do predito despacho. Ao dar cumprimento ao artigo 617 do CPC foi proferida decisão que determinou a notificação da exequente para pagar a taxa de justiça sob pena de indeferimento, nos seguintes termos:«.. Ao abrigo do disposto no art.º 617, do CPC, passo a proferir despacho. No requerimento executivo apresentado em 01-12-2018, a exequente Fundação (...) veio solicitar a isenção de custas ao abrigo do disposto no art.º 4, n.º 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais. Ora, encontrando-se isenta de custas, aqui se englobando, para além da taxa de justiça, a isenção dos preparos, despesas e honorários do AE, deveria ser o Oficial de Justiça a tramitar a execução – tal como resulta da norma do art.º 35-A, da Lei 34/2004, de 29 de julho, aqui aplicável por analogia – uma vez que a isenção do pagamento de CUSTAS possui a mesma abrangência do apoio judiciário com dispensa do pagamento da taxa de justiça, demais encargos e pagamento ao AE. No entanto, ao contrário do que a exequente solicitou em termos de isenção de custas, a mesma exequente manteve Agente de Execução a Drª. (…) e deu acolhimento, pagando, a provisão para a III fase do processo (diligências de penhora) – cfr. PDF de 03-12-2018 do “histórico do processo”, referência 4632767, contradição que deixamos aqui assinalada. Foram ainda deduzidos pela exequente DOIS requerimentos executivos de cumulação com a execução inicial, em 13-12-2018 e 27-03-2019, nos quais foi aduzida a isenção do pagamento de CUSTAS mercê do disposto no art.º 4, n.º 1, al. f), do RCP. Por decisão de 11-04-2019 foi decidido: - “que a Exequente não se encontra a atuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo seu estatuto ou nos termos da legislação que lhe é aplicável, entendo que não lhe pode ser reconhecida a pretendida isenção de custas.” e não se reconheceu à exequente a isenção do pagamento de custas nesta ação executiva e indeferiu-se liminarmente o requerimento executivo inicial e o cumulativo. Dessa decisão interpôs a exequente recurso, solicitando a reforma dessa decisão porquanto “o Tribunal a quo (deveria) ter determinado o convite para suprimento da eventual irregularidade nos termos do artigo 726.º, n.º 4 que estabelece: «[f]ora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º». Parece claro que a situação não se enquadra no âmbito do n.º 2 do artigo 726.º razão pela qual deveria ter-se feito uso do n.º 4 referido. Note-se que, por não se tratar de recusa da secretaria nos termos do artigo 725.º e por não ter sido acionado o n.º 4 do artigo 726.º, à apelante não é facultada a possibilidade de suprir a falha alegada que configura, no limite, uma decisão surpresa por decorrer da interpretação subjetiva e concreta do decisor e não de alteração da lei ou da interpretação ou prática genericamente aceites conforme se exporá no título seguinte.”. Entende ainda que foram violados os princípios da proteção da confiança, da proibição do efeito surpresa e da proporcionalidade. No entanto, de forma contraditória com o pedido feito anteriormente de notificação da exequente para suprir a falta, que, no caso, é relativa ao pagamento das taxas de justiça pelo impulso do requerimento inicial executivo e dois outros requerimentos de cumulação, termina as alegações de recurso solicitando o reconhecimento da isenção de custas de que beneficia a Recorrente. Uma vez que a questão da “decisão surpresa” foi questionada pela exequente, a fim de dar integral cumprimento ao disposto no art.º 3, n.º 3, 724, nº 4, al. c), 552, n.º 6 e 560, todos do CPC, decido: - reformar a decisão de 11-04-2019, mantendo o não reconhecimento à exequente da isenção do pagamento das custas processuais nesta ação executiva quanto ao requerimento inicial executivo, estendendo-o expressamente ao requerimento executivo de cumulação de 13-12-2018 e ainda requerimento de 27-03- 2019 nos termos fundamentados na decisão de 11-04-2019, mas, antes de indeferir ou rejeitar a execução (requerimento executivo inicial e cumulativos de 13-12-2018 e de 27-03-2019), DETERMINO a notificação da exequente para, em 10 dias, proceder ao pagamento das taxas de justiça devidas pelo requerimento inicial executivo, requerimento executivo de 13-12-2018 e requerimento executivo de 27-03-2019 e juntar em igual prazo o respetivo comprovativo. Notifique (cfr. Art.º 617, n.ºs 2 e 3, do CPC)…»(sic). A exequente recorreu quanto ao referido despacho. Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:« Uma vez que a exequente continua a não proceder ao pagamento da taxa de justiça em dívida e de acordo com o que ficou exarado no despacho de 03-10-2019, deverá a recorrente esclarecer, em 10 dias, tomando em linha de conta o n.º 2, do art.º 617, do CPC, se as alegações de recurso antecedentes vieram alargar o âmbito do recurso interposto da decisão de 11-04-2019, já que se o juiz reformar a decisão – como se fez em 03-10-2019 -, “considera-se o despacho proferido (de 03-10-2019) como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão”. Nesta ocasião, a parte contrária poderá responder, no mesmo prazo de 10 dias, a essa alteração (cfr. Art.º 617, n.º 3, in fine, do CPC) – notificação deverá ser feita aos recorridos de imediato. * Notifique e comunique. Após decurso dos prazos de resposta acima mencionados, subam novamente os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra…»(sic). A exequente junta requerimento onde declara ter alargado o âmbito do seu recurso.
