Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
R (…), solteiro, residente (…), em Viseu, interpôs, em 19/05/2003, a presente acção contra A (…), residente na (…), em Viseu, pedindo que seja:
a) declarada a resolução do contrato de compra e venda celebrado ou declarar-se anulado o mesmo contrato por erro e dolo;
b) condenado o réu a restituir ao autor a importância de 26.336,53€ acrescida de 13.092,19€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Subsidiariamente, o autor pede que seja:
c) condenado o réu a substituir a viatura por uma outra viatura do mesmo modelo, gama e características em bom estado de conservação e funcionamento, reduzindo-se o preço pago em, pelo menos, 6.000€, condenando-se o réu a pagar ao autor tal importância, acrescida da quantia de 800€; ou
d) condenado o réu a eliminar todos os defeitos que a viatura tem, acrescida da indemnização dos danos sofridos em montante não inferior a 800€ e reduzindo-se o preço da alienação em, pelo menos, 13.000€, condenando-se o réu a restituir tal importância ao autor.
Por último, o autor pede que a qualquer importância em que o réu venha a ser condenado acresçam juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, em síntese e com relevo, o autor alega que adquiriu ao réu um Mercedes SLK e que este lhe garantiu que se encontrava num estado de conservação impecável, tendo o autor pago mais de 5.000€ a 6.000€ em relação ao valor do mercado do mesmo tipo de viatura e veio o autor a descobrir que o mesmo veículo não tinha as qualidades asseguradas pelo réu, tendo-lhe ocultado que era sinistrada; após a aquisição surgiram ou foram descobertos defeitos que denunciou ao réu, que reconheceu a existência dos mesmos.
O réu contestou, defendendo-se por excepção face à impossibilidade de se apurar quando foi feita a alegada denúncia de defeitos e sustenta a ilegitimidade do réu pois convencionaram que a responsabilidade garantística da transacção seria transferida para a N...SA; e defende-se também por impugnação de factos alegados pelo autor, para além de ter reconvencionado que o autor fosse condenado a pagar-lhe 2.493,99€ a título de danos não patrimoniais e em quantia que relega para execução de sentença, a título de danos patrimoniais. Para sustentar tal pedido alega que o autor começou a dizer perante terceiros que o réu era um vigarista, apelando à não aquisição de viaturas e pondo em causa o bom nome do réu, e sente-se difamado e caluniado e o seu prestígio ficou seriamente abalado; que diminuíram os potenciais compradores e vendas e retirou-lhe a tranquilidade e o sono e degradou-lhe o bem-estar psicológico e físico.
E requereu a intervenção da referida empresa nestes autos.
O autor/reconvindo replicou.
Foi indeferida a requerida intervenção principal provocada.
Antes do despacho saneador, o autor requereu a produção antecipada da prova (perícia ao veículo), que só veio a ter o seu desfecho em 03/02/2009.
Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e declarando resolvido com efeitos à data da celebração o contrato de compra e venda do Mercedes SLK ... celebrado entre o autor e o réu, condenando este a restituir ao autor 26.336,53€ correspondente ao preço liquidado na aquisição da viatura identificada, acrescida de juros de mora à taxa legal anual civil em vigor, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; e absolvendo o autor dos pedidos formulados pelo réu.
O réu recorreu desta sentença, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”:
(…)
Deste modo ao decidir como decidiu violou o tribunal a quo, as normas e os princípios jurídicos contidos nos artigos 12º nºs 1, 2 e 4 da Lei 24/96, de 31/07; arts 247º, 251º, 289º, 432º, 433º, 434º/1, 435º/1, 914, 802, 808º/1, 921º/1, 913º, 914º, 817 do CC e 933 do CPC, nos termos das conclusões supra enunciadas.
O autor contra-alegou, levantando a questão da intempestividade das alegações do recurso e defendendo a improcedência do recurso, sendo que em relação à restituição do veículo disse que nem sequer a podia fazer por não ser seu dono.
*
Questões que importa resolver: a intempestividade das alegações; a resposta aos quesitos 48 e 51; a verificação dos pressupostos da resolução do contrato; da necessidade da interpelação admonitória; do abuso de direito; da relevância da garantia dos defeitos; do relevo, no caso dos autos, do regime do erro; se na sentença devia ter sido feita referência à obrigação do autor de restituir o veículo ao réu; qual o relevo da alegação, feita agora pelo autor, de que não comprou o veículo.
*
I
Quanto à intempestividade das alegações:
(…)
Improcede, por isso, a questão prévia da intempestividade das alegações.
*
II
Quanto aos factos:
Para apreciação da questão relativa aos quesitos 48 e 51, importa antes transcrever os factos dados como provados o que se passa a fazer (os sob alíneas vêm dos factos assentes e os sob nºs vêm da resposta aos quesitos):
A) O réu exerce com carácter profissional a actividade de comercialização de veículos automóveis novos e usados.
B) No dia 28/11/2002, pelo preço de 26.336,53€, o autor adquiriu ao réu um Mercedes SLK, ligeiro de passageiros, com a cilindrada de 1988 cm3, matrícula ....
C) Para pagamento do preço da venda da viatura, o autor celebrou um contrato de locação financeira com a B..., SA, nos termos do qual se obrigou a pagar à mesma 72 prestações mensais de 536,50€, no montante total de 38.628,72€.
D) A viatura adquirida pelo autor era uma viatura usada.
E) A viatura, à primeira vista e análise, aparentava estar em bom estado de conservação e funcionamento.
F) No dia 28/11/2002, foi outorgada entre autor e réu contrato de garantia abrangendo a assistência em viagem, rebocagem, reparação e veículo de substituição, nos termos constantes dos documentos de fls. 27 a 29.
1. Esta viatura foi comprada pelo autor para uso privado, pessoal e familiar.
2. O réu garantiu ao autor que a viatura se encontrava num estado de conservação “impecável” e “como nova” e que não tinha sofrido qualquer acidente.
3. O valor da viatura em revistas de usados, à data, era de 22.000€
5. O autor nunca aceitaria comprar uma viatura sinistrada.
6. O autor, se conhecesse os defeitos que a viatura apresenta, nunca a teria comprado.
8. Na altura da celebração do contrato de compra e venda, o réu referiu ao autor que a viatura se tratava de um SLK 200 Kompressor.
9. A viatura corresponde ao SLK normal com apenas 135 cavalos.
11. Três dias depois de o autor ter adquirido a viatura, deu-se conta que a mesma “fugia”, não mantendo uma trajectória direita.
12. O referido em 11 ocorria devido à viatura se encontrar equipada com um pneu 205/55 no lado esquerdo frente e com um pneu 245/55 do lado direito frente.
13. O autor foi obrigado a mudar os dois pneus da frente.
15 e 16. Em consequência de acidente, a viatura tem deslocados a carroçaria e chassis, ficou e está danificada na parte lateral esquerda em toda a sua extensão.