* Inconformada com as referidas decisões, veio a exequente interpor os presentes recursos, os quais foram admitidos como de apelação, a subir nos próprios autos de imediato e com efeito meramente devolutivo. A exequente com o segundo requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«.. (…) No recurso da decisão inicial apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões:«.. (…) Não foram apresentadas contra-alegações. *
II- DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, é a seguinte a questão solvenda:
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de apreciação do objecto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório, conjugada com a seguinte factualidade que consta dos autos e é extraída do teor dos documentos juntos aos autos:
1-A exequente está registada na direcção geral da segurança social desde 13-2-1991, conforme doc. de fls. 2 verso. 2- Nos termos do artigo 2 do estatuto consta que a exequente visa contribuir para a promoção da população da região centro. 3-Nos termos do ponto 3 do seu estatuto consta que para atingir o seu objectivo a fundação propõe-se promover a educação. 4- Criado no âmbito dos objetivos da exequente, a exequente é titular do estabelecimento de ensino particular «Colégio (…)»
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
A questão a resolver no âmbito do presente recurso prende-se em saber se a exequente está ou não isenta do pagamento das custas e taxa de justiça e se os requerimentos executivos e as cumulações deveriam ter sido liminarmente indeferidos. O tribunal a quo entendeu que não se encontrando a exequente a atuar, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão conferidos pelo seu estatuto ou nos termos da legislação que lhe é aplicável, não pode gozar da isenção de custas prevista no artº 4º, nº 1, al. f), do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), e sendo assim, ao não juntar comprovativo do pagamento da taxa justiça nem de apoio, decidiu indeferir liminarmente o requerimento executivo e os requerimentos relativos as cumulações deduzidas. Face ás alegações de recurso, resulta que por seu lado, a recorrente defende em resumo gozar da isenção do pagamento de custas, e particularmente da taxa de justiça, e, por outro, entende que mesmo que assim não fosse entendido não poderia o tribunal a quo indeferir liminarmente o requerimento executivo sem que previamente lhe fosse facultada a possibilidade de suprir da falta do pagamento dessa taxa de justiça.
Na decisão do presente recurso, vamos acompanhar e seguir o entendimento do Ac da RC processo 1817/19.8T8CBR.C1, Relator ISAÍAS PÁDUA de 10-12-2019, que versou sobre um caso similar :«Sumário: I- No artº 4º do RCP configura-se uma exceção à regra geral de que todos os processos estão sujeitos a custas. II- Com a nova redação dada a esse normativo visou-se, por um lado, concentrar/unificar nele todas as isenções de custas concedidas nos múltiplos diplomas dispersos, e, por outro, proceder a uma redução/limitação dessas isenções. III- As isenções de custas aí atribuídas são de natureza subjetiva (nº 1), e de natureza objetiva (nº 2), sendo as primeiras atribuídas em função da qualidade das partes e as segundas em função do tipo dos processos. IV- Entre as isenções subjetivas estão aquelas que se encontram no âmbito da previsão do artº. 4º, nº 1, al. f), do RCP. V- Como decorre da leitura de tal normativo, constituem pressupostos legais da aplicação da isenção de custas nele previstos: a) Que se esteja na presença de uma pessoa coletiva privada, sem fins lucrativos. b) Que essa pessoa coletiva privada atue no processo exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou (em alternativa); c) Para defender os interesses que lhes estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável. VI- Na génese da atribuição da isenção de custas a tais pessoas coletivas estão motivações norteadas pela ideia de funcionarem como um estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, das quais que comunidade aproveita e o Estado beneficia, por se encontrarem no âmbito das atribuições que lhe incumbe desenvolver ou levar a efeito. VII- Isenção essa que abrange as ações das quais delas resulte em concreto que tais pessoas coletivas visam através delas, quer por via direta, quer por via indireta ou conexa instrumental, a defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pela lei ou pelos seus estatutos e particularmente garantir/assegurar, por uma dessas vias, a prossecução dos fins que nortearam a sua criação. VIII- Quando o demandante invoque no seu articulado inicial beneficiar do regime de isenção de custas - não juntando por isso o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça – e o juiz venha a decidir/entender não gozar dessa alegada isenção de custas, a consequência jurídica daí a extrair será, em vez do seu indeferimento liminar, a notificação daquele, pela secretaria/secção, para, no prazo legal, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida – sem que no caso haja lugar a qualquer acréscimo penalizador -, sob a cominação de, o não fazendo, aquele articulado não ser recebido.». Conforme se refere no citado Acórdão que iremos transcrever, com a devida vénia, dado versar sobre um caso similar e aderirmos integralmente ao seu entendimento:«…..Estatui-se, assim, no artº 4º, nº 1, al. f), do RCP - sendo a sua aplicação que está aqui em causa - que “estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.” …É incontroverso que a exequente é uma pessoa coletiva privada, sem fins lucrativos, que, de acordo com os seus Estatutos (artº 2º), tem com objetivo/fim contribuir para a promoção da população da região centro através do propósito de dar expressão organizada ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos. Para atingir esse seu objetivo/fim a exequente propõe-se apoiar, promover e realizar atividades em vários âmbitos, e entre eles no âmbito da Educação (artº 3º dos Estatutos), cuja organização e funcionamento consta dos respetivos regulamentos internos (artº 4º dos Estatutos), constando entre as suas fontes de receita, destinada a financiar essas suas atividades, os rendimentos dos serviços e as comparticipações dos seus utentes (artº 6º dos Estatutos). E para esse efeito criou, entre outos, o estabelecimento de ensino particular (para o 1º., 2º. e 3º. Ciclos do Ensino Básico) denominado Colégio ..., que dispõe de Regulamento Interno e por ele se rege. Pela frequência desse estabelecimento de ensino é devida uma prestação mensal/propina fixada em conformidade com os critérios definidos no artº 47º desse Regulamento, concedendo ainda a Fundação bolsas de estudo a alunos provenientes de agregados familiares com dificuldades económicas, a atribuir de acordo com os critérios estabelecidos em Regulamento próprio elaborado para o efeito (artº. 48º). Nos termos do estatuído no nº 13 do artº 47º desse Regulamento, “todos os débitos serão exigidos através de pagamento voluntário ou cobrança coerciva.” No caso em apreço, a exequente através da presente execução, que para efeito instaurou, visa obter a cobrança coerciva de um débito relativo à falta de pagamento de prestações devidas pelos representantes legais de um utente/aluno que frequenta ou frequentou esse estabelecimento. Nesse circunspecto é, para nós, apodítico que, in casu, a exequente atua (com a instauração da ação executiva), ainda que por via indireta ou instrumental, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos seus estatutos e com vista a garantir/assegurar (como fonte de receita) a prossecução dos fins que nortearam a sua criação e que constituem a sua razão de ser. Na verdade, e como bem, a nosso ver, refere a apelante (nas sua alegações de recurso) a cobrança pela exequente da dívida em causa tem uma conexão instrumental mas que está necessariamente relacionada com as especiais atribuições e a defesa dos interesses que lhes especialmente conferidos através dos seus Estatutos, sendo que quando procede à cobrança, neste caso judicial, de uma dívida a apelante não está apenas a tentar obter o cumprimento da obrigação em falta, mas está a garantir a sustentabilidade dos projetos/atividades que apoia e, em concreto, o do Colégio de onde emergiu a dívida. Donde a conclusão que, por se mostrarem preenchidos os pressupostos legais consagrados no artº 4º, nº 1, al. f), do RCP, a exequente goza, à luz de tal normativo, de isenção de custas na presente execução que instaurou, o que, consequentemente, a dispensa do pagamento da respetiva taxa de justiça. E nessa medida, e na procedência do recurso, revoga-se o despacho recorrido, devendo o requerimento executivo ser recebido e a execução prosseguir os seus ulteriores trâmites legais (caso nenhum outro obstáculo legal surja que a tal impeça). 2.2 Diga-se, ainda, em passant (face à decisão acabada de proferir), que mesmo que se viesse a concluir não estar no caso a exequente isenta de custas, nunca poderia, como o fez, o tribunal a quo indeferir, desde logo, liminarmente o requerimento executivo. Tendo a exequente no requerimento executivo manifestado o entendimento, à luz da legislação que aí citou, de estar isenta do pagamento da taxa de justiça, e tendo o sr. escrivão feito os autos conclusos à sra. juíza titular dos mesmos com a informação de ter dúvidas sobre essa invocada isenção, e sendo decidido por despacho que exequente não gozava da referida isenção, deveria então a mesma ser notificada, além desse despacho, pela secretaria/secção para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa da justiça devida – neste caso entendemos não haver lugar a qualquer acréscimo penalizador -, sob a cominação então de o requerimento executivo não ser recebido. Solução essa que, aliás, é aquela que se extrai do disposto nos conjugados artºs 145º, nº 3, e 724º, nº 4, al. c), e 725º, nº 1, al. c), do CPC. (Neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RP de 26/09/2015, proc. 356/11.8TTPRT-D.P1, e Ac. da RL de 22/03/2017, proc. nº. 22456/16.1T8LSB.1.L1-4, disponíveis em www.dgsi.pt)...» (SIC).