17. A viatura sofreu uma reparação na chaparia na lateral esquerda.
18. a 20. Os frisos da porta lateral esquerda não batem correctamente uns com os outros e nessa porta existe uma folga na ligação à capota da viatura e está desafinada, com folgas desiguais em relação à porta direita.
22. A folga no farol traseiro do lado esquerdo é desigual em relação ao lado direito.
23. A tampa da mala traseira está desenquadrada com os guarda-lamas laterais traseiros dos dois lados.
25. Todos esses danos foram provocados num acidente.
26. Quando se deu conta da situação descrita, o autor de imediato os denunciou ao réu.
28. A fim de resolver tais problemas e outros que surgiram, o réu solicitou ao autor que levasse a viatura às oficinas da Auto Era em Viseu.
29. A viatura esteve nessa oficina três vezes com vista a procederem à reparação do referido em 11 a 13, 15 a 20, 22, 23 e 25.
31. O referido em 11 a 13, 15 a 20, 22, 23 e 25 compromete a segurança da viatura e a sua utilização.
33. Por força do desalinhamento e folgas da porta, a viatura tem barulhos aerodinâmicos incomodativos.
35. A soleira esquerda foi soldada.
36. A viatura levou um banho de tinta de forma a ocultar os defeitos e com vista a aparentar que se encontrava em bom estado de conservação.
37. Há dias (tendo por referência a data da propositura da acção) a pintura do capot começou a descascar-se.
38. Quando se liga o isqueiro, os fusíveis do mesmo e da luz do porta-luvas fundem-se.
39. A capota do carro, que é descapotável, com frequência só recolhe depois de várias tentativas.
41. O estado da viatura desvaloriza-a em montante pecuniário correspondente ao valor da reparação necessária à eliminação dos defeitos.
42. Para eliminar os defeitos atrás referidos é necessário proceder à desmontagem da viatura, determinação exacta e final dos danos e desvios, correcção dos mesmos e tratamento a nível de superfícies das áreas intervencionadas.
43. O autor teve incómodos e aborrecimentos com a situação descrita.
45. O autor acordou com a B ... que se o artigo adquirido não estiver em boas condições, o adquirente tem 8 dias para denunciar e anular o contrato.
46. O autor não denunciou ou anulou o contrato celebrado com a B ....
47. O autor deixou desde finais de Abril de 2003 de pagar à B ... as rendas de aluguer não obstante continuar a andar com o veículo.
48. Na fase preparatória à conclusão do negócio, o autor examinou a viatura.
49. O réu autorizou o autor a levar a viatura durante um dia para fora das suas instalações.
50. O autor levou a viatura para inspecção num mecânico seu amigo.
51. Antes da venda, o autor teve conhecimento das qualidades e características exteriores e interiores visíveis da viatura.
52 e 53. Em finais de Março de 2003, o autor sugeriu ao réu uma troca do Mercedes por um veículo de 5 lugares marca BMW 320 D indicando como motivo ter feito as pazes com a esposa de quem estava separado, dizendo que só adquirira o SLK porque estava em processo de separação e que era um carro vistoso e bonito, de que agora já não precisava.
54. O réu não aceitou essa troca.
(…)
Afasta-se, com o que antecede, qualquer alteração dos factos e as conclusões a) a c) (parte) do recurso.
*
Não alterados os factos, improcede, desde logo, a parte restante da conclusão c) do recurso, dado que dos factos provados não se pode concluir, ao contrário do que o réu pretende, que o autor conhecesse o estado da viatura e os vícios de que a mesma padecia (quanto à questão da interpelação admonitória, que o réu mete no meio disto tudo, ver-se-á mais à frente, já que ele diz que adiante a tratará…).
*
III
Da resolução do contrato – ou da concorrência electiva dos direitos contra a sequência lógica do exercício dos mesmos.
Nas conclusões d) a i) o réu defende que a resolução do contrato é um remédio de última instância, só podendo ser usado caso os outros (a reparação, a substituição) falhem e depois de ter ocorrido a interpelação admonitória que convertesse a mora em incumprimento definitivo. Invoca, misturando-os, o regime dos arts. 913 e segs do CC e o da Lei 24/96, de 31/07.
Nos contratos de compra e venda comuns, do Código Civil, é esse o regime que tem sido desenhado em relação à resolução em sentido próprio. Mas aí o direito de resolução do contrato - na parte em que não possa ser visto como a anulação prevista no art. 905 (sujeita a requisitos próprios, entre os quais não se conta, como é evidente, o incumprimento definitivo do contrato), por força da remissão do art. 913 - só existe quando a reparação ou substituição não é feita e é baseado nas normas dos arts. 801 e 808, ambos do CC, pressupondo por isso um incumprimento da obrigação de reparação ou substituição e é por isso que aqui se fala na necessidade de conversão da mora em incumprimento definitivo através da interpelação admonitória (é a posição de Calvão da Silva, no seu Compra e venda de coisas defeituosa, conformidade e segurança, Almedina, 2001, págs. 66 a 68, e de Nuno Manuel Pinto Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Noções Fundamentais, Almedina, Nov2007, pág. 317; a referência à anulação como resolução, numa certa perspectiva, vem do artigo de Paulo Mota Pinto, Conformidade e garantias na venda de bens de consumo, a directiva 1999/94/CE e o direito português, nos Estudos do Direito do Consumidor, pág. 256).
A situação é diferente nos contratos de venda de bens de consumo, previstos primeiro na Lei 24/96, de 31/07, e, depois, no Dec. Lei 67/2003, de 08/04 (entretanto alterado pelo Dec. Lei 84/2008, de 21/5, sem reflexos no caso). Aqui, o direito de resolução é atribuído em pé de igualdade ao direito de reparação, substituição e redução do contrato, tal como resulta do art. 12º/1, da Lei 24/96, e do art. 4º, nºs 1 e 4, do Dec. Lei 67/2003. Não está pois condicionado ao incumprimento da reparação ou substituição; ou seja, de outra perspectiva, não está condicionado a uma situação de mora convertida num incumprimento definitivo.
Neste sentido, veja-se:
Nuno Manuel Pinto Oliveira, obra citada, págs. 320/321, sublinhando a compatibilidade desta regra com a Directiva:
“A relação entre os direitos do comprador/consumidor no [art.] 4 do Decreto-Lei 67/2003, de 8/04:
O nº 5 do art. 4° do Decreto-Lei nº 6712003, de 08/04 de Abril, não consagra nenhuma relação de subsidiariedade entre os quatro direitos, recorrendo, essencialmente, à cláusula geral do abuso do direito. Embora não haja completa coincidência entre as regras do direito comunitário e as regras do direito português, a decisão do legislador é compatível com a directiva: o nº 2 do art. 8° da Directiva 1999/44/CEE, de 25/05/1999, deixa claro que "[o]s Estados-Membros podem adoptar ou manter, no domínio regido pela presente directiva, disposições mais estritas, compatíveis com o Tratado, com o objectivo de garantir um grau mais elevado de protecção do consumidor".”