O artigo 1º do do RCP estabelece a regra geral de que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados por esse Regulamento, e que se aplica a todos os processos, quer eles corram nos tribunais judiciais, nos tribunais administrativos e fiscais ou no balcão das injunções (artº 2º RCP). Estabelece o artº 4º, nº 1, al. f), do RCP que “estão isentas de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.” No caso a exequente é uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos e ao instaurar tanto a execução como as cumulações está a actuar no âmbito das suas principais atribuições e está a defender os interesses conferidos pelo seu estatuto, uma vez que tem como fim a promoção da população da região nomeadamente no contexto da educação e tem um estabelecimento de ensino particular (Colégio (...) ) cuja frequência exige o pagamento de propinas ou bolsas de estudo e está através da acção executiva a tentar obter a cobrança coerciva de alegados débitos de um aluno que frequentou ou frequenta esse colégio. Pelo exposto, a exequente goza da isenção de pagamento de custas na presente execução (abrangendo tanto o requerimento executivo inicial como as cumulações) e nunca poderia o tribunal a quo indeferir liminarmente o requerimento executivo e as cumulações. Assim, a presente apelação deve proceder, nessa medida revoga-se a decisão recorrida (quer a inicial quer a ulterior).
III- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e em revogar o despacho recorrido, devendo o requerimento executivo e as sucessivas cumulações serem recebidos e a execução prosseguir os seus ulteriores trâmites legais. Sem custas. Coimbra, D.S
Ana Vieira (Relatora) Carvalho Martins Carlos Moreira (vencido)
Voto de vencido Parece-me que não está demonstrado, pela instituição, que não tenha fins lucrativos, como exige a lei. Tanto assim que a execução é para cobrar valores de propinas que, em princípio, lhe darão algum lucro. Depois porque este segmento normativo deve ser interpretado restritivamente como defende a melhor doutrina e a maioria da jurisprudência. Assim: Na doutrina: “É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum...esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos” - Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, 5ª ed., Almedina, 2013, pags. 159 e 160. Na jurisprudência: Ac. RL de 22.03.2017, p. 22455/16.1T8LSB.L1-4 in dgsi.pt. (como os restantes): 1.-De acordo com a al. f), do nº 1 do artigo 4º do RCP, as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”. 2.-Actua fora das condições referidas na al. f) do nº 1 do artigo 4º do RCP, a Ré, Instituição Particular de Solidariedade Social, no âmbito de uma acção em que é demandada para pagar diferenças salariais e uma indemnização por danos morais em virtude de contrato de trabalho alegadamente existente entre a Autora e a Ré.
Ac. RG de 14-06-2017, p. 2734/16.9T8BCL-A.G1: I – Estabelece a al. f), do n.º 1 do artigo 4º do RCP que as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”. II – Esta isenção não abrange, a acção declarativa emergentes de contrato de trabalho interpostas contra a Ré Santa Casa da Misericórdia do Fão, em que se discute o reconhecimento de diferenças salariais resultantes do contrato de trabalho que vigorou entre Autora e Ré.
Ac. RG de 04.10.2017, p. 11/14.9TTVRL-A.G1: A isenção prevista no na al. f), do nº 1 do artº 4º do RCP não abrange a acção executiva para pagamento de coima e de custas em que foi condenada a pessoa colectiva privada sem fim lucrativo, em sentença do respectivo recurso de impugnação judicial da decisão proferida por entidade competente, pela prática de contra-ordenação e que se traduziu no funcionamento dum lar de idosos sem que possuísse alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.
RP de 27.06.2018, p. 580/17.1T8ESP-A.P1: A B... não goza de isenção de custas nos pleitos em que reivindica o direito de propriedade sobre um templo onde exerce a sua atividade religiosa. Com interesse veja-se também: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2013 , in D.R. n.º 95, Série I de Acórdão de 2013-05-17, que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: «De acordo com as disposições articuladas das alíneas f) e h) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais e do artigo 310º/3 do Regime do Contrato de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, os sindicatos, quando litigam em defesa colectiva dos direitos individuais dos seus associados, só estão isentos de custas se prestarem serviço jurídico gratuito ao trabalhador e se o rendimento ilíquido deste não for superior a 200 UC. (sublinhado e negrito nosso). Assim, confirmaria a decisão.
Carlos António Paula Moreira
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