Paulo Mota Pinto, O Anteprojecto de Código de Consumidor e a venda de bens de consumo, Estudos do IDC, vol. III, Almedina, Out2006, pág. 129, onde faz uma comparação entre aquele anteprojecto e o regime vigente:
“Quanto aos direitos do comprador, o Anteprojecto mantém os quatro direitos - à reparação do bem, à sua substituição, à redução equitativa do preço ou à resolução do contrato -, que podem ser exercidos "sem encargos e à escolha do comprador" (artigo 259°/1), e acrescenta ainda (diversamente do Decreto-Lei nº 67/2003) o direito a uma indemnização por danos emergentes independentemente de culpa (cf. os artigos 909., 913.° e 915.° do Código Civil). É claro que, quando existir culpa do vendedor, a indemnização será integral, isto é, incluirá igualmente os lucros cessantes, nos termos gerais. Diversamente do Decreto-Lei nº 67/2003 - onde se contém, como limitação à escolha do comprador, apenas uma remissão (redundante) para o critério do abuso do direito -, prevê-se, porém, que o vendedor pode obstar à redução do preço (nada se dizendo para a resolução) se reparar ou substituir o bem em prazo razoável. Trata-se de uma solução que já resultará, na maioria dos casos, da aplicação daquele critério do abuso de direito, na medida em que o vício e a reparação ou substituição não tenham reduzido o valor do bem (e ressalvada a indemnização pelos prejuízos que tenham causado ao comprador) [já o mesmo não poderá dizer-se para a resolução, pois a situação dos interesses parece aqui poder ser diversa. Na redução do preço, o comprador fica com o bem por um menor preço; na resolução devolve-o, e o facto de não querer ficar com o bem pode perfeitamente ser motivado por uma quebra justificável de confiança no bem, parecendo que não deve ser limitada, para além do critério geral do abuso de direito, a possibilidade de resolução (cf., porém, diversamente, o regime geral da impossibilidade parcial, no art. 802.° do Código Civil).].”
Menezes Leitão, O novo regime da venda de bens de consumo, em Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. II, Almedina, Janeiro 2005, págs. 57 a 59, sublinhando que o novo regime, do Dec. Lei 67/3003, por conter a restrição do abuso do direito, se situa num nível intermédio entre o regime do CC e o anterior regime da LDC:
“4. Direitos do consumidor perante a falta de conformidade
O art. 4º do DL 67/2003, na sequência do art. 3 da Directiva 1999/44/CE vem admitir os seguintes direitos do consumidor perante a falta de conformidade do bem adquirido:
a) reparação
b) substituição
c) redução do preço
d) resolução do contrato.
A estes direitos acresce ainda a indemnização, nos termos estabelecidos pelo art. 12°, nº 1 da Lei 24/96 na redacção do DL 67/2003, de 8/04.
A Directiva 1999/44/CE procede a um escalonamento dos primeiros quatro direitos, distinguindo dois níveis de reacção do consumidor. No primeiro nível são colocados a reparação ou substituição da coisa, e no segundo nível a redução do preço ou a resolução do contrato. Esta hierarquização, que não constava da proposta inicial da Directiva, parece, no entanto, lógica, já que o princípio do aproveitamento dos negócios jurídicos deve impor a prevalência das soluções que conduzem à integral execução do negócio sobre soluções que implicam uma sua ineficácia total ou parcial.
O regime constante do art. 4°, nº 5, do DL 67/2003 não efectua, porém, a mesma hierarquização que consta da Directiva, referindo que o consumidor pode exercer qualquer dos quatro direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. Este regime afasta-se assim bastante da solução do Código Civil, cujo art. 914° apenas admite a substituição em lugar da reparação, se tal for necessário e apenas relativamente a coisas fungíveis, excluindo-a em qualquer caso sempre que o vendedor ignorar sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece. No regime do DL 67/2003, o consumidor apenas deixa de poder escolher qualquer destes remédios quando se verifique que a sua execução é impossível ou constitui abuso de direito. No entanto, como esta última restrição não constava da versão anterior do art. 12° da LDC, parece que este regime se situa a um nível intermédio entre o regime do Código Civil e o anterior regime da LDC.
Examinando em primeiro lugar a questão da impossibilidade […]
Relativamente à hipótese de a solução constituir abuso de direito, nos termos gerais, verifica-se que o legislador português considerou suficiente para a transposição do conceito de desproporcionalidade, constante da Directiva, a mera remissão para o art. 334° do CC, o que não consideramos. correcto, uma vez que o conceito da Directiva é bastante mais preciso, assentando numa ponderação dos custos para ambas as partes.
O art. 4° do D.L. 67/2003 esclarece qual a forma de cumprimento da reparação ou substituição, informando que qualquer delas ser realizada sem encargos, ou seja, suportando o vendedor as despesas necessárias para repor a conformidade do bem, designadamente as despesas de transporte, de mão-de-obra e material (art. 4°/3), dentro de um prazo razoável, e sem grande inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina (art. 4°/2).
Em lugar da reparação ou substituição da coisa, o consumidor poderá pedir uma redução adequada do preço ou a resolução do contrato (art. 4°/1 do DL 67/2003, in fine), a menos que tal seja manifestamente impossível ou constituir abuso de direito (art. 4°/5). Dado que o legislador português não transpôs a solução da Directiva que veda ao consumidor optar pela rescisão do contrato quando a falta de conformidade seja insignificante (art. 3°/6), parece que a opção pela resolução do contrato não fica condicionada por esse critério, apenas sendo excluída no caso de ser impossível ou constituir abuso de direito.
E também Calvão da Silva, Venda de bens de Consumo, Dec. Lei 67/2003 e Directiva 1999/44/CE, págs. 86 a 88, embora com um texto que tem permitido interpretações distintas:
1. A livre escolha do consumidor e o abuso do direito
1.1. A estrutura hierarquizada dos direitos na Directiva traduz uma solução de bom senso, de senso comum, correspondente à da empreitada no Código Civil (cfr. João Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, cit., nº 48), aos resultados equilibrados lográveis na compra e venda mediante recurso ao princípio da boa fé a nortear a electio de que o comprador beneficia (cfr. João Calvão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, cit., nº 43) e às regras (arts. 45º a 52º) da Convenção de Viena de 1980 (cfr. João Ca1vão da Silva, Compra e venda de coisas defeituosas, cit., nº 49).
Mesmo assim, apesar de não ser inovadora, talvez a previsão da hierarquia introduzisse mais certeza e segurança - dizemos talvez, porquanto a Directiva continua, e não se vê como proceder diferentemente numa eventual norma da correspondente transposição, a utilizar conceitos indeterminados vários, designadamente, desproporcionalidade, inconveniente grave, razoabilidade, apropriado, adequado, cuja flexibilidade requer concretização no caso concreto, por isso mesmo a não dispensar de todo esse "metro elástico", o princípio reitor da boa fé, em ordem a uma justa composição de interesses.
1.2. Certamente por isso, o legislador nacional entendeu ser suficiente subordinar a escolha do consumidor aos ditames da boa fé, por forma a que não incorra no exercício ilegítimo do direito de opção que lhe confere (nº 5 do art. 4º). Assim o escrevemos na nossa Responsabilidade Civil do Produtor, cit., p. 230, nota 2: "Se a escolha entre as pretensões cabe ao comprador, essa deve obedecer ao princípio da boa fé e não cair no puro arbítrio. Pelo que, se num caso concreto a opção exercida exceder indubitavelmente os limites impostos pela boa fé (...), poderão intervir as regras do abuso do direito (art. 334º)".
E embora com alguma maior insegurança, não parece que a não transposição dos critérios indeterminados da Directiva na "hierarquização" dos direitos viole o princípio da transposição conforme. Não só pela elasticidade desses critérios, como sobretudo porque o aparente afastamento desses padrões, a traduzir-se em resultado diferente, sê-lo-á em benefício do consumidor: a "hierarquização" a dar lugar a mais liberdade de escolha ao consumidor no exercício dos seus direitos.
As citações contrárias que têm sido feitas de Calvão da Silva, não têm o sentido que se lhes atribui, pois que o autor, nessas outras citações está-se a referir, como se vê (principalmente nas partes sublinhadas, tendo os sublinhados sido introduzidos neste acórdão para esse efeito), ao regime que resulta da directiva e não ao regime que resulta do Dec. Lei 67/2003.
De resto, se a leitura daquelas passagens tem permitido interpretações divergentes, já a sua conjugação com a posição que este autor assumiu no seu Compra e venda de coisas defeituosas, Conformidade e Segurança, Nov2001, págs 120, as impede:
[Na LDC] os quatro direitos são reconhecidos ao consumidor adquirente em concorrência electiva: “pode exigir…”. Valem, pois, aqui, na electio, as considerações expendidas para a compra e venda em geral (supra, nº. 43 – note-se que aqui o autor está a falar na concorrência electiva, no regime do CC, para os direitos de anulação, reparação, substituição e redução, não para a resolução em sentido próprio) diferentemente do que sucede na empreitada em que a ordenação ou hierarquização dos direitos conferidos ao dono da obra é feita pela lei de modo expresso (supra, nº. 48.2)
E no nº. 43, pág. 77, tinha dito: existe uma concorrência electiva de pretensões: o comprador poderá, conforme lhe aprouver, anular o contrato se se verificarem os requisitos legais da anulabilidade por erro ou dolo […], com direito a indemnização, se o vendedor conhecia ou devia conhecer a deformidade da coisa (art. 915º), ou reduzir o preço, com a eventual indemnização (art. 911º, ex vi do art. 913º), ou exigir o exacto cumprimento mediante a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa (art. 914º)”.
E mais à frente, pág. 80, “a concorrência electiva das pretensões reconhecidas por lei ao comprador não é um absoluto: sofre em certos casos atenuações e a escolha deve ser conforme ao princípio da boa fé, e não cair no puro arbítrio do comprador, sem olhar aos legítimos interesses do vendedor”
*
Como decorre do que antecede, isto já assim era no âmbito da vigência da LDC, embora há uns anos atrás houvesse algumas hesitações sobre a questão (por isso, Paulo Mota Pinto, quando escreveu, em 2001, antes da adaptação da directiva ao direito português, feita pelo Dec. Lei 67/2003, dizia: “já, porém, para o direito de resolução previsto no art. 12/1, a LDC não formula quaisquer condições, gerais ou especiais, para além de que ao consumidor “seja fornecida a coisa com defeito”. A aplicabilidade dos requisitos gerais previstos no CC a este direito de resolução [o autor está-se a referir aos requisitos da anulação previstos nos arts. 251, 247, todos do CC], suscita, aliás, sérias dúvidas, considerando, designadamente, o facto de a LDC se referir a uma resolução, e não à anulabilidade do contrato. Ora, se deverem já hoje dispensar-se os requisitos gerais de relevância do erro e do dolo para o exercício pelo comprador do direito de resolução, o nosso direito não necessitará, neste ponto, de ser alterado. Ponto é que essa dispensa possa realmente ser afirmada, para o que poderia ser conveniente uma clarificação legislativa” (págs. 256, 267 e 268 e 272).
Pelo que, no caso, é indiferente a aplicação, do regime da LDC antes das alterações operadas pelo Dec. Lei 67/2003, ou depois destas, sendo certo, no entanto, que, actualmente, a jurisprudência tem entendido que é o novo regime que se deve aplicar (veja-se neste sentido, o ac. do TRL de 19/02/2008, publicado sob o nº. 515/2008-7 da base de dados do ITIJ, e as citações que aí são feitas).
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O recorrente recorre, nas várias conclusões agora em causa, como se vê da alegações, ao ac. do STJ de 15/03/2005 (04B4400 da base de dados do ITIJ). Esse acórdão é ainda produto das hesitações referidas acima e pronuncia-se como se ainda não estivesse em vigor o Dec. Lei 67/2003, e, depois de citar a posição de Calvão da Silva, segue a posição de Pedro Romano Martinez (Direito das Obrigações, parte especial, Contratos, 2ª ed, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 40 e segs), que considera que os diversos direitos reconhecidos ao comprador da coisa defeituosa não podem ser exercidos em alternativa, definindo-se entre eles uma espécie de sequência lógica»: primeiro está o vendedor adstrito a eliminar o defeito»; e só «não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação», fica obrigado à substituição (Romano Martinez mantém esta posição no seu artigo Sobre a empreitada de bens de consumo, A transposição da directiva 1999/44/CE pelo Dec. Lei 67/2003, em Estudos do IDC, vol. II, Almedina, Janeiro de 2005, pág. 33).
Mas não é esta a melhor interpretação da lei, pois que o regime jurídico das vendas para consumo é claro, quer na versão da LDC quer na do Dec. Lei 67/2003, na atribuição os vários direitos à escolha do devedor.
De qualquer modo, note-se que a referência às normas dos arts. 801/2 e 808/1 do CC, pode continuar a fazer sentido, quando o comprador optou, primeiro, pela reparação, pois que se pode entender, como o faz Calvão da Silva, na Venda…, pág. 87, que “uma vez recebida a escolha pelo vendedor, o consumidor não goza do jus variandi.” (o mesmo tema é tratado por Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, págs. 445/446, referindo várias posições diferentes). Aqui sim, haverá que tornar a mora em incumprimento definitivo (questão que será apreciada mais à frente), para ser possível a resolução.
*
Entretanto, quer aquelas hesitações, quer a posição do ac. do STJ de 2005, estão hoje ultrapassadas, como se pode ver no ac. do STJ de 09/11/2010 (12.764/03.5TOER.L1.S1):
Havendo cumprimento defeituoso por parte do construtor/vendedor de um prédio em regime de propriedade horizontal, consubstanciado no aparecimento de defeitos na obra, não é lícito aos respectivos compradores escolherem, de modo arbitrário, a forma de obrigarem aquele ao cumprimento, seja ela através da eliminação dos defeitos, da substituição da coisa, da redução do preço ou de uma indemnização pura e simples. A escolha terá de se subordinar aos ditames da boa fé, não podendo, em caso algum, traduzir um exercício abusivo do direito, o que vale por dizer que, em casos destes, “a eticização da escolha do comprador através do princípio da boa fé é irrecusável”.
Ou seja, as referências são hoje, pois, ao abuso do direito, previsto no nº. 5 do art. 4 do Dec. Lei, não a qualquer sequência lógica de remédios ou hierarquização dos mesmos.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do TRL de 12/03/2009 (993/06-2 da base de dados do ITIJ):
I. O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. II. O consumidor tem direito à reposição da conformidade preterida, “por meio de reparação, ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.”, sendo o exercício de qualquer desses direitos em opção do consumidor, salvo caso de manifesta impossibilidade, ou de tal constituir abuso de direito. […] V. O referido direito do consumidor a ser indemnizado, nos termos gerais, pode ser exercido isoladamente ou em conjunto com qualquer dos outros “quatro direitos primários”, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e salvaguarda dos limites impostos pela proibição geral do abuso de direito.
E o ac. do TRL de 19/02/2008, publicado sob o nº. 515/2008-7 da base de dados do ITIJ:
4. Tratando-se de contrato de compra e venda de consumo, o direito a obter o pagamento imediato da quantia correspondente às despesas com a reparação dos defeitos decorre ainda do Dec. Lei nº 67/03, de 8-4, em transposição da Directiva nº 1999/44/CE, e do art. 12º da Lei de Defesa do Consumidor, direito esse que apenas está limitado, nos termos gerais, pela cláusula do abuso de direito.
E tudo isto é válido para a pretensa sequência lógica exigida pelo réu em relação também à substituição e redução do preço.
Entretanto note-se que com isto não se está a afastar a possibilidade de que uma das razões para afastar a possibilidade da escolha por abuso do direito, possa ser, precisamente, o facto de se pedir a resolução por um defeito cuja reparação fosse razoável exigir ou por um defeito sem qualquer gravidade...
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Do abuso de direito:
A única limitação ao exercício do direito à resolução do contrato, previsto no art. 12/1 da Lei 24/96, ou no art. 4 do Dec. Lei 67/2003, é, assim, o abuso do direito (como diz Paulo Mota Pinto, o Anteprojecto…, pág. 131, a referência ao abuso do direito no art. 4 é redundante). Ora, só é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelo bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
No caso dos autos, os factos não permitem sequer ter por indiciado qualquer abuso de direito, desde logo porque o autor até deu ao réu, por três vezes, a possibilidade de proceder à reparação dos defeitos e o réu sempre lhe devolveu o carro com os mesmos defeitos (vejam-se os factos 28 e 29).
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IV
Da suposta mora e da interpelação admonitória – ou da necessidade da exigência de um quarto pedido de reparação…
O réu não tem pois razão ao pretender que o autor só podia pedir a resolução depois de transformar a mora em incumprimento definitivo. O direito à resolução depende apenas da desconformidade da coisa, ressalvadas as situações de abuso de direito.
Pelo que o autor podia pedir logo a resolução.
A verdade, no entanto, é que o autor não optou logo pela resolução, pelo que as coisas nem sequer se podem pôr nos termos em que o réu as põe.
Como se vê dos factos dados como provados, o réu, como vendedor, foi colocado, por três vezes, na possibilidade de proceder à reparação dos defeitos e dessas três vezes a viatura voltou com os defeitos. Ou seja, o autor até cumpriu aquilo que o réu pretende agora exigir-lhe: só pediu a resolução depois de, por três vezes [e quase 6 meses depois da compra – ver dada da propositura da acção], ter sido tentada a reparação. Mais, o autor ainda [mais de 4 meses depois da compra, muito depois da denúncia dos defeitos e bem antes do pedido de resolução] possibilitou ao réu a substituição da viatura por outra, com redução do preço [vejam-se os factos B, 26, 28 e 29, 52, 53 e 54]. Aliás, o réu, ao contestar a acção, nem mesmo à cautela e subsidiariamente, se ofereceu para reparar a viatura ou proceder à sua substituição.
E tudo isto, para além de afastar qualquer eventual abuso de direito no exercício do direito de resolução, leva ainda a que, tendo o autor optado primeiro pela reparação da viatura, não tenha de continuar a insistir por essa reparação, e possa pedir, agora, a resolução do contrato.
Como aliás resulta de igual conclusão no âmbito da compra e venda não para consumo.
Assim, por exemplo, Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial no Contrato de Compra e Venda e no de Empreitada, Almedina, 1994, pág. 383:
“tendo sido ineficaz a primeira eliminação do defeito, admite-se que o credor não esteja disposto a aceitar outra tentativa, não obstante manter o interesse na prestação” e cita um ac. do STJ no mesmo sentido (de 12/12/1978, publicado no CMJ 282, págs 172 e segs. E mais à frente, pág. 394, acrescenta, a propósito da substituição, com evidente analogia para a reparação: “Sempre que a prestação substitutiva seja defeituosa, com defeitos idênticos ou diversos dos da inicial, ao credor são conferidos os meios jurídicos próprios do incumprimento defeituoso” (cita neste sentido, um acórdão da RC: de 28/3/1989, na CJ.89.II, 47).
No mesmo sentido, mas para o contrato de empreitada (onde a ideia da sequência lógica ou da hierarquização dos direitos é ainda mais forte) veja-se Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos defeitos da obra, Almedina, Março de 2004. pág. 92:
“se a nova obra também foi defeituosa deve considerar-se definitivamente incumprida a prestação, não tendo o dono da obra o dever de conceder novas oportunidades ao empreiteiro”.
Ou seja, tendo o comprador pedido a reparação, não pode, sem mais, alterar o pedido para o da resolução (seguindo-se a posição de Calvão da Silva, referida acima). Mas feita ou tentada a reparação sem êxito, tudo volta ao inicio e o início, no caso das vendas para consumo, é a situação de alternativa de direitos, à escolha do comprador, com o limite do abuso do direito.
Por outro lado, o art. 4/2 do Dec. Lei 67/2003, diz que a reparação deve ser feita num prazo razoável, findo o qual não se poderá deixar de se entender, por equiparação com o prazo razoável fixado pelo credor (art. 808/1 do CC), que a mora se converte num incumprimento definitivo.
Mais ainda, tem-se entendido que uma situação de mora pode tornar-se numa situação de incumprimento definitivo, mesmo sem a concessão de prazo suplementar, perante as circunstâncias do caso. Por exemplo, Galvão Telles, Dtº das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 457, nota 1, 2º§:
“a concessão [de prazo suplementar] torna-se desnecessária quando a mora já dure há tempo tal que não se justifique facultar ao devedor mais prazo para cumprir, presumindo-se então perda de interesse do credor na prestação”.
Ora, no caso dos autos, o carro do autor foi para reparação já por três vezes e os defeitos permaneceram. Entretanto, à data em que o pedido de resolução foi feito, já se tinham passados quase 6 meses da data da compra. E o réu, em resposta, não só não se propôs efectuar a reparação, como nem sequer reconheceu os defeitos invocados.
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Nas conclusões j) a l), o réu volta à carga com as questões da interpelação admonitória e do abuso do direito, já resolvidas acima em sentido negativa.
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V
Da garantia de bom funcionamento:
Nas conclusões m) a p) o réu invoca a garantia de bom funcionamento (art. 921 do CC) para excluir o direito à resolução.
Ora, como o próprio réu reconhece, a garantia existe para evitar ao autor/comprador a demonstração da culpa do réu/vendedor ou do seu [do comprador] erro. É uma garantia, com todo o sentido que tal expressão tem, a favor do comprador, não uma garantia para o réu… Durante um certo período temporal dá ainda mais direitos ao autor, não lhe retira nenhuns. Se o autor/comprador, por falta de verificação dos pressupostos relativos à culpa e ao erro, não tivesse direito à reparação ou substituição por estas vias, teria assegurado/garantido tais direitos ao abrigo do art. 921 do CC.
Por tudo isto, é um contra-senso invocar esta norma para o efeito de evitar o exercício do direito do autor à resolução do contrato.
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Nas conclusões q) a v) o réu volta às questões da subsidiariedade do direito de resolução e da garantia, já resolvidas.
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Nas conclusões w) a y) o réu invoca a falta de verificação dos pressupostos do regime do erro.
A sentença julgou procedente o pedido de resolução e este estava (está) baseado no regime do art. 12/1 da LDC, sendo irrelevantes as considerações tecidas na sentença quanto ao direito de anulação do contrato por erro e aos arts 913, 905, 247 e 251 do CC, pelo que a questão levantada por estas conclusões é irrelevante.
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VI
Da restituição do veículo:
Nas conclusões z) a dd), o réu defende que, caso se mantenha a sua condenação a restituir ao autor o preço, então o autor devia condenado a restituir-lhe o veículo, por força do art. 289/1 do CC, pois que caso contrário a decisão redundaria num enriquecimento sem causa para o autor [que ficava com o veículo e com o preço do mesmo].
O autor, nas contra-alegações, defende que não e que nem sequer o pode fazer, pois que o veículo não foi comprado por si, mas pela locadora financeira, pelo que o veículo é desta e não do autor, que assim não o pode restituir.
O art. 433 do CC diz que na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos arts. Seguintes.
E o art. 289/1 do CC diz que tanto a declaração da nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Sendo que o art. 290 do CC esclarece que “as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.”
Para além disto, aliás, o art. 432/2 do CC, diz que a parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido, não tem o direito de resolver o contrato.
Quer isto dizer que uma resolução do contrato, tem como efeito necessário a obrigação de restituição para ambas as partes, no caso de ambas terem entregue algo à outra parte, não podendo haver uma obrigação de restituição de uma prestação que seja correspectiva de outra, sem que simultaneamente se constitua uma obrigação de restituição para a outra parte, sob pena de enriquecimento sem causa.
A objecção que se poderia pôr no caso (e o autor pô-la nas contra-alegações), é que o réu não fez, nem à cautela, nenhum pedido de restituição. Ora, dir-se-ia, sem pedido não pode haver condenação numa obrigação (art. 661/1 do CPC).
Mas, neste caso, a obrigação de restituição, pedida pelo autor, tem necessariamente um correspectivo na obrigação de restituição ao réu, que até pode recusar restituir o preço enquanto o autor não restituir o veículo. Ou seja, a obrigação de restituição, do autor, no caso, nasce da lei, no mesmo momento em que nasce a obrigação da restituição do réu. Nasce como efeito da resolução do contrato sinalagmático. O juiz, ao referir a obrigação do autor restituir a coisa recebida, mesmo que sem pedido do réu, está simplesmente a tirar as consequências jurídicas de um pedido feito pelo próprio autor (mas, mesmo que não o refira, essa obrigação de restituição, não deixa de existir…).
Neste sentido, veja-se o caso julgado pelo ac. do STJ de 10/07/2008, publicado sob o nº. 08A249 da base de dados do ITIJ, com o seguinte sumário: VII. A Relação, ao decidir pela resolução do contrato-promessa, tinha de ordenar a restituição integral de tudo o que fora prestado em conformidade com o disposto no art. 433º do CC, conjugado com o art. 289º/1, ambos do CC, ainda que tal não tivesse sido pedido (o ac. remete para o assento 4/95 do STJ de 28/3/95). Neste caso, o réu não tinha feito pedido de restituição e a Relação condenou quer o autor quer o réu nas respectivos obrigações de restituição.
Bem como o ac. do STJ de 09/05/1996, publicado no BMJ.457, págs. 263 e segs [= 088244 da base de dados do ITIJ], onde apesar de um ac. do TRP ter decidido absolver a autora do pedido reconvencional de restituição da coisa, se aceitou que um outro ac. do TRP interpretasse aquele outro como contendo à mesma tal consequência. E diz-se: “a concessão da tutela jurisdicional deduzida pela autora (declaração de nulidade dos contratos de compra e venda com a consequente restituição dos prédios) desencadeia os efeitos totais dessa concessão: a restituição a cada uma das partes das prestações a que se encontravam adstritas e que foram cumpridas, sendo certo que essas restituições se verificam em simultâneo”. Assim, apesar da autora ter sido absolvida do pedido reconvencional, considerou-se que estava, à mesma, obrigada a restituir o que tinha recebido [o acórdão do STJ tem um voto de vencido - os sublinhados foram colocados agora por este acórdão do TRC].
No mesmo sentido, no caso do acórdão do TRC de 17/11/2009 (2207/04.2TBVIS.C1) o réu não deduziu pedido reconvencional e o autor só tinha pedido a nulidade e restituição do que tinha entregue ao réu. Ora, a sentença, para além de ter anulado o contrato e condenado o réu a restituir ao autor o que dele recebeu, disse também que deve[m] os autores restituir à ré o veículo de D... ou, caso a mesma não seja possível, o montante de 33.000€, sendo que estas obrigações recíprocas de restituição devem ser cumpridas simultaneamente nos termos do artigo 290.º do Código Civil…». O TRC apenas modificou o montante a restituir.
Também no caso do ac. deste TRC de 07/07/2009, 2043/06.1TBLRA.C1, a sentença, mesmo sem pedido reconvencional, disse que a ré devia restituir o preço, contra a restituição do veículo pelo autor [o qual, aliás, já fazia referência a essa obrigação de restituição no pedido de restituição do preço].
Note-se que se aceita, a precisão do ac. do STJ de 05/11/2009, publicado sob o nº 308/1999.C1.S1 da base de dados do ITIJ, feita com referência ao assento 4/95, de que, tem que haver um pedido de condenação na restituição formulado, não bastando um pedido constitutivo de anulação do contrato.
Só que no caso, está-se a defender que existe pedido. Na excelente síntese do ac. do STJ de 1996, “a concessão da tutela jurisdicional deduzida pela autora desencadeia os efeitos totais dessa concessão: a restituição a cada uma das partes das prestações a que se encontravam adstritas e que foram cumpridas, sendo certo que essas restituições se verificam em simultâneo”.
Procede pois esta pretensão do réu.
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VII
Da titularidade do veículo a restituir e da reserva de propriedade:
A outra objecção posta pelo autor também não pode ser procedente. É que se ele não pode proceder à restituição do veículo, não podia ter pedido a resolução do contrato (art. 432/2 do CC).
De resto, nem sequer há factos que confirmem o por ele, agora, afirmado. O facto B) (alegado pelo autor) diz que o autor adquiriu ao réu o carro. Não diz que foi a “locadora financeira”, referida no facto C), facto também por ele alegado, que comprou o carro. E o nome da “locadora” não é de locadora financeira, mas de sociedade de financiamento de vendas a crédito.
Mais, no caso de o autor não ter adquirido o veículo, não devia ter dito o contrário (arts. 2 e 5 da pi) ou falar “no que tem de pagar à sociedade que financiou a aquisição” (art. 71 da pi). Tendo-o dito, não pode agora vir alegar, que afinal o autor não é dono do carro, que quem é dono é a locadora.
Nem se argumente que se alguém aluga alguma coisa a outrem é porque é proprietário da mesma, porque não é assim necessariamente (art. 1022 do CC).
Seja como for, o que consta dos factos B) e C) aponta, não para uma locação financeira, apesar da terminologia utilizada, mas para um contrato de financiamento de aquisição (foi o autor que comprou, a “locadora” apenas financiou a compra).
De resto, não existe nos autos um único documento que fale num contrato de locação financeira. E só em Junho de 2009 (mais de 6 anos depois da acção intentada) é que foi junto aos autos o documento do contrato em causa (fls. 561 a 563), contrato que é dito de crédito e não de locação financeira e onde se fala de financiamento de aquisição de bens e em capitais mutuados, e não em qualquer aluguer de bens, para além de se invocar aí o Dec. Lei 359/91, de 21/09 (cuja relevância se perceberá já à frente).
É certo que existe ainda nos autos – junto por imposição da Srª juíza, por até lá o autor nunca o ter feito – o título de registo de propriedade a favor da sociedade financiadora (junto em Nov2007, a fls. 440), B ....
Mas esta reserva de propriedade só teria valor se a B ... fosse uma locadora financeira e tivesse comprado o veículo antes de o ter alugado ao autor. E como se sabe foi o autor que o comprou e a B ... só lhe financiou a aquisição, através de um mútuo.
É que tal cláusula de reserva de propriedade é inválida se não tiver sido a B ... a comprar o bem (pois que tal cláusula – de reserva de propriedade - só pode ser estipulada, por natureza, por quem é proprietário, como aliás decorre do art. 409 do CC).
Neste sentido, veja-se o ac. do STJ de 10/07/2008, publicado sob o nº. 08B1480 da base de dados do ITIJ:
1. Do teor literal do art. 409º/1 do CC conclui-se que só nos contratos de alienação – maxime, nos contratos de compra e venda – é lícita a estipulação da cláusula de reserva de propriedade, a favor do alienante. 2. No mesmo sentido apontam os arts. 15º, 18º, 19º e 21º do Dec-lei 54/75, de 12/02, dos quais decorre que é pressuposto do recurso à providência cautelar de apreensão, prevista nesse diploma, a existência de um contrato de alienação de veículo, em que tenha sido convencionada a reserva de propriedade, só dela podendo lançar mão o alienante. 3. E tal não é contrariado pelo disposto na al. f) do n.º 3 do art. 6º do Dec-lei 359/91, de 21/09 – diploma que rege sobre os contratos de crédito ao consumo – que tem em vista apenas as situações em que o crédito é concedido para financiar o pagamento de um bem alienado pelo próprio credor, ou seja, em que a pessoa ou entidade financiadora é a detentora do direito de propriedade do bem alienado. 4. No contrato de mútuo, celebrado para financiamento da aquisição, pelo mutuário, de um veículo automóvel, não pode o financiador reservar para si o direito de propriedade sobre o veículo, uma vez que, não sendo seu dono, nada vendeu: o contrato de mútuo não é um contrato de alienação, constituindo uma contradição nos próprios termos alguém reservar um direito de propriedade que não tem. […] 6. A interpretação actualista deve ser aplicada com a necessária prudência, estando, logo à partida, condicionada pelos factores hermenêuticos, designadamente pela ratio da norma interpretanda e pelos elementos gramatical e sistemático. 7. No art. 409º n.º 1 do CC, quer o elemento gramatical, quer o escopo ou finalidade visado pela norma, afastam a possibilidade de uma interpretação actualista, no sentido de alargar o seu alcance ao contrato de mútuo ou financiamento, mesmo quando se trate de um contrato de mútuo a prestações conexionado com o contrato de compra e venda do bem financiado, sendo, ademais, certo que o financiador não se acha totalmente desprotegido, pois tem meios ao seu dispor para fazer face a eventual incumprimento do mutuário. 8. E o mesmo se dirá quanto ao art. 18º/1 do já citado Dec-lei 54/75: nem a sua letra nem o seu espírito consentem interpretação que leve a considerar que, à necessária acção de resolução do contrato de alienação, de que a providência de apreensão de veículo automóvel constitui dependência, possa equivaler a eventual instauração de uma acção de resolução do contrato de mútuo. 9. É, assim, nula, porque legalmente impossível, a cláusula de reserva de propriedade, incluída em contrato de financiamento, a favor do financiador que mutuou o preço da aquisição do veículo, não tendo este, em consequência do incumprimento, pelo mutuário, do contrato de mútuo, direito à entrega do dito veículo.
Acórdão este que tem sido seguido pela generalidade da jurisprudência: vejam-se, por exemplo, o ac. do TRC de 19/01/2010, publicado sob o nº. 3888/07.0TVLSB.C1
VII – O artº 409º do C. Civ. apenas permite a estipulação da reserva ao alienante, ao referir-se expressamente aos contratos de alienação, que são translativos de um direito real. VIII – O contrato de crédito ou mútuo não é um contrato de alienação, porque o financiador não é o proprietário do bem nem nada vende. IX – A norma do artº 6º, nº 3, al. f), do Dec. Lei nº 359/91, de 21/09 (Contrato de crédito ao consumo) tem em vista apenas as situações em que o vendedor era e continua a ser proprietário, agora sob reserva, financiando a aquisição através de qualquer uma das formas ou meios que pode revestir a concessão de crédito, nos contratos de crédito ao consumo)
Ou o acórdão do TRP de 15/04/2008, 0821988 TRP 15-04-2008:
A cláusula de reserva de propriedade é exclusiva do contrato de compra e venda, não sendo possível equiparar a posição do alienante, proprietário de um bem que aliena, a quem á atribuída a possibilidade de convencionar a suspensão dos efeitos translativos do contrato de alienação, com a do mutuante, que não é proprietário desse bem, limitando-se a financiar a sua aquisição;
E o acórdão do TRL de 04/03/2010, publicado sob o nº. 4614/07.0TVLSB.L1-2:
I - Também quanto à interpretação actualista vale a consideração de que “A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação…o texto funciona também como limite da busca do espírito.”. II - O art. 409º, n.º 1, do Código Civil ao aludir a “contratos de alienação” não tem vocação para abarcar o contrato de mútuo ou de financiamento, inserido numa relação tripolar. III - A cláusula contratual em que o financiador reserva para si a propriedade de uma coisa alienada pelo vendedor, porque contrária a uma disposição de natureza imperativa, é assim nula, nos termos do art.º 294º do Código Civil. IV – A previsão – na al. f) do n.º 3 do art. 6º do Dec-Lei 359/91, de 21 de Setembro – de que fique a constar do contrato de financiamento o acordo sobre a reserva de propriedade, reporta-se apenas a situações em que o vendedor, proprietário do bem, mantém essa qualidade por efeito da reserva, ao mesmo tempo que financia a aquisição através de alguma das formas previstas no art.º 2º, n.º 1, al. a) do mesmo Decreto-Lei. V - A única norma que, no mesmo diploma, de algum modo se dirige à relação triangular que assim porventura se constitua, consta do art.º 12º, e dela não resulta o facultar à empresa financiadora da aquisição a possibilidade de, por si só, desencadear a resolução do contrato de compra e venda com reserva de propriedade;
Bem como o ac. do TRC de 19/01/2010, publicado sob o nº. 2112/09.6TBMGR.C1:
I – A reserva de propriedade apenas pode ser clausulada em contrato de alienação e a favor do vendedor. II – É nula a cláusula de reserva de propriedade que, inserida em contrato de mútuo, é estabelecida a favor do financiador da aquisição do bem, que não cumula a qualidade de vendedor (artºs 280º, nº 1, e 294º do C. Civ.). III – Carece de legitimidade substantiva para lançar mão do procedimento cautelar de apreensão de veículo a entidade que somente financiou a sua aquisição.
(sobre outras questões processuais, veja-se o ac. do TRL de 20/01/2009, publicado sob o nº 10300/2008-7)
Ou seja, os factos alegados pelo autor e a forma como a acção foi desenhada, não têm a ver com qualquer locação financeira, apesar dos nomes dados às coisas, mas com um contrato de crédito ao consumo, em que o autor teria adquirido o bem com recurso a financiamento de terceiro, por mútuo.
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Mas, sem se fugir ao problema prático - até porque, independentemente do que é válido ou não, o autor e a B ... podem ter actuado convencidos, de facto, que o veículo era desta… -, diga-se que se o autor não conseguir proceder à restituição do veículo, o problema é dele, já que o réu não será obrigado a restituir o preço sem que o autor lhe restitua o veículo. E se o autor não pode restituir o veículo, nem sequer tinha o direito de pedir a resolução do contrato. Aliás, repete-se, no caso de o autor não ter adquirido o veículo, não devia ter dito o contrário (arts. 2 e 5 da pi) ou falar na “sociedade que financiou a aquisição” (art. 71 da pi). Mais ainda, se tivesse sido a B ... a comprar o carro, teria sido ela a pagar o preço e por isso o autor não teria pago nada ao réu. A quem o autor teria pago alguma coisa teria sido à locadora. Pelo que nenhum direito teria a pedir, do réu, a restituição do preço. A quem pertencia esse direito era à locadora. A acção teria que ter sido posta contra a locadora e o réu nos termos do caso resolvido pelo ac. do STJ de O ac. do STJ de 15/05/2008, publicado sob o nº. 08B332 da base de dados do ITIJ. I O locatário tem legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de anulação ou de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente, no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava. II A declaração de nulidade do contrato de compra e venda é oponível ao locador e acarreta, consequencialmente, a nulidade do contrato de locação financeira. III Os efeitos, para este contrato - consequência da declaração de nulidade do contrato de compra e venda - produzem-se, em relação ao locador, afectando as próprias “prestações e rendas recebidas”, devendo, mutuamente, ser restituído tudo o que houver sido prestado; os seus efeitos são, pois, retroactivos.
Ainda tendo em conta o aspecto prático das coisas, ou a substância delas, veja-se o que é que acontece se o autor não puder entregar o carro – por o carro não ser dele, mas da “locadora”, na versão agora trazida aos autos - e por isso não receber o preço:
O réu não sai beneficiado: apesar da resolução do contrato fica com o preço mas não tem o carro;
E o autor não perde nada em relação ao réu, pois que nenhum direito tinha contra ele (já que não foi ele que comprou ou pagou o veículo).
Quem fica beneficiado, ao menos para já e sempre se as coisas forem como o autor agora diz, é a “locadora financeira”, que fica com o carro e com aquilo que o autor lhe pagou. Mas ela não foi demandada… apesar de ter sido a ela que o autor teria pago (e portanto ser dela que teria direito à restituição).
E assim se explica que, no caso do acórdão do STJ de 15/05/2008, acabado de referir, o autor tenha demandado a locadora financeira e o fornecedor do bem, tendo dirigido o pedido de restituição… das rendas…. à locadora.
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Sumário:
I - A resolução do contrato de venda para consumo está dependente apenas da desconformidade da coisa e da limitação decorrente do abuso do direito, não de qualquer sequência lógica ou de hierarquização dos direitos (de reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato, por esta ordem), mas uma das razões para afastar a possibilidade da escolha por abuso do direito pode ser o facto de se pedir a resolução por um defeito cuja reparação fosse razoável exigir ou por um defeito sem qualquer gravidade...
II – Se o comprador optar pela reparação da coisa, essa opção só o vincula até à primeira tentativa de reparação, não sendo obrigado a aceitar outra tentativa, pelo que volta a poder optar pelo direito à resolução, sem necessidade de transformar a mora em incumprimento definitivo da reparação.
III – A garantia de bom funcionamento dá mais direitos ao comprador, não lhe retira o direito de resolução no período da mesma.
IV – Declarando resolvido um contrato, o juiz também deve referir a obrigação do autor restituir a coisa recebida do réu, mesmo que o réu não tenha feito pedido de restituição da prestação que efectuou (mas se o não fizer essa obrigação não deixa de existir).
V – Um contrato de financiamento de aquisição a crédito, não se confunde com um contrato de locação financeira e uma cláusula de reserva de propriedade não é válida se o financiador não era proprietário do bem.
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Pelo exposto, julga-se improcedente a questão prévia da intempestividade das alegações e apenas parcialmente procedente o recurso interposto, e em consequência dessa procedência parcial acrescenta-se à al. b) da parte decisória da sentença recorrida, a parte final seguinte: “contra a restituição do veículo”.
Custas pelo autor em 25% e pelo réu em 75%, quer na acção quer no recurso.
Pedro Martins ( Relator )
Emídio Costa
Virgílio Mateus